segunda-feira, 29 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25458: No 25 de abril eu estava em... (34): Fajonquito... "A guerra acabou?!"... E, agora, o que será de nós, "cães rafeiros do quartel", que não cumprimos os nossos sonhos de meninos, que eram ser "comandos"? (Cherno Baldé, Bissau)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Contuboel > Tabanca dos arredores > CCAÇ 2479 (1968/69) (futrura CART 11)  > Centro de Instrução Militar > Um instruendo, de etnia fula, cuja identificação se desconhece... (mas pode ter sido um futuro soldado da CCAÇ 12).

A placa rodoviária assinala alguns das povoações, importantes, mais próximas, a norte: Ginani (17 km), Talicó (22 km), Canhamina (27 km), Fajonquito (30 km), Saré Bacar (39 km), Farim (96 km)... Foto do nosso muito querido amigo e camarada, Renato Monteiro (Porto, 1946 - Lisboa, 2021), que foi instrutor no CIM de Contuboel, ex-fur mil CCAÇ 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche, 1969/70) e CART 2520 (1970). Notável fotógrafo, com álbuns publicados e diversas exposições, e ainda co-autor, com Luís Farinha, recorde-se, da pioneiríssima Fotobiografia da Guerra Colonial (Lisboa: D. Quixote, 1998).

Foto (e legenda) : © Renato Monteiro  (2007). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Cherno Baldé, quadro superior
com formação em economia e gestão,
vive e trabalha em Bissau;
colaborador permanente do nosso blogue:
integra a Tabanca Grande
desde 19/6/2009
1. Texto do Cherno Baldé, com data de Bissau, 26 de abril 2024. 

No 25 de Abril de 1974 (*), eu estava em Fajonquito, e vivia entre a nossa casa e o quartel dos metropolitanos onde passava a maior parte do tempo como faxina na caserna de soldados condutores e mecânicos-auto (**).

Nos primeiros dias após o 25 de Abril de 1974, de repente, o ambiente no aquartelamento mudou, os militares pareciam estar divididos entre a alegria contida e a preocupaçãoo do que viria a seguir. 

O silêncio e os murmúrios tomaram conta do quartel e perante a incredulidade geral dizia-se sem nenhuma certeza que “a guerra acabou”. 

Entretanto a vida no quartel decorria normalmente e os patrulhamentos no mato também.

No seio da população nativa e as crianças a única coisa de que se ouvia falar era “a guerra acabou”. Ninguém sabia explicar como e porquê, pois as informações que circulavam,  baseavam-se sobretudo no diz-que-diz habitual dos tempos da guerra, onde as pouquíssimas informações que se filtravam do quartel,  rapidamente se transformavam em boatos e inconfidências da última hora. 

O que se passava no mato, entretanto, nós não sabiamos, pois nunca tinhamos tido quaisquer ligações.

−  A guerra acabou !?!?... Mas, como assim?!?!....

Na minha cabeça de criança que desde 1963/4 convivia com a guerra (**), simplesmente apareceu um vazio na minha mente, e não sabia o que pensar, não podia conceber que não houvesse guerra com os seus mortos e estropiados, com as luzes nocturnas das aldeias incendiadas.

Parecia uma brincadeira. E agora ?!?!... O que será de nós ?...
Vamos acordar e não pensar na guerra ?!... E os nossos amigos brancos vão partir de novo, sem se despedir, deixando o quartel virado de avesso, qual acampamento de tropas de Gêngis Cão ?!...

No quartel, mais do que antes, os nossos amigos soldados também olhavam para nós com alguma desconfiança, como se esperassem descortinar alguma coisa no nosso comportamento, como se estivessemos a esconder alguma informação vinda de não se sabia donde. 

Na incerteza do momento, as novas e milagrosas palavras em voga, “a guerra acabou,  parece que tinham trazido mais desconforto do que alegria. Os soldados estavam divididos, uma parte era de opinião que, por precaução, as crianças deviam ficar fora do arame farpado, mas a maioria deles não concordava e esses eram os nossos amigos de verdade, também nós estávamos desorientados.

