Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Fajonquito > s/ d > Cherno Baldé conversando com "Homens Grandes" de Fajonquito. Adapt. de Foto: © Cherno Baldé (2013).
Foto (e legenda): © José Torres Neves (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Dr. Cherno Baldé, em Bissau (2019) |
1. No 25 de Abril de 1974, o Cherno Baldé já confessou que estava em Fajonquito, com os seus 14 ou 15 anos, e que ficou, perplexo, como todos os "djubis", "cães rafeiros do quartel", sem poder (nem querer) acreditar nas vozes que repetiam "A guerra acabou!... A guerra acabou!"... Para logo se interrogar, com angústia: "E agora ?!... O que será de nós?!" (*)...
O sonho daqueles miúdos, filhos de príncipes, fulas de Sancorlã, era poderem ir ainda a tempo para a tropa, receber o "crachá" dos "Comandos" e conquistar a "Honra e Glória" na luta contra os "homens do mato"!... Mas, para ele, Cherno. puto rafeiro, o verdadeiro 25 de Abril já tinha acontecido há pelo menos quatro anos antes, com a aparição fulminante e justiceira, em Fajonquito, numa manhã de nevoeiro, do "Caco Baldé", Spínola, o Desejado.
Já não nos lembrávamos desta história, contada na série "Memórias do Chico, menino e moço"... Mas lá estava, contava em maior detalhe no poste P11008, de 26 de janeiro de 2013 (**). Todo o poste, que vamos dividir em duas partes, merece ser antologizado, nesta efeméride (o 20º aniversário do nosso blogue), como um dos nossos melhores postes de sempre. (***)
MEMÓRIAS DO CHICO, MENINO E MOÇO (43) - O GENERAL SPÍNOLA E A POLITICA “POR UMA GUINÉ MELHOR” - PARTE I (**)
por Cherno Baldé
O que a seguir se apresenta é um texto narrativo resultante de recordações sobre as palavras de Aliu Samba ou Samba Kondjam (1) e um testemunho pouco fiável de uma criança “rafeira” de quartel, curiosa e intrometida, em forma de uma reflexão retrospetiva sobre a política “Por uma Guiné Melhor” que, na minha opinião, se não atingiu o seu objectivo maior, terá contribuido de certa forma, para a mudança das mentalidades, modelando a especificidade da colonização portuguesa na Guiné.
Assim, iniciamos com algumas questões que, esperamos, alguém mais adulto, melhor informado e mais fiável, nos ajudará a responder:
(i) qual seria a perspectiva do General Spínola para a solução do caso da Guiné “portuguesa” durante a guerra colonial que opunha o exército português, envolvido em três frentes de guerra subversiva, e a guerrilha nacionalista conduzida por Amílcar Cabral por intermédio do PAIGC?
(ii) alguma coisa teria falhado nos planos do General para levar ao reconhecimento da autodeterminação e independência total da Guiné-Bissau, ocorrido em 10 de setembro de 1974, ou teria sido uma consequência lógica da sua visão para esta província ultramarina, em particular, e da política colonial portuguesa em geral, como saída para o conflito armado que ameaçava os alicerces do império colonial português?
SPÍNOLA CONTRA OS IRÃS DE BANDIM
Se esta esperança acabou por desaparecer na cabeça de alguns guineenses, como foi dito mais acima e como seria lógico pensar em tais circunstâncias, parece que nem todos tinham deixado voar as ilusões sobre esta eventualidade e isto seria confirmado com as discretas visitas a terra de Dona Maria, no início dos anos 80, de algumas personalidades religiosas locais com a ajuda de emigrantes, os quais se teriam avistado com Spínola.
Ao certo, não se pode dizer que tivessem feito a viagem somente com esta finalidade, tendo em conta o secretismo que envolvia as deslocações, mas a verdade é que o tema sobre o qual mais se ouviu falar, após o regresso, tinha a ver com as notícias sobre o velho general, “amigo” dos guinéus, que, aparentemente, estaria vivo e de boa saúde, acrescentando, no entanto, que já era um homem com ar cansado, que falava muito pouco e que, embora se lembrasse de todas as pessoas com as quais se tinha privado enquanto governador, parecia estar distante da realidade atual da Guiné, da esperança e dos sonhos de uma hipotética comunidade luso-africana que, em tempos, ajudara a acalentar em alguns espíritos e/ou círculos mais próximos.
