terça-feira, 4 de abril de 2006

Guine 63/74 - P659: Tabanca Grande: O ex-Fur Mil José Manuel Samouco da CCAÇ 2381 e o Major Fabião

Mensagem do nosso camarada José Manuel Samouco, ex-Fur Mil da CCAÇ 2381 (1968/70)

Camarada Luís Graça...

Apresenta-se o ex-furriel miliciano José Manuel Samouco, pertencente à Companhia de Caçadores 2381, "Os Maiorais", que passou pela Guiné entre Maio de 1968 e Abril de 1970.

Sou camarada de guerra do Zé Teixeira e, por ele viciado no blogue.

Feita a necessária mas sumária apresentação, venho, carregado de emoção, solicitar a devida autorização para me juntar a vós. Leitor atento, diário, emocionado, por tudo o que se escreve e mostra no blogue, senti hoje uma vontade enorme de me tornar participante de viva voz.

Ao ter conhecimento do falecimento do Major Carlos Fabião (para mim será sempre o Major Fabião) não resisti, e nesta hora de luto, entendi que era chegada a minha hora.

Presto a minha mais sincera homenagem ao Homem, ao Militar, ao Líder, ao Amigo, com quem tive a felicidade de conviver, sob o seu comando, em Mampatá, entre Janeiro e Maio de 1969. É certamente um momento de grande tristeza para todos aqueles que com ele privaram de perto.

O nosso novo tertuliano, o José Manuel Samouco. Foto recente.

Em próximos capítulos, não deixarei de contar algumas estórias em que me vi envolvido e das quais fazem parte o Homem que teimava em se fazer acompanhar sempre com um enorme cabo de vassoura!

Por hoje fico por aqui. O primeiro passo (normalmente o mais difícil) está dado. Anexo duas fotos. Uma com a Farda da música, obrigatória para o cartão militar, tirada em Abrantes em Janeiro de 1968 e outra recente.

Um grande abraço extensivo a todos os tertulianos e os meus parabéns pelo magnifico trabalho que tens levado a efeito.

José Manuel Samouco


Comentário de L.G.:

Camarada Samouco: Não precisas de licença para entrar nem cartas de apresentação. Basta teres pertencido aos Maiorais, a CCAÇ 2381, que a gente já tão bão bem conhece graças ao testemunho do Zé Teixeiram e que andou por Buba, Mampatá, Quebo e Empada. A caserna é tua, ou melhor, arranja um espaço para ti, acomoda-te e depois mostra o que vales... Isto é: abre lá o teu rio da memória... Bem vindo à nossa tertúlia, em meu nome e dos restantes amigos e camaradas. L.G.

Guiné 63/74 - P658: O sentimento de um tuga... na hora da despedida (A. Marques Lopes)

Mensagem de A. Marques Lopes:

Caríssimo amigo Luís

Sabes tu, e todos os nossos amigos tertulianos, que há-de haver uma comoção e um sentimento enorme, só ultrapassável, com certeza, quando pisarmos aquele chão que marcou a nossa juventude.

Não é das minhas simpatias - e tu calculas porquê -, mas estou admirado, e sinto quase tudo o que ele diz (há as nuances das divergências, é claro), pelo que vou transmitir algumas palavras do Alpoim Calvão na Introdução do livro que o Jorge Santos, muito bem, enviou recentemente para conhecimento do blogue:

«A guerra ensinou-me muitas coisas. Entre elas, o respeito por alguns adversários, neste caso, os guerrilheiros do PAIGC, principalmente os homens do mato, corajosos, frugais e persistentes. Os dois lados em confronto, por vias diferentes, em última análise e síntese, batiam-se pelo mesmo objectivo: Uma Guiné melhor, na feliz frase do general Spínola, via da autodeterminação e independência.

"Foi uma vida cheia de movimento, de aventura, de plenitude. António Gedeão, resumiu magistralmente tudo isto, no Poema da Malta das Naus:

Com a mão esquerda benzi-me
Com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
Outras mil me levantei.

Tremi no escuro da selva,
Alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
Mulheres de todas as cores.


(In: Operação Mar Verde - Um documento para a história, de António Luís Marinho, 2006, pp. 9-10)(1)


... Claro que eu não tenho casa em Bolama, não sou amigo do Nino, mas vou sentir o que ele sentiu, de certeza:

«Aqui, da varanda da minha casa de Bolama, avisto o canal do porto e, do outro lado, São João. A pequena cidade está bastante escalavrada, mas as pessoas são hospitaleiras e afáveis. Emana do próprio lugar um encanto que não sei definir. A Guiné-Bissau é toda assim. Sinto-me solidário com estes povos e procuro, no limite das minhas pequenas possibilidades [tem lá empresas de cajú], ajudá-los a criar postos de trabalho onde possam, através do seu labor, ganhar o pão com a dignidade única que o trabalho dá... Entre eles, encontram-se alguns dos que, apanhados pelas encruzilhadas da história e pela falta de vergonha e de sentido de honra de certos portugueses, contubernais quase permanentes da mesa do poder, sofreram angústias e derramaram lágrimas. Foram meus amigos e camaradas nas Forças Armadas Portuguesas. Continuam a sê-lo.

"Estamos todos empenhados no caminho da Guiné melhor, senhora dos seus destinos, no combate à pobreza, à doença, à ignorância, como merece este povo que habita um país tão bonito, com reais possibilidades de desenvolvimento económico e consequente criação de riqueza.

"É, provavelmente, a minha última aventura. Cai a noite. Agradeço a Deus a vida e o livre arbítrio. A escolha está feita. Vai diminuindo a luminosidade e passo a contemplar um docel de estrelas igual ao avistado por Nuno Tristâo e Diogo Gomes, quinhentos e cinquenta anos passados (talvez com pequeninas diferenças de declinação e ascensão recta).» (Ib., pp 10-11).

... Mais: sei que vou sentir as minhas próprias emoções. Hei-de transmiti-las também.

Abraços
A. Marques Lopes (a escassas horas de partir para a Guiné-Bissau, em viagem por terra, de jipe)
__________

Nota de L.G.

(1) Vd pots de 1 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXVII: Bibliografia de uma guerra (12): Op Mar Verde

segunda-feira, 3 de abril de 2006

Guiné 63/74 - P657: Adeus... e até ao meu regresso! (A. Marques Lopes)

marques lope Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Barro > 1998 > O A. Marques Lopes, atravessando de piroga o Rio Cacheu, no decurso da sua primeira viagem à Guiné, depois do regresso em 1968.

© A. Marques Lopes (2005)


Texto do nosso querido amigo e veterano desta tertúlia, o A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968)...

Amigo Luís:

1. Lá vamos na próxima quarta-feira. Partimos às 7 da manhã, de Vila Nova de Gaia. Além daqueles que já sabes (o Allen, o Armindo, o Casimiro, o Manuel Costa, o Hugo Costa e eu) vai mais um, isto é, uma: a filha do Allen, uma jovem de 27 anos, decidiu ir também. O Albano lá estará para registar a partida e há-de mandar-te fotografia.

Houve alterações nos projectos da viagem: já não vai connosco a equipa da Diana Andringa (o Flora Gomes está nos EUA e, falta de dinheiro, não dá para ir agora e voltar lá depois...); o comandante Gazela morreu há três semanas, primeiro que eu.

Temos ainda dúvidas sobre o ponto da entrada na Guiné. Eu e o Allen pensamos que não haverá problemas em entrar por S. Domingos, o melhor sítio. É isso que me confirmou o Jorge Neto Neto, que contactei para o efeito. Diz ele que o tráfego se faz aí normalmente, quer de transportes colectivos quer de privados. Os problemas poderão surgir é nas zonas de Varela e Suzana, mais para o lado.

O Indami diz-me que se pode entrar por Farim. Mas o Jorge Neto dá-me um local do Senegal, na fronteira, Saly Cagnez, que, creio, vai dar a Pirada. A ver vamos, e não vão cegos connosco... De qualquer modo, o Jorge Neto deu-me o contacto dele em Bissau para lhe telefonar do Senegal e ele me fazer um up date em cima da hora.

2. Quanto ao Fabião, além das lembranças do 25 de Abril, escrevi uma coisa sobre ele no blogue, mas não consegui encontrá-la. Se conseguires, coloca agora novamente. Os bons vão partindo... mas valha-nos que os filhos da puta também vão, embora, infelizmente, não com tanta celeridade.

3. Sobre o major Passos Ramos, era capitão em Barro quando aí cheguei. Passados quinze dias foi promovido a major e foi para Bissau. Mas deu para confirmar o que os nossos amigos têm dito dele.

Um abraço e... adeus, até ao meu regresso.
A. Marques Lopes

Comentário de L.G.:

António, Allen, Hugo... O grande dia está a chegar!... Nós ficaremos aqui, no cais da partida, a dizer-vos adeus, a rezar para que tudo corra bem, a esperar ansiosamente as vossas notícas, fotos e estórias e, naturalmente, a desejar-vos uma boa estadia e um melhor regresso...

Um pouco do nossso coração também vai convosco. Saibam que temos orgulho em vós. Resta-nos a consolação de estarmos representados, de algum modo, nessa magnífica e generosa equipa que parte para Bissau.

Se me permitem conselhos, ficaria apenas por um: Safety, firt!... Nunca sacrifiquem a segurança a outras considerações... Adeus, amigos & camaradas! Estaremos convosco nestes dias de grande adrenalina, de aventura, de camaradagem, de amizade e de sentido de missão!


Vila Nova de Gaia > Madalena > Vésperas de Natal de 2005 > Uma minitertúlia de camaradas e amigos da Guiné...

Da esquerda para direita: Eu, Marques Lopes, José Teixeira, Albano Costa, Hugo Costa e Francisco Allen (mais conhecido pelo Xico de Empada...). Três deles - o Marques Lopes, o o Hugo Costa e o Allen - partem 4ª feira, dia 5 de Abril, de Vila Nova de Gaia para Bissau...

© Hugo Costa / Francisco Allen (2005)

domingo, 2 de abril de 2006

Guiné 63/74 - P656: In Memoriam: Depoimentos sobre Carlos Fabião (1930-2006) (Luís Graça)

1. Amigos e camaradas:

Morreu o Carlos Fabião, nesta última noite. Foram o Zé Teixeira e o José Martins que me fizeram chegar a triste notícia, que eu ainda não tinha ouvido na comunicação social.

Nunca o conheci pessoalmente mas ele foi nosso camarada de Guiné, e isso é que importa. Era uma figura pública. Julgo que foi um grande militar e um grande português. A nossa caserna está mais pobre. Curvo-me à sua memória.

Publicarei os vossos depoimentos. L.G.