− Chico, vamos à lenha ! 
− chamava o meu bom e turbulento amigo Dias, sentado na velha Mercedes.

Incredulidade, uma alegria contida e medo foram os sentimentos que nos dominaram nos dias que se seguiram aos acontecimentos do golpe militar em Portugal que chegou até nós em forma de uma mensagem codificada e curta, portadora de sentimentos contraditórios: “a guerra acabou ”.

A guerra tinha acabado com os nossos sonhos de crianças de guerra ainda por realizar.

Acabou sem avisar, acabou sem que pudessemos alimentar a nossa fome de servir nos comandos africanos e experimentar a sorte dos audazes, acabou sem podermos hastear a bandeira das nossas ilusões da república pluricontinental e plurirracial do Minho ao Timor, acabou sem podermos roncar, na tabanca, em passos ligeiros, com a farda e os galões de “Furriel” dos nossos sonhos de meninice, acabou sem que pudessemos mostrar a nossa bravura em combate, ambição suprema, genuinamente irrefletida e para a qual, no espírito, no corpo e na alma nos preparávamos há mais de 11 anos. 

Acabou como tinha começado, de forma caótica e de consequências imprevísiveis. Os elementos das nossas milicias estavam desamparadas e não era por menos.

Hoje, decorridos 50 anos, a minha vida é um questionamento constante. Às vezes penso que tive sorte por não ter sido soldado, sobretudo quando leio no Blogue da Tabanca Grande narrativas sobre as vivências dos antigos combatentes dos dois lados, às vezes fico com a sensação de não ter cumprido uma parte importante,  se não crucial, de tal maneira que estava convencido da sua inevitabilidade e que me completaria como homem, a vida de um soldado, depois da estoicidade sem precedentes demonstrada aos 10 anos de idade, na cerimónia tradicional (o fanado) de iniciação à vida adulta.

Com o 25A74, para nós, a guerra das armas tinha cessado, dando lugar a guerra do ilusionismo politico-ideológico, das mentiras pseudo-patrióticas e das mil e umas promessas que
nunca serão cumpridas por essa geração utópica de combatentes que nos fizeram acreditar no país de mel e maná do céu, o milagre da nova Suíça que nasceria nas bolanhas e na terra vermelha da Guiné-Bissau.

António Spínola, retrato
oficial.
Museu da Presidência
da República

(adapt. com a devida vénia)

Todavia, na minha visão pessoal, o verdadeiro 25 de Abril, tinha acontecido em princípios de 1970, quando o general Spinola chegou ao aquartelamento de Fajonquito, sem pré-aviso, e na nossa frente deu um tabefe na cara branca e surpreendida do Capitão da companhia, arrancando-lhe os galões que ostentava, alegadamente, por abuso de poder sobre a população indígena com cumplicidade do chefe tradicional local.

Hoje, sabemos que em 1974, apesar de toda a propaganda veiculada na altura e tendo em atenção o percurso e a real situação vigente, os nossos países ainda não estavam preparados para uma independência total como aconteceu, e a solução federalista proposta e almejada pelo general Spínola, pese embora fora de prazo e contra os ventos da história, seria o mal menor como solução a longo prazo e uma boa forma de levar Portugal a responsabilizar-se e trabalhar em conjunto com as suas antigas colónias sobre medidas para lidar com os legados de todos os seus actos e desventuras ao longo dos séculos nesses territórios, incluindo a contribuição para uma verdadeira reconciliação e justiça entre os seus povos. 

Mas isso sou eu a falar com os meus pequenos botões.

