Guiné > Região de Gabu > Cansissé > CCAÇ 2317 > Julho de 1969 > Um posto de vigilância avançado, colocado sob a protecção da larga copa de uma frondosa árvore. Permitia, durante a parte diurna, a observação de quaisquer sinais de elementos 'estranhos' e também a da defesa dos campos de cultivos.
Guiné > Região de Gabu > Cansissé > CCAÇ 2317 > Julho de 1969 > Uma palmeira mais nanica, onde os meus «soberbos» dependuravam os seus ninhos tecidos com engenho e arte, assumindo uma grande prodigalidade.
Fotos e legendas: © Idálio Reis (2006)
Textodo Idálio Reis, ex-Alf Mil, CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1)
Assunto: Cansissé, terra de encantos mil, como anfitriã do primeiro grupo do Exército que aí se alojou (Julho de 1969) (continuação) (vd. post anterior)
(vi) Também abundavam alguns animais, como a gazela e o porco-bravo, mas o que mais me espantava era a quantidade de lebres, o que me incita a narrar esta estória com um sentimento muito especial.
Ainda em Gandembel, acolhi um soldado em rendição individual, um presidiário com uma pena pesada, já homem trintão, e que tinha sido recambiado para a Guiné com a promessa de a sua condenação ser substancialmente reduzida. Chamava-lhe o periquito velho.
Naturalmente que a sua integração no grupo não foi fácil, por manifesta desconfiança. As contrariedades de uma vida complicada eram claramente significativas, muito perceptíveis, ensimesmava-se demasiado, e este seu comportamento de refúgio não merecia dos seus pares a mais consentânea e cordial atitude (as convulsões da guerra determinavam a tramóias de difícil compreensão), pelo que procurava ter para com ele uma especial atenção, que sempre procurou retribuir com uma dedicação e carinho muito cordiais.
Um certo dia, pediu-me para caçar, pelo que só precisava de uma Mauser e algumas munições; naturalmente que o precavi para alguns perigos suspeitos, mas não impedi aquele homem de procurar alguma libertação de si mesmo, de recuperar a sua auto-estima, de dar azo a ter as suas miragens. E era raro o dia que não me presenteava com uma ou outra peça de caça, porquanto a caça dita maior estava já entregue à perícia e ao faro de 2 milícias.
E Cansissé também nos soube ofertar um rancho melhorado, em quantidade e qualidade, e em que até as bebidas eram frescas, pois havia frigoríficos a funcionarem.
(vii) Uma das outras facetas que viemos a encontrar, eram os campos de cultivo. Estes eram, na sua parte maior, pertença do dignitário régulo que, pela sua plenipotência, tinha o direito de, em alguns dias, usufruir de um grande contingente de pessoal que lhe ofertava a mão-de-obra necessária para a sua lavoura. Os nativos também tinham as suas hortas, onde tudo se cultivava para seu auto-sustento, mas em que o trabalho era essencialmente executado por mulheres.
O papel detido pela mulher nesta sociedade era inteiramente secundarizado, onde a prática do trabalho mais penoso lhe estava encarregue. Era uma submissa do seu marido, a sua serva, para além de imposta a uma hostilidade muito restritiva do seu meio. Para além de ter de cumprir todos os labores domésticos, tinha que assumir cuidadosamente o papel de esposa e de mãe prolífica. Mas ademais, cabia-lhe o trabalho de campo, em que todo o amanho era feito a poder de braço, com a utilização de alfaias ainda muito rudimentares, pelo que o mesmo tornava-se árduo, penoso, sacrificado. Somente alcançava alguma dignidade social, quando a condição de mulher-grande lhe era facultada, mas até a atingir, ficava para trás um ror imenso de sujeições e canseiras, uma vida compelida, agreste, de muitos filhos paridos e amamentados, de carinhosa mãe criadeira.
(viii) Era essencial manter activa a parte operacional da tropa, que se fazia essencialmente na parte da manhã. Para além de se ir frequentemente à sede do Batalhão, em Nova Lamego, também era importante tomar conhecimento do que eventualmente se passava no círculo envolvente de Cansissé, em especial as zonas de sul e de leste, já que a oeste nada de novo. (Erich-Maria Remarque já nos havia confidenciado!)
Guiados por milícias, em bicha de pirilau, tivemos o ensejo de pisar uma parte substancial dos regulados de Tumaná. E nessas deambulações, certificavamo-nos que a paz parecia continuar a reinar. E hoje, rememoro com alguma nostalgia duas facetas desta outra estória. Lá mais longe, para sul, havia o rio Campossa a correr mansamente, rumoroso, tão encantador quanto a sonoridade do seu nome deixa intuir, e onde havia duas pirogas de 2 a 3 lugares, feitas por um artesão de Cansissé, que ia desbastando um tronco de árvore, dispondo apenas de uma ferramenta semelhante a uma enxó, e que permitia atravessar o rio para a sua margem esquerda (a canoa que me foi ofertada, por lá ficou, talvez saudosamente à minha espera). As zonas ribeirinhas eram de uma vegetação tropical densa.
E entre a sua margem direita e as imediações de Cansissé, um outro tipo de floresta ressurgia, bastante mais dispersa e com árvores de grande porte, e em quase todas elas, na folhagem das copas, se divisavam umas colmeias cilíndricas feitas à base de uma gramínea parecida com o junco, e onde era perfeitamente audível o zumbido das abelhas, no seu afã constante. E quanto era delicioso o mel de Cansissé!
(ix) Quase todas as tardes eram destinadas ao recreio. O pessoal escolhia os seus sítios costumeiros, para repouso, de divertimento, na distracção. Porém, antes de tudo, como ritual consagrado, havia a preocupação constante e apegada de dar novas às famílias e aos amigos, procurando expressar na esverdeada folha de um aerograma, o aperto afagado dos laços de amor/amizade, o estreitamento das relações mais afectivas e carinhosas, cada vez mais intensos e saudosos, à medida que se começava a antever alguma luz de aproximação no fundo desse infindo túnel que era a distância da separação. O deslizar suave da pena ao longo da folha, reflectida na confidência das palavras contextualizadas e que tantas vezes se ressentiam do ânimo ou desalento do remetente, assumia agora uma outra serenidade, pois que a escolha das palavras transcritas quase não necessitava de ser dissimulada, por forma a não mais iludir todos os que cá tínhamos deixados na incerteza do regresso.
O grupo, já há muito, tinha criado o seu espírito de clã, com a formação natural de núcleos cimentados numa maior amizade, que cada um deles mantinha as suas cadências mais consoantes aos seus propósitos. Como era interessante, aperceber-mo-nos dos seus modos de agir, com as suas interactividades codificadas, entender os seus queixumes, exultar com as suas façanhas.
Uma grande parte dessas tardes livres era passada na fonte de Semba-Uala ou dos Fulas, onde não só abastava a água vertida fresca e pura para refrigério dos nossos corpos requestadores. No exotismo daquelas bandas rescendia um misterioso magnetismo, que nos impelia para os seus recônditos, na quimera da ilusão de aí encontrar alguma deidade, que lançasse encantos tamanhos que nos turvasse todos os sentidos até à saciedade. Os ludíbrios de hoje, instigavam-nos para uma procura incessante no amanhã, e incandescentes tacteávamos caminhos condutores para corpos elanguescentes.
A fonte dos Fulas era a nossa predilecção, já que nos propiciava ir perdidamente ao encontro das bajudas, onde despontavam as belas futa-fulas, de formosos corpos de ébano de um talhe gracioso e delicado, de sorrisos cândidos e brandos, de brilhantes olhos gentios, de uma provocante lascívia infrene. Foi a fonte que nos dessedentou, que desobstruiu de vez os resquícios das poeiras de Gandembel que mais se tinham entranhado, mas foi outrossim, e indelevelmente, um exuberante lugar de requintes, de galanteios murmurosos, de encontros regalados, onde suspiros de comprazimento e languidez se vinham a esvanecer em aromas da terra molhada.
Tudo é finito. E chegou o dia da despedida, com regresso a Nova Lamego, onde nos quedámos até meados de Novembro, que marca o fim da comissão, com o Uíge a aportar em Bissau à nossa espera.
E, meus caros Tertulianos, se hoje no nosso blogue nos compungimos das facetas horrendas da guerra subversiva, que tivemos heroicamente de defrontar por esses trágicos locais, se nesses sítios que calcorreámos, houvesse uma fonte similar à de Cansissé, seguramente que os nossos ‘posts’ eram descritos de um modo bem distinto, de um maior encanto por uma outra saudade, tecendo loas à Mãe-Natureza.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 12 de julho de 2006
Guiné 63/74 - P953: Cansissé, terra de encantos mil (Parte I) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)
Guiné > Região de Gabu > Cansissé > CCAÇ 2317 > Julho de 1969 > Entre as forças militarizadas, agora juntas, foi criado um forte espírito de coesão. Até ao Unimog, lhe coube um papel relevante para esse reforço, pois possibilitou a muitos dos milícias ter a grata sensação de desfrutar de um meio de transporte desconhecido.
Guiné > Região de Gabu > Cansissé > CCAÇ 2317 > Julho de 1969 > A cultura do amendoim. Em volta do campo chão da povoação, praticava-se uma agricultura com uma relativa extensão, ainda que realizada essencialmente à custa de trabalho braçal.
Fotos e legendas: © Idálio Reis (2006)
1. Mensagem do Idálio Reis, ex-Alf Mil, CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69)(1)
Caro Luís:
À tua notificação para escrever algo sobre Cansissé (2), aqui o faço com incontido prazer. Desta vez até com algumas fotos (região de Gabu > Cansissé), reabilitadas de uns slides pelo profissionalismo do nosso Albano Costa. Tudo segue em forma anexada. Se achares demasiado longa, partilha-a à tua forma.
Quanto às fotos, a minha intenção foi a de exprimir o que o grupo viveu naquele tempo em Cansissé.
E agora, tenho de compulsar os arquivos da minha Companhia, para falar sobre Gandembel/Ponte Balana. Procuro também algumas fotos representativas.
Luís, que gozes umas boas férias em companhia dos teus. Um abraço do Idálio Reis.
___________
Assunto: Cansissé, terra de encantos mil, como anfitriã do primeiro grupo do Exército que aí se alojou (Julho de 1969).
Caro Luís e demais Tertulianos.
Cansissé merece que a releve com um enlevo muito especial, que evoco de uma maneira fortemente impressiva e dedicada, porquanto reconheço hoje ser o meu complacente lugar da saudade, tão suavemente enternecida e meiga.
Lá longe, no sortilégio daquele chão da região de Gabú, foi possibilitado ao meu grupo fruir de certos encantamentos que julgávamos desapegados e esconsos, pois que os tempos passados até então tinham sido endemoinhados, por um qualquer espírito pérfido, malévolo, cruel.
Estava-se em Julho de 1969, com três partes da comissão vencida (1), e o que buscávamos com uma sôfrega avidez era um qualquer ameno recanto que nos portasse a um estado de tranquilidade repousante, penhor de paz. De tão requestada, ansiávamos uma serenidade confiante para corpos descoroçoados e ofegantes poderem revigorar, de tão insidiosamente assolados por uma guerra sem tréguas.
Estávamos convictos que a poderíamos almejar, e ante aquele sinal-símbolo que sempre norteou a nossa conduta, do «pare, escute e olhe», lenta e conscientemente fomos avançando, e julgo que o soubemos fazer da melhor forma, com a dignidade que nos competia e que era nosso dever, primando na excelência das nossas acções com a população autóctone. E o primeiro grupo da tropa colonial a demandar Cansissé, orgulha-se desse facto.
(i) Cansissé era uma grande tabanca, localizada num vasto perímetro de terra plana e de elevada potencialidade agrícola. Típico aldeamento rural, onde conviviam dois grupos étnicos islamizados, embora de diferenciadas características comportamentais, que determinava com que a tabanca fosse atravessada longitudinalmente por uma larga passagem divisória. A parte ocidental, mais populosa, pertencia aos fulas, enquanto a poente se sediavam os mandingas.
À entrada do povoamento, deparava-se um extenso terreiro. Aí havia um pavilhão-armazém, suficientemente amplo, já construído há alguns anos, porventura quando a Lei do Indigenato se interessou na construção de algumas infra-estruturas destinadas ao forçado armazenamento e comercialização dos produtos agrícolas, e em que preponderavam o milho e o amendoim. Também neste vasto espaço, sobressaía uma árvore de grande porte, de um espesso tronco e de uma copa de abundantes frondes, ponto de encontro para convívio com os anciãos e de remanso ameno e refrescado para o contento solitário das leituras.
E logo surtiam as moranças, mais aprimoradas que nos povoamentos que havia no Sul da Província. Todavia, havia uma certa distinção para as do régulo, mais espaçosas, de uma construção mais estruturada e ostentosa, onde cabia todo o seu harém e quiçá alguns convidados, sendo todas elas envolvidas por um tapume em função de resguardo. E o aldeamento prolongava-se até aos lhanos campos de cultivo.
(ii) Chegámos a 14 de Julho, num dia benfazejo por uma chuva quase incessante, tendo calcorreado os cerca de trinta quilómetros que distavam de Nova Lamego, em menos de uma hora, o que desde logo era uma missão inatingível nas zonas por onde tínhamos deambulado, e portanto de difícil compreensão para todos nós.
Apesar de encharcados, Cansissé aí estava, e ante a surpresa ora deparada parecia estarmos satisfeitos, pois que os antecedentes que este novo destacamento nos propunha, de acordo com informações obtidas, animávamo-nos a acalentar uma esperança desejada e a garantir um maior grau de confiança, para os dias que iríamos aqui permanecer.
A entrada em Cansissé mereceu honrarias especiais, pois o régulo e os homens-grandes, e um grupo local de milícias, para além da população, nos esperavam com cordiais cumprimentos de boas-vindas. Prestado o reconhecido e público agradecimento, alojou-se o pessoal no arrumado pavilhão existente, exceptuando a minha pessoa e o Vasco Ferreira (ex-furriel, um dos muitos feridos de Gandembel, e em missão de voluntariado para esta missão), a quem foram ofertados guarida de maior requinte numa apresentável morança do régulo.
E por lá nos quedámos por um período de quase sete semanas, em desfrute de um tempo de contentamento e encanto, que ia conseguindo suavizar a nossa velada ansiedade do regresso definitivo, até porque nos parecia, com grata satisfação, que o delongar do tempo parecia agora querer escoar normalmente.
(iii) Os primeiros dias serviram para reconhecer a zona, como a verificação das condições de segurança do povoamento, a análise da capacidade do grupo de milícias, a auscultação dos nativos com enfoque especial para o seu estado sanitário, mormente dos mais idosos.