Carlos Fabião (1930-2006)

Ingressou na Escola do Exército em 1950. No dia 25 de Abril de 1974 era tenente-coronel e prestava serviço no D.R.M. de Braga, para onde tinha sido transferido na sequência da denúncia de um golpe de Estado, que fez no IAEM - Instituto de Altos Estudos Miliatres, sito em Pedrouços, em 17 de Dezembro de 73. Foi membro activo do Movimento dos Capitães.

Foi nomeado governador da Guiné, cargo que exerceu até 15 de Outubro de 1974. Na sequência dos acontecimentos do 28 de Setembro foi nomeado para a Junta de Salvação Nacional (e por inerência para o Conselho de Estado). Em fins de 1974 passou a integrar a estrutura informal do Conselho dos Vinte e a partir de 14 de Março de 75 o Conselho da Revolução, sempre por inerência das funções que desempenhou. Passou à Reserva em Dezembro de 1993, no posto de tenente-coronel.

Fonte: Universidade de Coimbra > Centro de Documentação 25 de Abril > Biografias > Carlos Fabião

Sobre o Carlos Fabião, escreve o coronel Fernando Policarpo no seu livro sobre as Guerras de África: Guiné (1963/-1974) (Matosinhos: QuidNovi. 2006. 58-59. Academia Portuguesa de História: Batalhas da História de Portugal, 21) o seguinte:

"Terá sido Carlos Fabião um dos miliares portugueses que melhor conheceu a Guiné, tantos foram os anos que lá permaneceu, antes e depois da guerra. Conta que quando foi para Bissau, em 1955, ainda conheceu antigos guerreiros das 'Campanhas de Pacificação' do início do século.

"Nascido em 1930, Carlos Fabião viveu seis anos de paz na Guiné. Mas viveu também os tempos da guerra, já que, depois de 27 meses a combater em Angola, voltou ao território por duas vezes (1965-1967 e 1971-1973).

"Serviu sob o comando de dois generais bem distintos na manobra militar, Arnaldo Schultz e António Spínola, incumbindo-o este último de chefiar as milícias, uma força nativa constituída por elementos responsáveis pela defesa das suas próprias povoações" (...).

"Militar de grande confiança do General Spínola", denunciou em Dezembro de 1973 um alegado planoo de Kaúlza de Arriaga para desencadear um golpe de Estado da extrema-direita, numa altura em que o MFA desenvolvia os seus próprios planos para derrubar o governo de Marcelo Caetano.

Voltou à Guiné, depois do 25 de Abril, para assumir, em Maio de 1974, os poderes de governador-geral. Umas semanas antes, Spínola tinha-o incumbido de ir a Paris, para um encontro com Leopoldo Senghor. Este insistiu na necessidade de Portugal reconhecer, pura e simplesmente, o novo Estado da República da Guiné-Bissau, conselho que Spínola obviamente não aceitou. O velho general atribiu-lhe então a missão de disciplinar o MFA na Guiné e impor um plano de autodeterminação com a necessária consulta às populações locais. "Missão impossível". Fabião rende-se à vontade do MFA, negoceia a paz com o PAIGC e gere no terreno a transição...

Como já foi acima referido, depois do 28 de Setembro de 1974, integra a Junta de Salvação Nacional e, em Março de 1975, o Conselho da Revolução. Passa à reserva em Dezembro de 1993.


2. Do Zé Teixeira (2 de Abril de 2006, 12h53)

Caro Luís:

Saúde, paz e felicidade!

Como deves calcular o teu/nosso blogue continua a ser para mim um ponto de encontro diário. São contínuos momentos de reflexão e revivência dum tempo que marcou profundamente a juventude da época e consequentemente a minha Pátria até aos tempos que correm e continuará a ser uma marca perene.

Aprecio imenso os camaradas que continuam a vir a lume com as suas histórias e reflexões. É a nossa história em construção. A ti o devemos, deve ser dito e sentido por todos os bloguistas e leitores. Há muitos leitores que não se atrevem a escrever. Daqui os desafio a pôr em comum o que viveram e o que sabem e o que sentem. Só assim a verdadeira história da guerra da Guiné será construída.

Por mim, ainda há estórias de caserna e outras para contar, mas creio que devo dar espaço aos periquitos para se imporem. Todos, e somos muitos, serão poucos para tão grande história.

Hoje resolvi reentrar no Blogue para me curvar perante um homem que tive o prazer de conhecer lá na Guiné e que acaba de partir para o acampamento eterno. As notícias de hoje dão como falecido o Tenente Coronel Carlos Fabião, o nosso Major. Tive o prazer de ser comandado por ele em Buba.

Homem de poucas palavras, muito observador e de uma rectidão extrema e sobretudo muito humano. Nos contactos que tive com ele, que não foram muitos - um simples enfermeiro tinha de se render à sua insignificância! - encontrei um homem preocupado com os seus homens, em todos os aspectos (segurança, saúde, alimentação). Bom estratega. Um grande militar. A minha singela homenagem.

Zé Teixeira


3. Do José Martins (2 de Abril de 2006, 13h08)

Esta noite no Hospital Militar de Belém morreu o Coronel Carlos Fabião, nossso camarada combatente da Guiné.

Cada vez mais há necessidade dos vivos contarem a história, para não corrermos o risco se serem outros, menos informados, a fazê-lo.

R.I.P.
Martins


4. Do Carlos Vinhal (2 de Abril de 2006, 21h38)

Caro Luis

Por uma questão de justiça informo-te que ouvi no Rádio Clube Português, da parte da manhã, a notícia da morte do Coronel Carlos Fabião, precisamente quando estava a consultar o 1º. volume de A Guerra de África, páginas 371 (onde está uma sua fotografia) a 373. Consultava este livro para tirar elementos sobre a guerra da Guiné, a fim de falar sobre os 3 majores mortos em Abril de 1970 e enviar-te um texto, como o fiz.

Às 13 horas, julgo que na RTP1, a notícia foi dada novamente.

Um abraço fraterno de
Carlos Vinhal


5. Do Virgínio Briote (2 de Abril de 2006, 22h47)

Viva Luís,

O Cor Carlos Fabião estava doente há uns tempos e sabia-se que era uma daquelas coisas que raramente perdoam. Conheci-o na Guiné (o que não é para admirar uma vez que ele cumpriu lá, salvo erro, 3 comissões), era ele capitão. Numa das saídas do meu grupo para os lados de Tite, ainda nos finais de 65, ele comandou os dois grupos de combate que nos foram apoiar e recolher.

Recordo-me de ver um sujeito sob o forte, com uma varinha na mão, ar calmo. Via-se que lidava muito bem com o pessoal dele. Sentia-se que o rodeava uma aura mística, tinha carisma. E tu sabes o valor que isso tem nos soldados, o poder de os fazer acreditar que estavam protegidos. E tive oportunidade de constatar pesoalmente que os soldados tinham motivos, ele merecia que acreditassem nele.

Durante a minha comissão ainda tive o gosto de o rever mais duas vezes. E depois com o 25 de Abril, o Carlos Fabião tornou-se conhecido de quase toda a gente que viveu aqueles tempos, odiado por uns, amado por outros. Do que conheci dele, penso que a história não o tratou muito bem. Aqueles ventos chamuscavam os que andavam longe dos acontecimentos, quanto mais os que estavam no centro da fogueira.

Um bem-hajas por o teres recordado.

Um abraço para a tertúlia que tão bons momentos me tem dado.
vb


6. Do João Carvalho (3 de Abril de 2006, 23.30h)

Olá Luis e camaradas

Não tive a felicidade de conhecer pessoalmente o nosso ex camarada Carlos Fabião.
Pelo pouco que fui ouvindo sobre ele, penso que era uma pessoa íntegra.

A minha pequena contribuição para que não seja esquecido mais um nosso camarada está e em: Wikipédia > Biografias > Carlos Fabião .

A todos os camaradas que saibam mais promenores da sua biografia agradeço, caso tenham tempo e paciência para isso, que acrecentem mais informação.

Um grande abraço
João Carvalho

Guiné 63/74 - P655: Homenagem aos majores Magalhães Osório, Passos Ramos e Pereira da Silva (Carlos Vinhal)

Texto do Carlos Vinhal (ex-furriel miliciano airador de infantaria, com a especialidade de minas e armadilhas, CART 2732, Mansabá, 1970/72):

Costumo dizer que andei na guerra porque não tive coragem de fugir dela. Até ir para a tropa nunca tinha pegado numa arma, a não ser nas de plástico para brincar, e nunca tinha atirado uma bomba de S.João.

Ironia do destino, fui para atirador e tirei um curso de minas e armadilhas. Para falar verdade nunca dei um tiro em combate, mas fiz umas coisas na área das minas. Nunca entendi a guerra embora a ache inevitável enquanto o animal homem dominar a Terra.

Vem isto a propósito de se estar a falar no nosso blogue dos nossos heróicos majores (1), que no cumprimento de uma missão quase impossível, foram cobardemente assassinados, pois morreram desarmados e indefesos por um inimigo que não queria diálogo, pelo menos naquela altura, como ficou provado.

Quando se deu este trágico acontecimento, estava a minha Companhia há pouco tempo na Província. Naquela altura foi-me difícil perceber como se puderam mandar 3 homens desarmados para o mato. Como se veio infelizmente a provar, não se conheciam as verdadeiras intenções da outra parte. Por ventura outras facções do PAIGC não concordavam com as mediações intentadas pelo general Spínola, mas daí a se matar 3 oficiais superiores inimigos, a sangue frio... Mesmo na guerra há limites.

Que coragem demonstraram aqueles homens ao prestarem-se a tal missão!

O Marechal Spínola, quanto a mim, demonstrou, antes e mesmo depois do 25 de Abril, uma certa ingenuidade quando se metia em acções políticas. A missão dos nossos majores foi uma acção política, mais que militar e o Marechal Spínola, sendo um brilhante militar, não tinha sensibilidade para a política.

Sabe-se agora que estas acções foram do conhecimento restrito de algumas pessoas do Regime, mas a responsabilidade e a condução política era da responsabilidade do Governador e Comandante Chefe da Província.

Os nossos majores Magalhães Osório, Passos Ramos e Pereira da Silva, são sem dúvida o exemplo da abnegação, cumprimento do dever, patriotismo e coragem. São merecedores da nossa consideração e agradecimento. Não sei se nas suas terras existe alguma rua com os seus nomes, mas porque não? Aqui fica a ideia. Fizeram-se heróis de acções mais comezinhas. Só pessoas como nós sentem estas coisas mais profundamente.

Carlos Vinhal
_____

Nota de L.G.

