quinta-feira, 20 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6441: (Ex)citações (74): Comentários e respostas (Arménio Estorninho)

1. Mensagem de Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2010:

Amigo e Camarada Carlos Vinhal,
Saudações e extensivas a todos os Tabanqueiros.
Como tudo deve feito a seu tempo e houve um pouco de disposição, para responder a alguns comentários feitos a “estórias minhas” contidas nos Postes: P5293 e P5304.

Provavelmente os camaradas a quem irei responder, não tivessem feito uma leitura mais atenta e/ou eu como algarvio “escrevi muito rápido” e não tendo esclarecido devidamente a mensagem, mas tenho elementos que elucidam as datas e observações. No entanto tratam-se de outros acontecimentos com situações relevantes que no meu ponto de vista não se ajustam aos contidos.


Ponto 1 – Guiné 63/74 P5324: FAP (37) TEVS a Aldeia Formosa e Buba – Jorge Félix ex - Alferes Mil. Pil. B12 – Bissalanca.

Amigo e Camarada Jorge Félix, documentando e esclarecendo os factos subjacentes, das intervenções em TEVS e da interpretação que deu ao conteúdo da minha crónica:

- Excerto da História da Unidade CCaç 2381, da qual consta que em 04/Jan/69.

A Unidade deslocou-se em coluna de Aldeia Formosa para Buba, tendo-lhe sido atribuída a missão de dar segurança aos trabalhos de abertura da nova estrada entre Buba e Aldeia Formosa, colaborar nas escoltas às colunas realizadas entre estas duas localidades, operações e emboscadas de contra penetração.

Coluna Aldeia Formosa – Buba, sem incidentes.

- Estando mencionado no Poste P5304 – Aldeia Formosa, em data posterior a 04/Jan/69, quando regressei a este Aquartelamento, o Comando e Serviços da minha Unidade CCaç 2381, já se tinha deslocado para Buba. É porque não podendo precisar, pois nesta data ainda me encontrava em Bissau (foto 1) a frequentar um curso sobre geradores eléctricos.

Foto 1 – Guiné> Cidade de Bissau> Praça do Império> 1969> Museu e Biblioteca, imagem com belos realços e hoje como será.

- Por conseguinte tratou-se de TEVS, efectuadas na data na zona mencionada e em apoio de outras Unidades.

- Excerto da História da Unidade CCaç 2381, da qual consta que em 21/Jan /69, durante a coluna auto Aldeia Formosa – Buba, grupo In emboscou as NT durante dez minutos, utilizando armas ligeiras, RPG-2, granadas de mão e morteiros ligeiros, causando 07 feridos às nossas tropas e 02 civis.

Quando a coluna retomava a marcha, foi accionada por um viatura uma mina a/c reforçada, causando danos materiais e destruição parcial de uma viatura. As NT reagiram pelo fogo e manobra efectuando uma batida à zona.

- A data que registou coincide com a antes mencionada e por conseguinte foram efectuados os TEVS, relativos aos feridos sofridos pela acção In e no decorrer da coluna. (foto 2)

Foto 2 - Guiné> Região de Quinara> Algures do Sector de Buba> 1969> Operação de TEVS, estando eu assentado, de pé o ex-1.º Cabo “O Lisboa” e um sinistrado.

- No entanto eu consegui evitar seguir incorporado nessa coluna, porque tive a sorte de antecipadamente fazer a viagem de Dakota e todavia é a única menção que fiz na crónica.

- Assim sendo, como eu referi trata-se de assunto diferente com data de 22/Jan./69, que ao anoitecer em Aldeia Formosa (Quebo) deu-se um acidente, o qual ocasionou dois mortos e dez feridos às NT. Estando eu no Quartel de Buba, pela noite dentro ouvia as inusitadas passagens de meios aéreos, o que era anormal e por isso interrogávamo-nos sobre o que sucedera para os lados de Aldeia Formosa.

Penso que assim ficaram devidamente esclarecidas as dúvidas em causa e ficarei receptivo para quaisquer esclarecimentos.

Amigo Jorge Félix, daqui vai um forte abraço.


Ponto 2 – Guiné 63/74 P5293 Buba – Aldeia Formosa – Comentário de Carlos Cordeiro.