O que foi dito até aqui serve o propósito de poder apresentar a ideia, partilhada com muitos, de que não era crível que depois de ter convencido os seus oficiais superiores e a testa de ferro do regime de Lisboa do “bien-fondé” da política por ele conduzida na Guiné, desde que chegara àquela província em 1968 e, depois de tanto trabalho e recursos investidos nos esforços para conquistar a confiança de populações nativas completamente à deriva e confrontadas com uma escolha difícil, o “Caco Baldé” (3) baixasse os braços, deixando a província, cuja população literalmente o idolatrava, a mercê dos seus ex-inimigos e antigos adversários.
É sabido que o contexto internacional bem como a situação real no plano da guerra, num continente em plena mutação politica, não lhe era nada favorável, mas não era menos verdade que os grandes homens sempre se distinguiram na história, por feitos em que muitas vezes a evidência dos factos não lhe era, de todo, favorável.
Mas, uma coisa era querer e outra, bem diferente, poder mudar velhas ideias embutidas na cabeça das pessoas durante séculos, num país, também ele atrasado e governado por uma elite dominada por ideias fascistas.
O acaso da história quis que, também em Fajonquito, fôssemos testemunhas desta evidente teimosia e pudéssemos assim sentir, ao lado da nossa população “indígena”, os efeitos de um ato de justiça colonial de tempos novos que, muitos anos depois, e favorecido pelo fracasso da nossa gloriosa independência que custou sangue, suor e lágrimas, segundo os cânones do nosso Partido-Estado, e o desencanto patriótico que se seguiu, contribuíram para transformá-lo, finalmente, num cto sublime de elevado valor histórico e contributo importante para a mudança das mentalidades, marcando assim, de forma indelével, a sua passagem pelas terras da Guiné, não na cabeça dos eternos “colons”, mas no espírito do povo simples, eternos “indígenas” de uma nação multiétnica e plurirracial sem rumo. (...)
Bissau, 21 de Janeiro de 2013.
Cherno Baldé (Chico de Fajonquito)
(2) - Guerreiro, herói e mártir.
(3) - “Caco Baldé” tem origens no meio e língua fulas, é uma alcunha bem conseguida e duplamente interessante.
Também é bastante lógico se tivermos em conta que a maior parte dos chefes tradicionais fulas (régulos) e colaboradores das autoridades coloniais, no chão fula, ou pertenciam a esta linhagem ou tinham este apelido, de modo que é uma homenagem e, ao mesmo tempo, uma caricatura dirigida à linhagem dos Baldé, na minha opinião bem conseguida, por um primo, resultante da brincadeira entre grupos de afinidade, usando a figura da maior autoridade portuguesa, de então, no território da Guiné.
Não tenho a certeza e trata-se de uma conjectura da minha parte como pista para uma pesquisa mais aprofundada.
____________
Assim, iniciamos com algumas questões que, esperamos, alguém mais adulto, melhor informado e mais fiável, nos ajudará a responder:
(i) qual seria a perspectiva do General Spínola para a solução do caso da Guiné “portuguesa” durante a guerra colonial que opunha o exército português, envolvido em três frentes de guerra subversiva, e a guerrilha nacionalista conduzida por Amílcar Cabral por intermédio do PAIGC?
(ii) alguma coisa teria falhado nos planos do General para levar ao reconhecimento da autodeterminação e independência total da Guiné-Bissau, ocorrido em 10 de setembro de 1974, ou teria sido uma consequência lógica da sua visão para esta província ultramarina, em particular, e da política colonial portuguesa em geral, como saída para o conflito armado que ameaçava os alicerces do império colonial português?
Sim ou não, é bem possível que estas e outras questões nunca venham a ter respostas satisfatórias que possam desvendar os segredos do mais velho e enigmático chefe da guerra colonial ou guerra do ultramar português que, com a condução da política “Por uma Guiné Melhor”, tinha conseguido conquistar a confiança de uma parte significativa da população da Guiné, dita portuguesa.
Na Guiné-Bissau independente, nos meses que se seguiram ao 25Abril74, pairou no ar um sentimento ou esperança de que o general Spínola voltaria para resgatar a Guiné das mãos dos independentistas que os militares do exército português na altura, encurralados nos centros urbanos e entrincheirados em alguns quartéis fortificados do interior, como gostava de dizer o PAIGC, na ansiedade de um rápido regresso à metrópole, tinham entregue sem quaisquer condições prévias.