(1) Vd posts de:

1 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXVIII: A Internet e o menino do quartel de Teixeira Pinto (João Tunes)

11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo)

Guiné 63/74 - P654: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (6): as primeiras Chaimites para o Exército Português

Guiné > Zona Leste > Bafatá > Esq Rec Fox 2640 (1969/71> Viatura Chaimite anfíbia com canhão. As primeiras que foram distribuídas às NT. © Manuel Mata (2006)


Texto do Manuel Mata, ex-1º cabo apontador de Carros de Combate M 47 > VI Parte da História do Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (*)

Junho de 1970:

Mês trágico para o Furriel Mil Humberto Sertório Fonseca Rodrigues que sofre um acidente no quartel ao deslocar-se ao gabinete do Comandante do Esquadrão (na altura Capitão de Carreira Fernando da Costa Monteiro Vouga, hoje Coronel na reforma), para atender um telefonema de Lisboa, da mãe.

E enquanto almoçava, este, ao entrar a correr no gabinete fez estremecer o soalho, tremeram os móveis, caiu um dilagrama que estava exposto em cima de um dos móveis e que explode. Esse dilagrama era um de dois por mim encontrados, junto da ponte do rio Colufe, numa tarde de pesca com tarrafa (rede de lançamento, cónica), não sendo este conhecido no nosso exército, na altura.

O Capitão, quando o viu na arrecadação de material de guerra e aquartelamento, pediu-me que, antes de os depositar no paiol subterrâneo, lhe desse um para observação.

Ainda hoje, quando recordo esta cena, vendo um corpo a rolar no chão, sinto alguma angústia, embora o Humberto Sertório se encontre bem, continuo com alguma dor… (Certamente alguns dos camaradas desta caserna, deste blogue, conhecem este camarada, foi Fundador e Presidente de ADFA – Associação dos Deficientes das Forças Armadas).


Agosto de 1970:

Mais um elemento do Esquadrão evacuado por doença, o Apontador de CCM 47, João Vicente Pereira Constantino.

Verificou-se ainda neste mês, no itinerário Piche – Nova Lamego, uma emboscada pelo IN a uma viatura civil. Acorreram os homens do Pel Rec que, ficaram surpreendidos por se tratar de uma viatura civil. Explicação do motorista: ultimamente não tinha entregue a sua contribuição (sacos de arroz e feijão) aos homens do PAIGC da região.



Guiné > Zona Leste > Bafatá > Esq Rec Fox 2640 (1969/71)> Uma das oito Viaturas White distribuídas ao Esq Rec Fox 2640. Rápida também em picadas, com bom poder de fogo devido ao carril onde as metralhadoras eram montadas, podendo deslocar-se para qualquer ponto frontal ou lateral da viatura, era ao mesmo tempo um excelente abrigo devido à sua forte estrutura metálica. Tornava-se, porém, difícil a sua deslocação na época das chuvas. © Manuel Mata (2006)


Setembro de 1970:

As oito viaturas White, distribuídas ao Esq começaram a ter problemas mecânicos, não havia material sobressalente em armazém, para reabastecimento, tendo esta situação leavdo a uma diminuição da nossa actividade operacional.

Neste mesmo mês um camarada do Esq é punido, com quatro anos e seis meses de presídio militar, por insubordinação (ameaça de lançamento de granada de mão ofensiva durante a noite, ou de G3 em posição de rajada, na caserna, quando todos estavam a descansar, etc.)... Lá fugia toda a malta em cuecas para a parada, com medo do Mouraria, que acabava a rir à gargalhada!!!

Conclusão: seguiu para Bissau, com destino ao Forte de Elvas, donde saiu beneficiando de uma amnistia pela morte de António Oliveira Salazar (1), não sendo por nós conhecida a sua situação desde essa data.


Mês de Outubro de 1970:

O Pelotão destacado em Piche fez mais uma das muitas escoltas, a Nova Lamego, sofreu uma forte emboscada, as viaturas White reagiram de imediato pelo fogo e movimento. Uma delas foi atingida por sessenta tiros e um dos nossos atiradores teve uma reacção inesperada e de grande bravura, sai da viatura para o meio da picada de bazuca em punho, mantendo-se ali de pé até disparar todas as granadas que havia de momento...

Apenas sofreu queimaduras ligeiras no rosto o nosso bravíssimo camarada Eduardo Pereira Subtil (mais conhecido pelo Minhoca). Houve um outro militar ferido mas sem gravidade. As forças escoltadas sofreram um morto e sete feridos.

Notava-se na zona um aumento significativo das ameaças e flagelações pelo IN, basta recordar o dia 25 de Outubro, mais uma em Piche sem consequências para o Pelotão Rec, mas o mesmo não aconteceu aos militares do Batalhão que sofreram um morto e um ferido, e também quatro feridos da população.
Guiné > Zona Leste > Bafatá > Esq Rec Fox 2640 (1969/71)> Algum do material de guerra capturado ao IN ao longo dos meses na zona de Piche.

© Manuel Mata (2006)

No mesmo período outro Pelotão ao fazer uma escolta Bafatá – Xime – Bafatá foi atacado pelo IN com morteiro e armas ligeiras. As nossas forças reagiram em colaboração com as forças estacionadas no Xime, não tendo havido consequências, para as NT.

Logo, a seguir 5 de Dezembro, foi atacada a tabanca de Bambadinca. Neste período é de salientar a vinda à Metrópole de um Alferes, do Primeiro-Sargento Mecânico, e de cinco Praças, afim de receberem cinco viaturas Chaimite, destinadas a este Esq. Havia uma certa expectativa pois eram as primeiras viaturas do tipo para o Exército Português.

Estava assim decorrido o primeiro ano de Guerra e eis que chegou o segundo Natal na Guiné. Algumas mensagens para a família pela rádio e pela televisão, toda a gente em fila indiana numa corrida para o microfone (Sou o …, de …, Minha querida Mãe e Pai, e restante família, estou bem, até ao meu regresso!), lá fica toda a gente mais feliz.

Não podemos esquecer a lembrança posta na Bota, entregue pelo MNF Português(carteira contendo um maço de tabaco e um isqueiro)... Para muitos de nós era humilhante, tratar assim quem tudo dava incluindo a própria vida, por uma causa que não era nossa.

Para os amigos que gostam de quadras com algum sentido crítico/satírico, já comecei a publicar algumas, que são da autoria do meu amigo José Luís Tavares, homem de transmissões, companheiro do Esquadrão e das lides de organização dos convívios anuais (3).
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Notas de L.G.

(1) Vd. posts anteriores
2 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (5): Foguetões 122 mm no Gabu
2 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXI: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (4): Elevação de Bafatá a Cidade

25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata) (3)

3 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (2)

2 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DXCVII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata) (1)

(2) Salazar morreu em 27 de Junho de 1970. Poucos de nós, na Guiné, demos pela ocorrência e menos ainda a lamentámos.

(3) Vd post de 31 de Março de 2006 >

Guiné 63/74 - DCLXV: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (1): Obras em Piche.

Guiné 63/74 - DCLXVI: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (2): Piche, BART 2857

Guiné 63/74 - P653: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (5): Foguetões 122 mm no Gabu

Texto do Manuel Mata, ex-1º cabo apontador de Carros de Combate M 47 > V Parte da História do Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71)


Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Ponte sobre o Rio Geba © Manuel Mata (2006)
Março de 1970

Em final de Março de 1970 é o Esq Rec Fox 2640 equipado com 4 viaturas White, dias depois mais quatro, tendo seguido para Piche algumas para renovar o parque do Pelotão de Reconhecimento, ali destacado.

No dia 31 de Março de 1970, já com as novas viaturas o Esq faz uma escolta ao 2º Comandante do Batalhão de Caçadores 2856 a Cambaju, mais como mostra do poderio de força junto da fronteira com a República do Senegal. O IN ia registando… (lá dizia o Sr. Teófilo, um destes dias Bafatá vai se atacado).

Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Viatura White © Manuel Mata (2006)

Neste mês registou-se ainda uma evacuação por acidente, do Rádio Montador, Júlio da Silva Torrão: este, ao fazer no exterior a reparação de um cabo eléctrico, sofreu uma descarga eléctrica, caiu do poste... Resultado: um membro inferior e superior partido.


Abril de 1970

No mês seguinte, Abril, regista-se a evacuação para a Metrópole, do camarada condutor auto rodas, João Pires Catarino, por ter perdido uma vista ao abrir uma caixa de géneros destinada à messe de Sargentos, onde era impedido.


Maio de 1970

O Pel Rec em Piche, continuava a sua actividade e a sofrer as flagelações do inimigo, agora com foguetões de 122 mm. Volta a acontecer, felizmente sem consequências, no dia 26 de Maio, depois de uma escolta aos Adidos Militares Estrangeiros que visitaram a Guiné. Ao chegar de Nova Lamego foram flagelados com foguetões de 122 mm.

No dia 29 um Pel Rec reforça a companhia do Geba sob ordem do BCAÇ 2856, para uma operação de dois dias. Regressaram cansados, mas felizes por ajudarem os amigos do Geba.





Guiné > Zona Leste > Bafatá> 1970 > Panfletos de propaganda política, oferecidos ao Manuel Mata pelo seu amigo, o comerciante Sr. Teófilo: os dois primeiros são da autoria do PAIGC, sendo um deles escrito em árabe; os outros dois são das NT. © Manuel Mata (2006)

Um abraço aos companheiros da caserna.
M. Mata

Guiné 63/74 - P652: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (4): Elevação de Bafatá a Cidade

Brasão do Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) 
© Manuel Mata (2006)

Texto do Manuel Mata, ex-1º cabo apontador de Carros de Combate M 47 > IV Parte da História do Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71)

Apresentam-se a seguir algumas imagens que documentam o aspecto de Bafatá àa data da sua elevação a cidade (em cerimónia que decorreu a 12 e 13 de Março de 1970, com a presença do Ministro do Ultramar).

Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Estabelecimentos comerciais e ruas com o seu aspecto bem cuidado, onde se destaca a limpeza e os lancis pintados a branco.© Manuel Mata (2006)

Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Outra rua comercial © Manuel Mata (2006)

Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Rotunda à entrada de Bafatá e o Café do Teófilo (pai da Ritinha), ao fundo (1). © Manuel Mata (2006)

Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Hospital, unidade dirigida por missionários italianos.© Manuel Mata (2006)

Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Catedral onde casou o Alferes Félix Vaz do Comando, com uma irmã do Coronel Danif, filhos da D. Rosa. © Manuel Mata (2006)

Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Residência do Administrador do Concelho e posto dos cipaios.© Manuel Mata (2006)

Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Mesquita, espaço de oração da comunidade muçulmana.© Manuel Mata (2006)

Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Escola Primária inaugurada nesse ano. © Manuel Mata (2006)

Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Edifício dos Correios e Finanças. © Manuel Mata (2006)
_________

Nota de L.G.

(1) Vd posts de:

29 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLVIII: Comerciantes de Bafatá: turras ou pides ? (Manuel Mata)

26 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLIV: Bafatá: o Café do Teófilo, o desterrado

Guiné 63/74 - P651: Eu bato a pala (Hugo Moura Ferreira)

Mensagem do camarada Hugo Moura Ferreira

Caros Amigos:

Como verificarão, eu sou um dos que escreve pouco, mas que vive intensamente aquilo que se diz por aqui. Sou até um viciado, já que o nosso Blogue funciona como home page, no meu IE.