O grupo de milícias, com cerca de 30 unidades, era composto por homens de uma faixa etária dos 25 a 40 anos, que ali viviam com as suas famílias. Era um reduzido contingente com funções essencialmente de defesa local, e ainda armados com espingardas Mauser. Desde logo, procurou-se fazer o seu entrosamento, tendo-se criado uma empatia forte, cimentada por uma cumplicidade mútua de grande generosidade.
No que respeita ao grau de segurança da tabanca, em princípio era de molde a não ofertar perigos de maior, já que se dispunha de um largo raio de visão exterior, pois que era circundada por extensas plantações de amendoim, e a vegetação arbórea era rala. Porque não havia iluminação, estabeleceram-se postos de vigilância nos cantos da povoação, com uma integração equitativa e feita de forma rotativa. Durante a parte de dia, havia 2 postos avançados, que também desempenhavam funções de guardiãs das culturas.
Quanto à vertente dos cuidados de saúde, foi efectivamente o maior benefício que comprovadamente se lhes trouxe. Numa enfermaria improvisada, atendia-se a população que acorria cada vez em maior número, afluídos de outros aldeamentos. Sobre este apoio, recordo com agrado, que o medicamento preferido era o administrado por acção injectável, o tal pico, como gostavam de referir. Pequenos aconchegos de ontem, que muito provavelmente hoje não existem.
(iv) Logo aos primeiros dias, começámos a ter a grata sensação que estávamos a viver, porventura não no país da Alice, mas num outro qualquer rincão reencontrado, esquisito, singular, também com as suas maravilhas. À despedida de cada dia, recordo que se divisava em Cansissé um inebriante pôr-do-sol, de uma luminosidade reverberante que esbugalhavam os nossos olhos de espanto e pasmo, até que o céu se estrelasse em toda a sua amplidão, para podermos ler as estrelas, numa angustiada procura do nosso futuro mais imediato.
Sentíamos com uma incrédula e incontida emoção, que a situação sofredora da guerra ostensível e impenitente, aparentemente estava ausente, ainda que cada um de nós continuava a ter como fiel companheira a G-3. Contudo, a espaços, esta começava a perder parte das suas prerrogativas, pois de quando em vez a sua mudez de descanso trancado era suplantada pelo sussurro ciciante de uma bela nativa, num concupiscente ardimento de furtivos encontros. Esta busca delico-doce era também um generoso contributo que Cansissé nos primava em ofertar, já que teve a primazia da primeira vez, a de um grupo forjado em têmpera de ferro e fogo, vir conviver com as suas gentes.
(v) O meio natural onde Cansissé se inseria, era de uma rara e contagiante beleza, onde tudo parecia decorrer a um ronceiro e tardo ritmo, em acorde com infindas harmonias, qual anelo esperançoso e embriagador, que só se desentoavam surdamente muito para além do intemporal e infindo horizonte. Todo esse meio envolvente, era modelado em tranquilidade e acalmia, onde serenamente os dias se repetiam num compassado ciclo de uma movimentação recortada, pausada e vagarosa.
Por lá perambulavam um número infindo de aves, num constante e mavioso chilreio, trinando os seus gorjeios que nos especava em atencioso e surdo recatamento, para audição de sonatas do paraíso. Entre elas, estavam os periquitos na sua policromia esverdeada, as mansas rolas que nos circundavam emitindo os seus gemidos de agradecimento por algum bago de arroz. Também, com um carinho muito especial, havia um pequeno passeriforme de uma plumagem de um colorido brilhante e de grande beleza, que o rebaptizei de soberbo, com um sentido gregário notável, em que o (re)vejo numa imensidade de ninhos numa atarracada palmeira, feitos pelo entrelaçamento de fios de um fino trabalho de arte de tecelagem.
(Continua)
_____________
Notas de L.G.
(1) Vd. posts anteriores:
19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXIV: Um sobrevivente de Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317)
18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXX: Um pesadelo chamado Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317, 1968/69)
12 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P866: De Cansissé e a Fonte dos Fulas ao Baixo Mondego ou como o mundo é pequeno (Idálio Reis)
(2) Não foi uma ordem, apenas um desejo, pronta e plenamente satisfeito pelo nosso camarada Idálio Reis: "... aguardo com curiosidade o teu relato das mil e uma noites que passaste em Cansissé, bebendo a água da sabedoria (e quiçá dos amores) da Fonte dos Fulas" (...)
Guiné > Região de Gabu > Cansissé > CCAÇ 2317 > Julho de 1969 > A cultura do amendoim. Em volta do campo chão da povoação, praticava-se uma agricultura com uma relativa extensão, ainda que realizada essencialmente à custa de trabalho braçal.
Fotos e legendas: © Idálio Reis (2006)
1. Mensagem do Idálio Reis, ex-Alf Mil, CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69)(1)
Caro Luís:
À tua notificação para escrever algo sobre Cansissé (2), aqui o faço com incontido prazer. Desta vez até com algumas fotos (região de Gabu > Cansissé), reabilitadas de uns slides pelo profissionalismo do nosso Albano Costa. Tudo segue em forma anexada. Se achares demasiado longa, partilha-a à tua forma.
Quanto às fotos, a minha intenção foi a de exprimir o que o grupo viveu naquele tempo em Cansissé.
E agora, tenho de compulsar os arquivos da minha Companhia, para falar sobre Gandembel/Ponte Balana. Procuro também algumas fotos representativas.
Luís, que gozes umas boas férias em companhia dos teus. Um abraço do Idálio Reis.
___________
Assunto: Cansissé, terra de encantos mil, como anfitriã do primeiro grupo do Exército que aí se alojou (Julho de 1969).
Caro Luís e demais Tertulianos.
Cansissé merece que a releve com um enlevo muito especial, que evoco de uma maneira fortemente impressiva e dedicada, porquanto reconheço hoje ser o meu complacente lugar da saudade, tão suavemente enternecida e meiga.
Lá longe, no sortilégio daquele chão da região de Gabú, foi possibilitado ao meu grupo fruir de certos encantamentos que julgávamos desapegados e esconsos, pois que os tempos passados até então tinham sido endemoinhados, por um qualquer espírito pérfido, malévolo, cruel.
Estava-se em Julho de 1969, com três partes da comissão vencida (1), e o que buscávamos com uma sôfrega avidez era um qualquer ameno recanto que nos portasse a um estado de tranquilidade repousante, penhor de paz. De tão requestada, ansiávamos uma serenidade confiante para corpos descoroçoados e ofegantes poderem revigorar, de tão insidiosamente assolados por uma guerra sem tréguas.
Estávamos convictos que a poderíamos almejar, e ante aquele sinal-símbolo que sempre norteou a nossa conduta, do «pare, escute e olhe», lenta e conscientemente fomos avançando, e julgo que o soubemos fazer da melhor forma, com a dignidade que nos competia e que era nosso dever, primando na excelência das nossas acções com a população autóctone. E o primeiro grupo da tropa colonial a demandar Cansissé, orgulha-se desse facto.
(i) Cansissé era uma grande tabanca, localizada num vasto perímetro de terra plana e de elevada potencialidade agrícola. Típico aldeamento rural, onde conviviam dois grupos étnicos islamizados, embora de diferenciadas características comportamentais, que determinava com que a tabanca fosse atravessada longitudinalmente por uma larga passagem divisória. A parte ocidental, mais populosa, pertencia aos fulas, enquanto a poente se sediavam os mandingas.
À entrada do povoamento, deparava-se um extenso terreiro. Aí havia um pavilhão-armazém, suficientemente amplo, já construído há alguns anos, porventura quando a Lei do Indigenato se interessou na construção de algumas infra-estruturas destinadas ao forçado armazenamento e comercialização dos produtos agrícolas, e em que preponderavam o milho e o amendoim. Também neste vasto espaço, sobressaía uma árvore de grande porte, de um espesso tronco e de uma copa de abundantes frondes, ponto de encontro para convívio com os anciãos e de remanso ameno e refrescado para o contento solitário das leituras.
E logo surtiam as moranças, mais aprimoradas que nos povoamentos que havia no Sul da Província. Todavia, havia uma certa distinção para as do régulo, mais espaçosas, de uma construção mais estruturada e ostentosa, onde cabia todo o seu harém e quiçá alguns convidados, sendo todas elas envolvidas por um tapume em função de resguardo. E o aldeamento prolongava-se até aos lhanos campos de cultivo.
(ii) Chegámos a 14 de Julho, num dia benfazejo por uma chuva quase incessante, tendo calcorreado os cerca de trinta quilómetros que distavam de Nova Lamego, em menos de uma hora, o que desde logo era uma missão inatingível nas zonas por onde tínhamos deambulado, e portanto de difícil compreensão para todos nós.
Apesar de encharcados, Cansissé aí estava, e ante a surpresa ora deparada parecia estarmos satisfeitos, pois que os antecedentes que este novo destacamento nos propunha, de acordo com informações obtidas, animávamo-nos a acalentar uma esperança desejada e a garantir um maior grau de confiança, para os dias que iríamos aqui permanecer.
A entrada em Cansissé mereceu honrarias especiais, pois o régulo e os homens-grandes, e um grupo local de milícias, para além da população, nos esperavam com cordiais cumprimentos de boas-vindas. Prestado o reconhecido e público agradecimento, alojou-se o pessoal no arrumado pavilhão existente, exceptuando a minha pessoa e o Vasco Ferreira (ex-furriel, um dos muitos feridos de Gandembel, e em missão de voluntariado para esta missão), a quem foram ofertados guarida de maior requinte numa apresentável morança do régulo.
E por lá nos quedámos por um período de quase sete semanas, em desfrute de um tempo de contentamento e encanto, que ia conseguindo suavizar a nossa velada ansiedade do regresso definitivo, até porque nos parecia, com grata satisfação, que o delongar do tempo parecia agora querer escoar normalmente.
(iii) Os primeiros dias serviram para reconhecer a zona, como a verificação das condições de segurança do povoamento, a análise da capacidade do grupo de milícias, a auscultação dos nativos com enfoque especial para o seu estado sanitário, mormente dos mais idosos.
O grupo de milícias, com cerca de 30 unidades, era composto por homens de uma faixa etária dos 25 a 40 anos, que ali viviam com as suas famílias. Era um reduzido contingente com funções essencialmente de defesa local, e ainda armados com espingardas Mauser. Desde logo, procurou-se fazer o seu entrosamento, tendo-se criado uma empatia forte, cimentada por uma cumplicidade mútua de grande generosidade.
No que respeita ao grau de segurança da tabanca, em princípio era de molde a não ofertar perigos de maior, já que se dispunha de um largo raio de visão exterior, pois que era circundada por extensas plantações de amendoim, e a vegetação arbórea era rala. Porque não havia iluminação, estabeleceram-se postos de vigilância nos cantos da povoação, com uma integração equitativa e feita de forma rotativa. Durante a parte de dia, havia 2 postos avançados, que também desempenhavam funções de guardiãs das culturas.
Quanto à vertente dos cuidados de saúde, foi efectivamente o maior benefício que comprovadamente se lhes trouxe. Numa enfermaria improvisada, atendia-se a população que acorria cada vez em maior número, afluídos de outros aldeamentos. Sobre este apoio, recordo com agrado, que o medicamento preferido era o administrado por acção injectável, o tal pico, como gostavam de referir. Pequenos aconchegos de ontem, que muito provavelmente hoje não existem.
(iv) Logo aos primeiros dias, começámos a ter a grata sensação que estávamos a viver, porventura não no país da Alice, mas num outro qualquer rincão reencontrado, esquisito, singular, também com as suas maravilhas. À despedida de cada dia, recordo que se divisava em Cansissé um inebriante pôr-do-sol, de uma luminosidade reverberante que esbugalhavam os nossos olhos de espanto e pasmo, até que o céu se estrelasse em toda a sua amplidão, para podermos ler as estrelas, numa angustiada procura do nosso futuro mais imediato.
Sentíamos com uma incrédula e incontida emoção, que a situação sofredora da guerra ostensível e impenitente, aparentemente estava ausente, ainda que cada um de nós continuava a ter como fiel companheira a G-3. Contudo, a espaços, esta começava a perder parte das suas prerrogativas, pois de quando em vez a sua mudez de descanso trancado era suplantada pelo sussurro ciciante de uma bela nativa, num concupiscente ardimento de furtivos encontros. Esta busca delico-doce era também um generoso contributo que Cansissé nos primava em ofertar, já que teve a primazia da primeira vez, a de um grupo forjado em têmpera de ferro e fogo, vir conviver com as suas gentes.
(v) O meio natural onde Cansissé se inseria, era de uma rara e contagiante beleza, onde tudo parecia decorrer a um ronceiro e tardo ritmo, em acorde com infindas harmonias, qual anelo esperançoso e embriagador, que só se desentoavam surdamente muito para além do intemporal e infindo horizonte. Todo esse meio envolvente, era modelado em tranquilidade e acalmia, onde serenamente os dias se repetiam num compassado ciclo de uma movimentação recortada, pausada e vagarosa.
Por lá perambulavam um número infindo de aves, num constante e mavioso chilreio, trinando os seus gorjeios que nos especava em atencioso e surdo recatamento, para audição de sonatas do paraíso. Entre elas, estavam os periquitos na sua policromia esverdeada, as mansas rolas que nos circundavam emitindo os seus gemidos de agradecimento por algum bago de arroz. Também, com um carinho muito especial, havia um pequeno passeriforme de uma plumagem de um colorido brilhante e de grande beleza, que o rebaptizei de soberbo, com um sentido gregário notável, em que o (re)vejo numa imensidade de ninhos numa atarracada palmeira, feitos pelo entrelaçamento de fios de um fino trabalho de arte de tecelagem.
(Continua)
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Notas de L.G.
(1) Vd. posts anteriores:
19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXIV: Um sobrevivente de Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317)
18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXX: Um pesadelo chamado Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317, 1968/69)
12 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P866: De Cansissé e a Fonte dos Fulas ao Baixo Mondego ou como o mundo é pequeno (Idálio Reis)
(2) Não foi uma ordem, apenas um desejo, pronta e plenamente satisfeito pelo nosso camarada Idálio Reis: "... aguardo com curiosidade o teu relato das mil e uma noites que passaste em Cansissé, bebendo a água da sabedoria (e quiçá dos amores) da Fonte dos Fulas" (...)
terça-feira, 11 de julho de 2006
Guiné 63/74 - P952: Evocando o libanês Jamil Nasser, do Xitole (Joaquim Mexia Alves, 1971/73)
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 2001 > Restos do aquartelamento e povoação de Xitole. Um antigo armazém do comerciante libanês Jamil Nasser.
