domingo, 26 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21200: Blogpoesia (687): "O sabor da sabedoria", "Quem haveria de dizer..." e "Desinfestar os males", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana:


O sabor da sabedoria

É vasto e fundo o mar.
A sabedoria é um mar.
As ideias e os conceitos navegam nele à solta e em liberdade.
A ele recorrem, a toda a hora, os pescadores com suas artes, as mais variadas.
Enchem os seus porões.
Como sardinha ou pescada.
Depois as levam com sofreguidão.
As descarregam, em grande festa, nas bancadas dos mercados.
A seguir são cozinhadas e servidas à mesa das refeições.
Cada cozinheiro tem sua mão.
Dali saem gostosos petiscos que saciam não só o corpo mas também a alma.
É bom e salutar mergulhar no mar da sabedoria a toda a hora...

Berlim, 23 de Julho de 2020
7h56m
Jlmg

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Quem haveria de dizer…

Nasceu de família rica e apalaçada.
Frequentou colégios dos melhores que havia pela redondeza.
Foi para o Porto.
Quis viver sozinho.
Ruelas manhosas.
Crivou-se de vícios.
Mergulhou nas drogas.
Dormia no chão.
Inverno e verão.
Fez-se um farrapo.
Tudo esqueceu.
A família inteira.
Lá na aldeia serrana.
‘Inda espera por ele.
Juiz ou doutor.
Um destino perdido.
Mas a avozinha velha,
Lhe queria tanto.
De pequenino o cuidou.
Todas as noites acendia uma vela.
Senhora da Esperança!
Senhora de Fátima!
Uma fé total.
Há-de aparecer.
...................

Certo dia, pela tardinha,
Apareceu ao portão
Da quinta murada.
Conhecia-o tão bem.
O velho cão logo apareceu.
Se atirou a ele.
A ladrar de júbilo.
A velha criada assomou ao alto,
Lá do escadório,
A ver o que era.
E o cão, de contente, ladrava, ladrava.
Sem lhe fazer mal.
Um pressentimento:
Só pode ser ele.
O Antoninho.
Desceu a correr.
Que grande abraço.
Eu sabia que havia de voltar.
E agora a avozinha?
Seja o Deus quiser.
…................

Que grande festa houve naquela mansão, naquela noite.
Quem haveria de dizer?...

Berlim, 24 de Julho de 2020
7h21m
Jlmg

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Desinfestar os males

Oro ao sol desinfeste as nuvens negras que, de repente, toldaram a terra de tristeza e de angústia.
Secaram os sonhos de viver.
Nos sentimos amordaçados pelo terror do temor.
Ficaram presos nossos passos.
Deixamos de voar com medo das tempestades inesperadas e imprevisíveis.
Temos os olhos entumecidos por pesadelos das noites mal dormidas.
A esperança deixou de brilhar no horizonte.
Soaram a rebate os sinos da aflição.
Parece que o abandono se instalou.
Mas eu, contra tudo e todos, creio vivamente que não estamos abandonados.
Brevemente, há-de vir Alguém, a socorrer e desinfestar todos os males...

Ouvindo Schubert
Berlim, 25 de Julho de 2020
8h23m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21183: Blogpoesia (686): "As multidões..." e "Derramaram prata neste mar ardente", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

2 comentários:

Hélder Valério disse...

Ora muito bem, caro Mendes Gomes

Já faz tempo que não faço qualquer comentário, por pequeno que seja, aos teus poemas.
E não é que não tenham "sumo" para isso mas, como já tenho escrito, aprecio, gosto ou nem tanto mas sinto que me falta "substrato" para comentar.
Hoje faço-o porque achei interessante a analogia que fizeste com o mar e a sabedoria. Só faço uma pequena correcção: é que os pescadores não descarregam as sardinhas e/ou as pescadas nas bancas dos mercados, assim directamente.... têm que passar pelas lotas e pelos negociantes para depois poderem atingir os "preços simpáticos" que conhecemos.
No segundo poema confesso que, desconhecendo os antecedentes, não consegui "pessoalizar" mas esse percurso de quem vem das pacatas regiões da província e se "perde" nas grandes metrópoles com os seus vícios e aliciamentos e depois volta à "santa terrinha" com o rabinho entre as pernas à procura de consolo ou redenção.
O terceiro poema, se não fossem as duas últimas frases, seria de desalento e rendição mas com elas, as tais frases, readquire-se a esperança.
E pronto, fica agora o abraço.
Hélder Sousa

Joaquim Luís Monteiro Mendes Gomes disse...



Grande abraço, Caro Helder. É bom saber que alguém lê o que se escreve. Se calhar muitos mais lêem mas não são capazes de escrever o que sentiram...


Fica bem.