sábado, 21 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P24002: Una revoluzione...fotogenica (7): Uma foto intrigante de um guerrilheiro do PAIGC morto, em 1970, da autoria do fotojornalista húngaro Bara István

 

Foto nº 1 


Foto nº 2

Guinea Bissau > 1970 > Bara István > Elesett PAIGC katona / Guiné-Bissau > 1970 > Foto de Bara István > Soldado do PAIGC caído

Não sabemos se estas  fotos são do domínio público. De qualquer modo, fica atribuída a sua autoria. Tentámos, há uns largos anos,  contactar o autor por e-mail, mas nunca recebemos resposta, para obtermos autorização para divulgação desta e de mais fotos da sua fotogaleria.

Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria > Guiné-Bissau (com a devida vénia ...

1. Esta foto sempre me intrigou...  Já a conheço há uns largos anos... Mesmo sem se perceber húngaro, "vê-se" que é um "soldado do PAIGC caído", com a sua Kalash, ao lado... A foto é do fotojornalista  húngaro Bara István (n. 1942) que visitou, a partir de Conacri, algumas das áreas sob controlo do PAIGC, na região Sul, em 1970, "embebbed" nas fileiras da guerrilha... Não sabemos se ao serviço de algum órgão de comunicação social do seu país. 

Há mais 7 dezenas imagens da  reportagem fotográfica da visita, incluindo pelo menos duas do grupo de 26 prisioneiros portugueses que estavam na prisão da "Montanha", em Conacri, à guarda do PAIGC. (Daí que a visita do húngaro só pode ter sido realizada antes da Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970; também não se sabe a que título ele fez esta visita a Conacri e a áreas alegadamente sob controlo do PAIGC no interior da antiga Guiné portuguesa.)

Esta (e as outras fotos) estavam no sítio, "comercial",  "Foto Bara > Galeria" (http://www.fotobara.hu/galeria.htm) . Já não estão disponíveis neste URL, mas fomos recuperá-las  no Arquivo.pt: https://arquivo.pt/wayback/20090707123742/http://www.fotobara.hu/galeria.htm

A página foi capturada pelo Arquivo.pt em 7 de julho de 2009, às 12h37.

2. Pois é, há algo que  me intriga nesta foto (a original é a primeira de cima, Foto n.º 1, com a cabeça do guerrilheiro para baixo, no lado esquerdo; invertemos a segunda para que se possa ver o corpo de outro ângulo, com a cabeça no canto superior direito, Foto n.º 2).

Numa análise mais detalhada do corpo do guerrilheiro (Fotos nº 1A e 2A) não são visíveis ferimentos,  com sangue e orifícios de balas ou estilhaços... Ao ser atingido, seria normal cair de bruços, e a arma ser projetada para a frente ou para o lado... O guerrilheiro tem um "rosto sereno"... Sobre as pernas,  vêem-se alguns ramos de arbustos... E, mais estranho, não há vestígios de terra nem muito menos de formigas e moscas... É pouco provável que o fotógrafo tivesse conseguido um "instantâneo" da morte do guerrilheiro, num eventual reencontro com as tropas inimigas, até porque não há outras fotos que documentem nenhum emboscada ou ataque ao bigrupo do PAIGC...

Uma hipótese que levanto, é tratar-se de, não propriamente de uma "fotomontagem",  mas um foto resultante de um situação eventualmente simulada ou encenada...  O que eticamente seria grave para qualquer fotojornalista em qualquer parte do mundo, num cenário de guerra... Mas não seria o primeiro caso... Uma delas,que continua a ser polémica,  é a do "Falling Soldier", de Robert Capa, uma foto a preto e branco, mostrando o momento em que  um miliciano republicano é atingido mortalmente, durante a guerra civil espanhola, foto alegadamente tirada em Cerro Muriano, no sábado, 5 de setembro de 1936.

Estou de boa fé, não quero estar a ser injusto para com o fotojornalista húngaro, mas acho a imagem (que devia ser de horror) "demasiado perfeitinha"... O que acham os nossos leitores?

PS - Já o dissemos em tempos: não sabemos exactamente em que circunstâncias o Bara István esteve em Conacri e na antiga Guiné portuguesa: num das fotos, ele próprio, então com 30 anos, deixa-se fotografar com uma Kalash pendurada ao pescoço, o que para um fotojornalista de hoje seria altamente reprovável, do ponto de vista deontológico;  pelo que percebi do seu currículo (em húngaro...),  ele nessa altura, em que esteve na Guiné (1969/70), trabalhava como fotojornalista da MTI ("Magyar Távirati Iroda", em inglês "Hungarian Telegraphic Office", uma das mais antigas agências noticiosas do mundo, criada em 1880). 