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 2001 > Restos do aquartelamento e povoação de Xitole. A antiga casa do comerciante libanês Jamil Nasser
Fotos (e legendas): © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves que, pelo endereço de e-mail, deve trabalhar nas Termas de Monte Real, do Grupo Lena, um grupo empresarial do centro do país ligado à hotelaria e ao turismo:
Caro Luis Graça
Por acaso entrei neste blogue. Estive como Alferes Miliciano de Operações Especiais, de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973, na Guiné, e curiosamente nos sítios aqui tão falados, ou seja:
Xitole > Cart 3494 > Ponte do Rio Undunduma
Entre Xime e Bambadinca > Pel Caç Nat 52 (Os Gaviões) > Mato Cão
Mansoa > CCAÇ 15 (Taque Tchife)
Não tive tempo agora para ver e ler com atenção [o resto do blogue e as demais páginas na Net], mas prometo voltar.
Abraço
Joaquim Mexia Alves
2. Já lhe dei as boas vindas, e recordei-lhe as regras da nossa caserna (virtual):
Camarada:
(i) Serás bem vindo à maior caserna virtual da Net, reunindo camaradas (e amigos) da Guiné, incluindo malta do teu tempo... Temos umas regras mínimas que podes consultar em:
http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial_tertulia.html
(ii) Tratamo-nos por tu, como bons camaradas que fomos (e queremos continuar a ser). Na nossa lista de e-mails temos já cerca de um centena de endereços.
(iii) Para entrares, basta apenas mandares duas fotos (uma antiga e outra actual) e contares-nos a tua estória...
3. Resposta do camarada Mexia Alves:
Caro Luis Graça
Visitei hoje, mais uma vez, esta página e fui ver as fotografias do Xitole.
Deparei-me com a fotografia das ruínas da casa do Jamil Nasser (1), do Tio Jamil, como eu lhe chamava, e veio-me uma nostalgia difícil de explicar (2).
Quase todos os dias, ao fim da tarde, ía a casa do Jamil e no seu alpendre de entrada, bebiamos uns uísques, acompanhados de pedaços de tomate com sal, enquanto ele ouvia as notícias do Libano no seu rádio, em árabe, claro está, e comentava o que por lá se passava.
Para mim era como sair um pouco da tropa e entrar numa vida social, o que dava um certo equilíbrio emocional.
Um dia, quando me preparava para ir ter com o Jamil, apareceu o seu criado Suri, oriundo da Gâmbia, salvo o erro, para me dizer que o Jamil pedia para eu não ir ter com ele naquele dia.
Fiquei admirado, mas bebi o que tinha a beber no quartel. Mal anoiteceu, houve um tremendo ataque ao Xitole que, graças a Deus, não provocou quaisquer vítimas ou sequer ferimentos, mas destruiu bastante alguns edifícios.
Percebi o recado do Jamil, mas nunca falámos nisso. Tenho algumas histórias com ele e até fotografias, se não me engano, não tenho é muito tempo, mas logo verei o que posso arranjar.
A memória falha de vez em quando, mas penso que ainda me encontrei com o Jamil em Lisboa depois de ter vindo da Guiné.
Lembro-me que ele costumava ficar num Hotel, ao lado do Cinema Tivoli, se não me engano Hotel Condestável.
Abraço
Joaquim Mexia Alves
____________
Notas de L.G.
(1) O David Guimarães, além de duas fotos, de 2001, que disponibilizou para o nosso álbum, tem uma outra referência ao Samir Nasser, no post de 10 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIX: Estórias do Xitole: 'Com minas e armadilhas, só te enganas um vez' (David Guimarães):
(...)
"O aquartelamento do Xitole estava bem minado em seu redor. Do lado da pista de aviação, tinha eu mesmo montado um poderoso fornilho às ordens do capitão. Esse fornilho era comandado do abrigo dos furriéis (vd. foto onde estou eu sentado em cima de um bidão). De resto todo o terreno à volta estava semeado de minas anti-pessoais 966... Para a protecção total e permanente do aquartelamento no Xitole só faltava um ponto por armadilhar: a estrada Bambadinca - Xitole - Saltinho... Os ex-combatentes da CCAÇ 12 conheciam-na bem e sabiam onde era a casa de Jamil Nasser, um comerciante libanês que vivia no Xitole (...)... Pois era exactamente ali, naquela rampazinha que dava acesso ao aquartelamento" (...).
(2) Ficamos felizes, eu e o David Guimarães, que foi Furriel Miliciano na CART 2716, Xitole, 1970-1972), por te poder proporcionar esta possibilidade de te emocionares ao ver a casa, em ruínas, de um amigo com quem partilhaste bons momentos de convívio... É também para isso que este blogue serve: estamos todos os dias, com pequenos e grandes contributos de muitos camaradas nossos, a reconstituir essa memória, fragmentada, da Guiné do nosso tempo, dos bons e maus momentos que lá passámos... Ficamos à espera das tuas imagens, digitalizadas, do Xitole, de Bambadinca, de Mansoa e de outros sítios por onde passaste, no teu tempo (1971/1973)...
Guiné 63/74 - P951: Antologia (47): Um médico cubano no Morés e no Cantanhez - Domingo Diaz, 1966/67 (Luís Graça)
Foto: © Juventud Rebelde, Cuba, (2006) (Com a devida vénia).
Guiné > Anos 60 > Uma das mais emblemáticas fotos de Amílcar Cabral, dirigente do PAIGC. "Un compañero inolvidable" - é assim que o médico cubano Domingo Diaz descreve o líder histórico do PAIGC. O médico fazia parte de um grupo de revolucionário, constituído por médicos e instrutores, que chegou secretamente a Conacri para apoiar a luta de guerrilha do PAIGC.
Foto: Fonte desconhecida
Texto interessantíssimo, para se conhecer melhor a dura realidade do quotidiano da guerrilha do PAIGC... Trata-se do depoimento de um médico cubano, cirurigião de formação, quer esteve envolvido em operações de guerrilha, na Guiné, nos anos de 1966/67, apoiando o PAIGC ao abrigo do então em voga conceito de "internacionalismo proletário"... O envolvimento dos cubanos é ainda pouco conhecido... Daí o interesse deste artigo, no original.
Guiné > Anos 60 > Uma das mais emblemáticas fotos de Amílcar Cabral, dirigente do PAIGC. "Un compañero inolvidable" - é assim que o médico cubano Domingo Diaz descreve o líder histórico do PAIGC. O médico fazia parte de um grupo de revolucionário, constituído por médicos e instrutores, que chegou secretamente a Conacri para apoiar a luta de guerrilha do PAIGC.
Foto: Fonte desconhecida
Texto interessantíssimo, para se conhecer melhor a dura realidade do quotidiano da guerrilha do PAIGC... Trata-se do depoimento de um médico cubano, cirurigião de formação, quer esteve envolvido em operações de guerrilha, na Guiné, nos anos de 1966/67, apoiando o PAIGC ao abrigo do então em voga conceito de "internacionalismo proletário"... O envolvimento dos cubanos é ainda pouco conhecido... Daí o interesse deste artigo, no original.
Reproduzido, com a devida vénia, do jornal digital Juventude Rebelde, ISSN 1563-8340, CUBA, 8 de Junio de 2006 (Director: Rogelio Polanco Fuentes ):
Donde el tiempo no se mide por el reloj
Por primera vez el doctor Domingo Díaz (*) cuenta sus experiencias en las selvas de Guinea Bissau cuando en 1966 anduvo desandando ríos y selvas en compañía de guerrilleros guineanos. Su testimonio forma parte de uno de los capítulos del libro Historias secretas de médicos cubanos, del periodista de JR Hedelberto López Blanch, presentado este año en la Feria del Libro de La Habana
Hedelberto López Blanch
digital@jrebelde.cip.cu
Con 29 años y recién graduado como cirujano, el doctor Domingo Díaz Delgado llenó una planilla solicitando su incorporación como internacionalista en cualquier movimiento de liberación, inspirado en el ejemplo del guerrillero heroico, Ernesto Che Guevara.
A principios del año 66, respondiendo a esa solicitud, lo designan como miembro del primer grupo (muy reducido), de médicos y combatientes que participarían en la liberación de Guinea Bissau, cuya metrópoli era Portugal. Los guineanos llevaban dos o tres años en esa difícil lucha, y carecían de técnica militar, armamentos y asistencia médica. Las acciones se iniciaban prácticamente en esa época, pero dejemos que Domingo narre su historia.
—En ese momento yo era jefe de los servicios médicos de la división 1270 en el Mariel. Fuimos nueve médicos (tres viajaron por avión) junto a los instructores, en total 24 hombres. Tenía bastante experiencia en cirugía porque en esa época, desde que uno estaba estudiando podías participar en determinado equipo quirúrgico. Dos meses después de mi incorporación a este contingente, integrado por artilleros, morteristas, cañoneros y médicos, salimos hacia Guinea Bissau, en la motonave Lidia Doce de 2 000 toneladas. El viaje duró casi 20 días, hasta llegar al puerto de Conakry. La nave estaba deteriorada y fue un trayecto difícil, pues se rompió por lo menos tres veces. En una ocasión hubo un inicio de fuego en las máquinas y por poco tenemos que abandonar el barco.
«En unos sacos llevábamos mochilas, botas y otros implementos y en unas maleticas de madera, un equipaje sencillo. Íbamos vestidos de civil. Aquello era totalmente secreto, incluso para abordar el barco principal no lo hicimos en el puerto, sino en alta mar.
«Antes de salir de Cuba estuvimos cerca de dos meses entrenándonos física y militarmente con varios armamentos, pues aunque éramos médicos, iríamos hacia una zona de guerra. Hacíamos algunas caminatas que creíamos eran suficientes, pero cuando llegamos a Bissau nos dimos cuenta que había que haberse entrenado mucho más. En Conakry, el grupo permaneció alrededor de un mes a la espera de ser llevado a los lugares de destino. Guinea Bissau tenía tres zonas guerrilleras, que eran el Norte, el Sur y Madina de Boé, al este. Se combatía bastante para las posibilidades que tenían. En Guinea me recibió el dirigente principal de la guerrilla del Partido Africano por la Independencia de Guinea y Cabo Verde (PAIGC), Amílcar Cabral, un compañero inolvidable. Aprendí muchas cosas en los días que estuve con él. Guinea Conakry era la antigua Guinea Francesa y Guinea Bissau es un país mucho más chiquito que se puede comparar en extensión territorial con la antigua provincia de Villa Clara. Muy poco terreno y de ahí la dificultad de los combatientes para desarrollar esta lucha. Los portugueses tenían bastantes tropas, incluso fuerzas de la OTAN (Organización del Tratado del Atlántico Norte).
«De nuestro grupo, muchos fueron al sur, otros al este y a mí me designaron para ir como cirujano al norte. ¿Qué pasa? Que de Guinea Conakry no se podía ir directamente hacia el norte de Guinea Bissau, sino que había que dar un rodeo por el este en camiones, y atravesar parte del territorio de Senegal, país que limita al norte con Bissau y no era precisamente amigo de los guerrilleros, sino que por el contrario estaba a favor de Portugal. Por tanto, por el color blanco de mi piel, no podía hacer el recorrido por tierra, sin llamar la atención.
"Entonces me confeccionan un documento que funcionaba como pasaporte. Era un carné de militante del Partido del PAIGC con un nombre falso, donde aparecía como natural de Praia, una isla de Cabo Verde y con ese documento hago el vuelo, hasta la capital de Senegal, Dakar, acompañado de dos guineanos. Cuando llegamos al aeropuerto no entendían lo del pasaporte y los dos compañeros que me acompañan no supieron explicarles. De manera que tuve que darle un empujón a la talanquera en cruz que existía en el aeropuerto y salir hacia un carro de donde me hacía señas la compañera Lilica Cabral, secretaria de Amílcar Cabral, que tenía oficinas en Dakar.
«De allí, por tierra, atravesamos 400 kilómetros, que es la distancia de Dakar a Zinguinchor, un pueblo de Senegal cercano a la frontera con Guinea Bissau. En ese trayecto hay que atravesar un río y una franja de diez kilómetros de otro país denominado Gambia.
«El que me llevó hacia Zinguinchor, fue Luis Cabral, hermano de Amílcar Cabral, en un Peugeot 400. Llego a ese lugar donde permanezco dos o tres días. Me entrevisto con los jefes militares más importantes que operaban en el norte de Guinea Bissau, porque como era el primer cubano que llegaba allí, me estaban esperando. Me reúno con el jefe del Frente Norte, Osvaldo Vieira y otros. Me hacen una despedida y salgo con un grupo guineano. Al llegar a la frontera, parte del colectivo se queda conmigo y la otra permanece en Yiriban, en el lado de Senegal. Hago una caminata por un terreno abrupto que para mí fue terrible. Alrededor de cuatro a cinco horas demoré en llegar desde la frontera a la primera base guerrillera que se llamaba Zambulla.
«Cuando regresé, ese recorrido lo hice en 45 minutos, porque tenía 80 libras de menos y además llevaba un año caminando en el terreno. Hacemos noche en ese lugar y de madrugada seguimos camino hacia la próxima base, denominada Maqué. Ya habíamos tenido que beber agua en malas condiciones. Allí el agua potable es la de los ríos, y ellos acostumbraban a hacer unos hoyos en la tierra, bien marcados y escondidos, para que se llenaran cuando lloviera. En el curso del camino, sacaban esa agua con tierra y era la que desde ese momento empecé a ingerir.
«Cuando llego a la base de Maqué ya las diarreas comenzaron a hacerme estragos, pero no por eso dejé de comer lo que nos encontrábamos en el camino.
«En esa región el tiempo no se cuenta por el reloj, sino por distancia, es decir, medio día de andar, dos días de andar, que es lo que tardas en llegar a un lugar.
«Nuestra comida era la misma que la de los guineanos y una sola vez al día. Por la noche, en una palangana echábamos un poco de arroz con pedacitos de carne, huesos, que en algunas ocasiones nos los pasábamos unos a otros para chuparlos, y por supuesto, todo con las manos. Nos acostumbramos a comer el arroz metiendo la mano en las cacerolas, no había cubiertos, no había nada. Por la mañana tomábamos cocimientos de cualquier tipo de hojas y si era de naranja, mejor. Calentábamos el agua y le echábamos las hojitas, y eso fue lo que tomamos durante mucho tiempo. Eso era en el norte, ya en el este, en Madina de Boé, teníamos frijoles pero eran tantos que llegó un momento en que a un compañero le enseñabas uno solo y vomitaba.