Na Guiné-Bissau independente, nos meses que se seguiram ao 25Abril74, pairou no ar um sentimento ou esperança de que o general Spínola voltaria para resgatar a Guiné das mãos dos independentistas que os militares do exército português na altura, encurralados nos centros urbanos e entrincheirados em alguns quartéis fortificados do interior, como gostava de dizer o PAIGC, na ansiedade de um rápido regresso à metrópole, tinham entregue sem quaisquer condições prévias.
Ninguém sabia ao certo como seria feito o resgate nem para quando estava isso previsto e, mesmo, se estava previsto.
LEMBRANDO OS HERÓIS DE SANCORLÃ
Mas, como não há nada sobre a terra que dure para sempre, o boato que não se confirmou nos meses que se seguiram, acabou por se diluir na corrente dos rumores que iam surgindo, para de seguida se extinguir lentamente como as nuvens que desaparecem após a chuva, acompanhando a implantação e consolidação do PAIGC, concomitante à eliminação física de centenas de elementos dos ex-comandos, milícias e soldados nativos do exército português, assim como elementos das chefias tradicionais consideradas, potencialmente, perigosas na fase mais crítica da transição e concentração do poder nas mãos do Partido-Estado.
Estas notas servem também para lembrar e honrar a memória dos nossos pais, tios e irmãos, vítimas da repressão feroz e da exclusão politica e social que se abateu sobre os que estiveram, de forma abnegada e valorosa ao lado e ao serviço de um certo Portugal e em nome de uma certa causa em que acreditavam, seguindo os trilhos de homens de coragem que nunca olharam para trás, filhos dignos de Sancorlã omo Guelá Baldé, Bubacar Fanca, Sedjali Cumbael, Mâma Djamarã, Alanso Candé, Bodo Djau (1) e muitos outros, nascidos nas terras de Ghâlen Soncô e de Buran-Djamé Baldé, onde as mulheres e mães para calarem o choro das crianças que traziam nas costas, simplesmente lhes diziam:
LEMBRANDO OS HERÓIS DE SANCORLÃ
Mas, como não há nada sobre a terra que dure para sempre, o boato que não se confirmou nos meses que se seguiram, acabou por se diluir na corrente dos rumores que iam surgindo, para de seguida se extinguir lentamente como as nuvens que desaparecem após a chuva, acompanhando a implantação e consolidação do PAIGC, concomitante à eliminação física de centenas de elementos dos ex-comandos, milícias e soldados nativos do exército português, assim como elementos das chefias tradicionais consideradas, potencialmente, perigosas na fase mais crítica da transição e concentração do poder nas mãos do Partido-Estado.
Estas notas servem também para lembrar e honrar a memória dos nossos pais, tios e irmãos, vítimas da repressão feroz e da exclusão politica e social que se abateu sobre os que estiveram, de forma abnegada e valorosa ao lado e ao serviço de um certo Portugal e em nome de uma certa causa em que acreditavam, seguindo os trilhos de homens de coragem que nunca olharam para trás, filhos dignos de Sancorlã omo Guelá Baldé, Bubacar Fanca, Sedjali Cumbael, Mâma Djamarã, Alanso Candé, Bodo Djau (1) e muitos outros, nascidos nas terras de Ghâlen Soncô e de Buran-Djamé Baldé, onde as mulheres e mães para calarem o choro das crianças que traziam nas costas, simplesmente lhes diziam:
"Cala meu filho, o teu pai vai mandar-te para os Comandos e, se não puderes ser comando, por livre arbítrio dos brancos, então serás o keledjaurâ (2) da nossa aldeia contra os homens do mato."
O que quer que tenha acontecido durante os golpes e contragolpes em Portugal, após o 25 de Abril, na Guiné a expetativa de um hipotético regresso do general, durante muito tempo, foi uma esperança secretamente alimentada e guardada, pelo menos, no regulado de Sancorlã que, com a independência do território tinha tudo a perder e nada a ganhar diante das rivalidades étnicas e contas antigas a ajustar com os seus vizinhos e rebeldes mandingas do Oio e Cola-Caresse que tinham apostado no cavalo certo na altura certa, investindo tudo na guerra contra o colonialismo, sim, mas também no sentido de recuperar a glória e a coroa perdidas durante as guerras pela posse das terras do reino de Gabú, um século atrás.