Bissau, 26 de Abril de 2014
Cherno AB

(Revisão/fixação de tecto, negritos: LG)
__________


(**) Vd. a notável série autobiográfica do Cherno Baldé, de que já se publicaram mais de meia centena de postes (fora os "avulsos")> 


19 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4553: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (1): A primeira visão, aterradora, de um helicanhão

18 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno, já conheceste bem os horrores da guerra, incluindo a guerra civil de 1998/99, por que razão haverias de ter gostado de ser "comando" ?

Parece que terá sido, esse, o teu sonho de menino, que cresceu com a tropa em Fajonquito...e aprendeu a admirar a grande tropa de elite que foi o Batalhão de Comandos da Guiné, projeto do "Homem Grande" que foi Spínola...

Mas deixa-me saudar o teu grande testemunho, o belo texto, o teu, sobre o 25A e sobre a história que poderia ter sido escrita pro outras mãos, com outras linhas...

Não podemos rasurar, nem muito menos branquear, escamotear, denegar, esquecer o nosso passado comum...Mas felizmente as nossas relações, entre os dois povos, não acabaram em conflito disruptivo, em "divórcio"... mesmo que a paz e a reconciliação não tenham sido aquilo que todos (ou a maior parte) queríamos...

Os "militaristas" do PAIGC (o termo é de um ex-"militarista", Carlos Matos Gomes, no seu último livro, notável, "Geração D: da Ditadura à Democracia"), que assassinaram (física e simbolicamente) o Amílcar Cabral, também desbarataram o sonho de uma Guiné livre, justa, pacífica, tolerante, com "leite, mel e maná" para todos os seus filhos...

Quanto ao projeto federalista de Spínola, também acho que era tarde demais... Na História tudo tem o seu "timing"... Tudo deveria ter acontecido, nos nossos dois países, logo a seguir à II Guerra Mundial, a democratização e o princípio da descolonização...

Agora, Cherno, temos que pensar no futuro dos nossos filhos, netos e bisnetos, para que haja uma terra, uma planeta, um lugar coabitável e sustentável para todos, por todos e com todos ...

Mantenhas, meu irmãozinho. Luis

Valdemar Silva disse...

Caro Cherno Baldé, como deveria ser frustrante para uma criança, a lidar com soldados diariamente, ouvir dizer 'a guerra acabou'.
E agora como é que vou ser soldado, pensariam os "djubis" que diariamente conviviam com a guerra.
Um belo texto a festejar o 50º aniversário do 25de Abril, sem o mínimo de rancor, que até meteu aquele "elogio" do 'vai buscar lenha', que um soldado mandou e provavelmente nunca tinha "mandado" em ninguém.
A fotografia, do meu querido amigo Renato Monteiro, é do Samba Baldé (Cimba) que foi um dos putos do meu pelotão de instrução em Contuboel e depois foi para a CCaç.12. (ver P20720 e 3ª. fotografia do P12773).

Um abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz Embaló

Tabanca Grande Luís Graça disse...

É isso mesmo, Valdemar, trata-se do Cimba... Estava a ver aquela cara de menino, Sold 82108569 Sambel Baldé (Fula), do 3º Pelotão, do alf Abel Maria Rodrigus, 1ª secção, do fur mil Luciano Severo de Almeida (já falecido) e do 1º cabo Carlos Alberto Alves Galvão (que foi ferido duas vezes, numa segunda feira de Carnaval, em 9 de fevereiro de 1970, no decurso da Op Boga Destemida, eu integrava na altura este pelotão...e estava lá).

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2012/12/guine-6374-p10826-minha-ccac-12-anexos.html

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2011/04/guine-6374-p8071-minha-ccac-12-16-o-1.html

PS - Samba ou Sambel ? Na história da unidade, vem "Sambel Baldé", mas pode ter sido erro de transcrição, meu, fui eu quem elaborei o documento, passei à maquina e fiz umas dezenas de cópias, "clandestinas", a "stencil"...O documento era reservado, o capitão(na véspera deser promovido a major) ficou à rasca, com o detalhe da informação (nomeadamente, os extensos excertos dos relatórios das operações...).