«Cuando arribo a la segunda base guerrillera, ya llevaba dos días de andar y llegué bastante mal. Me revivió un líquido constituido por una especie de leche condensada con agua, pero muy caliente, y recuerdo perfectamente que me lo tomé y caí rendido. Al otro día de madrugada seguimos profundizando dentro del país y llegamos a la base de Moré[s] donde hacía pocas semanas los portugueses habían lanzado un bombardeo y todavía se podían apreciar los destrozos.
«Allí estuvimos un día y seguimos hasta que alcanzamos la base donde permanecí alrededor de seis meses: Saará (1). Ya aquí estaban dos médicos del grupo que se habían adelantado, pues viajaron por avión de Cuba: un ortopédico, Teudi Ojeda y un clínico, Pedro Labarrere, los dos militares. La base de Saará estaba en la profundidad del norte pero prácticamente en la mitad del territorio y muy cerca de la capital de Bissau. Llegando a esa base, estaban organizando un ataque a Bissau, pero no con el fin de tomar la ciudad sino para tener a las autoridades en tensión. Esa acción fue dirigida por un compañero que era el jefe de la seguridad del territorio norte, el caboverdiano Irenio de Nascimento.
«Teníamos un arsenal pequeño de medicamentos, instrumental quirúrgico, pero muy elementales, para resolver problemas que se presentaran en ese tipo de lucha.
«El campamento estaba en cualquier lugar pues como medida de seguridad había que trasladarlo constantemente. Llegó un momento en que detectaron la base y la ametrallaron varias veces.
«Tras permanecer seis meses en Saará, me designaron a un Big Grupo (2), integrado por 72 hombres con determinado armamento para realizar ataques en varias partes. El jefe era un comandante guineano que se llamaba Julián. De esa forma, empecé a moverme con ellos a los distintos lugares y tuve la oportunidad de participar en varios ataques.
«Siempre el jefe militar me decía que no me debía acercar mucho pues si perdían a los enfermeros y a mí, se acababa el servicio médico.
«El primer combate en que participé fue en la base de Sao Domingos. No sentí miedo porque en realidad no estaba en el mismo frente, pero sí los proyectiles me pasaban por encima. Los guerrilleros destruían el cuartel o parte de este, y se retiraban. Nunca trataban de tomarlo, era una guerra de guerrillas.
«Aquí también realizamos un segundo ataque, al cuartel de Guilelle [Guileje], que fue más efectivo. Tuve la posibilidad de estar más cerca del combate, nos hirieron a tres hombres. A uno de ellos pude hacerle una primera cura, rápida, y seguí con los dos heridos hasta llegar a la base. Ya por este tiempo yo había recorrido a pie casi todas las bases guerrilleras, Llador, Naga, Maqué, Saará, Moré[s], Zambulla.
«Seguimos trasladándonos constantemente con este grupo en la zona norte y más tarde comencé a tener varios problemas de salud, un paludismo crónico, una filaria, que en esos momentos no lo sabía pero después se me hizo el diagnóstico, y una lesión infiltrativa tuberculosa. Se decidió que saliera y regresara a Conakry para después de restablecido volver a entrar.
«Salí en febrero o marzo del 67 y lo hago para tratarme clínicamente. Por el mismo camino que entré, también salí, pero ya con más seguridad. Vuelvo a Conakry y permanezco un tiempo recuperándome. Ya el comandante Víctor Dreke era el jefe de la misión militar cubana.
«Más tarde me incorporo a la zona del Este a Madina do Boé donde terminé la misión. Esta región era un poco más tranquila desde el punto de vista de la guerra, aunque también se realizaron varios combates.
«Hay muchas cosas por contar. Por ejemplo en las primeras caminatas perdí todas las uñas de los dedos de los pies, se me pusieron prietas porque no estaba entrenado para eso, pero después que bajé de peso, uno de los primeros en llegar a los lugares era yo, incluyendo cubanos y nativos. Me puse tan flaco que parecía una cuerda de violín y caminaba mucho. Me ha quedado la costumbre y actualmente camino todos los días en La Habana cinco quiilómetros».
* Domingo Díaz Delgado nació en 1936 en Florencia, Camagüey. Es profesor titular de neurocirugía y vicedirector de Docencia e Investigaciones del CIMEQ.
____________
Nota de L.G.
(1) Saará: presumo que seja Sara-Saruol (carta de Mambonco): vd posts de:
29 de Junho de 2006 >
Guiné 63/74 - P924: SPM 3778 ou estórias de Missirá (4): cão vadio disfarçado de tigre (Beja Santos)
(...) "Soube da Tigre Vadio (1) em finais de Fevereiro de 1970, quando o Major de operações de Bambadinca me convidou para um passeio numa Dornier sobre os céus do Cuor. Foi uma viagem que permitiu medir o crescimento militar e populacional de Madina/Belel e a sua ligação a Sara/Sarauol, uma enorme base do PAIGC com um hospital de campanha" (...).
27 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P918: Operação Tigre Vadio (Março de 1970): uma dramática incursão a Madina/Belel (CAÇ 12, Pel Caç Nat 52 e outras forças)
Donde el tiempo no se mide por el reloj
Por primera vez el doctor Domingo Díaz (*) cuenta sus experiencias en las selvas de Guinea Bissau cuando en 1966 anduvo desandando ríos y selvas en compañía de guerrilleros guineanos. Su testimonio forma parte de uno de los capítulos del libro Historias secretas de médicos cubanos, del periodista de JR Hedelberto López Blanch, presentado este año en la Feria del Libro de La Habana
Hedelberto López Blanch
digital@jrebelde.cip.cu
Con 29 años y recién graduado como cirujano, el doctor Domingo Díaz Delgado llenó una planilla solicitando su incorporación como internacionalista en cualquier movimiento de liberación, inspirado en el ejemplo del guerrillero heroico, Ernesto Che Guevara.
A principios del año 66, respondiendo a esa solicitud, lo designan como miembro del primer grupo (muy reducido), de médicos y combatientes que participarían en la liberación de Guinea Bissau, cuya metrópoli era Portugal. Los guineanos llevaban dos o tres años en esa difícil lucha, y carecían de técnica militar, armamentos y asistencia médica. Las acciones se iniciaban prácticamente en esa época, pero dejemos que Domingo narre su historia.
—En ese momento yo era jefe de los servicios médicos de la división 1270 en el Mariel. Fuimos nueve médicos (tres viajaron por avión) junto a los instructores, en total 24 hombres. Tenía bastante experiencia en cirugía porque en esa época, desde que uno estaba estudiando podías participar en determinado equipo quirúrgico. Dos meses después de mi incorporación a este contingente, integrado por artilleros, morteristas, cañoneros y médicos, salimos hacia Guinea Bissau, en la motonave Lidia Doce de 2 000 toneladas. El viaje duró casi 20 días, hasta llegar al puerto de Conakry. La nave estaba deteriorada y fue un trayecto difícil, pues se rompió por lo menos tres veces. En una ocasión hubo un inicio de fuego en las máquinas y por poco tenemos que abandonar el barco.
«En unos sacos llevábamos mochilas, botas y otros implementos y en unas maleticas de madera, un equipaje sencillo. Íbamos vestidos de civil. Aquello era totalmente secreto, incluso para abordar el barco principal no lo hicimos en el puerto, sino en alta mar.
«Antes de salir de Cuba estuvimos cerca de dos meses entrenándonos física y militarmente con varios armamentos, pues aunque éramos médicos, iríamos hacia una zona de guerra. Hacíamos algunas caminatas que creíamos eran suficientes, pero cuando llegamos a Bissau nos dimos cuenta que había que haberse entrenado mucho más. En Conakry, el grupo permaneció alrededor de un mes a la espera de ser llevado a los lugares de destino. Guinea Bissau tenía tres zonas guerrilleras, que eran el Norte, el Sur y Madina de Boé, al este. Se combatía bastante para las posibilidades que tenían. En Guinea me recibió el dirigente principal de la guerrilla del Partido Africano por la Independencia de Guinea y Cabo Verde (PAIGC), Amílcar Cabral, un compañero inolvidable. Aprendí muchas cosas en los días que estuve con él. Guinea Conakry era la antigua Guinea Francesa y Guinea Bissau es un país mucho más chiquito que se puede comparar en extensión territorial con la antigua provincia de Villa Clara. Muy poco terreno y de ahí la dificultad de los combatientes para desarrollar esta lucha. Los portugueses tenían bastantes tropas, incluso fuerzas de la OTAN (Organización del Tratado del Atlántico Norte).
«De nuestro grupo, muchos fueron al sur, otros al este y a mí me designaron para ir como cirujano al norte. ¿Qué pasa? Que de Guinea Conakry no se podía ir directamente hacia el norte de Guinea Bissau, sino que había que dar un rodeo por el este en camiones, y atravesar parte del territorio de Senegal, país que limita al norte con Bissau y no era precisamente amigo de los guerrilleros, sino que por el contrario estaba a favor de Portugal. Por tanto, por el color blanco de mi piel, no podía hacer el recorrido por tierra, sin llamar la atención.
"Entonces me confeccionan un documento que funcionaba como pasaporte. Era un carné de militante del Partido del PAIGC con un nombre falso, donde aparecía como natural de Praia, una isla de Cabo Verde y con ese documento hago el vuelo, hasta la capital de Senegal, Dakar, acompañado de dos guineanos. Cuando llegamos al aeropuerto no entendían lo del pasaporte y los dos compañeros que me acompañan no supieron explicarles. De manera que tuve que darle un empujón a la talanquera en cruz que existía en el aeropuerto y salir hacia un carro de donde me hacía señas la compañera Lilica Cabral, secretaria de Amílcar Cabral, que tenía oficinas en Dakar.
«De allí, por tierra, atravesamos 400 kilómetros, que es la distancia de Dakar a Zinguinchor, un pueblo de Senegal cercano a la frontera con Guinea Bissau. En ese trayecto hay que atravesar un río y una franja de diez kilómetros de otro país denominado Gambia.
«El que me llevó hacia Zinguinchor, fue Luis Cabral, hermano de Amílcar Cabral, en un Peugeot 400. Llego a ese lugar donde permanezco dos o tres días. Me entrevisto con los jefes militares más importantes que operaban en el norte de Guinea Bissau, porque como era el primer cubano que llegaba allí, me estaban esperando. Me reúno con el jefe del Frente Norte, Osvaldo Vieira y otros. Me hacen una despedida y salgo con un grupo guineano. Al llegar a la frontera, parte del colectivo se queda conmigo y la otra permanece en Yiriban, en el lado de Senegal. Hago una caminata por un terreno abrupto que para mí fue terrible. Alrededor de cuatro a cinco horas demoré en llegar desde la frontera a la primera base guerrillera que se llamaba Zambulla.
«Cuando regresé, ese recorrido lo hice en 45 minutos, porque tenía 80 libras de menos y además llevaba un año caminando en el terreno. Hacemos noche en ese lugar y de madrugada seguimos camino hacia la próxima base, denominada Maqué. Ya habíamos tenido que beber agua en malas condiciones. Allí el agua potable es la de los ríos, y ellos acostumbraban a hacer unos hoyos en la tierra, bien marcados y escondidos, para que se llenaran cuando lloviera. En el curso del camino, sacaban esa agua con tierra y era la que desde ese momento empecé a ingerir.
«Cuando llego a la base de Maqué ya las diarreas comenzaron a hacerme estragos, pero no por eso dejé de comer lo que nos encontrábamos en el camino.
«En esa región el tiempo no se cuenta por el reloj, sino por distancia, es decir, medio día de andar, dos días de andar, que es lo que tardas en llegar a un lugar.
«Nuestra comida era la misma que la de los guineanos y una sola vez al día. Por la noche, en una palangana echábamos un poco de arroz con pedacitos de carne, huesos, que en algunas ocasiones nos los pasábamos unos a otros para chuparlos, y por supuesto, todo con las manos. Nos acostumbramos a comer el arroz metiendo la mano en las cacerolas, no había cubiertos, no había nada. Por la mañana tomábamos cocimientos de cualquier tipo de hojas y si era de naranja, mejor. Calentábamos el agua y le echábamos las hojitas, y eso fue lo que tomamos durante mucho tiempo. Eso era en el norte, ya en el este, en Madina de Boé, teníamos frijoles pero eran tantos que llegó un momento en que a un compañero le enseñabas uno solo y vomitaba.
«Cuando arribo a la segunda base guerrillera, ya llevaba dos días de andar y llegué bastante mal. Me revivió un líquido constituido por una especie de leche condensada con agua, pero muy caliente, y recuerdo perfectamente que me lo tomé y caí rendido. Al otro día de madrugada seguimos profundizando dentro del país y llegamos a la base de Moré[s] donde hacía pocas semanas los portugueses habían lanzado un bombardeo y todavía se podían apreciar los destrozos.
«Allí estuvimos un día y seguimos hasta que alcanzamos la base donde permanecí alrededor de seis meses: Saará (1). Ya aquí estaban dos médicos del grupo que se habían adelantado, pues viajaron por avión de Cuba: un ortopédico, Teudi Ojeda y un clínico, Pedro Labarrere, los dos militares. La base de Saará estaba en la profundidad del norte pero prácticamente en la mitad del territorio y muy cerca de la capital de Bissau. Llegando a esa base, estaban organizando un ataque a Bissau, pero no con el fin de tomar la ciudad sino para tener a las autoridades en tensión. Esa acción fue dirigida por un compañero que era el jefe de la seguridad del territorio norte, el caboverdiano Irenio de Nascimento.
«Teníamos un arsenal pequeño de medicamentos, instrumental quirúrgico, pero muy elementales, para resolver problemas que se presentaran en ese tipo de lucha.
«El campamento estaba en cualquier lugar pues como medida de seguridad había que trasladarlo constantemente. Llegó un momento en que detectaron la base y la ametrallaron varias veces.
«Tras permanecer seis meses en Saará, me designaron a un Big Grupo (2), integrado por 72 hombres con determinado armamento para realizar ataques en varias partes. El jefe era un comandante guineano que se llamaba Julián. De esa forma, empecé a moverme con ellos a los distintos lugares y tuve la oportunidad de participar en varios ataques.
«Siempre el jefe militar me decía que no me debía acercar mucho pues si perdían a los enfermeros y a mí, se acababa el servicio médico.