O que quer que tenha acontecido durante os golpes e contragolpes em Portugal, após o 25 de Abril, na Guiné a expetativa de um hipotético regresso do general, durante muito tempo, foi uma esperança secretamente alimentada e guardada, pelo menos, no regulado de Sancorlã que, com a independência do território tinha tudo a perder e nada a ganhar diante das rivalidades étnicas e contas antigas a ajustar com os seus vizinhos e rebeldes mandingas do Oio e Cola-Caresse que tinham apostado no cavalo certo na altura certa, investindo tudo na guerra contra o colonialismo, sim, mas também no sentido de recuperar a glória e a coroa perdidas durante as guerras pela posse das terras do reino de Gabú, um século atrás.
SPÍNOLA CONTRA OS IRÃS DE BANDIM
Se esta esperança acabou por desaparecer na cabeça de alguns guineenses, como foi dito mais acima e como seria lógico pensar em tais circunstâncias, parece que nem todos tinham deixado voar as ilusões sobre esta eventualidade e isto seria confirmado com as discretas visitas a terra de Dona Maria, no início dos anos 80, de algumas personalidades religiosas locais com a ajuda de emigrantes, os quais se teriam avistado com Spínola.
Ao certo, não se pode dizer que tivessem feito a viagem somente com esta finalidade, tendo em conta o secretismo que envolvia as deslocações, mas a verdade é que o tema sobre o qual mais se ouviu falar, após o regresso, tinha a ver com as notícias sobre o velho general, “amigo” dos guinéus, que, aparentemente, estaria vivo e de boa saúde, acrescentando, no entanto, que já era um homem com ar cansado, que falava muito pouco e que, embora se lembrasse de todas as pessoas com as quais se tinha privado enquanto governador, parecia estar distante da realidade atual da Guiné, da esperança e dos sonhos de uma hipotética comunidade luso-africana que, em tempos, ajudara a acalentar em alguns espíritos e/ou círculos mais próximos.
Afinal, sempre os irãs de Bandim tinham conseguido os seus intentos.
O que foi dito até aqui serve o propósito de poder apresentar a ideia, partilhada com muitos, de que não era crível que depois de ter convencido os seus oficiais superiores e a testa de ferro do regime de Lisboa do “bien-fondé” da política por ele conduzida na Guiné, desde que chegara àquela província em 1968 e, depois de tanto trabalho e recursos investidos nos esforços para conquistar a confiança de populações nativas completamente à deriva e confrontadas com uma escolha difícil, o “Caco Baldé” (3) baixasse os braços, deixando a província, cuja população literalmente o idolatrava, a mercê dos seus ex-inimigos e antigos adversários.
É sabido que o contexto internacional bem como a situação real no plano da guerra, num continente em plena mutação politica, não lhe era nada favorável, mas não era menos verdade que os grandes homens sempre se distinguiram na história, por feitos em que muitas vezes a evidência dos factos não lhe era, de todo, favorável.
E a evidência demonstrara que, a política “Por uma Guiné Melhor”, sendo uma empreitada que, em muitos aspetos, parecia muito acertada na época, era ao mesmo tempo, de difícil aplicação prática, tratando-se de um ato que, mesmo não alterando em nada o colonialismo, na sua essência, contrariava muitos dos comportamentos e preceitos coloniais habituais mais em voga, e que pareciam justificar a própria colonização em si, ao veicular a noção de uma pretensa superioridade racial, baseada na origem e cor da pele, o que era insuportável e humilhante aos olhos dos “quase portugueses” ou assimilados.
Esta era a verdadeira razão da guerra e tudo o resto viria por arrasto. Nós íamos compreender isto mais tarde, após a independência.
Mas, uma coisa era querer e outra, bem diferente, poder mudar velhas ideias embutidas na cabeça das pessoas durante séculos, num país, também ele atrasado e governado por uma elite dominada por ideias fascistas.
Assim, a mudança das mentalidades, se não era impossível de todo, no mínimo, era uma tarefa muito complicada. Mas, o general provou que não era dos que desistiam com facilidade, embora tivesse dez anos de atraso em relação ao pacto neocolonial referendado e aparentemente ganho por De Gaule nos territórios vizinhos da AOF (África Ocidental Francesa).
O acaso da história quis que, também em Fajonquito, fôssemos testemunhas desta evidente teimosia e pudéssemos assim sentir, ao lado da nossa população “indígena”, os efeitos de um ato de justiça colonial de tempos novos que, muitos anos depois, e favorecido pelo fracasso da nossa gloriosa independência que custou sangue, suor e lágrimas, segundo os cânones do nosso Partido-Estado, e o desencanto patriótico que se seguiu, contribuíram para transformá-lo, finalmente, num cto sublime de elevado valor histórico e contributo importante para a mudança das mentalidades, marcando assim, de forma indelével, a sua passagem pelas terras da Guiné, não na cabeça dos eternos “colons”, mas no espírito do povo simples, eternos “indígenas” de uma nação multiétnica e plurirracial sem rumo. (...)
