Com os nossos agradecimentos e a vénia devida ao General (R) Garcia Leandro, autor do artigo que transcrevemos a seguir e ao Dr. Lobo do Amaral, Presidente da Associação de Comandos.
A minha passagem pela Companhia de Comandos do Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG) deu-se entre 20 de Fevereiro e 30 de Junho de 1966, sendo o seu Comandante quando se procedeu ao seu encerramento.
Só agora, General reformado e com 68 anos, venho fazê-lo por grande insistência do Lobo do Amaral, para que escreva para a excelente Revista “MAMA SUME”, e pelo apoio, grande amizade, memória e documentação do Virgínio Briote, na altura Alferes Miliciano, Comandante do Grupo de Comandos “Diabólicos”.
A necessidade de fazer a reconstituição histórica
Devo responder a este desafio que é também uma obrigação face à necessidade de ajudar à reconstituição histórica dessa época e dessas Forças Especiais. Acresce que se estes testemunhos vividos não forem dados, ninguém saberá o que passou, até porque esta Companhia foi criada por decisão do CTIG, embora com conhecimento do EME.
Será preciso fazer o enquadramento histórico e explicar a sua sequência pessoal e na Guiné. Tendo eu de trabalhar com a Companhia e na sua recuperação estrutural e operacional em situações de grande risco, tinha também de o fazer com o QG do CTIG, com o qual me relacionava directamente.
Os meus problemas residiram essencialmente aqui. Eram tempos muito difíceis para todos. Com muito entusiasmo conseguiram-se resolver muitos problemas, outros foram esquecidos, mas a história toda só a conheci muito tarde. Depois desta introdução é preciso contar os factos, que aparecem completamente claros no meu Relatório de Posse de Comando e no Relatório Final que o Briote guardou e que serviram de apoio para este texto.
Como surgiram os GrsCmds na Guiné
Os Comandos na Guiné nasceram em 1964 com o Major Correia Diniz e com o Centro de Instrução que arrancou em 23 de Julho, dentro de Brá, então com um grande Campo Militar. O processo era copiado do de Angola, que em 1963 tinha o Centro de Instrução de Comandos na Quibala do Norte.
Na Quibala do Norte, Angola.
Assim, após o período de instrução no terceiro trimestre de 1964 com o apoio de pessoal vindo de Angola (o Grupo de Comandos “Os Gatos” do BART 400, comandados pelo Alferes Valente), criaram-se três Grupos de Comandos (Camaleões, Fantasmas e Panteras), no Centro de Instrução de Comandos (CIC), comandado pelo Major Diniz, e que eram empregues à ordem do Quartel-General.
Este processo tinha, entre outras, uma enorme fragilidade, pois sendo o pessoal que integrava cada Grupo de Comandos de diferentes Batalhões e Companhias, acontecia que em todos os navios de rendição de tropas havia pessoal que regressava a Lisboa.
Como consequência, os Grupos nunca mantinham grande estabilidade, havendo também a necessidade de realizar mais Cursos para que os efectivos se pudessem manter. Os que davam maior permanência eram os militares oriundos de própria Guiné.
É de lembrar que, tanto em Angola, como na Guiné e depois em Moçambique, antes do levantamento das Companhias de Comandos a partir de 1966 em Lamego, estas Forças eram apenas da responsabilidade dos Comandos Militares locais.
Mesmo depois do início da actividade do CIOE, os Centros de Instrução de Comandos do Ultramar não vieram a encerrar. O CIOE formou Comandos para o CTIG e RMM, enquanto que o CIC/RMA veio a instruí-los para Angola e Moçambique.
Em meados de 1965 o Major Correia Diniz terminou a sua comissão tendo sido substituído pelo seu Adjunto, Capitão Varela Rubim. Nesta altura o QG decidiu extinguir o Centro de Instrução de Comandos e criar a Companhia de Comandos do CTIG com data de 1 de Julho.
