Recorte do jornal "Público", de 24 de setembro de 1990... Do Lino Bicari, depois de o entrevistar em Lisboa (onde se fixou em 1990, para uma "última missão"), disse o jornalista João Paulo Guerra: (...) "Não é um homem desiludido, mas um homem amargo que hoje, à margem da Igreja e do Estado da Guiné-Bissau, continua, no entanto, a afirmar-se religioso e militante do PAIGC." (...)
Data - sábado, 25/05/2024, 22:46
Assunto - Lino Bicari
Caro amigo Luís
Primeiramente, dou-te a saber - talvez já saibas - que o Lino Bicari faleceu, como já se esperava. Sepultou-se ontem em Alvito, onde tinha residência.
Falei com a Fernanda acerca
Posso também dizer-te que o jornalista António Marujo está a preparar
2. O jornalista António Marujo, no jornal diário digital "7Margens" já deu a notícia da morte do amigo do Arsénio Puim, nestes termos:
Missionário e médico da guerrilha, padre e professor
António Marujo | 25 Mai 2024
(...) O antigo missionário italiano e depois militante do PAIGC, na Guiné-Bissau, Lino Bicari, morreu na última quinta-feira no Alvito (Alentejo), onde residia desde 1990. Era “um homem bom, simples, de altos ideais humanos e com um currículo rico, corajoso e autêntico”, diz dele o amigo Arsénio Puim, também antigo padre, que o conheceu na Guiné quando foi capelão militar em Bambadinca, no início da década de 1970. Tinha 88 anos.(...)
Caro amigo Luís
Primeiramente, dou-te a saber - talvez já saibas - que o Lino Bicari faleceu, como já se esperava. Sepultou-se ontem em Alvito, onde tinha residência.
Falei com a Fernanda acerca
do texto publicado no blogue (*), prontificando-me para lho enviar por email. Ela disse-me que podia ter acesso ao mesmo indo diretamente ao blogue. Missão cumprida, portanto.
Posso também dizer-te que o jornalista António Marujo está a preparar
uma reportagem sobre o Lino, a publicar muito em breve.
Digo-te que senti a partida deste bom amigo, que encontrei na Guiné.
E desejo-lhe o descanso eterno. (**)
Um grande abraço. Arsénio Puim
2. O jornalista António Marujo, no jornal diário digital "7Margens" já deu a notícia da morte do amigo do Arsénio Puim, nestes termos:
Missionário e médico da guerrilha, padre e professor
António Marujo | 25 Mai 2024
(...) O antigo missionário italiano e depois militante do PAIGC, na Guiné-Bissau, Lino Bicari, morreu na última quinta-feira no Alvito (Alentejo), onde residia desde 1990. Era “um homem bom, simples, de altos ideais humanos e com um currículo rico, corajoso e autêntico”, diz dele o amigo Arsénio Puim, também antigo padre, que o conheceu na Guiné quando foi capelão militar em Bambadinca, no início da década de 1970. Tinha 88 anos.(...)
3. Descobrimos este amigo do nosso Arsénio Puim só em 2018, numa pesquisa pela Net (**). Nunca o conhecemos pessoalmente. Falámos uma vez ao telefone, trocámos alguns mails por causa dos nossos capelães, expulsos do CTIG, o Mário de Oliveira e o Arsénio Puim (de quem ele ficou amigo, na Guiné; nunca conheceu o Mário de Oliveira) .
Nascido em 1935, na Sicília, viveu 23 anos na Guiné, primeiro, como missionário católico (1967-71) e depois, mais tarde, a partir de 1973, como militante do PAIGC: era o único estrangeiro que tinha o estatuto de "combatente da liberdade da Pátria" (sic), mas nunca pegou em armas. Serviu o PAIGC e a Guiné-Bissau nas áreas onde se sentia competente e útil: a educação e a saúde. Radicou-se em Lisboa em 1990. Tinha como "última missão" criar uma espécie de "Casa do Estudante" pós-colonial...
O jornalista João Paulo Guerra fez, na altura, uma nota biográfica deste homem:
(...) "O padre Lino Bicari chegou à Guiné em Maio de 1967. Tinha 31 anos, um curso teológico e formação em medicina tropical, em psicopedagogia e didáctica e etnologia. De passagem por Lisboa, meteu na bagagem curso rápidos de língua portuguesa e administração colonial e, como todos os missionários destinados às colónias portuguesas, assinou compromissos renunciando aos seus direitos como cidadão italiano e submetendo-se às leis e tribunais portugueses, à Concordata, ao Acordo e ao Estatuto missionários.
