Queridos amigos,
Quem anda a catar pela Feira da Ladra pode ser compensado.
Numa banca de revistas e boletins antigos, numa secção de bilhetes postais encontrei estas preciosidades. Nunca fui muito à bola com os retratos de circunstância do Eduardo Malta, poses de gente poderosa, o Malta às vezes era cruel e enfatizava as linhas da fatuidade e do bacoco, tudo aquilo muito bem disfarçado de quadros a óleo quase com direito do retratado passar à posteridade.
No caso em apreço, vergo-me ao talento, não é qualquer um que desenha estes 3 guineenses que vieram até ao Porto, em 1934 e foram depois esses mesmos desenhos apresentados em 1937, numa exposição em que os parisienses olharam atónitos para o confronto das linhas maciças e varonis das artes soviética e nazi.
Um abraço do
Mário
Eduardo Malta, a Exposição Colonial Portuguesa (Porto, 1934) e a Guiné
Beja Santos
Um dos cunhos mais representativos do nacionalismo que fundamentou o regime de Salazar foi a elegia dos Descobrimentos entendida como “idade de ouro” da Nação. A Exposição Colonial Portuguesa (Porto, 1934) que foi o primeiro grande ensaio desta fé no Império. Realizou-se no Palácio de Cristal e abriu as suas portas ao público em 16 de Junho. Os visitantes iriam ser confrontados com 15 subsecções representativas do Império Colonial, isto enquanto certame; nos terrenos circundantes do Palácio de Cristal, era possível encontrar em miniatura uma floresta tropical, uma picada, aldeias típicas de todas as colónias, enfim, procurava-se dar a sensação ao visitante de que estava a viajar pelas diferentes parcelas do Império; num lago inclusivamente instalou-se um “arquipélago dos bijagós”.
A exposição veio a encerrar com o cortejo colonial que percorreu algumas ruas do porto, era uma autêntica marcha etnográfica com homens e mulheres envergando trajes tradicionais, animais e veículos.
Foi um verdadeiro ensaio para a exposição de 1937 que decorreu em Lisboa e intitulada Exposição Histórica da Ocupação, e que se realizou no Parque Eduardo VII, no mês de Julho.
Um outro momento fulgurante será a Exposição do Mundo Português que se realizou em Lisboa em 1940 e foi, por ventura, o acontecimento mais espectacular de todos aqueles que o Estado Novo promoveu em torno da glorificação do Império.
Henrique Galvão foi o coordenador do certame do Porto. Entre os artistas que convidou figurou o nome de Eduardo Malta. Malta faz parte da galeria dos pintores retratistas do Estado Novo. Os três desenhos que aqui se reproduzem foram esboçados no Porto no decurso da Exposição Colonial Portuguesa e foram apresentados no Pavilhão Português na Exposição Internacional de Paris de 1937.
Nestes três desenhos alusivos à Guiné, é possível ver-se a grande qualidade do traço de Malta, um inequívoco artista do regime que hostilizava abertamente as correntes artísticas contemporâneas e que foi alvo de um maciço abaixo-assinado de protesto pela sua nomeação como director do Museu Nacional de Arte Contemporânea (hoje Museu do Chiado).
O primeiro desenho é um impressionante esquiço de Mamadu Sissé, um régulo mandinga que combateu ao lado de Teixeira Pinto, no chamado período das guerras da pacificação. O que impressiona é a posição lânguida, os traços do rosto, o desenho da sabadora, a posição das mãos, o venerando régulo parece meditar, o desenho da sua mão direita é sublime.
Segue-se o desenho de Abdulai Sissé, filho do régulo. Está sentado, tem a pose distinta de um africano europeizado. Novamente Malta recorre a linhas suaves para delinear o corpo, tornando-o evidente em toda a sua compleição. Abdulai é esguio, possui feições distintas e elegantes, tudo lhe assenta bem, olha-nos de frente como se testemunhasse com o seu olhar reflectido o futuro projectado. Atenda-se na elegância das pernas cruzadas que dá peso específico à dimensão deste homem de duas culturas.
E, por último, Rosinha. É uma jovem ensimesmada, com um olhar de modéstia e timidez. Nasceu para viver apagada, não dar nas vistas. É tudo extremamente correcto e marcado pela vontade do artista de enfatizar a africanidade: ao contrário de Abdulai, aquele manto não é europeu, são linhas muito suaves que escondem o busto, as próprias mãos estão escondidas, nem temos o direito de lhe ver o cabelo (no caso do régulo, é compreensível que o artista escondesse o cabelo de Mamadu Sissé com o cofió, um rei não se deixa desenhar ou fotografar de cabeça ao léu). Rosinha é a beleza africana mas tudo nela é secundário, adicional, é para ver e passar à frente. Mulher é mulher.
Diga-se o que se disser da arte de Eduardo Malta, a Guiné ficou-lhe a dever estes três belos retratos de cunho modernista, são desenhos para guardar.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 6 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8230: Notas de leitura (236): Alvorada em Abril, de Otelo Saraiva de Carvalho (Mário Beja Santos)
Henrique Galvão foi o coordenador do certame do Porto. Entre os artistas que convidou figurou o nome de Eduardo Malta. Malta faz parte da galeria dos pintores retratistas do Estado Novo. Os três desenhos que aqui se reproduzem foram esboçados no Porto no decurso da Exposição Colonial Portuguesa e foram apresentados no Pavilhão Português na Exposição Internacional de Paris de 1937.