Valdemar Silva disse...

Luis, este é o Samba Baldé, Samba como outros Samba Jau, Samba Camará, Samba Cumba Candé.
Havia um Sambael Baldé, que também foi para a tua CCaç.12.
Todos os Samba foram para Bambadinca, excepto o Samba Cumba Candé que fica na minha CArt.11

Valdemar Queiroz

Valdemar Silva disse...

Luis

O Samba Baldé (Cimba) era o 82110969 e o Sambael Baldé o 82108569.

(tenho pena não saber os nomes completos do pai e da mãe deles)

Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Caros amigos Valdemar e Luis,

Só quem leu o livro quase mágico do colombiano Gabriel Garcia Marquez, pode entender e acompanhar o emaranhado labirintico dos nomes fulas e suas extensões.

De todos eles o nome é o mesmo:Samba, o segundo filho varão na ordem de nascimento de cada familia. O Sambel/Sambael são diminuitivos do nome original a fim de diferenciar os homónimos que vivem na mesma familia ou morança. O Samaudho/Sambaro são o inverso, na qualudade de mais velhos. Quando isso não acontece coloca-se o nome da mãe ou do pai a seguir ao nome, como o caso de Samba Cumba..., citado por Valdemar.

Abraços,

Cherno Baldé

Cherno disse...

PS: o título do livro: Cem anos de solidão.

O numero elevado de Samba's nas recrutas explica-se pela tradição que existia entre os fulas e que impunha ou determinava que o segundo filho da familia, o Samba, fosse sempre o sacrificado para casos do género como recrutamentos e outros serviços solicitados pela administração atravês das chefias tradicionais, no intuito de proteger o primogénito que deveria arcar com a responsabilidade da familia em caso de viagens ou desaparecimento físico do chefe da familia.

Cherno AB

Anónimo disse...

Esta publicação do Cherno merece profunda reflexão. Sobretudo por admitir ou propor mesmo uma solução política para a Guiné, em 1974, absolutamente rejeitada pelo PAIGC, cujos quadros o que queriam era tomar conta dos cargos da governação e da administração pública, tão depressa quanto possível. Quanto aos guerrilheiros de baixa patente, a quem tinha sido prometido a assunção às sobras da mesa do poder, esses também jamais aceitariam retomar a vida civil. É verdade, a solução preconizada por Spínola veio fora de tempo, e nem a onda de esquerda de Lisboa a aceitou nem isso interessava aos grandes do PAIGC...mas seria, julgo eu, de interesse para a maioria do povo da Guiné.

Um grande abraço
Carvalho de Mampatá

Anónimo disse...

Caro amigo António,

Eu não sei, talvez nunca ninguém saberá se com Amilcar Cabral seria diferente, mas a verdade é que sem o fundador do partido, rapidamente vimos os limites do que eram capazes.

Em 1979, terminei o curso geral dos liceus (antigo quinto ano) em Bafatá e tive que mudar-me para capital, Bissau onde havia o único Liceu com o curso complementar, e não é que o governo, assustado com o entusiasmo da juventude e sobretudo pela avalanche de estudantes que tinham vindo das cidades do interior, e decidiram que já não podiam receber mais alunos, simplesmente porque depois não poderiam garantir postos de trabalho para todos. E tinham passado apenas 5 anos desde a independência. Em apenas 5 anos já não sabiam o que fazer com a juventude do país ao qual tinham prometido mel e maná do céu.

Esta avalanche inesperada de jovens estudantes vindos das cidades do interior e das tabancas tinha sido uma das armadilhas do legado de Spinola que desde 1968/69 tinha emitido directrizes no sentido de incrementar o ensino em todo o território com o apoio de elementos da tropa.