(Continua)
Bissau, 21 de Janeiro de 2013.
Cherno Baldé (Chico de Fajonquito)
(Revisão / fixação de texto: LG)
______
Notas do autor:
(1) - Guelá Baldé – Alferes, comandante do pelotão de milícias de Cambaju, morto em combate em 71 (não há unanimidade sobre a sua patente, muita gente, incluindo familiares, afirma que já tinha sido promovido a capitão de milícias, antes da sua morte).
Notas do autor:
(1) - Guelá Baldé – Alferes, comandante do pelotão de milícias de Cambaju, morto em combate em 71 (não há unanimidade sobre a sua patente, muita gente, incluindo familiares, afirma que já tinha sido promovido a capitão de milícias, antes da sua morte).
No cômputo geral, havia no regulado de Sancorlã mais de 5 alferes/tenentes e 1 capitão, todos de 2.ª linha, no comando de pelotões de milícias (Sare-Uale, Sumbundo, Cambaju, Suna e Sare-Djamara) que a realidade do conflito tinha colocado na 1.ª linha da guerra, todos eles príncipes de Sancorlã);
- Carlos Bubacar Djau (Bubacar Fanca)
- Alf Comando, 2.ª Companhia, fuzilado pelo PAIGC nos anos 70;
- José Manuel Sedjali Embalo (Sedjali Cumbael)
- 2.º Sargento Comando, 1.ª Companhia, fuzilado pelo PAIGC nos anos 70;
- Mamadu Baldé (Mama Djamara);
- Alf Comando, 2.ª Companhia, falecido em Portugal nos anos 90;
- Alanso Candé, 2.ª Companhia de Comandos;
- Bodo Djau, Grupo de tropas especiais de Marcelino da Mata.
(2) - Guerreiro, herói e mártir.
(3) - “Caco Baldé” tem origens no meio e língua fulas, é uma alcunha bem conseguida e duplamente interessante.
Caco, khaco ou haco, originalmente, quer dizer cor castanha (a cor das folhas secas), na língua fula, e servia inicialmente para designar a cor da farda das autoridades administrativas e/ou da tropa colonial.
Mais tarde, para simplificar, este termo seria simplesmente utilizado para designar, de forma disfarçada e caricatural, as autoridades coloniais ou seus representantes.
O apelido Baldé seria lindamente encaixado em acréscimo, certamente, seguindo a lógica da brincadeira muito habitual entre grupos que se consideram primos por afinidade (sanguínea ou territorial) - “Sanencuia”. Por exemplo, os Djaló são primos dos Baldé por afinidade sanguínea, da mesma forma que o grupo fula, na sua generalidade, é primo do grupo etnolinguístico mandinga que abrange Saracolés, Soninqués, Bambaras etc., por afinidade territorial.
Também é bastante lógico se tivermos em conta que a maior parte dos chefes tradicionais fulas (régulos) e colaboradores das autoridades coloniais, no chão fula, ou pertenciam a esta linhagem ou tinham este apelido, de modo que é uma homenagem e, ao mesmo tempo, uma caricatura dirigida à linhagem dos Baldé, na minha opinião bem conseguida, por um primo, resultante da brincadeira entre grupos de afinidade, usando a figura da maior autoridade portuguesa, de então, no território da Guiné.
Não tenho a certeza e trata-se de uma conjectura da minha parte como pista para uma pesquisa mais aprofundada.
____________
(*) Vd. poste de 29 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25458: No 25 de abril eu estava em... (34): Fajonquito... "A guerra acabou?!"... E, agora, o que será de nós, "cães rafeiros do quartel", que não cumprimos os nossos sonhos de meninos, que eram ser "comandos"? (Cherno Baldé, Bissau)
(**) Vd. poste de 26 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11008: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (43): General Spínola e a política "Por uma Guiné melhor"
(***) Nota atualizada do Cherno Baldé (em comentário ao poste P25458):
Não sei se se deve empolar muito esta história que, na altura, nos causou um choque tremendo e muita incompreensão, pois durante todo o período anterior ao gen Spínola, nunca tinha acontecido uma cena igual.