No entanto há sempre algo que gostaria de transmitir e agora é o caso. Estou muito sensibilizado e a criar grande admiração pela forma poética, em prosa, que o João Tunes utiliza com tanta facilidade para nos contar das suas experiências, recordações e maneiras de ver as coisas.

Admito mesmo que por vezes não estou de acordo com ele, mas que o admiro... admiro!

Hoje, por exemplo, quero aqui afirmar que estou inteiramente de acordo com tudo aquilo que foi escrito nos posts publicados [, com data de 1 dse Abril de 2006]: A Internet e o menino do quartel de Teixeira Pinto e Momentos altos do nosso ciberconvívio, bem como acerca das condecorações que deveriam ser atribuídas ao Luís e outros considerandos a propósito. E quanto ao que o João conta do Menino, e todas as reflexões à volta desse relato me deixam muito sensibilizado.

Já tinha lido muitas peças escritas pelo João Tunes, mas nenhuma delas me tocou tão profundamente.

Continuem, por favor. Por mim, já que escrevo pouco, tentarei ajudar o Blogue de outras formas, nomeadamente publicitando-o.

Um grande abraço e votos de Santa Páscoa.

Hugo Moura Ferreira
Ex-Alf Mil Inf (1966/1968)
CCAÇ 1621 e CCAÇ 6

sábado, 1 de abril de 2006

Guiné 63/74 - P650: Blogoterapia: Momentos altos do nosso ciberconvívio (Luís Graça)

1. O João Tunes acaba de nos proporcionar mais um momento bonito, tocante mesmo, do nosso convívio virtual à volta do nosso blogue... É para isso que servem, aliás, as tertúlias...

Não costumamos fazer gala ou espectáculo dos nossos encontros e desencontros, não fazemos show-off, não pomos a boca no trombone, cultivamos o low profile... Mas a verdade é que somos provavelmente o único sítio, na Net, em português, em que é possível fazer-se a reconstituição do puzzle da memória das vivências, comuns e pessoais, da guerra da Guiné (1963/74)...

A haver algum mérito no engrossar do rio das nossas memórias, ele não é de ninguém em particular, mas de todos nós, ex-combatentes e actuais amigos da Guiné-Bissau e do seu povo, que temos mostrado vontade e interesse em comunicar uns com os outros... Desta vez tirando partido de uma tecnologia que não existia em 1981, altura em que escrevi no defunto O Jornal mais ou menos o seguinte: "Nunca é tarde para exorcizar os nossos fantasmas (individuais e colectivos). Vinte anos passados sobre o início duma guerra que iria marcar toda uam geração, eis que O Jornal abre as suas colunas à(s) memnória(s) recalcada(s) dos soldados do último império colonial"...

2. Já tivemos aqui momentos altos, não de glória, mas de emoção, de estórias ou testemunhos marcados pelo sentido de compaixão, de simpatia, de amizade, de amor, de afecto, de camaradagem, de gratidão, de solidariedade, em suma, sentimentos dos mais nobres de que são capazes os homens e as mulheres da espécie Homo Sapiens Sapiens...

Por razões de imparcialidade que me compete respeitar, enquanto animador deste blogue, não vou dizer - embora me apetecesse - quais foram esses momentos que mais me tocaram, emocionaram, sensibilizaram ou até divertiram... Acrescento, todavia, que já foram umas largas dezenas, das quase sete centenas de textos, mensagens ou posts, aqui publicadas desde 25 de Abril de 2005...

A última mensagem é a que acabo de inserir, da autoria do João Tunes, reconstituindo aqui a estória singular do filho de um dos três majores assassinados no chão manjaco...

Quando o pai morreu, o miúdo tinha sete anos, era visita frequente do quartel de Teixeira Pinto, embora vivendo normalmente com as irmãs e a mãe em Bissau... Este homem, hoje com 42 anos, ele próprio militar de carreira durante dez anos e actualmente piloto da aviação comercial, tem com todo o mérito um lugar especial na nossa caserna, na nossa tertúlia, nas nossas memórias...

Eu, Luís Graça e os demais camaradas da Guiné, que fazem parte da nossa tertúlia, prestamos aqui uma comovida homenagem ao pai deste homem e ao nosso camarada, com a plena consciência de que o seu sacrifício - o supremo sacrifício da sua vida ! - não foi inútil e que ele, e os outros camaradas que morreram heroicamente com ele, serão sempre lembrados por nós e pelos nossos vindouros. Pelo menos, cabe-nos a nós, à nossa geração, cultivar a sua memória e o seu exemplo. Seria insuportável para nós (e para a família e os amigos mais íntimos dos malogrados oficiais portugueses mortos no chão manjaco em 1970) pensar que o sua morte tenha sido gratuita ou em vão...Não o foi, mesmo para aqueles como eu que não concordavam com a estratégia spinolista de contra-guerrilha...

(L.G.)

Guiné 63/74 - P649: A Internet e o menino do quartel de Teixeira Pinto (João Tunes)

Mensagem de João Tunes:

Camarada Luís,

A Internet arrasta muito lixo, demasiado lixo. É um meio propício ao rancor, à filha de putice fácil, rápida e barata. Sobretudo à filha de putice escondida, aquela de vão de formação sem escada, propícia até a ser tangida em tocas de ratos, minguadas de queijo da autoestima, matando fomes acumuladas de fel, com um cobertor a tapar nome e cara e dar a oportunidade da cobardia insana do anonimato, o anonimato dos filhos de puta, não por nascimento mas por opção ou condição, o anonimato dos pseudo-homens. Que guardam a valentia para a hora do cagalhão.

Claro que não é defeito da Internet. Como o abuso, mais as mil mentiras, dos totalitários eleitoralistas não é defeito da democracia, em que fingem que jogam a ida a votos, com abraços, beijinhos, bailaricos com peixeiras e velhotas e falinhas, muitas falinhas, enquanto esperam a hora de mudar o mundo á pazada e sem direito a voto, escolha ou mudança. Como meio aberto que é, como qualquer sistema aberto, a Internet, como a democracia, arrasta de tudo, também a porcaria. É um preço da sociedade aberta e ligada em rede.

Mas a Internet também traz o melhor. Além do mediano que é o que, talvez, arrasta mais. Porque tem essa capacidade instantânea e eficaz de meter o mundo em rede, anular distâncias, sentar tudo em convívio num mesmo sofá, cada qual instalado no repouso do seu sítio. Tornando possível a comunicação, o convívio, a tertúlia, o debate, o abraço, à distância de um golpe de asa. Apesar do lixo, muito lixo, demasiado lixo, que a Internet nos traz.

Dou um exemplo: este blogue, esta obra magnífica do nosso Comandante Luís, fez, graças à Internet, mais pela catarse e pelo reencontro da pacificação de memórias dos ex-combatentes da Guiné que qualquer programa mui bem elaborado, até se fosse copiado da Finlândia (o país que, pelos vistos, nos guia agora na redenção tecnológica rumo à prosperidade), de melhoria da saúde pública (sem desprimor, é claro, ora essa, para com os laboriosos profissionais e académicos que da saúde pública se ocupam, que os há e são de excelência).

E, se de comendas e honrarias fosse mandante (miliciano que fosse, aliás mais não queria nem admitia ser, que nem para isso tenho alma ou jeito de chico), podes crer, camarada e Comandante Luís, a Torre e Espada da Camaradagem da Guiné e com Palma da Saúde Pública já te brilhava, em colar ciberluzidio, nesse teu peito de homem bom e perito em juntar almas espalhadas de velhos guerreiros de ocasião, cansados e reformados, celebrando a osmose das memórias nesta nobre tabanca, onde és soba honorário e de mérito, e onde nos vamos juntando e desfiando os risos e os choros engolidos, até os ranhos, desses nossos tempos no cu de judas, não cu pela terra mas pela insana missão.

Pois a Internet já me trouxe ao meu tapete da porta de entrada muito filho de puta com os pés sujos. Dos tais. Mas também me trouxe bem, prazer, emoção, comoção, encontros, reencontros. Salvem-se estes para bem re-odorizarem o mau cheiro dos outros, os do lixo.

Permitam que fale do meu último encontro que a Internet me trouxe com marca da Guiné.
Conheci, pelas circunstâncias, em convívio de guerra e amizade, em Teixeira Pinto (hoje, Canchungo), os três majores que, em Abril de 1970, tombaram em combate, abatidos de forma vil e cobarde, na mata perto de Pelundo. Sobre isso escrevi. Aqui também (1).

Agora, acabo de receber mail de alguém que leu o que escrevi (lá está: graças à Internet) e que me diz ter ficado contente por não ter esquecido o que se passou e me pergunta se me lembrava de uma criança que costumava brincar nesse mesmo quartel de Teixeira Pinto.

Não, não me lembrava nem lembro. Mas, pelo apelido, percebi que se tratava do filho de um dos três majores, nossos camaradas, nossos mártires. Disse-lho, dizendo que as minhas velhas e sobrecarregadas memórias não retinham a sua presença infantil no quartel de Teixeira Pinto nesses anos de 1969 e 1970, mas que suspeitava quem fosse, ou seja, de quem era filho. E ele esclareceu:

"Sim sou o filho, somos três ao todo (duas raparigas mais velhas) e, como deve imaginar, sendo eu o único rapaz, ele não queria deixar créditos por mãos alheias e levava-me para Teixeira Pinto à revelia da minha mãe. Durante tempos tentei compreender porque razão um pai leva um filho de 7 anos para uma zona de combate... Protecção? Aprender os ensinamentos e horrores da guerra ? (Presenciei alguns , estava no local errado à hora errada, que nem à minha mãe os contava com medo de não voltar a Teixeira Pinto, enfim aquela cumplicidade de filho, afinal sempre preferia a companhia do meu pai). Sim, foi um misto, que verdade seja dita do pouco que privei com Ele e que, não sendo o suficiente, me ajudaram a crescer.

"Tornei-me homem quando fiquei orfão, tentei assumir familiarmente o papel do homem da casa no meio de três simpáticas mulheres, sabendo ao longo da minha vida que jamais estaria à sua altura, fui para o Colégio Militar e em 7 anos li toda a literatura de adultos deixada de herança. Fui Oficial Pára-Comando durante 10 anos e um dia acordei. Fechei um ciclo e tornei-me civil.(...) Hoje sou Piloto de Linha Aérea, tenho 42 anos, casado, vivo 6 meses em Portugal e 6 meses fora."