Isto teve uma grande consequência de fundo, correspondendo a uma alteração estrutural e de emprego. Dentro desta lógica era comandada por um Capitão com um Alferes Adjunto mas sem apoio de “staff”. Ele era tudo, num comando com responsabilidades muito acima de uma Companhia normal. Difícil de compreender, mas verdade.
Com o Capitão Varela Rubim foi criado o segundo conjunto de Grupos de Comandos (Apaches, Centuriões, Diabólicos e Vampiros), cuja instrução decorreu de Julho a Setembro de 1965, tendo ficado operacionais a partir do princípio deste mês.
As suas primeiras operações não correram bem, a falta de um apoio administrativo e de planeamento operacional de qualidade agravaram a situação tendo levado a uma rotura entre aquele e o QG.
O Capitão Rubim pediu para sair e ser colocado em qualquer outra Companhia tendo sido destacado para Guileje, uma das mais difíceis zonas operacionais de então.
Entretanto, comandava eu a Companhia de Artilharia 640, localizada no sudeste da Guiné e ocupando dois aquartelamentos, Sangonhá e Cacoca.
A CArt 640 tinha chegado em Março de 1964, tendo tido uma vida operacional inicial muito exigente e difícil. Só a qualidade do nosso pessoal, dos seus Oficiais e Sargentos, explica como pôde aguentar.
Eu apresentei-me em Março de 1965, para substituir o Comandante inicial que havia sido evacuado, já com a situação mais estabilizada, tendo a Companhia apresentado bons resultados operacionais.
Pessoalmente, vivendo no mato, estava muito longe de saber o que se passava em Bissau, cidade que conhecia mal, e muito menos com a Companhia de Comandos. A CART 640 regressou a Portugal em Fevereiro de 1966, tendo eu cerca de um ano de comissão de serviço à minha frente.
Em Janeiro fui chamado ao QG tendo falado com o Comandante Militar, Brigadeiro Guerra Correia, e com o 2º Comandante, Brigadeiro Reymão Nogueira, tendo sido convidado para assumir o comando da Companhia de Comandos, com todo aquele tipo de argumentos que se usam nesta alturas a que, com os meus 25 anos, fui sensível. Era então Governador e Comandante em Chefe o General Arnaldo Shultz.
Desconhecendo a situação existente, tendo como referência o processo de Angola, falei com o Capitão Rubim e apresentei algumas condições que foram aceites pelo Comando e QG do CTIG.
Em resumo, as minhas propostas eram as seguintes:
- Não tendo eu o Curso de Comandos, teria de o ir frequentar a Angola;
- Que o pessoal da Companhia de Comandos, não poderia continuar em Brá misturado com o pessoal de outras unidades e vivendo desarranchado; que deveria ter um Aquartelamento próprio perto de Bissau, ou, no mínimo ser criado um aquartelamento próprio dentro de Brá, com possibilidades de confeccionar alimentação para todo o pessoal;
- Que os quatros Grupos existentes deveriam ser recompletados, pois estavam desfalcados, o que obrigava à realização de mais Cursos de Comandos, e outras questões importantes ligadas com instalações, material e equipamento individual e colectivo;
- Que teria de se feito um grande esforço de moralização do pessoal, que com os antecedentes não se encontrava bem;
- Que precisaria de ter, no mínimo, um Adjunto, na altura inexistente, já que os Alferes que eram de qualidade, só se deveriam preocupar com o seu Grupo de Comandos; já não pensando na parte operacional, existia toda a parte administrativa que teria de ser correctamente tratada. A propósito, é de lembrar que tive de mandar confeccionar em Lisboa o Guião da Companhia que não existia.
Depois da minha nomeação, o processo não decorreu exactamente como havia sido combinado. Fiz, quase em simultâneo, a Comissão Liquidatária da CArt 640 e a entrada na Companhia de Comandos, o que não foi simples.