O ex-capitão Carvalho ainda é vivo e residente, ao que parece, na zona de Arruda dos Vinhos, segundo a sua ex-esposa que, na altura, me contatou amigavelmente, mas para desmentir que o capitão tivesse levado uma chapada na cara.
Acontece que não me contaram, eu vi com os meus olhos estando no mesmo sítio que, curiosamente, estaria mais tarde quando houve o morticínio do dia 2 de abril de 1972, provocado pelo soldado ("comando"?) Almeida e onde morreram o capitao Carlos Borges Figueiredo (CCAÇ 2742), o alferes Félix, (que era muito estimado também e que acompanhava com muita frequência as atividades da nossa escola), o furriel Alcino e mais outros soldados. O primeiro sargento (velha raposa) conseguiu fugir a tempo, mas ainda assim levou com um estilhaço no rabo. Foi a companhia do cap Carvalho que, praticamente, construiu o aquartelamento de Fajonquito e foi uma companhia extremamente sacrificada e, nãoo admira que não tenham representantes no Blogue, se calhar, como nos diz o Joaquim Luís Fernandes, devem estar fartos da guerra e da tropa até aos cabelos, para não falar do desgosto que tiveram com este acontecimento.
Se relatei o caso foi porque me marcou para sempre e fez do incompreendido gen Spínola o meu herói predileto, sobretudo com a dececão que depois tivemos no reinado do PAIGC.
A citação que acabas de recuperar ainda é da actualidade e reconfirmo, pois:
Se relatei o caso foi porque me marcou para sempre e fez do incompreendido gen Spínola o meu herói predileto, sobretudo com a dececão que depois tivemos no reinado do PAIGC.
A citação que acabas de recuperar ainda é da actualidade e reconfirmo, pois:
(...) "Por uma Guiné melhor, ninguém podia fazer mais e melhor que este ´Show-off´' público, em nome da justiça e da dignidade dos Guinéus, indiferentemente da cor da pele, da classe social ou do nível da patente militar.
"Os indígenas tinham ficado confusos e boquiabertos, pois desde os tempos de Mussa Molo que ninguém tinha visto um capitão do exército português e branco a sofrer uma tão humilhante afronta ao seu estatuto de oficial superior por causa de alegados atropelos aos direitos humanos do 'gentio' rebelde e num território em guerra." (...)
Antes de terminar queria dizer que, revendo as datas com a ajuda preciosa do trabalho de pesquisa do amigo José Marcelino Martins, graças ao qual descobri o Blogue, cheguei à conclusão que, a quando da nossa mudançaa de Cambaju para Fajonquito, em 1967, a companhia que estava no subsector de Fajonquito era CCAÇ 1685 ("Os Insaciáveis") do cap Raiano (cap de infantaria Alcino de Jesus Raiano), homem alto e possante que, sentado no seu pequeno jipe, parecia que estava de pá. Os nossos deram-lhe a alcunha de "Lello Dadhe", o cabeça inclinada.
Quanto à CCAÇ 2435, alguns dias após o acontecido, foi substituida pela CCAÇ 2436 (a 20 de Abril 1970), do cap inf José Rui Borges da Costa que antes estava em Contuboel, até ao fim da comissão (13/08/1970).
30 de abril de 2024 às 15:11
"Os indígenas tinham ficado confusos e boquiabertos, pois desde os tempos de Mussa Molo que ninguém tinha visto um capitão do exército português e branco a sofrer uma tão humilhante afronta ao seu estatuto de oficial superior por causa de alegados atropelos aos direitos humanos do 'gentio' rebelde e num território em guerra." (...)
Antes de terminar queria dizer que, revendo as datas com a ajuda preciosa do trabalho de pesquisa do amigo José Marcelino Martins, graças ao qual descobri o Blogue, cheguei à conclusão que, a quando da nossa mudançaa de Cambaju para Fajonquito, em 1967, a companhia que estava no subsector de Fajonquito era CCAÇ 1685 ("Os Insaciáveis") do cap Raiano (cap de infantaria Alcino de Jesus Raiano), homem alto e possante que, sentado no seu pequeno jipe, parecia que estava de pá. Os nossos deram-lhe a alcunha de "Lello Dadhe", o cabeça inclinada.
Quanto à CCAÇ 2435, alguns dias após o acontecido, foi substituida pela CCAÇ 2436 (a 20 de Abril 1970), do cap inf José Rui Borges da Costa que antes estava em Contuboel, até ao fim da comissão (13/08/1970).