Retiro, desta minha inconfidência, o nome e o apelido e mais algo que ele escreveu de mais pessoal, a fim de que o meu abuso não se torne obsceno, ofendendo demais confiança e pudor. Fica o testemunho, um fio da memória de um homem, hoje com 42 anos de idade, filho de um militar brilhante e homem grande (dos maiores e mais inteligentes que conheci), um nosso camarada de honra e de guerra, que vive para o resto da vida a sua experiência, uma experiência capaz de transformar um menino de 7 anos num sábio da vida pela via do desgosto, que viveu connosco, na nossa época, na mesma guerra onde penámos e nos desenrascámos, voltando ele da Guiné órfão de um combatente caído em combate, barbaramente assassinado, cobardemente assassinado, nosso camarada. E que, afinal, foi ele também, já quando menino, nosso camarada. Merecedor, pela idade e pelo tormento, mais a irmandade na dor e no luto, um camarada a merecer lugar de honra no nosso carinho. Aquele carinho que a guerra não nos conseguiu secar nem transformar numa bolanha em que os pés se atasquem e a alma fique pequena. E que é, julgo que concordem, o melhor que os velhos e retirados guerreiros, que somos todos nós, podemos arrastar agarrados aos camuflados de velhinhos com que tecemos as nossas vidas que queremos ainda gastar mais uns bons pedaços, ah pois, sem delas sairmos a perder a honra de as merecermos.

E, depois disto, como não dizer: bendita Internet? Mais: obrigado Luís, continua, como um valente comandante-em-chefe, ao serviço da comunicação, da memória e da amizade dos tresmalhados ex-combatentes da Guiné, agora todos mestres no uso da ciber-G3, e, sobretudo, ao bom e zeloso serviço de saúde pública para que, em boa hora, te pendeu aguçares o engenho, a arte e a amizade. Bem hajam. Tu e a Internet.

Abraços. Para ti e para todos os restantes e estimados tertulianos.
João Tunes
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Nota de L. G.:

(1)Vd post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo)

" (...) Quanto ao Major Osório, sempre de t-shirt branca, pouco falava mas era muito respeitado. Aquilo era gente de acção e quando a não tinham, cediam à espera tensa e ansiosa de mais acção. Em resumo, eram guerreiros em descanso forçado. Além da bravura na guerra, só lhes sobrava bravura para descarregarem o sexo numa ou noutra adolescente a quem deitavam mão e que se limitavam a abrir as pernas e os olhos, num misto de espanto, de medo e de ausência de prazer.

"O Major Pereira da Silva, de enormes bigodes revirados, não parecia um militar. Mal enfiado dentro da farda, o homem era um intelectual. Falava todos os dialectos usados na zona, conhecia de fio a pavio todos os usos e costumes das tribos da Guiné, andava sempre pelas aldeia a completar os seus conhecimentos e a farejar informações úteis. Em colaboração com a Pide, dirigia a rede de informadores e era o negociador com os cisionistas do PAIGC, dispostos a entregarem-se. Era um comunicador excelente e um homem completíssimo em cultura(s) africana(s). Dava gosto ouvi-lo e aprender com ele, tanto mais que tinha, para com os africanos, uma autêntica reverência cultural, particularmente quando se tratava dos manjacos.

"O Major Passos Ramos era o crâneo do comando militar. O pensador de toda a estratégia e o homem que fazia as sínteses do cumprimento da missão para toda a zona. Excelente conversador e homem culto, o Major Passos Ramos irradiava encanto e inteligência. Era um oposicionista manifesto e assumido ao regime e tinha, inclusive, participado na Revolta da Sé. Quando encontrava um miliciano chegado de fresco ou vindo de férias, ele imediatamente rumava a conversa para as actividades oposicionistas e pedia previsões sobre quando o regime iria cair.Spínola estava encantado com o andamento das coisas no chão manjaco.

Tudo ia bem ou parecia andar. E os oficias de Teixeira Pinto eram mesmo a sua nata. Eram militares profissionais de primeira água que faziam a guerra o melhor que sabiam e podiam. A meio da tarde, regressei a Pelundo. Sem problemas.(..)

"Fiz, então, a última viagem de jipe do Pelundo até Teixeira Pinto para apanhar o avião que me levaria, em trânsito, até Bissau. Mas, antes de embarcar no avião, não faltaram os três majores na pista para darem abraços de despedida (e de solidariedade).

"O adeus do major Passos Ramos foi o mais emotivo porque tinha ganho uma especial empatia comigo, alimentada de cumplicidade política e de estima pessoal. Ainda hoje me parece sentir nas costas o toque afectivo das palmas das suas mãos. Foi a última vez que vi Pelundo e Teixeira Pinto. E os três majores.

"Já colocado em Catió, tive notícias dos três majores e meus amigos. Notícias que correram mundo" (...)

João Tunes

Guiné 63/74 - P648: Bibliografia de uma guerra (12): Op Mar Verde


Selecção de Jorge Santos:

TÍTULO: “Operação Mar Verde – Um documento para a história”
AUTOR: António Luís Marinho
EDITORA: Círculo de Leitores
DATA: Fevereiro de 2006

Da editora:

"A nossa história mais recente, os trâmites de uma polémica operação de limpeza.
Luís Marinho apura a verdadeira dimensão da ordem dada pelo governador da Guiné-Bissau em Novembro de 1970, operação executada por Alpoim Galvão.

"A ordem de captura e morte dos dirigentes do PAIGC acabou por falhar. Amílcar Cabral foi traído e assassinado três anos depois por membros do seu próprio partido. Com esta obra, o autor volta aos agitados anos 70, à dimensão da luta armada e analisa o polémico documento que teria dado ordem de captura e morte aos dirigentes africanos".

De Guilherme Alpoim Galvão (1):

«Lendo e relendo as páginas da obra que o Luís Marinho pacientemente pesquisou e escreveu, recordei o que se passou há trinta e cinco anos, praticamente metade da minha vida, com alguma nostalgia mas também com um frémito de entusiasmo, pois foram anos duros mas excitantes, de estudo, reflexão, planeamento e acção, muita acção.»
____________

Nota de L.G.

(1) vd post de A. Marques Lopes, de 22 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXX: Bibliografia de uma guerra (9): a invasão de Conacri

sexta-feira, 31 de março de 2006

Guiné 63/74 - P647: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (2): Piche, BART 2857 (Manuel Mata)

Guiné > Zona Leste > Bafatá > Esq Rec Fox 2640 (1969/71) > Finais de 1970 > As primeiras viaturas Chaimite, anfíbias com canhão, que chegaram ao TO da Guiné.

© Manuel Mata (2006)

Cancioneiro do Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá (1969/71).

Autor das letras: José Luís Tavares. Recolha: Manuel Mata, ex-1º cabo apontador de Carros de Combate M 47 .


Piche - BART 2857 (1)

Piche tem campo e piscina,
Que já foi a inauguração,
São obras de grande valor,
Feitas pelo Batalhão.

Até parece mentira
Aquilo que eu vou contar,
O Batalhão fez um campo
Para a cavalaria jogar.

A cavalaria é um posto,
Já vem de tempos atrás,
Imaginem um Batalhão
Fazer um campo para nós.

Nós temos duas equipas,
Como toda gente a vê:
Temos a boa Equipa A,
Não desfazendo na B.

Têm equipamento novo,
Que aqulio é um asseio,
E o dirigente da equipa
É o nosso alferes Feio.

São duas equipas rivais
Que mandam o seu respeitinho
E, de árbitro permanente,
O nosso amigo Agostinho.

Tavares - Radiotelegrafista
1 de Julho de 1970

© Manuel Mata (2006)
__________

Nota de L.G.

(1) Vd post anterior, com data de hoje > Guiné 63/74 - DCLXV: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (1): Obras em Piche .

O BART 2857 presumo que fosse aquele que, na época, estava sediado em Nova Lamego. Piche pertencia ao Sector de Nova Lamego. Em Bafatá estava o BCAÇ 2856 (1968/70) a cuja CCS pertenceu o nosso camarada Jorge Tavares, ex-fur mil radiomontador.

Guiné 63/74 - P646: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (1): Obras em Piche

Guiné > Zona Leste > Bafatá > Esq Rec Fox 2640 (1969/71)> Jardim da Bafatá > Eis o autor das quadras que aqui se publicam, buscando inspiração na espuma dos dias, o José Luís Tavares,
sentado, à direita, sob a estátua de Oliveira Muzanty, um dos pacificadores da Guiné tal como Teixeira Pinto (informação valiosa do nosso Mário Dias que viveu na Guiné entre 1952 e 1966).

© Manuel Mata (2006)

Do Manuel Mata, "para os amigos que gostam de quadras com algum sentido crítico/satírico", aqui fim algumas do seu amigo José Luís Tavares, "homem de transmissões, companheiro do Esquadrão e das lides de organização dos convívios anuais"... Por mim, elas fazem parte do Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá: é uma pequena homenagem aos nossos camaradas da arma de vavalaria que penaram lá para os lados de Bafatá e Nova Lamego... L.G.


Obras em Piche

Aqui em Piche é mato
Mas manga de animação,
Tem cá uma piscina,
Foi hoje a inuguração.

Fizeram várias brincadeiras
Que meteram muita graça,
Jogaram também futebol
E, ao fim, a entrega da taça.

Foi um jogo de grande interesse
Como já é natural,
Mas ao fim, em vez da taça,
Deram uma cerveja Cristal.

Vou dizer-lhes o resultado
Só para nós em comum,
Que perderam os furriéis
Por nove golos a um.

Foi um jogo bem disputado,
Ouvi eu, numa entrevista,
Que mais parecia uma final
Com Sporting e Boavista.

Passou-se isto dia 28,
Mais nada, vou terminar,
E quanto à arbitragem
Acho que foi regular.

Tavares - Radiotelegrafista
28 de Junho de 1970

(Continua)
__________

Nota de L.G.

(1) Vd post anterior, com data de hoje > Guiné 63/74 - DCLXIV: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá (1969/71) (Manuel Mata) (4): as primeiras Chaimites para o Exército Português

Guiné 63/74 - P645: Áreas Protegidas e Parques Naturais (Pepito)

Caros Amigos

Informamos que a partir de agora, todos quantos se interessam pelas questões das Áreas Protegidas e Parques Naturais da Guiné-Bissau, podem ter acesso através do site da AD (http://www.adbissau.org/) a informações, mapas e fotografias sobre:

- todas as Áreas Protegidas
- Parque de Tarrafe de Cacheu
- Parque de Cantanhez
- Parque de Cufada
- Parque de Formosa
- Parque de João Vieira e Poilão
- Parque de Orango
- Reserva da Biosfera dos Bijagós
- Zona Costeira

Cumprimentos
Carlos Schwarz
Director Executivo da AD

Guiné 63/74 - P644: Diário do CMS (CART 2339) (1): Um homem ficou para trás e não há voluntários para o ir buscar... (Carlos Marques Santos)

Felizmente que há mais vida, para além da blogosfera... É o que eu deduzo da última mensagem do nosso CMS (Carlos Marques Santos), ex-furriel mil, CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69...