- Caro amigo e Camarada Carlos Cordeiro, tenho muito gosto em lhe responder ao seu comentário um pouco sarcástico, mas, e embora tapando o Sol com uma peneira com (estou a brincar naturalmente), a primeira reacção pessoal que tive foi impulsiva de lhe apontar a esferográfica, mas para saber em que águas podia navegar tive o cuidado de aproveitar o Blogue para antecipadamente fazer uma pequena leitura sobre os seus dados, em que consta ex–Furriel Miliciano de Infantaria e actualmente professor de História Contemporânea na Universidade dos Açores, em Ponta Delgada, bonita cidade que já visitei três vezes, quando militava nas lides da Arbitragem de Futebol. Assim, a coisa fiou mais fino e claro está tratou-se de uma brincadeira para espicaçar as hostes. Tudo bem quando é salutar.

- Contudo para satisfação ao v/pedido de eu comentar como funcionavam as viaturas, porque lhe fazia confusão e os mecânicos quando punham uma viatura avariada a andar, (o português é muito traiçoeiro) deitavam os peitos para fora e olhavam de soslaio com ar de superioridade.

- Aqui vai mais ou menos como as coisas se passavam:

- A Secção Auto da Unidade só deveria receber as viaturas que circulassem e sem qualquer avaria detectável (foto 3)

- Era sempre conveniente que houvesse várias viaturas da mesma marca e tipo, para quando uma se avariasse ou se acidentasse e mesmo antes de ser abatida servia para peças sobressalentes ou era feita permuta de peças com outras viaturas;

Foto 3 – Guiné> Região de Quinara> Empada> 1969> Oficina Auto e Garagem, um luxo no meio do mato.

Foto 4 – Guiné> Sector de Buba> Algures Aldeia Formosa – Buba> 1968/9> Desmantelamento de uma viatura sinistrada, pela direita um mecânico africano, eu ao centro e o Soldado Mec. Auto, José António Coelho, de Maiorca - Figueira da Foz.

- Como não havia ferramentas para grandes reparações, as funções dos mecânicos eram mais à base de desempanar e/ou substituindo peças (foto 4). Eram poucas as Secções de oficinas existentes no mato que tinham a possibilidade de reparar um motor e/ou caixa de velocidades, em caso fosse necessário deveriam ser enviados os conjuntos para Bissau e eram comuns as instruções dadas, todavia em Aldeia Formosa, a CCaç 1792 teve o consentimento para reparar motores e caixas de velocidades.

Por conseguinte neste Aquartelamento, agrupou-se um bom grupo de mecânicos auto tendo como o seu principal promotor um 1.º Cabo (foto 5).

Foto 5 – Guiné> Região de Tombali> Aldeia Formosa (Quebo)> 1968> Eu, à direita, e o ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas da CCaç 1792, que era um senhor na arte prática da mecânica auto.

- Se os mecânicos quando punham uma viatura a andar, olhavam de soslaio e com ar de superioridade,” era devido às deficientes condições de trabalho, com um reduzido tipo de ferramentas, com martelo e escopro até faziam milagres, depois era para alguém dar-lhes uma palmada nas costas e acordarem de um lindo sonho de ser útil (foto 6).

- Ao frequentar a EPSM em Sacavém, (textos eram comigo) dadas as minhas habilitações teóricas granjeei amizades com aqueles que tinham a prática oficinal e juntávamos a teoria à prática. Portanto eu possuidor do Curso Secundário da Escola Industrial de Silves e o Curso de Mecânico Auto, da EPSM em Sacavém, e os meus camaradas tinham a prática profissional e o Curso de Mecânico Auto, das EPSM.

Foto 6 – Guiné> Região de Quinara> Empada> 1969> Parque de viaturas, depósito de combustíveis e a Tabanca Manjaco, sendo a primeira palhota a da Eugénia, irmã do recente falecido Mamadu o conhecido ex-Alferes da Milícia de Empada.

- Das muitas dificuldades deparadas, posso-lhe dizer que aquando uma coluna ter chegado a Buba, efectuara um trabalho que aparentemente era simples, tornando-se complicado somente colocar um motor de arranque numa viatura Berliet, demorando cerca de cinco horas para executar, devido ao reduzido espaço de movimento e da forma como era encaminhado (guiado) para apanhar posição. Que belo petisco, fazendo-o sem ajudas, estando deitado debaixo da viatura, com o motor em suspensão e colocando-o a pulso. A urgência e a ânsia de efectuar o serviço conjugavam-se, não podia dar mostras de incapacidade e por fim disse “eureka.” Mas esta viatura só depois de reparada é que foi posta em marcha (também estou a brincar naturalmente).