Assim, rapidamente ficaram desmontadas as mentiras dos "libertadores" que, ba verdade estavam mais interessados em herdar o espólio da administração colonial e favorecer a educação elitista dos seus filhos. Tudo o resto era conversa para boi dormir. Em principios de 1980, aconteceu o primeiro protesto dos estudantes do Liceu que foi duramente reprimido, e de seguida aconteceria o golpe militar que derrubou o presidente Luis Cabral.

Cordialmente,

Cherno Baldé


Joaquim Luis Fernandes disse...

Viva amigo Cherno Baldé

Considero muito interessante este teu depoimento sobre o 25A74.
O impacto imediato dos acontecimentos na vida de Fajonquito, especialmente nos "Djubis" que viviam mais perto da Tropa, no Quartel; As considerações sobre o processo que conduziu ao estado atual da Guiné Bissau.
Da comovente inocência do rapazinho de 11 anos, sonhador e audaz, à eloquência do homem maduro, bom conhecedor das realidades, com a experiência de 50 anos vividos após essa data de grandes roturas, e uma visão sobre o que poderia ter sido a descolonização na Guiné, mesmo que tardia, muito diferente da que foi realizada. Que nada teve de exemplar, em minha opinião.

E não deixas de referir a pessoa do General Spínola, que representou para muitos guineenses uma lufada de esperança numa "Guiné Melhor" em que mulheres e homens, mais novos e mais velhos, fossem dignificados e tratados com humanidade e justiça.
Uma esperança que se desfez com o seu abandono das suas funções em Bissau, após ver malogrados os seus esforços de conseguir a Paz, e morto o seu possível interlocutor para a paz, Amílcar Cabral.

Mas, em minha opinião, esse mesmo General Spínola, que teve um papel importante na tomada de consciência nacional de dar um novo rumo a Portugal, contribuindo para o sucesso do derrube do Regime Ditatorial do Estado Novo, em 25 de Abril de 1974, foi o mesmo que, passados poucos meses após essa data, foi ostracizado pela classe castrense, então dominante, e pela classe política que a esta dava apoio, porque desejava para a descolonização da Guiné, com quem se sentiria mais comprometido, um processo diferente daquele que foi seguido.

Infelizmente, o tempo veio mostrar os erros cometidos na via seguida, com consequências muito gravosas para muitos milhares de guineenses que esperavam melhor sorte para o seu país e para os seus filhos.

Também em Portugal, a diabolização do General Spínola, por se opor ao caminho a que a revolução estava a conduzir o país, teve consequências muito perigosas, chegando-se no chamado "Verão quente" de 1975 a estar à beira da guerra civil. Situação que teve de se confrontar em 25 de
Novembro de 1975, pondo fim a esse desvario irresponsável.

Foram 50 anos com muitas dificuldades e alguns sobressaltos, consequências dos caminhos seguidos e dos erros cometidos, que agora lamentamos, tanto na Guiné Bissau como em Portugal.

Mas, do passado, nada podemos alterar.
Agora, é tempo de viver o presente, projetando o futuro, mesmo muito condicionados pelas incertezas conjeturais.

Abraços
JLFernandes

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno, essa "cena" que referes de o Spínola ter castigado e humilhado em público um capitão, em princípios de 1970, em Fajonquito, nunca aqui tinhas contado (ou pelo menos nãpo me lembor)... De qualquer modo, aqui fica um esclarecimento adicional: nessa altura a unidade de quadrícula que estava em Fajonquito era a CCaç 2435 BCAÇ 2856, e que teve dois comdts: Cap Inf José António Rodrigues de Carvalho | Cap Inf Raúl Afonso Reis

Ficha de unidade > BCAÇ 2856;