A esta hora, o CMS já terá partido, de manhã cedo, para França (região de Biarritz ) em viagem de uma semana em autocaravana. (Que os bons irãs das florestas do Corubal o acompanhem e o tragam de volta, são e salvo!).

Pede-nos desculpa por nos últimos tempos não ter dito nada no blogue, pois tem ocupado o seu tempo noutras andanças, "apesar de todos os dias vêr o que há de novo"...

Promete organizar qualquer coisa depois de vir de França". Mesmo assim mandou-nos umas notas do seu diário, com a seguinte legenda: "dois meses de Guiné e muita experiência".


Notas do Diário do CMS

5 de Abril de 1968


Às 15h, saída de Fá Mandinga para mais uma operação (Op Gavião). Desta vez para a zona do Enxalé, via Xime.

O [Rio] Geba foi atravessado de lancha. Do Enxalé saímos cerca da meia-noite iniciando mais um passo para o desconhecido. Dois meses de mato e já tínhamos tido a nossa dose. Andámos a corta mato até às 3.30h.

O guia turra capturado, como sempre, perdeu-se. Descanso até às 5.00h, seguindo as NT depois em progressão normal.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 >Brasão da CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69)

© Carlos Marques Santos (2005)


Perto do objectivo vimos, na mata, dois nativos. Fugiram e nós continuámos. A CART 2338, nossa companheira de andanças, está a atacar o objectivo. A Companhia de Mansoa também.

Cerca do meio-dia sofremos um ataque de abelhas. Desespero em muitos de nós. Eu também fui completamente picado. Há camaradas inchados. Disformes. Há 2 camaradas desmaiados. Faz-se uma maca. Soam tiros...

- EMBOSCADA!

Um nativo do Pel Caç Nat 53 é atingido e morto. O ataque IN continua. Regressamos.

Sofremos 5 emboscadas, mas apesar de tudo correu sem grandes azares. O IN tem baixas. Fogem. Seguimos para o Enxalé. Mais 2 ataques de abelhas. CHOROS. Desespero. Há que fugir. Desorientação total. Armas abandonadas.

Compreendo agora - pois noutra ocasião e lá para a frente no tempo de comissão, estive debaixo de fogo - o que estar nestas mesmas circunstâncias. 45 minutos intermináveis. Antes o fogo do IN.

Chegámos ao Enxalé cerca das 18.00h. Soube-se depois que tinha ficado um homem da Cart 2338 desmaiado no local dos acontecimentos.

Quem vai procurá-lo? Ninguém. Não há voluntários.

Triste vida a da GUERRA e da sobrevivência. Mas nem sempre foi assim!

Passamos para o Xime e chegámos a Fá Mandinga às 03.00h da manhã do dia de 7 de Abril de 1968.

Estou exausto. Estamos todos exaustos.

Boas notícias: o nosso homem desmaiado, soube-se, apareceu por ele no Enxalé! Já li uma estória semelhante nesta tertúlia. Ou será o mesmo protagonista?

No dia seguinte, 8 de Abril de 1968, voltamos ao Enxalé procurar as armas perdidas. Na progressão ouvimos rebentamentos. Será Mato Cão?

Recuperámos 2 armas. Regressámos a Fá Mandinga sem incidentes.


10 de Abril de 1968

Há emboscada na estrada Xime-Bambadinca. Não houve incidentes, são as notícias que nos chegam.


14 de Abril de 1968

Dia de Páscoa, aqui, igual aos outros.

© Carlos Marques dos Santos (2006)

quinta-feira, 30 de março de 2006

Guiné 63/74 - P643: As minas do nosso descontentamento (Luís Graça)

1. Meu caríssimo amigo e camarada Paulo:

A nossa amiga Nela seguramente não queria afirmar ou insinuar que as minas de hoje na estrada de São Domingos eram as mesmíssimas minas de ontem, de há trinta anos... Seria técnica e materialmente impossível elas resistirem estes anos todos, já que essa via nunca esteve interdita, depois da independência... Além disso, tu passaste por lá, impunemente, há coisa de um mês e tal...

Percebo a tua estupefacção, tu que és (com a tua São) um andarilho e, mais do que isso, um connaisseur e um apaixonado da Guiné... No nosso blogue, temos, de facto, procurado respeitar a verdade (e só verdade) dos factos, mesmo quando eles não são abonatórios para nós... (Nós, tugas; nós, povo; nós, Estado; nós, Nação)... De qualquer modo, devo deixar claro que rejeito, liminarmente, qualquer ideia de responsabiliddae colectiva: é uma monstruosidae jurídica!... Não me venham e muito menos a mim - pedir contas pelos alegados erros e crimes do colonialismo português, que o meu livro de reclamações, uma vez aberto, vai direitinho ao Céu e ao Criador!

Antes de publicar o teu comentário, tinha pedido à Nela que esclarecesse melhor o seu ponto de vista... Coisa que ela fez, de bom grado e de imediato. A questão é simples: tu sabes, meu caro Paulo, como as palavras às vezes nos atraiçoam!...

Eu próprio levei há dias no toutiço por uma frase que revelava, no mínimo, alguma ligeireza, ao insinuar que o grande Amílcar Cabral não teria sido um verdadeiro guerrilheiro, como o Nino, só por não andar de Kaslash na mão, nem as ouvir assobiar, às balas da nossa G-3, por cima dos ouvidos...

Na realidade o que eu queria dizer (e que, de facto, não consegui transmitir) é que o Amílcar foi um grande líder revolucionário, o que não é sinónimo de comandante militar... Enfim, um exemplo do tipo de risco que corremos quando não conseguimos, muitas vezes, ser "claros, concisos e precisos"...

Quanto à Nela, se bem percebeste, estes episódios recentes na zona fronteiriça do noroeste da Guiné fizeram-lhe lembrar outros trágicos acontecimentos, do tempo da guerra colonial, como o da mina que vitimou o seu futuro e actual marido...

Last but not the least, é bom (e reconfortante) sentir a presença e a confiança dos amigos que estão próximos do terreno, como é o teu caso e o da São... Fico feliz por saber notícias vossas. E estou agradecido pelo teu oportuno (e veemente) comentário... Quanto ao esclarecimento que eu pedi à Nela, a nossa nova tertuliana, ele aqui fica, para melhor enquadramento desta questão das minas do nosso descontentamento e da nossa indignação... LG


2. Mensagem da Nela:

Luís: Obrigado pelas fotos e pelo comentário que me enviou, escrito pelo Paulo.

Confesso que, ao ver aquelas fotos, tive saudades do tempo que passámos em Bissau, depois da Independência e como cooperantes ao serviço da Educação.

Quanto ao que o Paulo diz, concordo com ele : é um facto que aquelas minas de agora não podem ser as de há 30 anos atrás. Eu própria recordo o dia em que fomos a Ingoré, e ao irmos pla estrada em direcção à localidade, depois de termos atravessado o rio numa canoa, o comentário do meu marido: "e pensar, que há anos, não podíamos aqui passar sem ir a picar a estrada"...

Talvez este comentário tenha sido o causador da frase que indignou o Paulo. Mas, o que eu quis dizer foi simplesmente... que, como então, com outros protagonistas, é certo, a história repete-se - minas numa estrada que é de vital importância para as populações guineenses.

As minas não são as mesmas, claro, mas os meios de que se servem os senhores da guerra são os mesmos...

É o recurso às minas que me revolta e para o qual não consigo encontrar explicação plausível.
Quero, contudo, recordar, que eu vivi a guerra do lado de cá e estive em Bissau depois da Independência, onde tive oportunidade de contactar e conviver quer com soldados que pertenceram ao Pelotão 60 [Pel Caç Nat 60 ?] , que o meu marido comandava, quer com oficiais do PAIGC de quem nos tornámos amigos. Algumas dessas histórias ficam para outros posts.

Gostaria ainda de reafirmar que, ao escrever - e faço-o directamente no meu blogue - apenas me move o sentido de partilhar sentimentos, histórias e factos. Algumas imprecisões de escrita podem levar a outros entendimentos, mas, em momento algum, pretendo falsear a História ou os factos ocorridos.

Sei, contudo, que também a História de um Povo pode ser narrada em diferentes perspectivas. Da minha parte, apenas pretendo falar de factos que marcaram a nossa vida, aliados a sentimentos que perduram - nomedamente a recusa à guerra e um desejo veemente de que África, um continente fascinante, encontre o desenvolvimento a que tem direito!

Saudações amigas
Nela (Manuela Gonçalves)

Guiné 63/74 - P642: Estrada de São Domingos: as minas de ontem e as de hoje (Paulo Salgado)

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Estrada S. Domigos-Varela > Edjim (ou Igim, de acordo com o mapa geral da Guiné, de 1961)> 10 de Fevereiro de 2006 > O Paulo Salgado, com o colega do Hospital Nacional Simão Mendes, à beira do Rio de Edjim, conversando com um antigo soldado guineense, apanhador de ostras.

© Paulo Salgado (2006)

Texto do Paulo Salgado:

Caros Bloguistas, camaradas e amigos,

Estou absolutamente estupefacto. Direi mesmo siderado. Com a notícia/comentário, inserida pelo Luís Graça, da Manuela Gonçalves: "Uma mina na estrada de São Domingos para Varela". Que me desculpe a Manuela e o Luís.

Guiné-Bissau > Regiãodo Cacheu > Estrada S. Domigos-Varela > 10 de Fevereiro de 2006 > Guiné-Bissau > Estrada S. Domingos-Varela> Um passeio, sexta-feira ao fim da tarde, 10 de Feverereiro de 2006.

© Paulo Salgado (2006)

As estórias não podem ser confundidas com a História; os factos de hoje têm que ser contados com verdade sob pena de estarmos a trair a nossa consciência cívica. Trata-se - julgo que a propósito do que está a acontecer na fronteira da Guiné/Bissau com o Senegal - de uma pura invenção esta de afirmar (e duvidar) «se muitas delas (das minas) não foram colocadas na guerra colonial».


Guiné-Bissau > Região do Cacheu Estrada S. Domigos-Varela > 10 de Fevereiro de 2006 > Uma paragem para o lanche...

© Paulo Salgado (2006)

Só quem não quer estar de boa fé - ou quem não domina as situações conhecendo a realidade local, ou quem quer gracejar com o presente e com o passado -, é que pode pensar que as minas de hoje são de antanho.

Da minha parte, conheço a Guiné quase toda - falta-me apenas a zona de Madina do Boé e de Cheche -, desde 1990 (depois de ter passado aqui em 1970 / 1972), por picadas antes minadas, por carreiros antigos também antes minados, por tabancas remotas - acompanhado pela minha mulher - em passeios de carro, a pé, de candonga, de cambança, e nunca me falaram de minas que restassem.