«El primer combate en que participé fue en la base de Sao Domingos. No sentí miedo porque en realidad no estaba en el mismo frente, pero sí los proyectiles me pasaban por encima. Los guerrilleros destruían el cuartel o parte de este, y se retiraban. Nunca trataban de tomarlo, era una guerra de guerrillas.
«Aquí también realizamos un segundo ataque, al cuartel de Guilelle [Guileje], que fue más efectivo. Tuve la posibilidad de estar más cerca del combate, nos hirieron a tres hombres. A uno de ellos pude hacerle una primera cura, rápida, y seguí con los dos heridos hasta llegar a la base. Ya por este tiempo yo había recorrido a pie casi todas las bases guerrilleras, Llador, Naga, Maqué, Saará, Moré[s], Zambulla.
«Seguimos trasladándonos constantemente con este grupo en la zona norte y más tarde comencé a tener varios problemas de salud, un paludismo crónico, una filaria, que en esos momentos no lo sabía pero después se me hizo el diagnóstico, y una lesión infiltrativa tuberculosa. Se decidió que saliera y regresara a Conakry para después de restablecido volver a entrar.
«Salí en febrero o marzo del 67 y lo hago para tratarme clínicamente. Por el mismo camino que entré, también salí, pero ya con más seguridad. Vuelvo a Conakry y permanezco un tiempo recuperándome. Ya el comandante Víctor Dreke era el jefe de la misión militar cubana.
«Más tarde me incorporo a la zona del Este a Madina do Boé donde terminé la misión. Esta región era un poco más tranquila desde el punto de vista de la guerra, aunque también se realizaron varios combates.
«Hay muchas cosas por contar. Por ejemplo en las primeras caminatas perdí todas las uñas de los dedos de los pies, se me pusieron prietas porque no estaba entrenado para eso, pero después que bajé de peso, uno de los primeros en llegar a los lugares era yo, incluyendo cubanos y nativos. Me puse tan flaco que parecía una cuerda de violín y caminaba mucho. Me ha quedado la costumbre y actualmente camino todos los días en La Habana cinco quiilómetros».
* Domingo Díaz Delgado nació en 1936 en Florencia, Camagüey. Es profesor titular de neurocirugía y vicedirector de Docencia e Investigaciones del CIMEQ.
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Nota de L.G.
(1) Saará: presumo que seja Sara-Saruol (carta de Mambonco): vd posts de:
29 de Junho de 2006 >
Guiné 63/74 - P924: SPM 3778 ou estórias de Missirá (4): cão vadio disfarçado de tigre (Beja Santos)
(...) "Soube da Tigre Vadio (1) em finais de Fevereiro de 1970, quando o Major de operações de Bambadinca me convidou para um passeio numa Dornier sobre os céus do Cuor. Foi uma viagem que permitiu medir o crescimento militar e populacional de Madina/Belel e a sua ligação a Sara/Sarauol, uma enorme base do PAIGC com um hospital de campanha" (...).
27 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P918: Operação Tigre Vadio (Março de 1970): uma dramática incursão a Madina/Belel (CAÇ 12, Pel Caç Nat 52 e outras forças)
(...) "A missão confiada às NT era bater a área de Madina/Belel, no regulado do Cuor, a fim de aniquilar as posições IN referenciadas do antecedente e eventualmente capturar a população que nela vivesse.
"As informações de que se dispunha era que devia existir 1 bigrupo nesta região, pertencente à base do Enxalé e dispondo de 2 Morteiros 60, 1 Metralhadora Pesada Coryonov, além de armas ligeiras (Metr Degtyarev, Esp Kalashnikov, Pist Metr PPSH, etc). Admitia-se também que este bigrupo estivesse reforçado com 1 grupo de Mort 82, pertencente ao Grupo de Artilharia de Sara-Sarauol [a noroeste de Madina/Belel, vd. carta de Mambonco]" (...)
(2) Bi-grupo (habitualmente constituído por 50/60 homenos): vd. post de de Juklho de 2006 >
Guiné 63/74 - P939: A organização militar do PAIGC (Leopoldo Amado)
(...) "Essas adaptações atingiram também os bigrupos (unidade de combate originalmente constituído por 21 combatentes), mas que a dada altura atingiam as 46 pessoas, entre elementos da infantaria, minas e armadilhas, reconhecimento e artilharia (2).
"A partir de 1968 – altura crítica para o Exército do PAIGC –, Amílcar Cabral introduziu o conceito de bigrupo reforçado que normalmente atingia os 150 homens, os quais eram balanceados entre o Norte e o Sul e ainda o Leste, seja em função da necessidade de concentração de efectivos para operações de grande envergadura, seja porque o PAIGC sempre se debateu, ao longo de toda a guerra, com enormes problemas de recrutamento regular de efectivos para o seu Exército" (...).
Guiné 63/74 - P950: Antologia (46): Domingo Diaz Delgado, médico cubano na guerrilha do PAIGC, 1966/67 ()
Luis Graça:
Anexo um artigo sobre Domingo Diaz Delgado, medico cubano, participante na Luta Armada de Libertação contra o Colonialismo Português, desde 1966, na Guiné-Bissau.
Trata-se de um resumo, feita pela Agência de Bissau, de um artigo publicado no jornal cubano digital Juventud Rebelde, de 8 de Junho de 2006 (1)
Jorge Santos
MÉDICOS CUBANOS DURANTE A LUTA CONTRA O COLONIALISMO PORTUGUÉS
por Amadila Balde
Agência Bissau (19 de Junho de 2006)
Domingo Díaz Delgado nasceu em 1936 na província cubana de Camagüey, foi um dos primeiros médicos cubanos a chegar a Guiné em 1966, então recém licenciado em medicina cirúrgica. Hoje, 40 anos depois, Domingos Díaz conta a sua “impressionante” história para o diário cubano "Juventud Rebelde” a que a Agência Bissau teve acesso. E que faz parte de um dos capítulos do livro “Histórias secretas de médicos cubanos” do Jornalista Hedelberto Lopes Blanch, apresentado recentemente na feira de livros de Havana (Cuba).
E são trechos da vida deste médico cirurgião, importante figura na história da Guiné-Bissau, que agora damos a conhecer aos nossos leitores. Com base na obra acima referida.
Em 1966, três anos após o início da Luta de Libertação Nacional, o médico Domingos Díaz Delgado consegue integrar-se no primeiro contingente formado por instrutores, artilheiros, canhoneiros e médicos cubanos que participaram na Luta Armada de Libertação contra o colonialismo português na Guiné-Bissau. O contingente chegara ao porto de Conacri, após 20 dias de viagem, desde a capital cubana a bordo de um navio danificado, numa difícil trajectória. À chegada foram recebidos pelo Fundador do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Amílcar Cabral. Com quem Domingos Diaz Delgado manifesta ter aprendido muitas coisas e considera um companheiro notável.
Depois da chegada do contingente cubano em Conacri, alguns companheiros foram enviados para o sul e leste do país e Domingos Díaz Delgado é nomeado como cirurgião para o norte. Cujo percurso terrestre desde Conacri era perigoso, por ser difícil de realizar sem que se fosse descoberto pelos inimigos. O PAIGC atribui-lhe um cartão que o identifica como militante do partido com um nome fictício de nacionalidade cabo-verdiana. Com esse cartão o cirurgião em companhia de dois guineenses empreendem voo até Dacar (Senegal) onde foram recebidos pela secretária de Amílcar Cabral, Lilica Cabral.
Desde Dacar, o médico é conduzido pelo antigo presidente da República da Guiné-Bissau, Luís Cabral, numa viatura para Ziguinchor, cidade situada na região senegalesa de Casamansa, a 400 quilómetros de Dacar, onde viria a permanecer durante cerca de três dias. O médico foi o primeiro cubano a chegar à zona, aonde conversa com o chefe militar mais importante da Frente Norte, o comandante Osvaldo Vieira.
Domingos Diaz Delgado explica os obstáculos que enfrentou durante as caminhadas que fez de uma base a outra sem água potável, alimentando-se daquilo que encontrava pelo caminho. “Nessa região o tempo não se calcula com relógio, mas sim por distância, quer dizer meio-dia de caminho, dois dias de caminho, o que se pode demorar em chegar de uma localidade a outra”. Relatando ainda que comia-se alimento uma vez por dia, durante dois dias de caminho. O cirurgião recorda a sua chegada à base de Morés (norte) aonde havia passado poucas semanas depois dos bombarde[amentos] lançados pelas tropas portuguesas.
Dois dias depois, continuaram até chegarem à base de Saará [Sara-Sarauol] quase no centro do país, aonde já estavam outros médicos cubanos que tinham chegado por avião: um ortopédico, Teudi Ojeda e um clínico Pedro Labarrere. A poucos quilómetros da capital Bissau onde já estavam a organizar um ataque no sentido de chamar atenção às autoridades, acção que era conduzida pelo chefe da segurança territorial do Norte, Irene [ou Irineu ?] de Nascimento.
Domingos Diaz Delgado disse que, apesar da escassez de medicamentos e materiais cirúrgicos, o pouco que havia, era suficiente para resolver problemas para aquela ocasião, ainda por questão de segurança, era necessário constantemente mudar de um lugar a outro. O cirurgião permaneceu seis meses na base de Saará, e depois integrou um grupo de 72 homens, equipados com certos armamentos para realizar ataques em várias zonas da região dirigidos pelo comandante Julião. Naquela ocasião começou a movimentar-se com o grupo participando em várias incursões.
O primeiro combate em que o médico cubano participou foi em São Domingos numa guerra de guerrilha onde os combatentes destruíam os quartéis e retiravam-se. Também participou num dos ataques realizados ao quartel de Guileje, no sul do país, que considera mais efectivo, do qual saíram três feridos do seu grupo, dos quais tratou um rapidamente no local e continuou com os outros até a base.
Mais tarde em Fevereiro ou Março de 1967, Domingos Diaz Delgado teve que retirar-se da zona de combate para Conacri alegadamente por doença, para se submeter a tratamento médico, regressa já restabelecido clinicamente, na altura o chefe da missão militar cubana, era o comandante Victor Dreke. Desta vez foi nomeado para a frente Leste concretamente em Madina de Boé, onde mais tarde viria a terminar a sua missão na Guiné.
O Dr. Domingos Diaz Delgado disse que a história não terminou aqui. “Há muita coisa a contar. Fiquei com o hábito, e actualmente faço cinco quilómetros de caminhada todos os dias em Havana”. Actualmente é professor titular de neurocirurgia e vice-director de docência de investigações do Centro de Investigação Médico-Cirúrgico (CIMEQ).
____________
Nota de L.G.
(1) Vd. artigo original, mais completo, em espanhol, no post seguinte.
Anexo um artigo sobre Domingo Diaz Delgado, medico cubano, participante na Luta Armada de Libertação contra o Colonialismo Português, desde 1966, na Guiné-Bissau.
Trata-se de um resumo, feita pela Agência de Bissau, de um artigo publicado no jornal cubano digital Juventud Rebelde, de 8 de Junho de 2006 (1)
Jorge Santos
MÉDICOS CUBANOS DURANTE A LUTA CONTRA O COLONIALISMO PORTUGUÉS
por Amadila Balde
Agência Bissau (19 de Junho de 2006)
Domingo Díaz Delgado nasceu em 1936 na província cubana de Camagüey, foi um dos primeiros médicos cubanos a chegar a Guiné em 1966, então recém licenciado em medicina cirúrgica. Hoje, 40 anos depois, Domingos Díaz conta a sua “impressionante” história para o diário cubano "Juventud Rebelde” a que a Agência Bissau teve acesso. E que faz parte de um dos capítulos do livro “Histórias secretas de médicos cubanos” do Jornalista Hedelberto Lopes Blanch, apresentado recentemente na feira de livros de Havana (Cuba).
E são trechos da vida deste médico cirurgião, importante figura na história da Guiné-Bissau, que agora damos a conhecer aos nossos leitores. Com base na obra acima referida.
Em 1966, três anos após o início da Luta de Libertação Nacional, o médico Domingos Díaz Delgado consegue integrar-se no primeiro contingente formado por instrutores, artilheiros, canhoneiros e médicos cubanos que participaram na Luta Armada de Libertação contra o colonialismo português na Guiné-Bissau. O contingente chegara ao porto de Conacri, após 20 dias de viagem, desde a capital cubana a bordo de um navio danificado, numa difícil trajectória. À chegada foram recebidos pelo Fundador do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Amílcar Cabral. Com quem Domingos Diaz Delgado manifesta ter aprendido muitas coisas e considera um companheiro notável.
Depois da chegada do contingente cubano em Conacri, alguns companheiros foram enviados para o sul e leste do país e Domingos Díaz Delgado é nomeado como cirurgião para o norte. Cujo percurso terrestre desde Conacri era perigoso, por ser difícil de realizar sem que se fosse descoberto pelos inimigos. O PAIGC atribui-lhe um cartão que o identifica como militante do partido com um nome fictício de nacionalidade cabo-verdiana. Com esse cartão o cirurgião em companhia de dois guineenses empreendem voo até Dacar (Senegal) onde foram recebidos pela secretária de Amílcar Cabral, Lilica Cabral.
Desde Dacar, o médico é conduzido pelo antigo presidente da República da Guiné-Bissau, Luís Cabral, numa viatura para Ziguinchor, cidade situada na região senegalesa de Casamansa, a 400 quilómetros de Dacar, onde viria a permanecer durante cerca de três dias. O médico foi o primeiro cubano a chegar à zona, aonde conversa com o chefe militar mais importante da Frente Norte, o comandante Osvaldo Vieira.
Domingos Diaz Delgado explica os obstáculos que enfrentou durante as caminhadas que fez de uma base a outra sem água potável, alimentando-se daquilo que encontrava pelo caminho. “Nessa região o tempo não se calcula com relógio, mas sim por distância, quer dizer meio-dia de caminho, dois dias de caminho, o que se pode demorar em chegar de uma localidade a outra”. Relatando ainda que comia-se alimento uma vez por dia, durante dois dias de caminho. O cirurgião recorda a sua chegada à base de Morés (norte) aonde havia passado poucas semanas depois dos bombarde[amentos] lançados pelas tropas portuguesas.
Dois dias depois, continuaram até chegarem à base de Saará [Sara-Sarauol] quase no centro do país, aonde já estavam outros médicos cubanos que tinham chegado por avião: um ortopédico, Teudi Ojeda e um clínico Pedro Labarrere. A poucos quilómetros da capital Bissau onde já estavam a organizar um ataque no sentido de chamar atenção às autoridades, acção que era conduzida pelo chefe da segurança territorial do Norte, Irene [ou Irineu ?] de Nascimento.