30 de abril de 2024 às 15:11
(***) Último poste da série > 27 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25450: 20.º aniversário do nosso blogue (12): Alguns dos melhores postes de sempre (VII): Guileje, "colónia penal militar", com pelo menos meio século de história? (Nuno Rubim, 1938-2023)
9 comentários:
Cherno, criativa a tua explicação para a alcunha de Spínola, "Caco Baldé", usada pelos militares, não pelos civis... Para a população, em geral, ele era tratado por "Homem Grande de Bissau"... Mas tinha mais alcunhas....
A ideia que eu tenho é que o vocábulo "Caco" refere-se ao "monóculo"...Segundo o dicionário, "caco" é, antes de mais, um "fragmento de vidro ou louça quebrada"...
Escrevi em tenpos:
(...) O próprio Com-Chefe e Governador-Geral do CTIG, António Spínola, brigadeiro e depois general, entre 1968 e 1973, alimentou o bom e o mau hunor das nossas casernas...
Caco Baldé ou simplesmente Caco era alcunha mais popular do Gen Spínola. Mas também era tratado por Homem Grande de Bissau, O Velho. O Bispo...
Origem da alcunha: vem de caco, monóculo, mais Baldé, apelido frequente entre os fulas. O historiador Luís Nuno Rodrigues escreveu a sua biografia (Lisboa, A Esfera dos Livros, 2010; a foto ao lado é retirada da capa do livro, com a devida vénia...)
Recorde-se que o monóculo é um tipo de lente corretiva utilizada para corrigir a visão em apenas um olho, sendo constituída por uma lente circular, geralmente com um fio ao redor da circunferência do anel que pode ser associado a uma corda; a outra extremidade da corda é então ligada ao vestuário em uso para evitar a perda do monóculo. Origem da palavra: do grego: mónos, único e do latim, oculu, olho (Fonte: Wikipedia)..
Andam por aí muitas histórias deliciosas (anedotas ou não) do militar mais carismático do nosso tempo de Guiné. Vamos tentar compilar algumas, inéditas ou já publicadas. Elas também falam o nosso quotidiano, os nossos camaradas e os nossos chefes. Na série "Humor de caserna" cabe toda a gente.
Só se contam anedotas de quem a gente gosta, aprecia, valoriza, respeita, teme, e às vezes ama e odeia ao mesmo tempo... E o Gen Spínola foi tudo isto, durante a guerra colonial e depois do 25 de Abril (e até chegou a Marechal, que a democracia é como o sol quando nasce é para todos, e tem uma esponja grande para limpar as nódos do camuflado) (...)
Vd. poste de:
20 DE ABRIL DE 2022
Guiné 61/74 - P23182: Humor de caserna (51): O anedotário da Spinolândia (I): "Sabes o que é um lapso, rapaz?" (Rogério Ferreira, ex-fur mil at inf, MA, Teixeira Pinto, Bachile, Nhamate, Galomaro, Nova Lamego, Pirada, Paiama, Paunca, Sinchã Abdulai e Mareue, 1970/71)
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2022/04/guine-6174-p23182-humor-de-caserna-51-o.html
Por outro lado, é interessante a tua conceção ou leitura algo sebastiânica do papel de Spínola, aos olhos do teu povo, os fulas (e se calhar de outros grupos étnicos...).
Achas que há forte evidência de que, mesmo depois da independência da Guiné-Bissau, ele chegou a tornar-se uma espécie de El-Rei Dom Sebastião,o Desejado, aquele que, na mitologia portuguesa, haveria de regressar da batalha de Alcácer Quibir (4 de agosto de 1578), numa manhã de nevoeiro... ?
Mantenhas. Luis
O nome de Spínola foi de tal maneira invocado, quando se deu o 14 de Novembro, quando despacharam Luís Cabral, que Nino Vieira teve que aparecer na rádio mandar calar o povo.
Já se inventavam notícias que Spínola estava para vir a Bissau.
Dizia mais ou menos, mais ou menos em crioulo: "Ca Oio" vem a Bissau fazer o quê?
Chamava-lhe "sem olho".
O povo repetia frases de Spínola, tais como "a Guiné é dos Guineus", e outras que perdi da memória (1980, são 44 anos).
Os "tiros" que Spínola atirou em Amílcar, serviam agora também para o povo atirar ao irmão Luís.
Os jovens da geração de Cherno não eram estudantes nem estudiosos, eles eram devoradores esfomeados de tudo o que desse para ler e estudar, para não perder uma oportunidade para conseguir uma bolsa de estudos, nem que fosse para o inferno.