Apenas registo - porque é justo - que em 1991, quando faziam a estrada de alcatrão de Bambadinca para o Sul, me informaram terem sido descobertas e rebentadas minas na antiga estrada, certamente conhecida dos nossos companheiros que por ali passaram.

Não posso nem devo afirmar peremptoriamente que todas as minas da guerra colonial foram rebentadas ou desativadas. Diferente é confundir estória com História. O que se passa na fronteira é profundamente sério para se mandarem palpites desta natureza. O que se passa na fronteira é algo que transcende um problema de limites: os interesses geo-estratégicos regionais e mesmo mundiais.

Já uma vez, ou duas, afirmei neste magnífico local de comunicação que um dado facto ocorrido numa emboscada, num patrulhamento, num golpe de mão, mesmo num desafio de futebol pela tarde de domingo, no Olossato, em Bambadinca, no Xitole, em Buruntuma, pode ser recontado de maneiras diferentes, convencidos os autores de que estão a falar a verdade - mas é tão-somente a sua verdade.

Já agora: há pouco mais de um mês, a equipa que está aqui desde Setembro [como cooperantes, no Hospital Nacional Simão Mendes], foi a Varela pela picada difícil (a mesma em que há dias foi colocada uma mina), merendou no caminho, tirou umas fotos, visitou tabancas e locais aprazíveis, e dormiu no aparthotel da Fátima - que, a esta hora, deve estar preocupada, com o marido e funcionários!

Mantanhas pa tudus.
Paulo Salgado

PS: Concordo: antes como agora, as minas não devem não podem ser colocadas!

Guiné 63/74 - P641: À sexta-feira, dia 13, o melhor era ficar na cama (Carlos Vinhal)

Texto do Carlos Vinhal (ex-Fur Mil, de Minas e Armadilhas, da CART 2732, Mansabá, 1970/72):

Mansabá, 13 de Agosto de 1971 – Sexta-feira

Tarde quente de Agosto que se adivinhava enfadonha. Como não tinha nada que fazer, estava deitado na cama, deixando correr o tempo e ouvia pela milionésima vez uma das duas cassetes que tinha.

O meu Pelotão estava de Serviço ao Aquartelamento e eu, como estava de Sargento de Ronda, entraria ao serviço só lá pela meia-noite. De repente lembrei-me que era Sexta-feira e ao mesmo tempo dia 13.

Como não sou supersticioso, saltei da cama e logo pensei que era o dia indicado para se fazer aquelas tarefas que se não devem fazer nestes dias ditos azarentos. Vesti-me e fui à caserna dos condutores procurar um voluntário para ir comigo ao exterior do arame farpado rebentar granadas velhas. Não foi difícil encontrar alguém, porque toda a gente gostava assistir ao espectáculo dos rebentamentos.

Enquanto ele foi aprontar um Unimog, fui levantar um Rádio e avisar o meu alferes que estava de Oficial de Dia, dos meus intentos, para que ele por sua vez avisasse todos os Postos à volta do Aquartelamento e mais quem achasse por direito ser prevenido.

Carregado o Unimog, dirigimo-nos para o exterior do arame farpado, estrada de Mansabá para o K3, para junto de uma árvore morta onde eu costumava, num buraco existente junto dela, destruir o material que ia armazenando.

Depois de dispostas, com cuidado, as granadas velhas no buraco, juntei-lhes uns pedaços de TNT providos de detonadores eléctricos para provocar o rebentamento controlado com comando remoto.

Após o rebentamento e enquanto o fumo se dissipava, aproximei-me para verificar se tinha corrido tudo bem. Mal me abeirei do local, fui recebido por um enxame de abelhas selvagens, em polvorosa, que me perseguiram, enquanto eu fugia a sete pés.

Como não fui suficientemente lesto fui picado na cabeça e nas mãos. Enquanto corria, pelo Rádio começaram a chamar por mim. Quando pude, parei e atendi: era um soldado das Transmissões a comunicar-me que o Comandante, pessoa com quem eu não simpatizava e vice-versa, ordenava que me apresentasse imediatamente no seu gabinete.

Desmontei o serviço, carregámos as tralhas na viatura e lá fomos a caminho do Aquartelamento, não prevendo já nada de bom.

Quando entrei na porta da Secretaria, o gabinete do Comandante só tinha acesso por lá, fui alvo de riso por parte dos presentes. O meu aspecto era algo caricato pelos inchaços na testa provocados pelas picadas das abelhas. Ao mesmo tempo vi caras de preocupação pelo que me esperava lá dentro.

Bati à porta e à voz de ENTRE, entrei, fiz a continência da praxe e em sentido esperei pela pancada. Indiferente ao meu aspecto, perguntou-me o Comandante, muito furioso:

- Nosso Furriel, quem o autorizou a fazer rebentamentos? - Respondi que ninguém e que julgava ter competência suficiente para saber qual era a melhor ocasião para destruir material perigoso, depositado na Arrecadação do Material de Guerra, à minha responsabilidade, desde que antecipadamente desse conhecimento.

- Mas eu não soube de nada!!!

Disse-lhe que previamente tinha avisado o nosso Alferes B. que estava de Oficial de Dia, para que ele por sua vez alertasse os postos de vigilância e providenciasse pela minha segurança e do condutor que me acompanhava.

- Vá chamar imediatamente o nosso alferes.

Fui ao Bar dos oficiais procurar o Oficial de Dia para ele me acompanhar ao gabinete do nosso Capitão. Com os dois já na presença dele, foi a vez de ser o alferes o interpelado:

- Nosso alferes, o nosso furriel Vinhal deu-lhe conhecimento de que ia fazer rebentamentos?

- Sim, meu comandante, deu.

- E você avisou-me?

- Não meu comandante, avisei toda a gente mas não me lembrei do senhor, peço desculpa pelo esquecimento.

- Nosso furriel, pode retirar-se. Por esta vez escapou de uma porrada, mas tenha cuidado comigo.

O que se passou no Gabinete do Comandante depois de eu sair não sei, mas adivinho que o alferes tenha ouvido das boas.

Na Secretaria fiquei a saber pelo nosso Primeiro que, quando se deu o rebentamento, o Capitão, julgando tratar-se de um ataque ao aquartelamento, deitou a fugir pelo gabinete fora, mas quando viu que toda a gente continuava sentada a trabalhar, impávida e serena e, ainda por cima com ar de riso, ficou furioso. Sabendo posteriormente que fui eu o autor do rebentamento, gostando de mim como gostava, julgou chegada a hora de me dar a porrada há muito prometida.

Restabelecida a ordem, dediquei-me a tratar as picadas das abelhas e a reflectir sobre a tarde que tinha passado. Não foi enfadonha, mas convenhamos que às Sextas-feiras dias 13, o melhor é ficar na cama, sossegadinho, a ouvir pela milionésima vez a música de uma de duas cassetes que se tenha e da qual se sabe de cor e salteado a sequência das canções.

Felizmente, para mim, mais tarde este comandante deu baixa por doença (?) ao Hospital Militar 241, sendo posteriormente evacuado definitivamente para Lisboa.

Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil Minas e Armadillhas
CART 2732 (1970/72) (1)
_____________

Nota de L.G.

(1) Vd post de 25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLI: A madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P640: O Nosso Livro de Visitas: Manuel Santos da Bateria de Artilharia Antiaérea 3001 (Nova Lamego, 1971/72)

Mensagem de Manuel Santos:

Olá, camaradas:

Após de ter consultado o vosso site, veio-me á lembrança os bons e maus momentos que eu passei na Guiné, mais propriamente em Nova Lamego [, Zona Leste, região de Gabu], nos anos de 71/72, estando integrado no Pelotão de Antiaérea 3001.

Vocês estão a fazer um belísssimo trabalho que é de se lhe tirar o chapéu, e eu dentro das minha possibilidades vou tentar aumentar o vosso espólio, espero. Temos um pequeno grupo do pelotão, faltando ainda uns elementos que não nos foi possível de contactar, mas espero vir ainda a descobri-los.

Não sei explicar o que sinto quando nos juntamos, a verdade é que conto os dias que faltam para nos reunirmo-nos e vai já ser no próximo mês de Maio no dia 20.

Espero notícias vossas e estou disponível para poder contribuir, dentro das minhas possibilidades e capacidades

Vosso camarada, ex-combatente
Manuel Santos


2. Comentário de L.G.:

Camarada: Não fazia a mínima ideia de que houvesse antiaéreas nossas na Região de Gabu, nessa época (1971/72). É claro que tu e os teus camaradas de pelotão serão bem-vindos à nossa tertúlia. Consta-nos mais da tua estória e manda-nos algumas fotos digitalizadas.

Quando dizes Pelotão de Antiaérea 3001 estás-te a referir à Bateria de Artilharia Anti-Aérea (BAA) 3001, que tinha um pelotão (o teu) em Lamego, é isso ?

Um abraço,
Luís Graça

quarta-feira, 29 de março de 2006

Guiné 63/74 - P639: Comerciantes de Bafatá: turras ou pides? (Manuel Mata)

1. Texto do Manuel Mata:

Caro Luís Graça

Volto à questão do Teófilo ser ou não um presumível informador da PIDE/DGS... Não creio! (Com o devido respeito, e que me perdoe a família por estar a referir o seu nome e passagens do meu convívio com o seu familiar, mas são memórias de uma época que gosto de partilhar embora com alguma imprecisão, já que vão decorridos 36 anos, e os neurónios por vezes já não respondem a 100%).

O Esq Rec Fox 2640 (1) tinha um sistema rotativo do serviço de vagomestre, à messe de Oficiais e de Sargentos. No mês que coube ao 1º Sarg Mecânico (já falecido), as refeições ao longo das primeiras semanas foram quase sempre à base de peixe do rio, pescado na zona de Sonaco, a nordeste de Contuboel.



Guiné > Sonaco > Rio Geba > A pesca à granada... Na foto o Manuel Mata (à esquerda) © Manuel Mata (2006)

Eu levava granadas defensivas ou ofensivas que eram posteriormente justificadas em combate, questão que o 1º Sargento resolvia para que eu não tivesse problemas com o Comandante do Esquadrão. Lá seguíamos nós (ele, a esposa, o filho de 3 a 4 anos de idade e eu por vezes),numa Peugeot de caixa aberta e, chegados a Sonaco, dois Guineenses com canoas conduziam-nos pelo Rio...Granada aqui, granada acolá, lá vinha o peixe à tona da água, mergulhava um dos guias para apanhar o peixe...

Um certo dia, o pessoal do Esquadrão já estava saturado... O Comandante, Capitão Fernando Vouga, mandou que se atirasse tudo ao lixo e exigiu cabrito para o almoço. E assim foi! Nesse mesmo dia, passei pelo café do Teófilo, fez-me logo o comentário:
- Então, o mecânico não se contenta só com o que rouba ao civis na reparação das viaturas!? Vai pagar tudo!