"Na Guiné vivia-se o quarto ano de guerra e Lino Bicari foi colocado em Bafatá, a cidade natal de Amílcar Cabral. A guerra, para ele como para os outros missionários, significava ouvir tiros ao longe e viver num centro populacional sob controlo militar, de onde só podia ausentar-se à luz do dia.
(..) "Foi em Itália, onde se deslocou em 1972 no âmbito de um programa de apoio ao Terceiro Mundo, que o padre Lino Bicari conheceu José Turpin, dirigente do PAIGC e, por seu intermédio, trocou correspondência com Amílcar Cabral. Quando tomou a decisão da sua vida, resolvendo trabalhar com o PAIGC, a Secretaria de Estado do Vaticano sentiu-se embaraçada. Não disse que sim, nem que não, e acabou por consentir, pedindo-lhe apenas que, formalmente, se desligasse do [Pontifício] Instituto para as Missões Estrangeiras [PIME]
(...) "No final de 1973, proclamado já o Estado da Guiné-Bissau, Lino Bicari entrou de novo no território. Mas, dessa vez, não levava o visto de Lisboa nem as guias de marcha do colonialismo missionário. Entrou através da fronteira com a Guiné-Conakry, numa ambulância da Cruz Vermelha e foi instalado pelo PAIGC na região de Boé, a sul de Madina, como responsável pelo Hospital Regional. 'Não era uma base de guerrilha mas uma zona totalmente libertada, defendida por forças armadas locais e, dada a sua configuração geográfica, de difícil acesso às tropas portuguesas', recorda Bicari." (...).
(...) "O padre Lino Bicari chegou à Guiné em Maio de 1967. Tinha 31 anos, um curso teológico e formação em medicina tropical, em psicopedagogia e didáctica e etnologia. De passagem por Lisboa, meteu na bagagem curso rápidos de língua portuguesa e administração colonial e, como todos os missionários destinados às colónias portuguesas, assinou compromissos renunciando aos seus direitos como cidadão italiano e submetendo-se às leis e tribunais portugueses, à Concordata, ao Acordo e ao Estatuto missionários.
"Na Guiné vivia-se o quarto ano de guerra e Lino Bicari foi colocado em Bafatá, a cidade natal de Amílcar Cabral. A guerra, para ele como para os outros missionários, significava ouvir tiros ao longe e viver num centro populacional sob controlo militar, de onde só podia ausentar-se à luz do dia.
(..) "Foi em Itália, onde se deslocou em 1972 no âmbito de um programa de apoio ao Terceiro Mundo, que o padre Lino Bicari conheceu José Turpin, dirigente do PAIGC e, por seu intermédio, trocou correspondência com Amílcar Cabral. Quando tomou a decisão da sua vida, resolvendo trabalhar com o PAIGC, a Secretaria de Estado do Vaticano sentiu-se embaraçada. Não disse que sim, nem que não, e acabou por consentir, pedindo-lhe apenas que, formalmente, se desligasse do [Pontifício] Instituto para as Missões Estrangeiras [PIME]
(...) "No final de 1973, proclamado já o Estado da Guiné-Bissau, Lino Bicari entrou de novo no território. Mas, dessa vez, não levava o visto de Lisboa nem as guias de marcha do colonialismo missionário. Entrou através da fronteira com a Guiné-Conakry, numa ambulância da Cruz Vermelha e foi instalado pelo PAIGC na região de Boé, a sul de Madina, como responsável pelo Hospital Regional. 'Não era uma base de guerrilha mas uma zona totalmente libertada, defendida por forças armadas locais e, dada a sua configuração geográfica, de difícil acesso às tropas portuguesas', recorda Bicari." (...).
O Lino Bicari e a Maria Fernanda Dâmaso traduziram do italiano o livro do Salvatore Cammilleri, "A identidade cultural dos balantas" (***).