- Em que cada um me dizia que era inventar o que já estava inventado, que também sabiam das dificuldades e eu fiquei sem apetite de repetir a façanha.

- Nos trabalhos efectuados e a coadjuvar dei o meu melhor, dando como forma de remate de conversa que no desempenho das minhas funções, tive a honra do Comandante do BCaç 2892 me ter concedido um Louvor.

Pelo o meu ponto de vista dou por terminadas as respostas a comentários, que me foram colocados e dando o devido esclarecimento.

Com cordiais saudações a todos os Tabanqueiros,
Arménio Estorninho
Ex-1.º Cabo Auto Rodas
CCaç 2381 Os Maiorais
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6421: Do meu álbum fotográfico (Arménio Estorninho) (2): Bissau - Um olhar de turista

Vd. último poste da série de 8 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6129: (Ex)citações (58): Repondo a verdade sobre o ensino na Guiné Portuguesa (Mário Dias)

Guiné 63/74 - P6440: Da Suécia com saudade (25): O estatuto dos Oficiais do Exército há 60 anos, que não podiam casar com mulheres brancas, nascidas nas colónias, mesmo que filhas de casais brancos (José Belo)

1. Mensagem do José Belo, o luso-sueco (e quiçá, no futuro, americano)  fundador, editor, animador da Tabanca da Lapónia (*):



Data: 19 de Maio de 2010 13:50

Assunto: O Cúpido: Racismos e Burocracias.

Caros Camaradas e Amigos:

Hoje é esquecido, e custa mesmo a acreditar, mas facto é que, tão próximo como na década de 50, os oficiais do Exército não podiam casar com mulheres BRANCAS,  nascidas nas províncias ultramarinas, mesmo que filhas de casais brancos.

Isto aplicava-se à África, Índia, Macau ou Timor. Uma perfeita anomalia, segundo a qual haveria" brancas de primeira", as nascidas na metrópole, e" brancas de segunda", as nascidas no ultramar. 

Creio que as gerações novas, perante este tipo de determinações dos nosssos "maiores" de então, terão mais facilidades de compreensão de todo um .....contexto colonial que tantos procuram, hoje,"sublimar". 

Para salvaguardar perdas de prestígio profissional, resultantes de situações económicas menos dignas devido a Soldos de miséria, os Tenentes e Alferes não podiam casar sem que os pais das noiva, ou alguém responsável, se comprometesse a dar-lhes uma pensão mensal. As situações burocráticas complicavam-se com mobilizações.

O Ministério do Ultramar de então aceitava os casamentos desses oficiais sem dote ou pensão.Assim, ao irem para as colónias pela primeira vez, os casais tinham viagens pagas pelo Estado, mas posteriormente, por terem deixado de estar sob a alçada do Ministério do Ultramar, e agora passarem a depender do Ministério do Exército, esses oficiais já não tinham direito a viajar com as famílias. 

Para "circundar" alguns destes problemas...insolúveis, alguns oficiais realizavam, por procuração, o casamento em Espanha, e o registo Católico desses casamentos era posteriormente feito, com o auxílio de alguns Capelões Militares, nas dioceses coloniais, e comunicado então às repartições respectivas. 

Quanto ao casamento com noiva não Católica ,mesmo que Cristã, mas Protestante (para não referir as não Cristãs),as coisas eram ainda mais complicadas de...."circundar". 

O Cúpido, mesmo em época tão próxima no nosso querido Portugal, não tinha o trabalho facilitado pelo Estado Novo. 

Estocolmo
19 Maio 2010
J.Belo.

[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

2. Comentário de L.G.:

Não conheço o estatuto dos oficiais do Exército dessa época... Gostava de ter acesso à respectiva legislação. Num país em que tudo se legisla(va) e regulamenta(va), deve haver seguramente um diploma legal sobre esse problema... Deves conhecer este "dossiê", já que o teu pai era médico militar...

Possivelmente da mesma época é o Decreto Lei nº 32612, de 31 de Dezembro de 1942 que veio reformar o ensino e da prática de enfermagem, começando por impor a infamante proibição do casamento às enfermeiras (o D.L. 31913, de 12 de Março de 1942, reservava o exercício da enfermagem às mulheres solteiras ou viúvas, sem filhos), uma medida claramente sexista e misógina, inspirada na legislação de Mussolini, e que só será revogada mais de vinte anos depois (D.L. nº 44 923, de 18 de Março de 1963), por notória dificuldade no recrutamento de pessoal de enfermagem hospitalar mas também por que a economia e a sociedade estavam a sofrer profundas mudanças...