Nestes três desenhos alusivos à Guiné, é possível ver-se a grande qualidade do traço de Malta, um inequívoco artista do regime que hostilizava abertamente as correntes artísticas contemporâneas e que foi alvo de um maciço abaixo-assinado de protesto pela sua nomeação como director do Museu Nacional de Arte Contemporânea (hoje Museu do Chiado).
O primeiro desenho é um impressionante esquiço de Mamadu Sissé, um régulo mandinga que combateu ao lado de Teixeira Pinto, no chamado período das guerras da pacificação. O que impressiona é a posição lânguida, os traços do rosto, o desenho da sabadora, a posição das mãos, o venerando régulo parece meditar, o desenho da sua mão direita é sublime.
Segue-se o desenho de Abdulai Sissé, filho do régulo. Está sentado, tem a pose distinta de um africano europeizado. Novamente Malta recorre a linhas suaves para delinear o corpo, tornando-o evidente em toda a sua compleição. Abdulai é esguio, possui feições distintas e elegantes, tudo lhe assenta bem, olha-nos de frente como se testemunhasse com o seu olhar reflectido o futuro projectado. Atenda-se na elegância das pernas cruzadas que dá peso específico à dimensão deste homem de duas culturas.
E, por último, Rosinha. É uma jovem ensimesmada, com um olhar de modéstia e timidez. Nasceu para viver apagada, não dar nas vistas. É tudo extremamente correcto e marcado pela vontade do artista de enfatizar a africanidade: ao contrário de Abdulai, aquele manto não é europeu, são linhas muito suaves que escondem o busto, as próprias mãos estão escondidas, nem temos o direito de lhe ver o cabelo (no caso do régulo, é compreensível que o artista escondesse o cabelo de Mamadu Sissé com o cofió, um rei não se deixa desenhar ou fotografar de cabeça ao léu). Rosinha é a beleza africana mas tudo nela é secundário, adicional, é para ver e passar à frente. Mulher é mulher.
Diga-se o que se disser da arte de Eduardo Malta, a Guiné ficou-lhe a dever estes três belos retratos de cunho modernista, são desenhos para guardar.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 6 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8230: Notas de leitura (236): Alvorada em Abril, de Otelo Saraiva de Carvalho (Mário Beja Santos)
7 comentários:
Obrigado, Mário Beja Santos por nos trazeres estes três retratos do Eduardo Malta. Fora a política e umas tantas coisas mais, até gosto do camarada de armas na Guiné, Mário Beja Santos.
Abraço,
António Graça de Abreu
Regresso às fotografias, fixo-me na Rosinha.
Dizes, meu caro Mário: "Rosinha é a beleza africana mas tudo nela é secundário, adicional, é para ver e passar à frente. Mulher é mulher."
Gostos são gostos. Para mim a Rosinha, recatada, tímida esplendorosamente formosa é mulher para tocar, beber em tragos de ternura e de loucura. Mulher para nos levar ao Paraíso.
Mas gostos são gostos.
Abraço,
António Graça de Abreu
Caro António,
Aceito aquela frase "mulher é mulher" com a naturalidade dos costumes locais. Como sabes, a mulher só ganhava importância na questão da descendência.
De resto, era praticamente secundária.
Um abraço
JD
... repito os 7 (sete) m/anteriores protestos, colocados e aceites, eliminados (por quem? e quando?)
Carlos Esteves Vinhal, irei repeti-los, tantas mais vezes quantas me apetecer, até v. se dignar responder, aqui ou por outra forma qualquer.
Fica por este meio notificado, que cada um dos m/precedentes "comment", além de ser automaticamente enviado pelo google para m/mailbox - prova de ter sido colocado neste v/blogue -, também de cada um tem sido feito imediato printscreen.
Apenas para memória futura que v., na qualidade de co-editor deste weblog, nada mais tem feito nas últimas horas que apagar, consecutivamente, cada um dos comentários desta origem.
Se pretender explicações, estou à sua disposição, a qualquer hora e em qualquer lugar.
E pergunto, aqui, pela enésima vez,
a Mário António Gonçalves Beja dos Santos:
- conheceu "o Malta"?!
- também, agora, deu em crítico d'arte?!
- e que tem a sua pessoal verrina apreciativa, uma vez mais, a ver com este espaço dedicado à partilha de memórias, de quem cumpriu serviço militar na Guiné?!
Ó homem, vá-se catar!!!
(assina: João Carlos Abreu dos Santos)
Á atenção de JCAS:
O Carlos Vinhal é apenas um dos elementos com capacidade para eliminar comentários que extravasam das regras do blogue. Somos vários, porque eu também tenho essa capacidade.
Faça o favor de, se o entender, expor as suas razões directamente aos editores, em vez de se breferir ao Vinhal, crucificando-o, atitude para a qual não tem qualquer legitimidade, e não lhe fica bem.
JD
JD
Tenha então o bom senso e a humildade de eliminar alguns dos comentários por si efectuados.
Constantino Costa
... a minha resposta a JD, e demais outros veteranos (eventualmente interessados), foi ao início desta madrugada remetida via email, com o qual dei este assunto por encerrado.
JCAS
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