Importante era desaparecer de Bissau, e a bolsa era o melhor processo, único para a maioria.
Se houvesse luz nos candeeiros de Bissau (raro), aproveitavam todos os minutos debaixo dos candeeiros a devorar livros.
Os jovens da Guiné concentravam-se aos milhares em Bissau, com o fito de estudar, trabalho não havia a não ser na estiva, no porto de pigiquiti, onde Luís Cabral os ia apanhar em camiões para os recambiar para as suas tabancas.
A geração de Cherno passou maus bocados, mas agora parece que muita juventude se junta a senegaleses e tenta embarcar em canoas para as Canárias.
Foi tudo muito mau, como os velhos régulos adivinhavam, mas foi em toda a África, a culpa não foi só dos colonizadores, mas da ONU, e seus descolonizadores, como exemplos de Suecos, Cubanos e os dois senhores do mundo da guerra fria.
A Europa já está a aparar algumas consequências.
Mas África está adaptando-se aos poucos, por exemplo a África do Sul já tem na constituição o casamento de homossexuais.
Os africanos mais rebeldes custam a colonizar, mas com o tempo vão lá!
Rosinha, uma revolução é uma caixinha de Pandora... Abre-se a mão e libertam-se todos os irãs, os bons e os maus...Infelizmente os "herdeiros" de Cabral apanharam os maus...Os irãs de Bandim, como diz o Cherno...
"Cala-te, meu filho, que o teu pai mandar-te para os comandos!", diz a mãe fula para o filhote que ela leva as costas...
A frase merece honras de antologia: vai para o nosso proverbiário... Sabia que os fulas era um povo guerreiro, mas no meu tempo ainda não havia esta idolatria pelos "comandos africanos"... (Só havia ainda uma companhia, a do Bacar Jaló, e a invasão de Conacri em 22/11/1970 dividiu os comandos e afetou o seu moral e prestígio).
...Queria dizer: que o teu pai VAI mandar-te para os comandos...
Luís Graça, os irãs e os feiticeiros viraram-se todos com o maior dos cinismos contra quem é mais fraco.
Isto em toda a África com as respectivas independências.
Mas no caso das colónias portuguesas, que mal foram exploradas economicamente, o mundo inteiro achava mal empregado aqueles petróleos, e riquezas inexistentes que o "Salazar escondia", não serem devidamente explorados.
E foram apenas os estudantes, no caso descaradíssimo da Guiné os Caboverdeanos que puseram em prática com o maior descaramento, os indígenas completamente de lado e começaram a explorar e "governar-se" com ajuda enorme e absoluta dos Suecos, Cubanos, proteção dos Russos, delírio de cooperantes da ONU e ONGs.
Puseram os militares do PAIGC dentro dos quarteis, onde não faltava vianda com fartura, pois todas as ofertas de arroz e o farinhas era para eles, o povo ficava na "forma" fila o ano inteiro à espera das sobras racionadas.
E tem outra que raramente se fala, que com tantos cubanos e suecos e russos na Guiné, esta gente não tenha colaborado e anuído ou fechado os olhos na liquidação dos Comandos.
O mau era previsível, e quem passou por lá sabia disso, mau para África e mau para a Europa.
Cumprimentos
Antº. Rosinha, não faço ideia como foi, quando apareceram as tropas romanas a chatear/conquistar os nossos castros lusitanos.
E muito houve de ensinamentos por parte dos novos colonizadores, mas mesmo deixando grande progresso em todos os níveis, como língua, estradas, pontes e aquedutos, foram corridos à mocada por Viriatos e outros nacionalistas.
Um pormenor, o crioulo guineense não tem palavras começadas pela letra " C ", e o querias dizer é ka uju = sem olho ou não tem olho.
Saúde da boa
Valdemar Queiroz
Valdemar, tenho muita dificuldade para línguas,penso que é principalmente muito mau ouvido, então agora nem com aparelhos ficou melhor.
Conheci portugueses que ao fim de um mês na Guiné já batiam o crioulo (e crioulas), e no caso de Angola conheci portugueses a bater 2 e 3 línguas étnicas pareciam uns autênticos indígenas.
Neste caso, emigrados ainda jovens.
Mas aquela dos caminhos dos romanos, sabemos que por isso, todos os caminhos levam a Roma, e no caso da Guiné, todos os caminhos levam ao Rossio, na igreja de São Domingos.
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