Domingos Diaz Delgado disse que, apesar da escassez de medicamentos e materiais cirúrgicos, o pouco que havia, era suficiente para resolver problemas para aquela ocasião, ainda por questão de segurança, era necessário constantemente mudar de um lugar a outro. O cirurgião permaneceu seis meses na base de Saará, e depois integrou um grupo de 72 homens, equipados com certos armamentos para realizar ataques em várias zonas da região dirigidos pelo comandante Julião. Naquela ocasião começou a movimentar-se com o grupo participando em várias incursões.
O primeiro combate em que o médico cubano participou foi em São Domingos numa guerra de guerrilha onde os combatentes destruíam os quartéis e retiravam-se. Também participou num dos ataques realizados ao quartel de Guileje, no sul do país, que considera mais efectivo, do qual saíram três feridos do seu grupo, dos quais tratou um rapidamente no local e continuou com os outros até a base.
Mais tarde em Fevereiro ou Março de 1967, Domingos Diaz Delgado teve que retirar-se da zona de combate para Conacri alegadamente por doença, para se submeter a tratamento médico, regressa já restabelecido clinicamente, na altura o chefe da missão militar cubana, era o comandante Victor Dreke. Desta vez foi nomeado para a frente Leste concretamente em Madina de Boé, onde mais tarde viria a terminar a sua missão na Guiné.
O Dr. Domingos Diaz Delgado disse que a história não terminou aqui. “Há muita coisa a contar. Fiquei com o hábito, e actualmente faço cinco quilómetros de caminhada todos os dias em Havana”. Actualmente é professor titular de neurocirurgia e vice-director de docência de investigações do Centro de Investigação Médico-Cirúrgico (CIMEQ).
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Nota de L.G.
(1) Vd. artigo original, mais completo, em espanhol, no post seguinte.
segunda-feira, 10 de julho de 2006
Guiné 63/74 - P949: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (14): regresso às tabancas em autodefesa
Texto e fotos: © Paulo Raposo (2006)
XIV parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).
Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. 40-41 (1).
Regressamos à rotina
Vivíamos pois no meio da população e nunca tivemos qualquer tipo de problemas. Em que condições íamos para lá? Aos soldados era-Ihes dado um colchão pneumático Repimpa de cor verde-tropa, igual aos que se utilizam na praia. As formigas baga-baga tinham umas tenazes que chegavam a ferir. Resultado: no dia seguinte o colchão estava furado, o ar ia-se e os rapazes passavam a dormir no chão.
No que me diz respeito, levava a minha cama, colchão, mosquiteiro, frigorífico e cimento, que roubava ao Furriel Tavares, para pavimentar a Tabanca (2) aonde ia dormir.
No exterior desta colocava um tambor aberto para receber água, e, com duas esteiras, uma no chão e outra lateral, fazia uma casa de banho onde diariamnete, ao fim do dia, tomava o meu banho e fazia a barba.Junto à cozinha, fazíamos um forno para cozer pão. Tínhamos sempre pão fresco.
Sempre achei que pelo facto de viver nesta adversidade deveria manter uma postura limpa e civilizada. Mudava de roupa constantemente, que era lavada por uma mulher local, que dava cabo dela em pouco tempo. Tinham o hábito de lavar a roupa com pedras, pois sabão era coisa que conheciam pouco. Todo este serviço era gerido pelo meu impedido, o Figueiredo.
Vou contar alguns episódios que se passaram quando estive nas Tabancas a nível do meu grupo de combate (3). Os africanos tinham umas cadeiras de verga compridas, construídas por eles, para se estenderem à porta das Tabancas para fumarem o seu cachimbo. Com o incómodo do calor, era também estendido numa daquelas cadeiras que eu arranjava posição para ler.
Um dia estava eu numa dessas cadeiras, debaixo de uma árvore, à sombra, a ler, quando de repente vejo o que me parecia uma folha muito verde, a mexer-se com o vento.
Fixo melhor a vista, e então o que era? Uma serpente muito verde que não tinha mais de um palmo. Vinha na minha direcção ou na direcção da árvore. Dou um salto. O cozinheiro, que passava ali por perto, assistiu à cena, vai buscar a G3 e, com um único tiro, corta a cobra que já estava em cima da árvore, em dois.
Com este alvoroço, aparecem uns africanos, que logo explicam:
- É a serpente mais venenosa que há! - Quando os africanos sobem aos coqueiros e vêem lá uma atiram-se ao chão pois preferem partir uma perna do que serem picados por ela.
Nunca vi ninguém com mais pontaria do que aquele rapaz que fazia de cozinheiro.
Na cozinha tínhamos, além do cozinheiro, o adjunto que ia rodando. Um dia calhou a vez a um rapaz a quem chamávamos de picapau. Já estava bem apanhado pelo clima. Quando havia galinha ou frango para comer, o nosso picapau primeiro depenava o bicho e só depois é que lhe cortava o pescoço.
Como as nossas ementas não variavam muito, resolvi uma vez, por minha iniciativa, comprar uma vaca. Além de ser uma distracção, era uma oportunidade de comermos uns bons e belos bifes.
Os soldados, que muito gostaram deste programa, lá mataram e cortaram o animal. Comemos umas belas refeições e ainda sobrou muita carne que foi guardada cuidadosamente no meu célebre frigorífico de campanha.
Neste entretanto passa pela nossa Tabanca uma companhia de pára-quedistas, que vinha com dois grupos de combate. A solidariedade em Africa é ou era uma coisa que só vista. Fizemos pão e demos de comer a toda aquela gente, quando no fundo nós éramos bem menos do que eles.
Verdade se diga que o Capitão daquela companhia me recebeu na base dos Páras, em Bissau, como um VIP. Tinha o sentido da gratidão.
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Notas de L.G.
(1) Vd último post > 6 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P941: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (13): Operação ao Fiofioli
(2) Tabanca é sinónimo de povoação, composta por um conjunto de moranças (habitações familiares, de forma redonda ou rectangular) que, por sua vez, podiam era constituídas por mais do que uma casa ou palhota. A generalidade dos militares portugueses também usava o termo para designar uma morança ou, melhor, uma palhota. As casas melhores, com mais do que uma divisão, de forma rectangular, eram de tijolo de adobe, rachas de cibe e cobertura de colmo (ou até zinco, fornecido pela tropa). O Paulo Raposo refere-se aqui a tabanca como sinónimo de aglomerado habitacional ou casa.
(3) Vd. outros posts, da minha autoria, relacionados com tabancas em autodefesa:
30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXI: Sare Ganá, a última tabanca de Joladu
Excertos do diário de um tuga (3). Texto de L.G.:
15 de Agosto de 1969:
1. Sare Ganá. A última das tabancas do regulado de Joladu, no sub-sector de Geba. Estive aqui destacado duas semanas, em reforço ao sistema de autodefesa. O que não é irónico, porque a população é fula.
Armadilhada entre as duas fiadas de arame farpado e guarnecida por um pelotão de milícia e grupos civis de autodefesa, Sare Ganá é uma espécie de aldeia estratégica. Aqui termina a nossa soberania territorial, a norte do Rio Geba e começa a zona de intervenção do Com-Chefe que inclui, entre outras, as regiões de Mansomine, Caresse e Oio.
É aqui que vive o régulo, uma solitária figura de aristocrata fula. Todos os seus súbditos, mandingas, balantas e manjacos, que viviam em Joladu, 'foram no mato' (leia-se: aderiram à guerrilha ou fugiram das NT). Hoje o seu regulado está circunscrito ao perímetro de Sare Gana e a mais duas ou três tabancas (Sare Banda, Sinchã Satu...).
Quase todos os dias ouvíamos os Fiats bombardearem Sinchã Jobel, uma base de guerrilheiros a 10 km a norte, e que é inacessível no tempo das chuvas devido às bolanhas e lalas que a rodeiam. Até Farim é tudo terra para queimar. Nenhuma tropa apeada, ao que parece, se atreve a penetrar neste santuário do IN. Fala-se aqui da 'mata do Óio' como um misto de temor e de terror, domínio do sagrado e da morte (...)
30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXII: As aldeias fulas em autodefesa
17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLII: Fátima, a furtiva gazela
domingo, 9 de julho de 2006
Guiné 63/74 - P948: Memórias de Mansabá (3): A angústia do minas e armadilhas (Carlos Vinhal)
Guiné > Região do Oio > Bironque > Uma mina anticarro, detectada a tempo... e pronta para ser levantada.
Região do Oio > Bironque > Levantamento da mina... Foto tirada à distância regulamentar...
Guiné > Região do Oio > Bironque > O Carlos Vinhal e o Sousa à sua esquerda... Nos dias que correm - de Campeonato do Mundo de Futebol - muito se tem falado da angústia do guarda-redes na hora do penalti... Ora, raramente se tem falado aqui da angústia dos nossos camaradas, Furriéis Milicianos de Minas e Armadilhas, quando se tratava de levantar um engenho explosivo montado pela guerrilha... (LG)
Durante uma grande parte da comissão fui encarregue da gerência dos bares do aquartelamento. Por inerência do cargo ia quase todos os meses com o meu camarada Costa, Fur Mil Alimentação, a Bissau para acompanharmos no regresso os reabastecimentos da Cantina e Bares.
As colunas de reabastecimento eram compostas por um número elevado de viaturas de carga civis e militares, carregadas com víveres destinados a Mansoa, Mansabá, K3 e Farim. As viaturas militares de mercadorias eram pertença da Companhia de Transportes Militares e eram comandadas normalmente por um Furriel Miliciano que coordenava também as viaturas civis, alugadas para reforço. A protecção da coluna era assegurada entre Bissau e Mansoa pelas forças de Mansoa. A minha Companhia, por sua vez, esperava ali a coluna de onde fazia protecção até Mansabá e daqui ao K3. As viaturas de carga destinadas a cada aquartelamento iam ficando sucessivamente a descarregar, sendo apanhadas, mais tarde, no regresso da coluna para Bissau.
No dia 3 de Dezembro de 1971, num desses reabastecimentos, chegou, ainda em Bissau, uma informação de que teria sido montada, pelo IN, uma mina anticarro no trajecto entre Mansoa e o K3. Deram-me conhecimento do facto por eu ser o único graduado com o curso Minas e Armadilhas na coluna. Dirigi-me ao comandante das viaturas de reabastecimento, por sinal um Furriel Miliciano recentemente chegado à Guiné, para o avisar de que os condutores das viaturas de carga deveriam conduzir com cuidado, porque a todo o momento poderiam surgir complicações. Julgando que eu estava a amedrontá-lo por ele ser periquito, não me levou muito a sério.
Percorridos cerca de sessenta quilómetros, chegamos a Mansoa sem problemas onde os camaradas da minha Companhia nos esperavam para continuar a escolta até Mansabá. Pela frente ainda tínhamos cerca de quarenta difíceis quilómetros, porque iríamos atravessar uma zona de passagem do IN para o Morés. Neste percurso circulávamos sempre com cuidados redobrados.
Assim se fez e chegámos a Mansabá sem sobressaltos, faltando agora cerca de quinze quilómetros até ao K3. Para chegar a Farim era só atravessar o rio na jangada.
Como eu ia ficar e a coluna continuar, dirigi-me ao furriel da Companhia de Transportes para lhe desejar a continuação de boa viagem, bom regresso a Bissau e uma boa estadia na Guiné. Aproveitou ele para dizer que eu tinha brincado, porque nada tinha acontecido.
A coluna continuou e eu pensava já num bom banho e roupa lavada.
Passado algum tempo, estava eu no quarto quando fui chamado ao Comandante. Afinal sempre tinha aparecido uma mina anticarro. Exactamente no Bironque, num buraco existente na estrada, feito pelo rebentamento de uma outra mina em 16 de Julho de 1971 (1), a qual tinha danificado irremediavelmente a nossa GMC, causando ainda seis feridos, um dos quais com gravidade. O Comandante deu-me ordem para avançar para o local a fim de neutralizar o engenho. Fui chamar o meu camarada Sousa para que ele me acompanhasse na missão e lá seguimos numa reduzida e improvisada coluna até ao local.
A detecção da mina deveu-se à informação recolhida em Bissau e ao bom hábito de picar a zona da cratera sempre que ali passávamos.
A coluna tinha interrompido a sua marcha e o furriel da Companhia de Transportes veio logo ter comigo, pediu-me desculpa por não ter acreditado em mim e desejou-me felicidades para a operação de neutralização da mina.
Analisada a situação, afastámos toda a gente para uma distância de segurança e metemos mãos à obra. Por sorte a mina, uma TM42, que possui uma asa própria para transporte, tinha-a acessível sem necessidade de lhe mexer muito. Foi só afastar um pouco de terra com cuidado não fosse estar armadilhada. Atámos-lhe uma corda estendendo esta de modo a, por de trás de uma árvore, puxar a mina até ela se soltar. À conta de alguma força, lá a conseguimos soltar. Para a tornar inofensiva, removi-lhe a espoleta e ei-la em condições de ser tocada e fotografada para a posteridade.
O pessoal reapareceu todo, recebemos as felicitações da ordem e voltou tudo à normalidade.
A coluna continuou o seu caminho até ao K3 e nós voltámos ao aquartelamento para finalmente eu tomar o meu banho e vestir roupa lavada. A rotina no aquartelamento esperava-me (2).
Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732,
Mansabá (1970/72)
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Notas de L.G.
(1) Vd. post de 21 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P890: Uma mina no Bironque (Carlos Vinhal)
(2) Outros posts, inseridos no nosso blogue, relacionados com minas e armadilhas:
26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P911: Uma mina para o 'tigre de Missirá'
24 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P904: SPM 3778 ou estórias de Missirá (3): carta a Alcino Barbosa, com muita intranquilidade (Beja Santos)
21 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P889: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (11): Férias em Portugal
(...) "Terminado o serviço, regressámos e Nossa Senhora nos valeu novamente. Saímos do aquartelamento de madrugada e passados uns 200 metros, ao começarmos a descer um relevo da estrada, no cimo da subida à nossa frente, dá-se um grande rebentamento e surge um grande tiroteio.
"Eu ia logo à frente, atrás dos picadores (picadores eram os rapazes que iam à frente com umas varas, com um ferro na ponta para picar o chão à procura de minas), e deito-me imediatamente para o chão. A árvore atrás de mim fica toda picada com tiros do inimigo. De repente noto que algo se passa de estranho, que havia outro tiroteio cruzado.
"Então o que se passara? Vinha na estrada, em sentido inverso ao nosso, uma secção de milícias nativas. O inimigo tinha na estrada uma mina comandada e montara uma emboscada. Como eles chegaram primeiro à mina foram eles a apanhar com a metralha.