Batalhão de Caçadores n.º 2856
Identificação BCaç 2856
Unidade Mob: RI 2 - Abrantes
Cmdt: TCor Inf Jaime António Tavares Machado Banazol | 2.° Crndt: Maj Inf Virgílio Martins Raposo | OInfOp/Adj: Maj Inf Fernando Xavier Vidigal da Costa Cascais
Cmdts Comp:
CCS: Cap Inf Raúl Afonso Reis
Cap Art José Gamaliel Borges Alves
CCaç 2435: Cap Inf José António Rodrigues de Carvalho | Cap Inf Raúl Afonso Reis
CCaç 2436: Cap Inf José Rui Borges da Costa
CCaç 2437: Cap Mil Inf Celestino Castro Fontes
Divisa: - | Partida: Embarque em 230ut68; desembarque em 280ut68 | Regresso: Embarque em 01Out70

Síntese da Actividade Operacional

Em 02Nov68, rendendo o BCav 1905, assumiu a responsabilidade do Sector L2, com sede em Bafatá e abrangendo os subsectores de Fajonquito, Contuboel, Geba e Bafatá.

Desenvolveu intensa actividade operacional de patrulhamentos, reconhecimentos, emboscadas e batidas por forma a impedir a infiltração e fixação do inimigo na zona, exercer a vigilância e controlo dos itinerários e promover a autodefesa e segurança das populações. Nomeadamente em reacções a ataques aos aquartelamentos e nas operações "Vitória Certa", "Alerta", "Impacto" e "Infalível", entre outras, demonstrou excelente capacidade ofensiva e prontidão
das subunidades uti Iizadas.

Dentre o material capturado mais significativo, salienta-se: 9 pistolas-metralhadoras, 3 espingardas, 65 granadas de armas pesadas e 2135 munições de armas ligeiras.

Em 13Ag070, foi rendido no sector pelo BArt 2920, recolhendo seguidamente a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

***
A CCaç 2435 seguiu imediatamente para o subsector de Quinhámel a fim de efectuar a sobreposição e render a CCav 1649, assumindo em 18Nov66 a responsabilidade do referido subsector, com destacamentos em Ilondé, Ponta Vicente da Mata, Ondame e Orne e ficando integrada no dispositivo do BCaç 1911, com vista a garantir a segurança e protecção das instalações e das populações da área.

Em 07Dez68, foi substituída pela CCaç 1681 e seguiu para a zona Leste, a fim de render a CCav 1685, tendo assumido, em 14Dez68, a responsabilidade do subsector de Fajonquito, com pelotões destacados em Cambajú e Sumbundo, este até finais de Jul69 e ficando integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão.

Em 20Abr70, por troca com a CCaç 2436, assumiu a responsabilidade do subsector de Contuboel, com dois pelotões destacados em Sare Bacar.

Em 13Ago70, foi rendida pela CArt 2741, mantendo entretanto dois pelotões em Contuboel em reforço da guarnição local até meados de Set70, tendo seguido para Bissau e depois para reforço do subsector de Nhacra.

Em 25Set70, voltou a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 121/122.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno, desculpa, essa história está contada com todos os detalhes... Passou-se com o cap Carvalho da CCAÇ 2435... Infelizmente não temos ninguém da companhia que possa cohfirmar, infirmar ou complemetar a tua versão dos acontecimentos. Mas o teu retrato desse militar é de antologia... E mais ainda o comentário que fazes do gesto de Spínola:

(...) "Por uma Guiné melhor, ninguém podia fazer mais e melhor que este ´Show-off´' público, em nome da justiça e da dignidade dos Guinéus, indiferentemente da cor da pele, da classe social ou do nível da patente militar.

"Os indígenas tinham ficado confusos e boquiabertos, pois desde os tempos de Mussa Molo que ninguém tinha visto um Capitão do exército português e branco a sofrer uma tão humilhante afronta ao seu estatuto de oficial superior por causa de alegados atropelos aos direitos humanos do “gentio” rebelde e num território em guerra." (...)

Vamo ster que reler esse poste...

26 DE JANEIRO DE 2013
Guiné 63/74 - P11008: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (43): General Spínola e a política "Por uma Guiné melhor"

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2013/01/guine-6374-p11008-memorias-do-chico.html

Valdemar Silva disse...

