segunda-feira, 3 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11669: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (37): 38.º episódio: Memórias avulsas (19): Mafra, Junho de 1964

Mafra, 26 de Janeiro de 1964 > O 1.º pelotão, da 1.ª Companhia ao 2.º dia de tropa.


1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 22 de Maio de 2013, enviou-nos mais uma história ocorrida durante "Os melhores 40 meses da sua vida", mais propriamente durante a recruta, naqueles belos primeiros dias de tropa.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65-67 - MEMÓRIAS AVULSAS

19 - MAFRA, JUNHO DE 1964

Entretanto vieram as marchas finais.
Era Junho de 1964 e o local, uma zona de pinhais e mato rodeando as culturas próprias dos pequenos agricultores que se esgadanhavam para tirar um pouco proveito daquele trabalho árduo.
Viam-se por ali, de sol a sol, escavando... escavando, só parando ao ver os escanzelados militares em manobras a quem ofereciam um cigarrito, um copo do vinho que faziam para consumo próprio... uma fruta.
E digam lá se a isto não se chama solidariedade?

Esta iria ser a última semana difícil em Mafra, terminando assim os cinco meses de recruta e passávamos a ser quase 1.ºs cabos-milicianos, ou seja, a mola real do Exército Português, ou melhor ainda, aqueles que sabem como é na verdade.

Houve rigor e tudo parecia ser mesmo uma guerra a sério e até nos era permitido o acesso a verdadeiras balas embora de madeira. As situações treinadas assemelhavam-se à realidade das matas africanas e sempre supervisionadas por Oficiais Instrutores oriundos da Academia Militar, com experiência quer na preparação de homens, quer até, alguns, já conhecedores da verdadeira tormenta africana.

Ambicionávamos que aquele malvado tempo passasse depressa, porque logo após, teríamos o gozo de um mesito de férias, antes do reinício do que se chamava especialidade, que todos nós escolhêramos, acreditando ser possível. Claro que a maior parte foi cair na de atirador, com'a mim.

Feitas as pazes com o inimigo, outros d'outras companhias e também instruendos, procedeu-se ao regresso, em passeio pedonal de trinta e cinco quilómetros. O estado físico geral era pior que mau, mas o ânimo voltou quando, ao chegarmos às imediações do quartel, fomos subitamente atacados pelo Hino Nacional abrilhantado pela Banda Musical Militar.

E o inimaginável aconteceu: aqueles verdadeiros homens cansados, arrebentados, tristes e acabrunhados, revigoraram... marcharam garbosamente... endireitaram-se... honraram a farda... tornaram-se capazes até... de chorar.

Domingo à espreita... e deu-se a cerimónia do "Juro, como Português e Militar... defender a minha Pátria... mesmo com o sacrifício da própria vida".

Presentes muitos dos familiares das tropas em presença, nanja os meus e bem pena tive, mas a crise d'agora já eles tinham então e desde que tinham vindo ao Mundo.

Fomos então autorizados a sair e pela primeira vez, de civis vestidos, para o retorno não definitivo à vida, que sim, essa era a nossa de antes e que iria ser a de depois. Descer aqueles 135 degraus do 5.º andar até cá baixo, nunca me atrevera a pensar que me saberia tão bem. Foi o correr para a boleia do Miranda que fez o favor de me deixar em Sta. Apolónia.

Depois... o chegar a casa... o reencontro com os familiares... a festa... a galinha assada nas brasas... o reconhecer de novo de que "como é bom ser gente"... poder ir à pesca... nadar nas águas límpidas do rio Sôr... o colher da fruta na horta... o comer uns passarinhos fritos... dormir que nem um justo.

Até que um dia e só haviam passado trinta, lá veio a desmancha prazeres da informação de que me devia apresentar em Tavira para completar o processo e poder usar as divisas de duas riscas encarnadas viradas para o cachaço e ainda outra mais pequena apontando o chão e inseridas ainda num paninho verde.
E daí em diante seria e fui para todos o "NOSSO cabo-miliciano".

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11596: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (36): 37.º episódio: Memórias avulsas (18): Aquando no CSM, Mafra, Maio de 1964

10 comentários:

Anónimo disse...

Em época de crise, proponho-me oferecer um almoço (prato principal, vinho tinto, sobremesa e whyski Bushmill's, a quem me reconhecer na foto. Abraços do
Veríssimo Ferreira

Tony Borie disse...

Olá Veríssimo.
É difícil reconhecer-te, na excelente fotografia, pelo menos para mim, que acabo de vir lá de fora, do sol, pois andei a cortar a relva, em volta da casa, pois já parecia uma savana da Guiné!.
Agora aquela passagem pela recruta, com acertar o passo, depois de saber, toca a marcar passo, caminhadas longas, tiros a brincar, o hino nacional, juro defender tudo, até a bandeira, a pátria é minha mãe, 135 degraus para fugir para casa, e a vida de civil, mas por pouco tempo, pois o dever esperava-te!.
Isto éramos nós, cumpridores, obedientes e querendo defender a pátria!.
Geração de pessoas, fiéis e honradas, que não mais existem.
Um abraço Veríssimo, e espero ler mais textos.
Tony Borie.