Igualmente discriminatório era a legislação de 1936 que impunha que o casamento das professoras não poderia realizar-se sem autorização do Ministro da Educação Nacional, exigindo-se ao pretendente  prova de ter "bom compartimento moral e cívico"  e de auferir vencimentos ou rendimentos   em harmonia com os da professora...
Havia legislação igualmente discriminatória para outras ocupações femininas como as telefonistas, etc.   

Sobre este período do Estado Novo, que vai até ao fim da II Guerra Mundial, veja-se o filme de João Canijo,"Fantasia Lusitana",  agora no circuito comercial... Ver aqui o "trailer", de 29 segundos:


(Amigos e camaradas: Nas imagens do filme do João Canijo, que se baseou em reportagens da época, fui lá encontrar o nosso velho "Carvalho Araújo" transportando, a partir do Cais da Rocha Conde de Óbidos, expedicionários para os Açores... Quem diria, vinte e tal anos depois, que o mesmo "Carvalho Araújo" levaria os filhos desses expedicionários agora para o TO da Guiné!...).

3. Adenda do José Belo, com data de 21 do corrente:


Se tiveres acesso ao livro de Maria Manuela Cruzeiro sobre Costa Gomes, o último Marechal, ele a páginas 39/40 referindo-se aos seus tempos em Macau,  descreve toda esta problemática dos casamentos com brancas de.....segunda e outras complicações burocráticas. 

Mas o problema, no fundo, não estava ligado a "brancas" e "brancas", mas sim há possibilidade de haver sangue africano misturado gerações atrás nos progenitores das referidas meninas brancas, o que poderia vir a provocar inesperados nascimentos mais bronzeados do que os costumes de então aceitariam numa família de oficial. 

Este "pequeno detalhe"  foi-me contado pelo meu Avô paterno que era também médico militar,e fora colocado no norte de Moçambique durante a primeira guerra Mundial. Primeiro julguei que o problema só fosse referido a Moçambique por ter maiores influências da África do Sul, mas depois de ler o livro do Marechal compreendi que era generalisado a todas as colónias. Um abraço.

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Guiné 63/74 - P6439: Ser solidário (70): Novas formas de colonialismo (José Teixeira)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira* (ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/7), com data de 19 de Maio de 2010:

Caríssimos editores e amigos.

O texto que junto, resulta de uma leitura atenta do Relatório da AD.
Não sei se "tem pernas para andar" dentro do nosso blogue. Se não tiver paciência.
Por mim creio que o que está escrito no Relatório é um tremendo grito de repulsa, a algumas formas de caridadezinha que se tem vindo a incrementar e que segundo o Pepito, com quem tive oportunidade de conversar sobre este assunto, antes de ler o texto.
O que ele e a AD* pretendem é fazer crescer o povo da Guiné, através da formação, da utilização de meios para por as gentes a agir e não ficarem "penduradas" nos contentores que todos os anos lá aparecem com consumíveis de toda a espécie.

Abraço fraterno
José Teixeira


Novas formas de colonialismo

Por amabilidade do Carlos Vinhal, tive acesso ao Relatório da actividade desenvolvida pela AD – Acção para o Desenvolvimento, ONG, durante o ano de 2009 na Guiné-Bissau.

Li-o apaixonadamente, porque desde há alguns anos, desde que tomei conhecimento da sua existência, graças a este blogue, me apercebi que não se trata de uma ONG qualquer, mas de uma organização, com objectivos muito concretos, uma equipa de técnicos e colaboradores de alto gabarito, a começar pelo querido amigo Carlos Schwars (Pepito), com obra realizada e projectos que devem merecer a nossa atenção e melhor colaboração.

Por mim, estou procurando através da Tabanca Pequena – Grupo de Amigos da Guiné- Bissau**, dar uma pequena ajuda, fomentando a abertura de 10 fontenários em tabancas do interior da Guiné, num projecto já acordado com a AD.

O primeiro vai ser construído por administração directa da AD na tabanca de AMINDARÁ- junto a Guiledje, para o qual, com a colaboração de alguns camaradas, já há a verba (quase) para o equipamento.