No Jornal da CNN, de 27-04-2024, o Gen. Pezarat Correia é entrevistado e faz afirmações muito interessantes e razoáveis, abordando as grandes manifestações populares dos 50 anos do 25 de Abril e a polémica em torno das comemorações do 25 de Novembro.
Ele disse que o 25 de Novembro fala-se para o ano e, porque não, o 11 de Março, adiantando como afirmou Eanes serem datas fracturantes e as datas fracturantes não se comemoram, assinalam-se.

Ainda sobre Spínola, que todos nós nos lembramos dele na Guiné, e que eu estive lado a lado com ele em Contuboel numa demonstração de tiros de morteiro 60 do puto Umaru Baldé do meu Pelotão de Instrução, vem-me à memória o que se passou no dia 25 de Abril de 1974 no Quartel do Carmo.
Existe um testemunho de Spínola a dizer ao Cap. Salgueiro Maia 'só falo com o seu superior' e Salgueiro Maia a responder 'isto é o movimento de Capitães', e Spínola depois conferenciar a rendição com Marcelo Caetano. Spínola também tem interferência quanto a libertação de presos políticos em Caxias, dando ordens de só se libertar os presos de delito comum, que levou com a resposta de 'saem todos ou nenhuns'. E por fim veio e entrar na formação política golpista do MDLP que pôs o pais a ferro e fogo.

Pelo que hoje se sabe, aquela de 'estava tudo combinado' seria em relação aos spinolistas do Movimento.

Valdemar Queiroz

Valdemar Queiroz

Anónimo disse...


Caro amigo Luis,

Nao sei se se deve empolar muito esta historia que, na altura, nos causou um choque tremendo e muita incompreensao, pois durante todo o periodo anterior ao Gen. Spinola, nunca tinha acontecido uma cena igual.

O ex-Capitao Carvalho ainda e vivo e residente, ao que parece, na zona de Arruda dos vinhos, segundo a sua ex-esposa que, na altura, me contatou amigavelmente, mas para desmentir que o Capitao tivesse levado uma chapada na cara. Acontece que nao me contaram, eu vi com os meus olhos estando no mesmo sitio que, curiosamente, estaria mais tarde quando houve o morticinio do dia 2 de abril de 1972, provocado pelo soldado (Comando?) Almeida e onde morreram o Capitao Carlos Borges Figueiredo (Ccac 2742), o Alferes Felix, (que era muito estimado tambem e que acompanhava com muita frequencia as actividades da nossa escola), o Furriel Alcino e mais outros soldados. O primeiro Sargento (velha raposa) conseguiu fugir a tempo, mas ainda assim levou com um estilhaco no rabo. Foi a companhia do Cap. Carvalho que, praticamente, construiu o aquartelamento de Fajonquito e foi uma companhia extremamente sacrificada e, nao admira que nao tenham representantes no Blogue, se calhar, como nos diz o Joaquim Luis Fernandes, devem estar fartos da guerra e da tropa ate aos cabelos, para nao falar do desgosto que tiveram com este acontecimento.

Se relatei o caso foi porque me marcou para sempre e fez do incompreendido Gen. Spinola o meu heroi predilecto, sobretudo com a decepcao que depois tivemos no reinado do PAIGC.

A citacao que acabas de recuperar ainda e da actualidade e reconfirmo, pois:

(...) "Por uma Guiné melhor, ninguém podia fazer mais e melhor que este ´Show-off´' público, em nome da justiça e da dignidade dos Guinéus, indiferentemente da cor da pele, da classe social ou do nível da patente militar.

"Os indígenas tinham ficado confusos e boquiabertos, pois desde os tempos de Mussa Molo que ninguém tinha visto um Capitão do exército português e branco a sofrer uma tão humilhante afronta ao seu estatuto de oficial superior por causa de alegados atropelos aos direitos humanos do “gentio” rebelde e num território em guerra." (...)