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 22 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25548: Banco do Afeto contra a Solidão (29): Hospitalizado em Beja, o luso-italiano Lino Bicari, de 88 anos, antigo missionário do PIME (Bafatá, 1967-1971), professor do nosso Cherno Baldé, grande amigo e companheiro do nosso capelão Arsénio Puim
(**) Último poste da série > 22 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25424: In Memoriam (503): Agradecimento a René Pélissier (1935-2024) que ao blogue é devido; paraninfo a um devotado historiador (Mário Beja Santos)
(***) Vd. poste de 19 de outubro de 2018 > 19 DE OUTUBRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P19116: Notas de leitura (1111): Salvatore Cammilleri, missionário siciliano do PIME, expulso da Guiné em 1973 por ordem de Spínola, autor de "A identidade cultural dos balantas" (Lisboa, 2010, tr. do italiano: Lino Bicari e Maria Fernanda Dâmaso) - Parte I (Luís Graça)
4 comentários:
"Não é um homem desiludido, mas um homem amargo..."
Estes "Ché Guevaras" europeus, que naqueles tempos havia muitos com muitas ideias que diziam ser revolucionárias, eram principalmente uns românticos.
Alguns eram mais para derrubar os colonialistas e imperialistas, outros era mais para "ajudar esta gente".
Quase todos os missionários de vária ordem, das colónias portuguesas fizeram o jogo anti-colonialista, não ativamente como este missionário, mas disfarçadamente, com muita eficácia.
Seria chato se no fim acabassem amargurados ou deiludidos.
Passei uma semana na Sicília,onde tinha um sobrinho a estudar em Palermo... Dei para conhecer superficialmente a ilha... como "turista, estúpido em férias"... E conheço alguma literatura e cinematografia...Estou a imaginar um homem (pior ainda mulher) nascer na Sicília em 1935: a ilha que, ao longo da história, foi de todos os invasores e senhores... Pobreza, máfia, fascismo de Mussolimni, II Guerra Mundial, invasão e ocupação dos Aliados, com peras brutais de um lado e do outro, etc.
Estes missionários do PIME que foram para a Guiné eram sicilianos ou do sul de Itália... o "mezzogiorno" (que historicamente correspondia ao território do reino das Duas Sicílias, com capital em Nápoles).
Rosinha, viu-se, logo no dia 26 de abril de 1974, milhares de portugueses "virarem" as casacas e colarem-se aos novos partidos do arco do poder... Acontece em todos as mudanças políticas e sociais, em todos as épocas... Há "conversões em massa"... Por paixão, por oportunismo político, por calculismo, por medo, por ingenuidade, por fascínio, por contágio, por demagogia, por cinismo, por modas, etc. etc... Depois, há o deve e o haver, o balanço, a análise de custos e benefícios, a erosão do tempo, a obsolescência, a desilusão, a amargura...
Quem não tem fé, não corre o risco de a perder... Quem não é ator, nunca vai sentir as alegrias e tristezas do teatro da vida... Pode-se "perder as ilusões" e nunca sentir "amargura", "arrependimento", frustração ? Não sei, o ser humamo é extremamente complexo...
Um ano depois da independência, o Lino Bicari já se terá apercebido, segundo ele confessou ao jornalista João Paulo Guerra, que a "nomenclatura" do PAIGC , agora a tomar conta das rédeas do poder em Bissau, já estava a fazer merda... Nada que não se soubesse das lições da História...
Ele terá conhecido um pedacinho do "céu", no Boé, onde era o povo quem mais ordenava (seria mesmo ?) ... Depois veio o Estado, o poder de Estado, o aparelho, os bucrocratas... E acabou a "festa"...
A "sorte" do Amílcar Cabral foi, no fundo, não ter sobrevivido aos seus asssassinos, em 20 de janeiro de 1973... Tornado "mártir e santificado", os "puros" podem hoje evocar e celebrar a "pureza" dos princípios e dos valores... Dá jeito ter "bodes expiatórios" para o falhanço das nossas utopias (do cristianismo ao anticolonialismo, passando por todos os demais "ismos"). Também Jesus Cristo foi assassinado duas vezes... Mas é humano dizer que "Cabral cá mori",como ainda dizem dizem os "puros" do PAIGC (se é que ainda os há...).
Ele terá conhecido um pedacinho do "céu", no Boé...Talvez Alvito.
Já Luandino Vieira, outro Che Guevara, foi parar a Vila Nova da Cerveira.
Estes e mais alguns "atores" convidados, sobreviveram para contar a história.
Sabemos que houve imensos atores destes, mas relativamente poucas histórias contadas.
Luis, e houve tantos espectadores à espera das suas histórias!
E elas não aparecem.
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