Chamou-me à atenção no Relatório da AD um pequeno trecho, que transcrevo abaixo:

Nos últimos tempos, assistimos à chegada em força de projectos de tipo caritativo, sobretudo nas áreas da agricultura e da saúde, que descarregam sem nenhum critério de durabilidade, material, sementes, máquinas e postos de saúde nas zonas que supostamente (?) necessitam de apoio. Esta nova modalidade envolve não só as ong estrangeiras como organismos internacionais especializados que, com uma perna às costas, escolhem com transparência (como havia de ser, pois então!) organizações locais dispostas a serem meninos de mandado e que se prestam a distribuir, por preços de ocasião, toda essa parafernália de material, ao primeiro que apareça e sem a mínima preocupação de apoiar o surgimento de uma dinâmica de desenvolvimento, ou de consolidar uma que já exista, ou assegurar a durabilidade dessa intervenção avulsa.

Como consequência cria-se uma cultura de mendicidade em que as comunidades ficarão todos os anos à espera que os outros lhes venham resolver os problemas. É que há uma diferença abissal entre dar sementes agrícolas todos os anos aos mesmos e criar uma rede de agricultores – multiplicadores que assegurem a existência de sementes em todas as regiões do país. No passado, o DEPA provou que era possível existir na Guiné-Bissau uma política consequente neste domínio.

Mais grave ainda é quando uma organização estrangeira especializada dá gato por lebre, isto é, distribui sementes não certificadas, compradas a bana-banas de material agrícola em que a faculdade germinativa (isto para não falar da pureza específica e varietal e do seu poder germinativo) estão abaixo de 50%. Ou é incompetência, ou irresponsabilidade ou estamos perante o que se chama de “corrupção discreta” que grassa neste país.

Outro dos aspectos notáveis destes tempos modernos, é o da tentativa de descredibilização da competência dos quadros nacionais, como forma de justificar o envio de rapaziada nova, recém-cursada, sem experiência alguma de terreno, sem dominarem minimamente os conceitos teóricos e práticos do desenvolvimento e que apenas são ouvidos porque ao chegarem ao país, metem a mão no bolso, puxam pela carteira, metem-na em cima da mesa e, do alto da sua sobranceria e deslumbramento, clamam: chegou o Pai Natal!

Vamos distribuir fundos.

É uma rapaziada do tipo “inter-rail”, passeiam pelo mundo inteiro sob o chapéu do subdesenvolvimento, estão sempre de passagem, não chegam a conhecer nada e nada aprendem, convencem-se que o mundo começou com eles, que eles são o big-bang e permitem-se dar aulas técnicas a quem passou a vida a queimar pestanas e que têm a modéstia de reconhecer que o muito que ainda têm de aprender será… com aqueles que sabem.

Afinal, cada tempo tem o seu colonialismo… e o seu combate.


(Com a devida vénia. Sublinhados da minha responsabilidade)

Esta parte do relatório, pôs-me a pensar e creio que o remate final diz tudo.

Tenho sido testemunha de situações deste tipo. Não é minha intenção censurar quem as tem praticado, até porque compreendo muito bem as razões que nos levam a nós - guineenses de coração, avançarmos para esta forma de agir, como uma maneira fácil de “ajudar” quem tanto precisa.

Permito-me levantar algumas questões.

- Porque não procuramos saber através de ONGs como a AD, quais as necessidades efectivas do povo da Guiné para organizarmos campanhas direccionadas para colmatar essas necessidades?

- Porque não entregamos a ONGs como a AD os produtos que conseguimos arranjar para que estas façam a gestão dos mesmos?

- Não será que se deva informar as ONGs das dificuldades e problemas que detectamos localmente, (normalmente nos locais por onde passamos outrora) e com as ONGs procurarmos soluções de continuidade que promova o crescimento da pessoa e se combata a “caridadezinha” que tanto criticamos cá em Portugal?

José Teixeira
__________

Notas de CV:

(*) Para consultar postes relativos à ONG AD, clicar no marcador AD - Acção para o Desenvolvimento

(**) Vd. poste de 8 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6342: Ser solidário (69): Sementes e água potável para o Cantanhez - Faltam-nos 500€ para o primeiro poço, em Amindará (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P6438: Álbum fotográfico de Daniel Matos - III parte

Terceira parte do Álbum fotográfico de Daniel Matos, ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1971/74



Foto 67 > Festarola em Bafatá, creio que em Outubro de 1973, no dia em que acabaríamos a comissão; depois, "gostaram de nós", e acabámos por ficar até Abril de 1974!...
À esquerda, o Morais, dono do restaurante do mesmo nome e da escola de condução. Há uns anos apareceu num convívio da Companhia na Costa de Caparica, mas estupidamente não ficámos com o contacto e nunca mais tivemos o privilégio da sua companhia. Suponho que mora na Margem Sul, se alguém souber a forma de o contactarmos, por favor, avise.