Antes de terminar queria dizer que, revendo as datas com a ajuda preciosa do trabalho de pesquisa do amigo Jose Marcelino Martins, gracas ao qual descobri o Blogue, cheguei a conclusao que, a quando da nossa mudanca de Cambaju para Fajonquito em 1967, a companhia que estava no subsector de Fajonquito era Ccac 1685 (Os Insaciaveis) do Capitao Raiano (Cap de infantaria Alcino de Jesus Raiano), homem alto e possante que sentado no seu pequeno Jeep, parecia que estava de pe. Os nossos deram-lhe a alcunha de "Lello Dadhe" o cabeca inclinada.

Quanto a Ccac 2435, alguns dias apos o acontecido, a CCaç 2435 foi substituida pela CCaç 2436 (a 20 de Abril 1970), do Cap Inf José Rui Borges da Costa que antes estava em Contuboel, ate ao fim da comissao (13/08/1970).

Cordialmente,

Cherno Balde






abraco,

Cherno Balde










Anónimo disse...

Preferindo não me alargar por uma apreciação geral da carreira militar e política do homem grande da Guiné, sempre sujeita a pontos de vista pautados por diversa filiação partidária ou mesmo por diferentes experiências vividas com ele durante a guerra, sou capaz de afirmar o seguinte : no discurso de recepção da minha companhia ouvi da boca dele que " não pensem que vêm para aqui matar pretos ...; vêm ajudar a preparar os Guineenses para assumirem mais tarde a sua autonomia" . Chegados a Mampatá, onde já havia uma escola primária em funcionamento, desde o tempo da companhia dos Morcegos, recebemos ordem para construirmos outra a qual foi dotada de mobiliário igual ao da escola da minha aldeia. Se mais e melhor não fez, foi porque não pôde.

Carvalho de Mampatá
Um grande abraço

Tabanca Grande Luís Graça disse...

No nosso blogue interessa-nos o que se passou até ao 25 de Abril de 1974...E no caso de Spínola, devemos privilegiar a sua atuação como governador e comandante-chefe no CTIG, entre meados de 1968 e meados de 1973... Claro que não podemos dissociar o militar e o político que ele foi... E podemos especular sobre o que teria acontecido se ele (e Costa Gomes) tivesse aceite o poder das mãos de Marcelo Caetano em fevereiro de 1974...

No fim da vida, ele penitenciava-se (entrevista ao "Expresso, Revista, 30 de abril de 1994") por ter cometido o "erro histórico" de não ter tomado o poder... Enfim, o que teria acontecido se não tivesse havido o 25 de Abril de 1974 que conhecemos (e fizemos) ?...

Mas não vale a pena especular, a não ser como mero exercício académico...

Victor Costa disse...

Luís, que grande questão para responder.

Li "A Mãe", livro de Máximo Gorky em 1971, que me foi emprestado por um amigo e vizinho, o Tó Cardoso, que trabalhava na LISNAVE, tínhamos então 19 anos.
Com o andar da carruagem e o Maio de 68 muito próximo, fui lendo também obras de Jean Lartéguy para manter o equilíbrio.
Nunca iremos saber se seria diferente, mas é sem dúvida uma boa pergunta para fazer  aos revolucionários de aviário que surgiram em grande quantidade com o 25 de Abril de 74.
Um abraço,

Victor Costa
Ex. Fur.Mil.At.Inf.C.Cac.4541/74

Valdemar Silva disse...

Luís, deu hoje, 1 de Maio, o 3º episódio da "A Conspiração" e fala-se na ideia do Spínola da "Federação" com Guiné durante dez anos até atingir a independência.
O que quer dizer que continuariam as hostilidades, continuaria a guerra, provavelmente com a tropa formada por guineenses contra o mesmo inimigo. !!

Ó Costa, na "A Mãe", de Gorky, vem escrito um grande ensinamento 'a vida não é nenhum cavalo, não a devemos chicotear'.

Valdemar Queiroz