Anónimo disse...

Caro Veríssimo,

E esse almoço poderá ser na cidade de Boston? Se sim, aventuro com o #8, da esquerda para a direita, na primeira fila.

Como tenho a certeza que acertei, vamos ao teu artigo.

Já antes, as férias de fim de curso foram aqui abordadas. Mas é bom recordar esses pormenores.

Nós, os açorianos, madeirenses e os cabo-verdianos, tínhamos que passar essas férias no continente. Quase sempre nos quartéis onde tirávamos o "tirocínio".

A guita, melhor, a falta dela, não permitia sonhar com a companhia da família, da namorada, dos amigos.

Para os insulares, com uma ou outra excepção, a tropa era mesmo de todos os dias.

Para o Tony,

Já fugistes ao calor estival da Florida?

Abraço,
José Câmara

Anónimo disse...

Amigo José Câmara: na verdade e confirmando que não coloquei essa questão (do prémio ser pago aqui na Metrópole) pois eu iria mesmo até Boston liquidar a coisa, mas não desta vez. Na verdade esse que assinalas está a rir e foi a partir desse precioso pormenor que lá chegaste. Falhaste contudo o que é uma pena. Fica para a próxima. Mas já que ninguém nos ouve ou lerá, sempre te digo que estou mesmo ao lado ou seja sou o 9º e não o 8º. Abraço e obrigado pelos teu comentário. Neste pelotão havia um natural dos Açores e que gente boa. Perdi o contacto mas ainda o não esqueci.

Para o Tony:
Obrigado pela atenção e pelo menos já tenho quem me vá lendo. Essa coisa da erva, debato-me com o mesmo problema, no monte herdado dos meus sogros. È que mesmo pagando não há quem queira trabalhar e sendo assim que remédio tenho senão fazê-lo eu. Abraço.

Tony Borie disse...

Olá companheiros, Veríssimo e José Câmara.
A relva ou erva, não sei o nome exacto, dá-me cabo da paciência, no espaço de uma semana, pelo menos no verão, cresce mais que os "produtos de primeira necessidade, nos supermercados"!.
Lá em cima era a neve, no inverno, que tinha que ser removida, aqui é a relva, quase todo o ano, que tem que ser ceifada!. Lá em cima era o frio, tinha que estar em casa com aquecimento, aqui é o calor, pelo menos nestes três meses que se aproximam, que tenho que estar em casa com o ar condicionado!.
Os nossos avós, diziam e muito bem, que não se podia ter, "Sol na Eira e Chuva no Nabal"!. Mas que grande verdade!.
Olhem gostei muito de falar convosco, agora vou à pesca, que estão lá fora três amigos a "desafiarem-me"!.
Um forte abraço para ambos,Tony Borie.

Unknown disse...

Nunca consegui "digerir" o facto de um cidadão ser integrado num curso de sargentos milicianos e acabando o dito ser promovido a cabo.
Um abraço e muita saude para todos nós.

Hélder Valério disse...

Olá companheiros

Saúdo a história/recordação/relato que o Veríssimo nos ofertou.
Trata-se de uma memória pessoal, de uma experiência pessoal, mas quem não se revê nela? nem que seja parcialmente?

Saúdo também os amigos 'distantes' Tony e Zé Câmara que aproveitaram este espaço comum para trocarem palavras, o que bastante me alegrou.

Já agora, em jeito de tentar a sorte, acho que o 'mancebo' Veríssimo é o #5 na primeira fila, a contar da direita.

Abraços
Hélder S.

Anónimo disse...

Amigo Helder: então não é que acertaste? Pois... mas não reparaste que o concurso para a adivinha já houvera acabado, dez minutos antes da tua resposta. Por isso não tens direito ao almoço em causa. De qualquer forma obrigado e quando muito, fica-te com a consolação de teres descoberto e eu nem percebo como tal foi possível. Um abraço do
Veríssimo Ferreira.

Hélder Valério disse...

Caro Veríssimo

Com que então já com o prazo esgotado... boa desculpa!

Mas enfim, resta-me a consolação de ter acertado. Não era difícil.
Não percebes como foi possível? Duas 'dicas': durante muito tempo, para defesa da 'integridade física', habituei-me a memorizar matrículas de automóveis e rostos (um dia explico-te como, porquê e para quê). Como não perdi o jeito de todo fui-te imaginando com 20 e poucos, partindo das fotos que tens publicado....

Abraço
Hélder

Anónimo disse...

Hélder não te importes com a nega do Veríssimo.

Ele também me disse que eu tinha falhado o tiro, pois tinha acertado no alvo ao lado. Pudera, então ía eu "xutar" o indivíduo que estava preparado para me pagar o jantar em Boston?

Quanto ao Tony, quem sabe, um dia daremos de caras num lugar. qualquer.

Para o Santos Dias,
O nosso tempo passou. Importante mesmo é que a situação que aludes, tenha sido resolvida a contento para os furriéis actuais.

Abraço.
José da Câmara