O Esquadrão teve em determinada altura algumas armas de caça automáticas, de cinco tiros, que o pessoal podia requisitar para os seus tempos de lazer. O 1º Sargento mecânico era um dos elementos que as utilizava para a caça nocturna.

Uma noite, em que por casualidade o não acompanhei, foi coadjuvado pelo 1º Cabo Cozinheiro, cerca das 24 h, ao tentar regressar à viatura com o carregamento de lebres, o guia diz estar desorientado e não saber onde se encontrava a carrinha. O sargento deu-lhe algum tempo para se orientar na mata. Este continuou a dizer que não conseguia ir ter à carrinha. O sargento apontou-lhe a espingarda à cabeça e disse:
- Ou encontras já o transporte ou disparo! - O rapaz lá seguiu e, mal dada uma meia dúzia de passos, eis a carrinha à sua frente.

Guiné > Bafatá > 1970 > O milagre dos peixes...

© Manuel Mata (2006)

Posteriormente, passo pelo Café do Sr. Teófilo (parece que o estou a ver de bengala na mão, sentado na sua cadeira de braços, do lado esquerdo da porta do café)... Quando pus o pé no patamar, disse-me logo em voz baixa:
- Então o teu amigo mecânico ontem à noite ia ficando na caça?
Observei no mesmo tom:
- Como sabe? - Respondeu:
- Já te disse que sei tudo - e acrescentou:
- Não perde pela demora! - Semanas mais tarde, estando o 1º Sargento em casa, entre as 21 e as 23 horas, de um determinado dia, bateram-lhe à porta dizendo:
- Foge com a mulher e o menino, eles vêm para te matar!.

Não foi, por o Teófilo ser um presumível informador da PIDE/DGS, como se dizia, mas por haver fortes duvidas, quanto à sua ligação ao PAIGC, e ao mesmo tempo viver num bairro onde viviam elementos do IN, que chegou a estar tudo de prevenção em Bafatá, com o material bélico apontado para a zona, incluíndo o Pelotão de morteiros sediado no Batalhão, para queimarem a área... Felizmente imperou o bom senso.

Não creio que o Teófilo fosse um informador [da PIDE/DGS] mas socorria-se desse subterfúgio para camuflar outras facetas.

Falando em PIDE/DGS, recordo um elemento que estava em Bafatá, muito activo, de quem não me recordo o nome, mas penso ser da área de Castelo Branco: conseguiu descobrir (sempre andando na sua bicicleta) onde o pessoal do IN se reunia numa tabanca próximo da Ponte Salazar, no Rio Geba. Várias vezes o vi fazer o percurso da pista de aviação com destino a essa tabanca. Certo dia comentei com o Teófilo esta situação. Resposta curta e directa:
- Esse não sai de cá com vida! - Algum tempo depois, na referida tabanca, o pessoal reunido, lá aparece o elemento da PIDE/DGS, deram-lhe tanta pancada que foi evacuado de helicóptero...Por sorte, passava nesse momento o jipe da patrulha, o que levou os agressores a fugir e a aparecer gente para socorrer a vítima.

Comentário do Sr. Teófilo após o acontecimento:
- Eu não te disse? Já pagou! - Acrescentei eu:
- Sabe que o indivíduo já me tinha convidado para ingressar na PIDE/DGS, ele fazia-me o requerimento ao Director Rosa Casaco e eu quando regressase a Lisboa entrava logo ao serviço (claro não era serviço que se coadunasse com a minha forma de ser e de estar na sociedade)... O Teófilo ficou furioso e fez o seguinte comentário:
- Esse porco já teve o que merecia!

Foram estas situações, vividas e outras, que sempre me levaram a acreditar na sua inocência nesse campo, tanto mais que por vezes me dizia:
- A coluna que se realiza no dia x vai ser emboscada... - E era fatal como o destino. Quando foi o ataque a Bafatá, ele já o tinha previsto, umas semanas antes.

Manuel Mata


2. Comentário de L.G.:

Manuel Mata:

Estes elementos são preciosos... Eu nunca insinuei que o Teófilo fosse da PIDE/DGS... Pelo contrário, ele deveria ser contra a situação (o regime político então vigente desde 1926), só assim se explica que ele tivesse sido deportado para a Guiné no princípio dos anos 30... Nalguns sítios (como Bambadinca, que eu conheci melhor) havia a suspeita de os comerciantes locais serem também informadores da PIDE ou jogarem com um pau de dois bicos... Eu oenso que, aos olhos da tropa, isso devia acontecer em todos os os postos administrativos e localidades de menor importância onde houvesse comerciantes (portugueses, caboverdianos ou libaneses)...

Essa estória do PIDE que levou porrada numa tabanca (iam-lhe cortando o nariz, à dentada) ouvia-a eu ao próprio, em Bafatá, creio que na Transmontana... Hei-de contá-la aqui, um dia destes. Lembro-me que de ouvir a conversa dele (eu, incomodado, com a presença deles, numa mesa de alferes e furriéis milicianos de Bambadinca)...O fulano - que, se bem me lembro, falava alemão, por ter sido imigrante, com os pais, na Alemanha - estava lixado com o Spínola, por que na época (c. 1970) já não se podia fazer justiça pelas mãos próprias como nos bons velhos tempos do colonialismo...

Uma última pergunta: alguma vez vistes os pides locais frequentarem o café do Teófilo ? Pelo que me contas, ele não gostava mesmo deles, o que vem confirmar a minha teoria de ser o Teófilo um velho antifascista... (ou do reviralho, como diriam os pides). Infelizmente não tive com ele a mesma intimidade que tu tiveste!
___________

Nota de L.G.

(1)Vd. post de 25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata) (3)

terça-feira, 28 de março de 2006

Guiné 63/74 - P638: O grande comandante-em-chefe que foi o Amílcar Cabral (Luís Graça)

1. Comentário do L.G. ao comentário (pertinentíssimo) do João Tunes, blogador-mor do Água Lisa (6), benfiquista de alma e coração, tertuliano indefectível, amigo & camarada dos idos tempos da Guiné, e muitos outros atributos que eu me dispenso de enumerar aqui:

João: Acabo de levar no toutiço (e bem!) por uma frase (infeliz!) que pode revelar (revela, de facto!) alguma ligeireza, e que eu escrevi há dias, ao correr da pena. Uma primeira conclusão (provisória) que posso tirar é que não se deve escrever ao correr da pena, qaudno se é corredor de fundo...

Dizes-me em elegantíssimo comentário (que eu já publiquei previamente, como mandam as boas regras da convivialidade em vigor cá na nossa caserna):

"Não concordo nada, nadinha mesmo, com essa de meteres Amílcar Cabral na redoma do líder político-intelectual, dizendo [que] Cabral não foi um operacional, um verdadeiro guerrilheiro como o Nino... Como assim? Dizes isto, com tamanha ligeireza, e logo a propósito de um exemplo acabado de praxis feito gente como foi Amílcar?"...

O que eu escrevi foi o seguinte:

Quanto ao PAIGC, gostava de saber mais... Por exemplo, como é que um homem como Nino chegou aonde chegou... Há muitos mitos à volta da sua actuação como comandante... Mitos alimentados por nós mas também pelos seus homens... Eis um excelente tema para uma próxima discussão... Alguém o conheceu, a ele, Nino, na frente de combate? De kalash na mão? E chapéu à cowboy? O PAIGC (e a Guiné-Bissau) teria sido diferente com Amílcar Cabral, se este ainda hoje fosse vivo?

O pomo da discórdia está na frase seguinte (fatal): "Mas Cabral não foi um operacional, um verdadeiro guerrilheiro como o Nino"...

Reconheço que deveria ter usado o verbo no futuro do conjuntivo: "Mas Cabral não terá sido um operacional, um verdadeiro guerrilheiro como Nino"... O que eu queria dizer (e que, de facto, não consegui transmitir) é que o Amílcar foi um grande líder revolucionário, o que não é sinónimo de comandante militar...

Isto é apenas um exemplo do risco que corremos de não sermos, muitas vezes, "claros, concisos e precisos" (sic)... Pessoalmente dou muitíssima mais (que horror de construção frásica!) importância à figura (ímpar) do líder revolucionário do que à do comandante... Ou foi o contrário ? Se me enganei, peço desculpa ao nosso herói - ao meu herói dos verdes vinte anos - que lá estará algures no panteão dos heróis revolucionários, que a história rapidamente esqueceu... Infelizmente, Amílcar Cabral e o seu exemplo nobre, lúcido e generoso já foram há muito esquecidos pela sua pátria (quiçá menor, que a maior era a da língua portuguesa!).

João: tens, pois, toda razão!... Fui duplamente injusto: (i) para com o Amílcar Cabal (descendo-o do pedestal, pondo-o ao nível do Nino); (ii) para com o Nino, agigantando-o, elevando-o à categoria de lider revolucionário (que ele nunca foi, nem estava preparado para sê-lo)...

Confesso que tinha (e tenho) uma certa admiração (intelectual) pelo Amílcar, desde o meu tempo de menino e moço, o que era normal num gajo de esquerda do nosso tempo, mesmo desalinhado como eu... Hoje tenho muito mais informação e conhecimento do que tinha na época, o que me obriga a ser, no mínimo, mais crítico, mais prudente, mais racional...

Mesmo assim reconheço que sei pouco (muito pouco, afinal!) do homem e da obra...

Quanto ao Correia Jesuíno: não creio que ele tenha estado em Angola... Não estarás a confundi-lo com o Almirante Rosa Coutinho?


2. O João volta hoje à carga, com o seu apuradíssimo gosto pela polémica, ou melhor, pelo franco e aberto debate de ideias, o que só pode prestigiar e animar este pedaço da blogosfera lusófona:

Caro Luís,

Sobre Amílcar, pois há muito a discutir e a desvendar. Embora seja sempre complicado lidar com mitos. Agora, o que me parece indiscutível é que, enquanto vivo, Amilcar nunca perdeu um fio do controlo total sobre a estratégia militar da guerrilha e assegurando o seu controlo político. Foi, pois, um autêntico comandante-em-chefe (embora entrecortada por muitas ausências pelo mundo, em acções diplomáticas e de obtenção de apoios), ou seja, um equivalente à altura de Spínola (este, na contra-guerrilha).

Sobre Correia Jesuíno em Angola - não, não o confundi com o Rosa Coutinho. Não há livro de militar reaccionário, ou de colono branco ressabiado, que não o refira como figura central do MFA na transição angolana pré-independência. E o que dizem dele!!! (o que tomo como elogios, é claro).

Andas mesmo a baldar-te ao almoço a três, incluindo o Briote?

Grande abraço,
João Tunes