Em resumo, julgo tratar-se de alguém com prestígio internacional como fotojornalista: pelo menos, foi eleito duas vezes  como membro do júri da "World Press Photo" e outras duas vezes da "Interpress Photo". Também foi docente, durante uma década, numa escola internacional de jornalismo no seu país.

Recorde-se, por outro lado, que na época (1969/70) a Hungria fazia parte do Pacto de Varsóvia e, portanto, era pelo menos politicamente um dos apoiantes do PAIGC.

Foto nº 2A

Foto nº 1A. 

Guinea Bissau > 1970 > Bara István > Elesett PAIGC katona / Guiné-Bissau > 1970 > Foto de Bara István > Soldado do PAIGC caído. Detalhe (Edição; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2023)

___________

Nota do editor:

Último poste da série > 13 de janeiro de  2023 > Guiné 61/74 - P23977: "Una rivoluzione...fotogenica" (6): Roel Coutinho, médico neerlandês, de origem portuguesa sefardita, cooperante, que esteve ao lado do PAIGC, em 1973/74 - Parte V: os "hospitais" do mato e o pessoal de saúde cubano

12 comentários:

Valdemar Silva disse...

Belas fotografias de Bara István não faltam.
A esta fotografia apresentada só falta o cheiro a sabonete de banho, tal é a intenção de ficar bem arranjadinho na foto. Não fora os arbustos sobre as pernas bem podia ser para enviar à mãezinha com um 'olha eu a fazer óó'.
A ideia do fotógrafo não sabemos ao certo, até por ele legendar "Elesett PAIGC katona" (soldado do PAIGC caído) e não o dramático "Halott PAIGC katona" (soldado do PAIGC morto).
É uma foto montagem para dar a ideia da "crucificação" muito utilizada noutros autores incluindo a pintura de Goya.
Mas, se formos observar as outras fotos da Fotogaleria vemos uma com um soldado 'Barry Bubacar' deitado numa cama a ouvir discos que tem semelhanças com o "caído" e o ronco no pulso do braço esq. não engana.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Abilio Duarte disse...

Oh Valdemar...tu não perdoas.

Como diria o Caco Baldé, fogo neles. Dass

Abraço, e as tuas melhoras.

Abílio Duarte

RF disse...

Como habitualmente venho diáriamente espreitar o blog.
Esta fotografia quase juro que é uma imagem preparada para o fotógrafo. Infelizmente tive o desprazer de ver alguns elementos da guerrilha morto pelas NT (e alguns da nossa tropa), e nenhum apresentava o ar sereno deste elemento, nem tão pouco a ausência de quaisquer ferimentos visíveis. Penso (alguém me corrigirá se estiver errado) que não abona muito a favor deste senhor húngaro que, pelo que li, se trata de um fotógrafo muito considerado e premiado. Mas na época a Hungria, como muito bem é dito no texto, estava no pacto de Varsóvia e portanto "do outro lado", uma das hipóteses é que será uma imagem de propaganda para ser usada para mostrar aos mais incautos, na altura valia tudo...

José Botelho Colaço disse...

Como versejava o nosso querido poeta popular António Aleixo.
P'ra mentira ser segura
e atingir profundidade,
tem que trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.

Valdemar Silva disse...

"...hipóteses é que será uma imagem de propaganda para ser usada para mostrar aos mais incautos, na altura valia tudo.."

Isso foi um facto, nos nossos jornais nunca apareceram fotografias dos nossos soldados mortos em combate, e morreram milhares. A pide e a censura encarregavam-se da proibição.

Valdemar Queiroz

Valdemar Silva disse...

"...hipóteses é que será uma imagem de propaganda para ser usada para mostrar aos mais incautos, na altura valia tudo.."

Isso foi um facto, nos nossos jornais nunca apareceram fotografias dos nossos soldados mortos em combate, e morreram milhares. A pide e a censura encarregavam-se da proibição.

Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Amigos

O Rapaz está a dormir, pois não se vê ponta de sangue, nem vestígios de tiro/tiros ou estilhaços.
Creio que os húngaros que viram esta foto não são estúpidos ao ponto de acreditarem que o rapaz foi morto em combate.
Pode realmente estar morto, mas não foi do tiroteio, talvez por colapso cardíaco.
Abraço
Carlos Silva

José Botelho Colaço disse...