"Resultado: 3 mortos e três feridos graves evacuados de heli Se tivéssemos sido nós a lá chegar primeiro, tinha apanhado eu e os picadores com aquela mina. Durante toda a tarde andei com o caixão daqueles rapazes noUnimog para os entregar às famílias. Ao fim do dia, por causa do calor, o sangue ainda não tinha coagulado" (...).
30 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXII: As minas do nosso descontentamento
26 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLIII: Uma mina na estrada de São Domingos para Susana (Manuela Gonçalves)
(...) "Foi naquela mesmo estrada - de São Domingos para Susana - numa operação de reconhecimento da via, que o Unimog em que o maridão seguia, pisou uma mina anti-carro. No Unimog, uma outra mina anti-carro, levantada cerca de 300 metros antes, era transportada atrás e, por mero acaso, não rebentou, o que teria sido catastrófico para todo o pelotão!
"A mina tinha sido accionada pelo pneu do lado direito, pelo que o maridão foi atirado para fora, em estado crítico, não tendo o condutor sofrido senão pequenos ferimentos, apesar da força do embate!
"Um helicópetro transportou-o para Bissau, tendo acordado uns dias mais tarde numa cama no Hospital Militar, sem uma perna e tendo por companheiro de quarto o capitão Peralta, cubano, cuja captura tão noticiada era nos media de então" (...).
20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXVII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (15): um dia negro para a 15ª Companhia de Comandos (Setembro de 1969)
(...) "Na estrada de Fulacunda, mais 8 Comandos e 3 soldados ficaram sem vida. Houve ainda sete feridos graves, entre os quais o meu amigo Zé João, enfermeiro comando. Uma mina anti-carro de grande potência atirou com a viatura cheia de militares, que estiveram comigo em Buba (15ª Companhia de Comandos) contra um tronco de árvore que se debruçava sobre a estrada, matando uma série deles instantaneamente. No buraco feito pela bomba pode-se esconder uma viatura, tal era a sua potência" (...).
11 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXX: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (14): De que lado estaria Deus ? (Agosto de 1969)
(...) "As colunas de abastecimento a Aldeia Formosa e povoações limítrofes continuam a dar que falar. Ontem, seguiu mais uma e ao chegar ao Pontão de Uane, uma mina anticarro rebentou debaixo da 14ª viatura, projectando os seus ocupantes a grande altura, pois a viatura seguia sem carga. Três mortes instantâneas, todas de africanos e nove feridos graves, entre os quais dois colegas meus. Foi este o resultado" (...).
26 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXV: Estórias do Xitole ao Saltinho: duas pontes, um fornilho e uma trovoada tropical (David Guimarães)
24 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXVI: Um mês a feijão frade... e desenfiado (Mondajane, Dulombi, Galomaro, 1969) (Carlos Marques Santos)
(...) "No cruzamento para Dulombi rebenta uma mina na GMC que segue à minha frente (nós íamos apeados, fazendo a segurança à coluna que integrava uma nova Companhia em treino operacional e que era de madeiraenses) a cerca de 15/20 metros, destruindo a sua frente. Resultado: um morto (desintegrado) e um ferido (condutor) que faleceu ainda nesse dia.
"Impossibilitados de prosseguir fomos para Dulombi com os reabastecimentos. Aí fomos informados que deveríamos seguir a pé para Mondajane, que atingimos e onde nos instalámos" (...).
22 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXI: Quando até os picadores tinham medo (Mansambo, 1968)
... Às 14.00h a coluna iniciou a retirada, tendo a cerca de 2 Kms da Ponte dos Fulas (XIME 7C-2) sido emboscada do lado Oeste por grupo IN estimado em 40/50 elementos. Esta emboscada foi iniciada pelo accionamemto de uma mina A/C comandada e simultaneamente pelo lançamento de granadas de Mort e LGFog, tendo dois destes últimos atingido duas viaturas GMC, uma das quais ficando imobilizada.
A emboscada foi feita no princípio do regresso da coluna tendo a ela ficado sujeitos o Pel Caç Nat 53 e 2 Gr Comb da CART 2339, durante cerca da 30 minutos, tendo as NT reagido pelo fogo e manobra.
Tratados os feridos, apagado um foco de incêndio manifestado numa das viaturas atingidas, atrelada a que ficara imobilizada, [foi depois] procurado na ausência do PCV contacto com qualquer um dos postos fixos de Bambadinca, Mansambo e Xitole, [tendo-se] conseguido a ligação com este último, por onde foi feito o pedido de apoio de fogo da aviação de Bambadinca – Agrupamento.
"Iniciada a marcha com todo o pessoal apeado, pouco tempo depois nova emboscada IN do mesmo lado da estrada e com os mesmos efectivos e armamento (Mort 60, Met Lig e Armas Aut)(...)
19 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLIX: Cancioneiro de Mansoa (6): O pesadelo das minas
(...) "Na Guerra do Ultramar, em África,
De todos os temores, o mais terrível
Era a mina dissimulada no chão,
Traiçoeira... funesta... invisível" (...)
2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIX: E de súbito uma explosão (Luís Graça)
(...) "E de súbito uma explosão. O sol dos trópicos desintegra-se. O céu torna-se bronze incandescente. O mamute de três toneladas dá um urro de morte ao ser projectado sob a lava do vulcão. E depois, silêncio... Era uma hora e meia da tarde quando o meu relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca" (...).
23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (Luís Graça)
(...) "Às 11.25h, na estrada de Nhabijões-Bambadinca, uma viatura tipo Unimog 411, conduzida pelo Sold Soares (CCAÇ 12) que ia buscar [a Bambadinca] a 2ª refeição para o pessoal daquele destacamento, accionou uma mina A/C.
"0 condutor teve morte instantânea. Ficaram gravemente feridos 1 Oficial (CCS / BART 2917)[Alf. Mil. Moreira] (a), 1 Sargento (Fur Mil Fernandes/CCAÇ 12) e 1 Praça (CCS / BART 2917)(...).
(...) "Regressado ao local das viaturas, o Gr Comb pelas 13.30h recebeu ordens para recolher, tendo o pessoal tomado lugar no Unimog e na GMC em que tinha vindo. Esta última [onde vinham as secções, comandadas pelos Fur. Mil. Marques e Henriques] (d) , entretanto, ao fazer inversão de marcha, e tendo saído fora da estrada com o rodado trazeiro, accionaria uma outra mina A/C colocada na berma, a 10 metros da anterior, e que não havia sido detectada pelos picadores.
"Em resultado de terem sido projectados, ficaram gravemente feridos o Fur Mil Marques e os Sold Quecuta, Sherifo, Tenen e Ussumane. Sofreram escoriações e traumatismos de menor grau o Alf. Mil. Rodrigues, o Sold TRMS Pereira e os Sold Cherno e Samba"(...).
11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXX: As heróicas GMC e os malucos dos seus condutores (CCAÇ 12, Septembro de 1969) (Luís Graça)
(...) "Porquê falar em sorte ? É que eu ia justamente à frente da viatura que accionou a mina, justamente do lado do pendura, com uma perna de fora… À turista, como quem vai num alegre e matinal safari algures num parque no Quénia… A pouco e pouco, o periquito ia ganhando confiança… Com três meses e meio de Guiné, e baptismo de fogo ainda muito recente (...) considerava-me já quase um veterano…
"Recordo-me da viatura: um Unimog 404… Apesar da relativa tranquilidade que nos davam a experiente equipa de 12 picadores que iam à nossa frente com dois grupos de combate apeados, eu tinha recomendado ao condutor do Unimog que seguisse milimetricamente o rodado da viatura da frente… Um desvio de um milímetro podia ser fatal para o artista… O Dalot, que ia a atrás de mim, levava um bicho que tinha dez rodas, dois rodados duplos atrás, várias toneladas de ferro, mais três de arroz… Daquela vez vez foi ele e a sua GMC que voaram… Eu fiquei para a próxima, já lá mais para o fim da comissão" (...).
10 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIX: Estórias do Xitole: 'Com minas e armadilhas, só te enganas um vez' (David Guimarães)
(...) "E lá foi naquele dia o Quaresma, sempre ele, que já tratava por tu essa maldita granada. E como gostava dela, o furriel miliciano Quaresma!
"Mais um dia, e novamente o armadilhamento da entrada. Dessa vez ele até foi contrariado, estava a preparar uma galinha para churrasco, lerpou, não comeu…
"O quadro é simples: ouve-se um rebentamento, só um. O Quaresma é decapitado, o Leones fica cego e sem dedos… Ficámos todos em estado de choque:
-Não podia ser!!! - Mas foi: um parte para a eternidade, o outro é evacuado... O Quaresma desta vez tinha falhado, nunca mais armadilharia na vida" (...)
23 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXV: Minas e armadilhas (David J. Guimarães)
20 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho (Luís Graça)
sábado, 8 de julho de 2006
Guiné 63/74 - P947: Antologia (45): o abandono de Portugal por parte dos EUA (Luís Graça)
Notíca do Expresso - África, de 7 de Junho de 2006:
Documentos oficiais foram tornados públicos: EUA concluem que Portugal não esteve envolvido na morte de Amílcar Cabral
Menos de um mês após o assassínio do dirigente histórico do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Amílcar Cabral, os Estados Unidos concluíram que Portugal não esteve directamente envolvido na sua morte. A conclusão foi revelada através de documentos oficiais tornados públicos esta semana em Washington.
Menos de um mês após o assassínio do dirigente histórico do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Amílcar Cabral, os Estados Unidos concluíram que Portugal não esteve directamente envolvido na sua morte. A conclusão foi revelada através de documentos oficiais tornados públicos esta semana em Washington.
De acordo com a agência Lusa, os documentos incluem telegramas, minutas de reuniões ao mais alto nível do governo norte-americano e ainda propostas sobre a política a seguir por Washington face à deterioração da situação militar na Guiné-Bissau e Moçambique.
Amílcar Cabral foi assassinado a 20 de Janeiro de 1973 em Conackry e a 1 de Fevereiro aqueles serviços do Departamento de Estado emitiram um relatório onde referiam: «a maior parte dos sinais indicam (que o assassínio de Cabral) foi resultado de um feudo entre mulatos das ilhas de Cabo Verde e africanos do continente», acrescentando contudo «haver sinais de envolvimento português».
Os documentos revelam ainda que a diplomacia norte-americana se encontrava a par de planos do PAIGC de declarar a independência da Guiné-Bissau nas zonas libertadas do território (o que veio a acontecer em Setembro de 1973) e ainda que, face à deterioração da situação militar, Portugal esteve envolvido em contactos com representantes do movimento de libertação nesse ano. Um estudo dos Serviços de Informações e Investigação do Departamento de Estado datado de 5 de Outubro de 1973 diz que o PAIGC controlava na altura «aproximadamente um terço do território» e avisa que o PAIGC irá pedir a adesão do país à ONU «ainda este ano ou no próximo».
Em Dezembro de 1973, o então secretário de Estado, Henry Kissinger, presidiu a uma reunião em que a situação na Guiné foi discutida e em que Kissinger e outros destacados funcionários manifestaram a sua irritação face à inflexibilidade de Portugal na questão colonial. No encontro o então sub-secretário de Estado para questões políticas, William Porter, queixa-se amargamente que «o problema é que eles (os portugueses) não nos dão nada com que possamos trabalhar. Não nos dão nada para que os possamos defender. Não nos dão uma única coisa. Falam muito», disse Porter. Kissinger afirma a certa altura que «não há solução excepto tirar-lhes (os territórios)».
Cinco meses depois o golpe de Estado de 25 de Abril de 1974 evitou que Washington tivesse que tomar uma «decisão política» quanto às colónias portuguesas (1).
____________
Nota de L.G.
(1) A verdade é que Portugal, sob o regime político de Salazar/Caetano, estava completamente isolado no plano diplomático, sendo a longa guerra do ultramar (como alguns dos nossos camaradas ainda hoje gostam de dizer, em vez de guerra colonial) insustentável, sobretudo depois de 1973: assassinato de Amílcar Cabral, um dos mais prestigiados líderes revolucionários da época, proclamação0 unilateral da independência da Guiné e Cabo Verde em Madina do Boé; cheque-mate à nossa Força Aérea com os foguetões Strella, de origem soviética; abandono de Portugal por parte dos nossos velhos aliados; crise petrolífera e económica...
A fórmula do orgulhosamente sós tinha-se tornado suicidária... Foi pena que a nossa elite dirigente da época tenha perdido a oportunidade histórica de encontrar um solução política para o impasse da maior guerra colonial, em três frentes, do Séc. XX... Foi pena, por todos nós: portugueses, caboverdianos, guineenses, angolanos, moçambicanos... Hoje os nossos países seriam bem diferentes, para mellhor...
Guiné 63/74 - P946: Destacado no Gabu, em Cansissé, de Julho de 1973 a Setembro de 1974 (Américo Marques)
1. Mensagem do A. Santos (ex-soldado de transmissões, Pel Mort 4574/72, Nova Lamego, 1972/74), para o Américo Marques:
Boa tarde:
Estou a transmitir para o teu posto, depois de o Luís Graça e o Sousa de Castro me falarem de ti. Por eles sei que estiveste em Cansissé mas dizem que estiveste lá em 72/74. Gostaria de saber se possível mais pormenores, pois, pelo que sei, Cansissé só tinha um grupo de combate e pertencia à CCAV 3405/BCAV 3854 de Nova Lamego (1971/73)... Aqui está qualquer coisa que não se encaixa.
Por meu lado, tirei a especialidade em Campolide - Lisboa, no BCAÇ 5, de 2 de Janeiro a 10 de Março de 1972 e marchei para Bissau em 15 de Julho de 1972.
Fico aguardar as tuas noticias um grande alfa bravo [abraço]
2. Resposta do Américo Marques, ex-soldado de transmissões da 3ª CART do BART 6523, com sede em Nova Lamego (Gabu), destacado em Cansissé (Julho de 1973 / Setembro de 1974):
A. Santos:
Não bate certo e com razão! Eu fui formando de transmissões no primeiro trimestre de 1973 no BC5, em Campolide. E embarquei para a Guiné no verão desse ano. Ou já se esqueceram dos meus dados? No texto último (A Estibordo do Niassa) estão referências a datas (1).
Américo
___________
Nota de L.G.
