sábado, 8 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11681: (In)citações (52): Como queremos o respeito do País quando nós esquecemos que a vida de um ex-combatente começa no dia em se entra pela primeira vez num quartel e só acabará no dia em que o mundo deixar de existir? (José da Câmara)

1. Comentário do nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, BráBachile e Teixeira Pinto, 1971/73), enviado ao Blogue em mensagem do dia 29 de Maio de 2013:


Memorial Day > Aspecto da Parada em Taunton > O Nosso Grupo de Elite, marchando à vontade. A Tribuna de honra ainda estava a muitas centenas de metros. Ali fazemos os possíveis para alinharmos e marcharmos de acordo com as regras militares. Ontem até saí muito bem. A cadência foi feita por mim. No fim, aqueles sessentões estavam tão satisfeitos com o seu desempenho que me dedicaram uma salva de palmas.
© Foto e legenda de José da Câmara


Nos últimos dias li, com alguma perplexidade, os artigos e comentários referentes às cerimónias do Dia 10 de Junho, agora também Dia do Combatente.
O primeiro da autoria do camarada Colaço e agora o do Tony.

Compreendo perfeitamente e até subscrevo algumas das reacções implícitas na frustração dos artigos e comentários. Mas o que me magoa mais é que ao fim destes anos todos ainda não tenhamos aprendido a viver com as nossas próprias culpas em todo este cartório.
Nós, os ex-combatentes da Guerra do Ultramar, somos muitos milhares de criaturas.
Desses, nas cerimónias do Dia 10 de Junho, vão lá estar umas escassas centenas.
Alguns aparecerão vestidos a rigor, mas outros lá estarão em calça de ganga e camisa de flanela, outros em calção. A vestimenta poderá não ser importante, mas no contexto destas cerimónias o bem vestir é uma forma de ajudar a dignificar o evento.

Como podemos esperar mais do País se nós (embora eu não viva em Portugal) somos os primeiros a esquecermo-nos de nós próprios ao não comparecermos à chamada?
Como podemos nós esperar o respeito do País se, no nosso próprio blogue, vezes sem conta, muitos dos nossos camaradas se sentiram obrigados ao serviço militar e não ao Dever para com a Pátria?
Como queremos o respeito do País se, logo a seguir ao 25 de Abril, muitos se acobardaram e sentiram vergonha do uniforme que envergaram?
Como queremos o respeito do País quando muitos de nós se preocuparam com uma pensão de ex-combatente, mas esqueceram por completo os nossos camaradas enterrados um pouco por todo o solo das ex-Províncias?
Como queremos o respeito do País quando muitos de nós nos esquecemos de contar a verdade da nossa História aos nossos filhos, aos nossos netos?
Como queremos o respeito do País quando alguém, que não tendo sido militar, vai falar sobre os ex-combatentes é atacado por alguns de nós, mesmo ainda antes de ser ouvido?
Como queremos o respeito do País quando um Sousa Tavares qualquer chama palhaço ao Comandante Supremo das FA, o Sr. Presidente da República, um ex-combatente como qualquer um de nós, mesmo que na retaguarda, e nenhum de nós, com a capacidade e clarividência jornalística suficiente para o fazer, levanta a voz e diz basta?

Acima de tudo, como queremos o respeito do País quando nós nos esquecemos que a vida de um ex-combatente começa no dia em que ele entra pela primeira vez num quartel e só morrerá no dia em que o mundo deixar de existir?

Sinceramente não tenho a certeza que o País nos esqueceu. Bem pelo contrário, receio que fomos nós que, em muitos casos, nos esquecemos de existir.

Eu no meu quintal

Com Dionísio de Sá, natural de São Miguel, um Gringo de Guiledge
© Foto e legenda de José da Câmara

Ontem, nos EUA, foi comemorado o Memorial Day.
O povo americano, mais uma vez, prestou homenagem aos seus veteranos.
Tudo o que é Vila e Cidade, grandes e pequenas, todas elas, com maior ou menor pompa, saíram à rua para agradecer aos que serviram, muitos deles com o sacrifício da própria vida.
Eu também fiz a minha parte, quando integrado no grupo de elite da Associação de ex-Combatentes das FA Portuguesas, marchei na Parada da cidade de Taunton, MA.

A abrir a nossa participação, a Bandeira Portuguesa ondulava ao lado da Bandeira Americana.
Nos quase dois quilómetros do trajecto da parada, milhares de americanos alinhados nos dois lados da rua batiam palmas à nossa passagem.
Nelas senti o calor do carinho, respeito e agradecimento pela nossa participação.

Com todo o respeito prestei a minha homenagem aos que serviram nas FA dos EUA.
Eu também faço parte desta grande Nação.
De alma e coração senti os que, como eu, serviram nas FA de Portugal. De uma forma muito especial senti os que tombaram no cumprimento do Dever.

Um abraço
José Câmara
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11252: (In)citações (51): Os verdadeiros amigos dos bissau-guineeneses servem para que se digam palavras duras e chamadas de atenção e não apenas para pancadinhas no ombro e as habituais 'mantenhas' (Francisco Henriques da Silva, ex-alf mil, CCAÇ 2402, Có, Mansabá e Olossato, 1968/70, e antigo embaixador em Bissau, 1997/99)

9 comentários:

Tony Borie disse...