Recebi um excelente apoio do Batalhão de Engenharia 447, que na altura era comandado interinamente pelo Major Gomes Marques.
Comandavam então os Grupos de Comandos os Alferes Briote (Diabólicos), Rainha (Centuriões), Caldeira (Vampiros) e Neves da Silva (Apaches), que se encontrava, à minha chegada, em tratamento médico.
Entretanto, e com as rendições de pessoal, havia naturalmente a necessidade de realizar novo Curso de Comandos. Quando fiz a proposta, o curso foi-me recusado. Inicialmente pensei que teria sido um lapso, até ao momento que tomei conhecimento que já estavam em preparação em Lamego as novas Companhias de Comandos Reduzidas com destino aos três Teatros de Operações do então Ultramar, sendo duas atribuídas à Guiné.
Em consequência, na perspectiva local, a Companhia de Comandos do CTIG, criada localmente, iria desaparecer natural e progressivamente, à medida que o seu pessoal terminasse as suas comissões e não fossem realizados novos cursos.
Tudo bem, sendo aparentemente a melhor solução e correspondendo ao reconhecimento que os Comandos, nascidos por iniciativa dos responsáveis militares de cada Teatro de Operações, tinham grande qualidade, eram indispensáveis naquele tipo de guerra e deveriam ser sujeitos a uma preparação à escala nacional, com uma adaptação específica ao Teatro de Operações de emprego.
Mal e doloroso, o eu ter sido convidado para aquelas funções quando os responsáveis locais já tinham conhecimento do que parecia ser a solução definitiva que estava em andamento na Metrópole desde finais de 1965, o que me fora omitido.
Teria sido preferível para todos que me tivessem contado logo a história completa, evitando a omissão de dados importantes para quem tinha aceitado assumir aquela responsabilidade. A realidade futura não permitiu que os CIC do CTIG, da RMA e da RMM tivessem deixado de funcionar.
Assim, a Companhia de Comandos do CTIG foi-se reduzindo para dois e um Grupo, até à chegada da 3ª Companhia de Comandos e mais tarde da 5ª, dos grandes combatentes e excelentes Comandantes, Capitães Alves Cardoso e Albuquerque Gonçalves.
O remanescente daqueles quatro Grupos de Comandos foi integrado nos “Diabólicos”, colocado até finais de Setembro em apoio do Batalhão de Mansoa.
Lá tive de fazer mais um Comissão Liquidatária, tendo tido um muito violento confronto com os responsáveis do QG devido à omissão que me havia sido feita, que só não acabou mal para mim devido a toda a razão que me assistia.
Recusei qualquer função no QG e terminei esta Comissão como Oficial de Informações do Comando do Sector Sul, com sede em Bolama.
Nunca mais falei no assunto.
Anos mais tarde, já depois de ter sido Governador de Macau, entreguei o Guião daquela Companhia, com destino ao Museu, quando era Comandante do Regimento de Comandos na Amadora o Coronel Júlio Ribeiro de Oliveira, a quem estava ligado por grande amizade pessoal e respeito profissional.
Uma palavra deve ficar registada ao militar português que naquela altura combateu de um modo único e àqueles que me acompanharam na Companhia de Comandos do CTIG, com dificuldades de toda a ordem, acreditando na missão que nos tinha sido dada, que foi vivida com grande entusiasmo e sentido de responsabilidade.
Um agradecimento especial e amigo deve ficar registado para o Virgínio Briote, sem cuja ajuda documental e apoio adicional este texto nunca teria sido feito, e para o General Ribeiro de Oliveira, que com a revisão feita me permitiu apresentar mais rigor histórico na cronologia e eventos da história geral dos Comandos.
Espero que este despretensioso trabalho seja mais uma peça útil para o levantamento da história das Tropas de Comandos que tão bons serviços sempre prestaram a Portugal.
Lisboa, 13 de Setembro de 2008
José Eduardo Garcia Leandro
Tenente-General (R)
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