(1) Vd. posts referentes ao Américo Marques e a Cansissé:
23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P901: De Viana do Castelo a Cansissé (Américo Marques)
21 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P891: Recordando o Xime do Sousa de Castro (A.Santos)
12 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVI: Américo Marques, o último soldado do Império (Cansissé, 1974)
Boa tarde:
Estou a transmitir para o teu posto, depois de o Luís Graça e o Sousa de Castro me falarem de ti. Por eles sei que estiveste em Cansissé mas dizem que estiveste lá em 72/74. Gostaria de saber se possível mais pormenores, pois, pelo que sei, Cansissé só tinha um grupo de combate e pertencia à CCAV 3405/BCAV 3854 de Nova Lamego (1971/73)... Aqui está qualquer coisa que não se encaixa.
Por meu lado, tirei a especialidade em Campolide - Lisboa, no BCAÇ 5, de 2 de Janeiro a 10 de Março de 1972 e marchei para Bissau em 15 de Julho de 1972.
Fico aguardar as tuas noticias um grande alfa bravo [abraço]
2. Resposta do Américo Marques, ex-soldado de transmissões da 3ª CART do BART 6523, com sede em Nova Lamego (Gabu), destacado em Cansissé (Julho de 1973 / Setembro de 1974):
A. Santos:
Não bate certo e com razão! Eu fui formando de transmissões no primeiro trimestre de 1973 no BC5, em Campolide. E embarquei para a Guiné no verão desse ano. Ou já se esqueceram dos meus dados? No texto último (A Estibordo do Niassa) estão referências a datas (1).
Américo
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Nota de L.G.
(1) Vd. posts referentes ao Américo Marques e a Cansissé:
23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P901: De Viana do Castelo a Cansissé (Américo Marques)
21 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P891: Recordando o Xime do Sousa de Castro (A.Santos)
12 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVI: Américo Marques, o último soldado do Império (Cansissé, 1974)
Guiné 63/74 - P945: 'Gente feliz com lágrimas': o Zé da Ilha, o furriel Sousa, madeirense, da CCAÇ 12
Foto do arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
© Humberto Reis (2006).
Na foto, o José Luís Sousa é o segundo a contar da esquerda para a direita, ladeado pelo Humberto Reis, o António Carlão e o J.L. Vacas de Carvalho.
Foto: © Humberto Reis (2006).
Mensagem do José Luís Sousa, ex-furriel miliciano da CCAÇ 12, o nosso baladeiro, tocador de viola, o nosso camarada madeirense que era a doçura em pessoa...
Recordo-me de, no regresso a casa, em Março de 1971, o Uíge ter parado no Funchal o tempo suficiente para nós irmos, em grupo (em bando!), cantar e dançar o bailinho da Madeira na famosa Rua do Comboio, em casa do Sousa, a mesa farta, e à volta uma alegre e numerosa família madeirense, jovial, simpatiquíssima, alegre, de que guardei para sempre a melhor memória...
A família do Sousa, o nosso Zé da Ilha - era assim que o tratavamos, afectuosamente - , os seus numerosos manos e manas, ainda hoje os associo, a todos, por um qualquer automatismo da memória, ao filme Música no Coração... Foi um momento único e mágico na viagem do nosso regresso a Lisboa...
Vocês, amigos e camaradas da Guiné, não imaginam a alegria que foi, naquela casa, o regresso do mano Sousa, vivinho da costa, devolvido aos pais e irmãos, rodeado por todos os cacimbados dos seus camaradas, os furriéis e alferes da CCAÇ 12...
Voltei a encontrar o Sousa em 1994, em Fão, Esposende, e logo a seguir na sua terra natal... Fui depois várias vezes ao Funchal, por motivos profissionais, e nomeadamente nos últimos meses, mas confesso que não tive o mínimo de tempo para o procurar... Até pela simples razão de ter perdido o seu contacto telefónico... Vejo que o Sousa continua a trabalhar nos seguros... Mais assíduo e mais amigo tem sido o Humberto Reis que nunca deixa de porocurar o Zé Luís quando vai à Madeira...
Com a entrada do Zé Luís, são já cinco os camaradas da CCAÇ 12, da época de 1969/71, que fazem parte da nossa terúlia: eu próprio, o Humberto Reis, o Tony Levezinho, o Jaquim Fernandes e agora o Zé da Ilha...Há ainda o António Duarte, mas este camarada, que nos sucedeu na CCAÇ 12, é já de outra geração (1973/74)... Dois ou três anos de diferença, lá no cu de Judas, no inferno da Guiné, era mesmo uam diferença abissal...
Zé: para a próxima, não me escapas!... Mais tarde ou mais cedo, haveríamos de nos encontrar nesta caserna virtual, de gente tão generosa e boa como a tua família... Espero que esteja tudo bem contigo, a começar pelos teus pais, tão amorosos, e os teus joviais manos e manos, gente feliz com lágrimas de quem eu guardo a melhor das recordações...
Faz-me o favor de mandar as duas fotos da praxe que é para eu te pôr, todo bonitinho, na nossa fotogaleria... E, claro, a uma pequena estória onde falas de ti, de nós, da Guiné... Foi uma enorme alegria receber o teu mail, mesmo telegráfico, que aqui reproduzo para o resto da tertúlia:
Amigo. Lindo o teu trabalho. Qual GRITO DE GUERA dos momentos passados naquela Guiné. Continua. Acompanharei, a partir de hoje, tudo o que de novo for inserido neste Blogue. Um GRANDE abraço do José da Ilha. Madeira, 06-07-06 José Luis Sousa.
sexta-feira, 7 de julho de 2006
Guiné 63/74 - P944: Historiografia da presença portuguesa em África (2): Colaboradores, precisam-se (Nuno Rubim)
Guiné > A diversidade e a riqueza dos grupos étnicos que compunham o antigo território português da Guiné no início da década de 1950. Legenda (por colunas, de cima para baixo): 1ª coluna > Banhuns, Manjacos / Papéis do Norte, Mandingas, Mancanhas / Brames, Papéis, Balantas; 2ª coluna > Biafadas, Baiotes, Felupes, Nalus, Bijagós, Grupo Fula e assimilados, Diversos.
Na imagem mais pequena, mostra-se a situação aproximada dos Balantas, Biafadas e Mandingas no princípio do Séc XIX (manchas vermelha, amarela e azul, respectivamente), bem como os eixos das invasões fulas (setas), a apartir do noroeste e do norte (actual Senegal), do leste, do do sudeste e do sul (actual Guiné-Conacri). Compare-se as manchas (veremelha, amarela e azul) habitadas por Balantas, Biafadas e Mandingas, no início do Séc. XIX, com a situação que resultou do domínio dos fulas (mancha a verde, no mapa de maiores dimensões).
Infogravura: Adapt. de René Pélissier: © Nuno Rubim (2006)
Texto do Nuno Rubim, coronel de artilharia, reformado, que comandou em 1966, durante vários meses, a CCAÇ 726, aquartelada em Guileje; especialista em história militar.
Tenho estado a estudar, entre outras coisas, as operações militares portuguesas no Sul de Angola, 1871-1915, na sequência da leitura da obra de René Pélissier, História das Campanhas de Angola (que cobre o período 1845-1941), 2 volumes.
Foi com grande surpresa que constatei dois fenómenos:
- Que se trata da melhor obra sobre o assunto, quer publicada em Portugal, quer no estrangeiro, tanto em publicações oficiais como privadas, e... de longe !
- Que, ao contrário do que sucede com a documentação oficial da guerra de 1961-1974, de que a grande maioria desapareceu por manifesta incúria, o material que perdurou até aos nossos dias, quer no Arquivo Histórico-Militar, quer no Ultramarino, é muitíssimo completo e está longe de ter sido estudado na sua totalidade.
E isto acontece relativamente a todas as ex-colónias, Guiné, Angola, Moçambique, Índia, Macau e Timor.
Naturalmente que Pélissier (estou em contacto com ele ) não é um especialista em questões estritamente militares, daí eu ter avançado na minha pesquisa para assuntos tais como o dispositivo faseado (unidades), pessoal, equipamento e armamento, fortificação, alimentação, serviço de saúde, comunicações e outra questões, terminando pela análise da acção de comando e conduta e desenrolar das operações, com numerosos mapas, fotografias da época, quadros
e desenhos.
Só ainda não sei o que vou fazer de todo esse estudo, que ocupa já 13,2 GB no meu computador !
Ora eu espero vir a fazer o mesmo trabalho para a Guiné. Pélissier também publicou uma obra excelente, em 2 volumes, intitulada História da Guiné - Portugueses e Africanos na Senegâmbia (1841-1936) (1).
Será que algum dos camaradas estaria interessado em colaborar comigo na pesquisa da documentação e noutros possíveis domínios ?
Um abraço
Nuno Rubim
PS - Junto um mapa etnográfico da Guiné.
__________
Nota de L.G.
(1) Editado em Portugal, pela Editorial Estampa, em dois volumes. René Pélissier é um reputado especialista, francês, na história recente da colonização portuguesa, especialmente em África, a cuja investigação dedicou mais de 40 anos da sua vida.
Foto das capas: Editorial Estampa (2006) (com a devida vénia)
Comentário de L.G.: É fantástico como um militar de carreira, na reforma, que fez a sua carreira militar numa época conturbada e cheia de contradições (guerra colonial, 25 de Abril de 1974, 25 de Novembro de 1975, modernização e reestruturação das forças armadas portuguesas num contexto pós-colonial, europeu e global), um homem que conhece bem e ama profundamente a Guiné, se torna um especialista em história militar e arranja tempo, disposição, motivação, meios para se dedicar ao estudo, profundo, minucioso, sério, profissional, metodologicamente rigoroso, dum vasto leque de questões ligadas à organização e funcionamento do nosso exército nas campanhas de África, nos Séc. XIX e XX...
O Nuno Rubim é um exemplo para todos nós, é um tuga que merece as nossas palmas!!!
Guiné 63/74 - P943: Lápide do BCAÇ 2884, o batalhão do João Tunes no Pelundo (A. Marques Lopes)
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Pelundo > Abril de 2006 > Obelisco mandado erigir pelo BCAÇ 2884 cuja CCS esteve no Pelundo (1969/70). Ao lado, o jipe do Xico Allen. Foto acima: lápide com os seguintes dizeres "BCAÇ 2884 à Pop Pelundo. Dez. 70".
Fotos: © A. Marques Lopes (2006)
As duas fotos foram-nos enviadas, em 29 de Maio último, pelo A. Marques Lopes, juntamente com fotos de Có ou do que resta de Có (1), e a seguinte legenda: "Para lembrar... Eu e o Allen passámos por aqui, a caminho de Canchungo [Teixeira Pinto]. Para quem lá esteve se lembrar daquilo... como está"...
Ora quem esteve no Pelundo, nesta unidade, foi o nosso camarada João Tunes, como alferes miliciano de transmissões. Ele já aqui nos falou da porrada que apanhou do comandante, porrada essa de que se orgulha, já que ela veio na sequência da desobediência a uma ordem absurda, arbitrária, exorbitante, numa típica situação de uso e abuso de poder... O resto da história é já conhecida: por se recusar a dar um estalo num cabo de transmissões, desobedecendo à ordem do tenente coronel, o João Tunes acabou por ir parar ao sul, a Catió, sendo colocado noutra CCS, noutro Batalhão... Sabemos quem, no final, saiu pela porta grande, com louvor com distinção...
Compreensivelmente, o João sempre fez questão ignorar, olimpicamente, o número do seu Batalhão (2), tanto o primeiro como o segundo.
Foto: © João Tunes (2005).
_________
Nota de L.G.
(1) Vd. post de 30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXV: Do Porto a Bissau (22): As ruínas de Có (A. Marques Lopes)
(2) Vd. post de 25 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXI: Pelundo: Nº do batalhão ? Não sei, não me lembro (João Tunes)
(...) Já tenho pensado (pouco...) nesta coisa de não me lembrar no nº do meu Batalhão do Pelundo e nem sequer do outro, o de Catió. Acho que foi um filtro qualquer de rejeição que se me meteu na memória depois de lá voltar. Prefiro que assim seja, que esquecer-me dos gajos porreiros com que me cruzei naquela guerra de merda, obrigando-nos a sermos camaradas mais que irmãos (...)
Logo a seguir, avivámos-lhe a memória e ele até nos ficou grato por se ter safo dessa maldita amnésia: vd. post de 27 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXVI: BCAÇ 2884 (Pelundo, 1969/71), o primeiro batalhão do João Tunes
(...) Obrigado por finalmente teres avivado a minha memória, lembrando-me o número do meu Batalhão do Pelundo. É isso, BCAÇ 2884, sob comando desse Tenente-Coronel de pacotilha Romão Loureiro (antes da Guiné, o tipo havia feito a maior parte da sua carreira "militar" na União Nacional, tendo chegado a Presidente da Câmara de Viseu... e foi fazer aquela comissão para poder ascender a Coronel, mas [...] sabia tanto de guerra como eu sei da cultura de alcagoitas) (...)
No chão manjaco o nosso camarada apeendeu a apreciar a superioridade da sociedade e da cultura dos manjacos: vd. post de 7 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLIII: Respeito pelos manjacos, se faz favor! (João Tunes)
(...) Muito do que aprendi com o major Pereira da Silva sobre os manjacos foi-se nas brumas da memória (não tomava apontamentos, só me restavam os olhos e os ouvidos que as garrafas entornadas da 'chicória americana com álcool' iam deixando em lucidez entaramelada). Mas aquele homem, lembro-me dos seus bigodes de sábio e a sua bóina mal metida no seu cocuruto de oficial intelectual, era não só um poço de cultura como um óasis de saber, aprender e ensinar naquela guerra de merda (...).
quinta-feira, 6 de julho de 2006
Guiné 63/74 - P942: Pensamento do dia (4): De raiva vai tudo à frente (Paulo Raposo)
1. Pensemos no exemplo dos nossos putos que, no campeonato do mundo de futebol, souberam dar um bom exemplo do que é um grupo coeso e motivado para o sucesso. Não se esqueçam que, como disse um guru da liderança, "quando o trabalho do melhor líder fica feito, as pessoas dizem: Fomos nós que o fizemos"... Vamos lá continuar a blogar, a recordar, a rir, a cantar, a chorar... Por mim, vocês têm via verde... (LG)
2. Comentário do Paulo Raposo:
Se ninguém picar a nossa indolência, ninguém se mexe. Faltou neste jogo esse toque, tal como recebemos e reagimos com a Holanda. De raiva vai tudo à frente.
Um quebra-costelas do
Paulo
2. Comentário do Paulo Raposo:
Se ninguém picar a nossa indolência, ninguém se mexe. Faltou neste jogo esse toque, tal como recebemos e reagimos com a Holanda. De raiva vai tudo à frente.
Um quebra-costelas do
Paulo
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