Nada de isto me surpreende: Eu e a minha companhia no Cachil Ilha do Como na noite de 16-11-1964 num comunicado da "voz da liberdade PAIGC" dizia fomos todos dizimados nã há sobreviventes. De facto atacaram o aquartelamento e ficamos toda a noite sem comunicaçóes, em Catió temeu-se o pior tanto que quando cerca das 10-11 horas do dia seguinte é que conseguimos a comunicações com a reparação "(amputação)" da antena horizontal o tenente Coronel Matias nem queria acrediar que o Cachil estava á escuta. E fês-me a pergunta é sério, veradade o que estás a dizer, então vai lá chamar o teu comandante que eu perciso falar com ele assim o fiz e o comandante tenente Anarcélio Matias ficou tranquilo e com a certeza que o operador Colaço não estava a ser pressionado para dizer que estava tudo OK com um correto terminado. Colaço.

José Botelho Colaço disse...

Nome correto do comandante do Batalhão 619 em Catió Tenente-coronel Narcélio Fernandes Matias.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Em boa verdade, a legenda em húngaro não diz que o guerrilheiro do PAIGC está "morto", mas sim "caído": "Elesett PAIGC katona"... Nas línguas que nós dominamos, quer dizer: "Soldado do PAIGC caído", "Fallen PAIGC soldier", "Soldat du PAIGC tombé", "Soldado caído del PAIGC", "Soldato del PAIGC caduto"...

Quem ia à Guiné, na época, fazer a cobertura da guerra, corria riscos... Falamos dos jornalistas estrangeiros... E alguns queriam ver sangue, mortos, aldeias queimadas por napalm, e até combates... Luís Cabral conta uma história deliciosa de uma equipa de cineastas e fotógrafos franceses (Michel Honorin, Giles Caron e Michel Carbeau), escoltada pelo Bobo Queita,e acompanhada por ele, Luís Cabral, na fronteira com o Senegal, atravessando a estrada Jumbembem-Farim. Vinham do Biafra e queriam ver "sangue"... Por razões de segurança,tiveram de regressar à fronteira a toque de caixa... Estavam exaustos, irritadíssimos e exasperados, chegando um deles, o chefe da equipa francesa,Michel Honorin, a dizer na cara do Luís Cabral que eles eram "um bando de mentirosos" (Luís Cabral, "Crónica da Libertação", Lisboa, O Jornal, 1984, pp. 185/187)... Esta passagem merece ser transcrita (e comentada) no nosso blogue...

Faz-me lembrar a história da Op Ostra Amarga...(Guiné, Região de Cacheu, Bula, Pecuré, 18 de outubro de 1969: https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/Op%20Ostra%20Amarga )

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tanto Spínola como Amílcar sabiam da importância da guerra e da política da guerra como espectáculo, "mise en scène", encenação, teatralização.. E do papel dos jornalistas, fotojornalistas, cineastas...Já o Exército não conseguiu fazer bom uso dos seus fotocines... Deixou-os em Bissau, desocupados...

Afinal, para os chefes militares era preciso que o horror da guerra não chegasse a casa dos portugueses... De qualquer modo estava lá, em Lisboa, a censura a velar para que a guerra, lá longe, no "ultramar", não fosse perturbar se a paz podre que se vivia na metrópole...

Pergunto-me o que seria a guerra, na Guiné, com as "redes sociais" ?... O regime faria o mesmo que fazem os regimes totalitários: desliga-se o cabo...

José Botelho Colaço disse...

Não resisto a contar esta passagem: O fotocine da C. caç 557, Em meados de 1964 apareceu no Cachil um foto-cine de nome Brito posto 1º cabo casado, mas o material que levava e que recebeu durante toda a comissão para trabalhar era só as próprias mãos como eu tinha uma máquina fotográfica fez com que se fizesse-mos bons amigos, chegamos a revelar rolos de fotos no anexo do posto rádio sem que pelo meio muitos ficaram totalmente queimados outros em parte devido á entrada de Luz na câmara escura quando se estava no processo de revelação. Parece histórias da carochinha, de crianças mas foi pura realidade. O Brito por motivos pessoaia que para o caso não interessa não regressou connosco a Portugal ficou a trabalhar na foto ó Serra em Bissau e por lá passou os últimos anos de vida e morreu segundo informações particulares que na altura Obtive. Colaço.