Olá José da Câmara.
Um texto, com alma, com sentimento profundo, com respeito pelos que caíram em defesa da bandeira, tanto na África, como em qualquer parte do mundo.
O teu sentimento, está muito bem expressado, com a frase que diz, que o nosso DEVER, começou quando transpomos pela primeira vez a porta de um quartel, e só terminará, quando deixar-mos este mundo, que às vezes, não é lá muito justo.
Bem Hajas, pelas tuas sentidas palavras, que fazem com que um combatente se sinta orgulhoso pelo seu passado.
Um abraço, Tony Borie.

N.B.-O meu email é: tonisaborie@gmail.com e tinha gosto em conversar contigo, também tenho um pequenino blogue, onde escrevo entre outras coisas, algumas histórias de nós emigrantes, que podes ver se tiveres a pachorra de abrir a página que é:

http://tonisaborie.wordpress.com


José Botelho Colaço disse...

Olá camarigo José da Câmara para dizer que gostei do teu P11681.
Quanto ao respeito ou à falta dele ao comandante supremo das FA? Há matéria para muito diálogo mas penso que não é aqui o lugar adequado para tal.

Um abraço
Colaço C. caç. 557 Cachil Bissau Bafatá.

Anónimo disse...

Orgulho sincero em observar ex-combatentes representando o seu país natal de forma tão digna.Os que,como nós,estão bem longe,observam o nosso querido Portugal com "os telescópios da alma",como tão bem escreveu Eça de Queiroz. Quanto ao cargo da Presidência da República concordo inteiramente que deverá merecer o respeito de todos.No entanto,alguns dos que têm desempenhado esse cargo,não terão agido de forma a fomentar esse mesmo respeito.É muito importante em Democracia,a distincäo entre o "cargo" e as qualidades (ou falta de)de quem o desempenha. Um grande abraço.

Anónimo disse...

E que honra...poder desfilar com a Bandeira de Portugal...em festa num País que ainda aplaude os Combatentes. Abraços José da Câmara. De Veríssimo Ferreira

Hélder Valério disse...

Caro amigo Zé Câmara

Sempre em forma e sempre oportuno!
Fizeste bem em enviar este apontamento, esta reportagem, para que por aqui também se possa sentir.
Sei, sabemos, do teu grande empenhamento na divulgação do nosso 'bom nome' e de como gostarias que por cá também houvesse uma 'aproximação' ao respeito com que por aí se honram os que serviram essa Pátria, fosse em que circunstâncias fosse, mas, olha, por cá, é o que há!

Um grande abraço
Hélder S.

JD disse...

Caro Zé,
Deixa-me partilhar contigo a emoção e orgulho de ser português. Como o José Belo, melhor, como toda a gente, eu vejo pelo meu periscópio e cada um pelo que tem. Essa visão, porém, é subjectiva, e não podemos ter a veleidade de nos imaginarmos a todos influenciados pela mesma observação, porque os campos observados serão sempre distintos, conforme a geografia, conforme a sensibilidade, conforme o sentimento de solidariedade, condorme o nível de cidadania, conforme o sonho indicvidual ou colectivo, conforme o esforço de cada um para melhorar a sociedade.
Por isso, salvaguardadas as nossas semelhanças, agora empoladas pelo teu texto, há muitas diferenças que condicionam as nossas formas de sentir e de expressão.
Não seremos piores portugueses, os que idealizam a imagem agregadora de um Presidente da República, da figura que tem tropeçado em pecados egoístas e de protecionismos a familiares e amigos, e faz vista grossa ao sofrimento de uma grande parte da nação, enquanto vai arengando "depois não digam que não avisei".
Eu é que estou farto de avisar, mas não tenho poder.
Admite Zé, que este "jardim" alimenta muitas diferenças relativamente à nação americana, diferenças que se espelham na resignação do Helder quando refere, "por cá, é o que há!"
Até dói!
Abraços fraternos
JD

Anónimo disse...

Queria só mandar um abraço ao amigo José Câmara pela oportuna reflexão que faz sobre a "nossa condição" de antigos combatentes. Só isto bastava e talvez dizer-lhe que me comovo ao assistir pela televisão ao desfile dos nossos camaradas combatentes da Guerra do Ultramar, integrando o desfile militar nas cerimónias oficiais do 10 de Junho. Uma decisão do Senhor Presidente da República, Comandante Supremo das Forças Armadas, também ele, como bem relembra José Câmara, combatente naquela guerra. Infelizmente nem tudo correu bem. Lá aconteceram umas vaias ao Senhor Presidente da República. E um antigo combatente que assistia às cerimónias não teve pejo em dizer que tudo aquilo era uma palhaçada.
Estamos conversados, pois ou, como desabafa Hélder Valério, por cá é o que há.
José Belo tem toda a razão: uma coisa é achincalhar o Professor Cavaco Silva, outra bem diferente é vaiar o Senhor Presidente da República. Mas o que admira é que se ache bem que isto aconteça no 10 de Junho, um dia que devia ter especial significado para o Povo Português.

Anónimo disse...

Desculpem: não assinei nem revi. Cliquei em "publicar" quando queria clicar em "editar".
Será possível aos editores devolverem-me o comentário para o rever e assinar?
Antecipados agradecimentos e um abraço do
Carlos Cordeiro

José Botelho Colaço disse...

Os comentários seguintes ao meu estão a comentar o que eu queria dizer quando disse penso que aqui não é o lugar adequado para tal

Um abraço
Colaço C. caç 557 Cachil, Bissau, Bafatá 1963/65.