sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9408: Nós da memória (Torcato Mendonça) (5): Fado no Império - Fotos falantes IV

Fados no Oceano

Foto ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados





1. Em mensagem do dia 25 de Janeiro de 2012, o nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69), enviou-nos um texto para integrar os seus "Nós da memória", mas ilustrada com fotos falantes da sua IV série. Promete.





NÓS DA MEMÓRIA - 5
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

1 - Fado no "Império"
Fotos Falantes IV

Necessitava, para “desatar” mais uns nós da memória, de um qualquer auxílio.
Seleccionei algumas dezenas de slides e serão eles o auxílio pretendido.
Não sinto vontade em continuar a falar – escrever – sobre a “guerra pura e dura”, não, isso não.
Voltarei? É possível. Nunca digas nunca.

Suspendi o relato, a minha descrição, sobre a “Lança Afiada”. Descansa num dossier. São muitas folhas e não as quero como outras na lareira.

Antes de começar a escrever fiz breve visionamento dos slides, ora seleccionados, e um deles chamou-me a atenção. O Fado cantado em alto mar, o nosso fado, o destino de um Povo aqui em regresso de serviço prestado à ditosa Pátria.

Este, que aqui pelos ares atlânticos se perdia, não era certamente o fado triste das vielas de Lisboa e de seus amores e desamores. Não. Este teria certamente a música plagiada de um desses fados. A letra seria sobre a vida dos soldados em regresso à velha capital do Império, algo sobre a sua estadia de dois anos na Guiné, dois anos de uma juventude interrompida.

Era o regresso, o regresso das últimas caravelas. A rota seria a mesma, pouco importando os ventos e marés e, em tudo o mais diferente, quer na ida ou no regresso dos mesmos homens agora mais velhos, precocemente mais velhos, muito diferentes dos jovens da ida. O País esperava-os para deles se desenvencilhar rapidamente. Seriam peças descartáveis da máquina trituradora daquela geração. País virado ao mar e ao umbigo de minoria, País de sonho irrealizável, teimoso e bolorento nesse e noutros quereres.

Continuava virado a ilhas, a áfricas e ásias onde, a sua bandeira tremia há séculos, por terras conquistadas e mantidas com impossíveis por tão diminuta gente. Uma ocupação de conveniência.
Séculos de ocupação, de exploração para beneficio de minoria de seu Povo ou, pior ainda, para gentes de outros Países que, em conjunto com a pequena elite deste nosso rectângulo, usufruíam os proveitos desse estar e explorar terras e bens de outras gentes, impondo sofrimento, dor e humilhação.

Usavam a fé, os novos saberes da tecnologia, da cultura desrespeitadora da desses povos e não queriam entender, por não lhes interessar, que isso nada a tais gentes beneficiava. Eram gentes que nunca foram assim, em suas terras, cidadãos inteiros de um espaço que errada e enganosamente se dizia ser: - pluricontinental e multirracial do Minho a Timor. Por muito que hoje se duvide, outrora, poucas décadas atrás, muitos nisso acreditavam ou ainda acreditam.

Certo é que houve minoria, dessa gente oprimida, que desse colonialismo se libertou. Talvez, esses mesmos que de tais práticas se iam libertando, contribuíram para que os impérios se fossem desmoronando e um dia muitos, muitos mesmo ou quase todos pensaram serem livres, serem cidadãos inteiros e, mesmo apressadamente, dos velhos senhores se libertaram.

Erro deles, saíram de algo que lhes era imposto, algo que os oprimia e, sem disso se aperceberem logo noutras opressões, noutras servidões impostas por outros senhores, deles irmãos, caíram. Ainda esperam, hoje, por um novo mundo, um mundo mais livre, fraterno e sem tanta desigualdade.

Ah, ah… os últimos soldados do império? Esses, quase a totalidade, depois de serem descartados, ignorados e esquecidos vão desta vida se libertando. Não pesam pois, num Olimpo qualquer onde peso não interessa e, se algo deles cá fica, serve para outros comemorarem e relembrarem o nada em conforto de egos. Fica ou cai bem. Por vezes não, por vezes o lauto almoço, que, de um modo geral se segue excede os cuidados a ter com idades e maleitas próprias.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9295: Nós da memória (Torcato Mendonça) (4): Ano Novo; Ano Velho e Toca o Mesmo

5 comentários:

Anónimo disse...

Quantos os séculos de soldados de Portugal sentados no convés de naus,caravelas ou modernos navios,captados por esta foto? Como tão bem disse Spínola:"Partiram meninos...regressaram homens".Os pensamentos de cada um naquele momento?O futuro?Olhando a foto...ficam as perguntas. Como sempre, Caro Torcato Mendonça,uma das tuas "nostalgias de realismos feitas". Um grande abraço.

Antº Rosinha disse...

Torcato, se essa foto foi na partida, todos esses soldados deixaram Alcântara ou Sta Apolónia encostados a bombordo.

A estibordo, embora se visse Cristo, raramente se olhava para o outro lado.

E, a bombordo, os soldados podiam ver uns velhotes, já com 500 anos, que expressavam uns pensamentos bem póximo daqueles que nos transmites neste teu post.

E como diz J.Belo, quantos séculos de soldados...

Mas mesmo hoje, ainda poucos ouvem a voz dos velhos-do-restelo.

manuelmaia disse...

...por mares nunca dantes navegados...
abraço
manuelmaia

Manuel Joaquim disse...

Como numa linguagem quase coloquial se revelam muitos "trapos" que vestem um velho país e que tão bem o definem! Fascinante!
Diz-se, na Bíblia (?), que uma flauta torna mais agradável o canto mas melhor ainda é usar uma língua sincera ( leal, franca, pura).

Torcato:
Na lhaneza deste teu texto sinto palavras a correr por todos os lados, como setas ou em rodopio, mas sem perder o "norte". Entrecruzam-se ou embrulham-se, sem choques, numa missão de revelação do que foi (é) uma parte da história deste Portugal. História feita, e a fazer-se, entre coragens e tibiezas, miserabilismos e fanfarronices, orgulho e vergonha, humilhação e glória, entre a permanente riqueza de alguns e a persistente miséria de muitos, entre "a virgem m'acuda" e "os diabos me levem", entre o "Deus te salve!" e "um raio que te parta!"

E assim, por qualquer bambúrrio dos deuses, este velho país cá se vai ainda "aguentando nas canetas"! Até quando?

Um abração, meu caro amigo!

Hélder Valério disse...

Caro Torcato

O 'nosso fado', o fado do 'nosso fadário', do colectivo e, porque não?, dos individuais, perde-se na bruma dos tempos.

A foto, dizes tu, é do regresso. Acredito, mas não posso concluir por mim mesmo, não vi pormenores que o evidenciassem. O 'fado', o 'canto', seja o que for que está retratado, isso sim, soou e ressoou por cima das águas, sabe-se lá até onde foi...
Alegrias? Lamentos? Esperanças? Brejeirices? Revoltas? Promessas?
Hoje, aqui e agora, não podemos saber, mas foi de certeza 'do fundo da alma'...

Abraço
Hélder S.