Ainda na foto, os Fur Mils Calvão, Ângelo Silva e Lopes Silva e, entre eles, um agente da PIDE/DGS que quis associar-se aos festejos...

Foto 69a > A entrada de Gadamael, junto ao cais; a seta lembra implacavelmente a distância a que estamos de casa: 3600 km!

Foto 69b > Durante um ano e tal tivemos uma ou duas vezes a visita de um fotocine, com filmes de 16mm do Charlot (do mal, o menos); esta era a tela de projecção, mandada construir na máquina Singer do alfaiate da aldeia, a partir de velhos lençóis.



Foto 75 > Nos anos derradeiros da guerra, de norte a sul, do leste a oeste, e salvo no miolo dos grandes centros urbanos, a Guiné era um cenário de destruição (foto que o Fur Mil Pessoa me tirou, em Ganturé).


Foto 83 > Impossível referir a constituição da Companhia sem mencionar a nossa mascote! Ainda se lembram da Marada?

Foto 84a > Entre os graduados e alguns soldados da Companhia recolhi calções e camisolas ("t-shirts") e pedi ao alfaiate da tabanca que recortasse em tecido azul a letra "A" e a cosesse em cada camisola; O "A" era de "Académico", Ronco Académico de Futebol, uma equipa constituída pelos meus alunos que ganhava muitos jogos aos adultos.

Na foto, o guarda-redes é o António Valente, então como hoje, grande locutor do Clube Asas do Atlântico (em Santa Maria/Açores), que também foi ali professor primário.


Foto 84b > Se hoje na Guiné alguém criasse um clube chamado Ronco Académico de Futebol e o historiador do "Toppo Giggio" viesse a ler estas linhas, o clube nascia já com mais de 37 anos de existência!... Há clubes em Portugal cuja "longevidade" se mede assim... Os jogadores são quase os mesmos da foto anterior, mas em baixo, o segundo a contar da esquerda é o soldado Ricardo Lima da Costa que muito colaborou a dar aulas às crianças. Por onde andará?



Foto 88 > Pequeno monumento mandado erigir pelo capitão, junto ao pau de bandeira, para perpetuar a nossa passagem no local, mas foi "sol de pouca dura"...


Foto 89a > Alguns dos soldados da Companhia, numa aula da 4.ª classe (apesar dos enormes sacrifícios e das más condições de aprendizagem, quase todos a concluiriam, vindo a ser aprovados no exame que mais tarde fariam na Escola Primária de Bafatá).

Foto 89b > Mais soldados que frequentaram as aulas da Escola Regimental, aproveitando os poucos tempos livres.

Foto 89c > Embora relativamente próxima da zona de aquartelamento, a escola ficava para lá do arame farpado e, durante as aulas nocturnas, eu levava sempre comigo uma pistola Walter (nas aulas diurnas, ia desarmado dar as aulas às crianças) .

Foto 90 > Ainda mais alguns Marados de Gadamael...

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Nota de CV:

Vd. postes de:

16 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6407: Álbum fotográfico de Daniel Matos - I
e
18 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6418: Álbum fotográfico de Daniel Matos - II parte

Guiné 63/74 - P6437: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (2): O Fula, a sua lealdade,o seu preço (José Armando F. de Almeida / Luís Graça)





Infogravura: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010). Direitos reservados


[Continuação da publicação de excertos do Cap II da História do BART 2917, Bambadinca, 1970/72, segundo versão policopiada gentilmente ao nosso blogue pelo ex-Fur Mil Trms Inf, José Armando Ferreira de Almeida, CCS/ BART 2917, Bambadinca, 1970/72, membro da nossa Tabanca Grande]


3. População (…)

c. Modo de vida

A população do Sector pratica na sua maioria uma agricultura de subsistência (arroz e milho) e “cava” a importa agricultando mancarra (Fulas e Mandingas) [,frase ininteligível].

Os Balantas produzem arroz para além das suas necessidades.

Como complemento desta actividade praticam ao longo do ano, e quando livres das culturas de subsistência, a exploração do coconote (Regulados do Corubal, Xime e Badora), artesanato (Regulados de Badora e Xime) e banana (Regulado do Xime), produtos que exportam para Bissau.

Dedicam-se também à caça e à pesca mas quase só em regime de subsistência.

É importante a quantidade de pessoal empregado na estiva dos Portos de Bambadinca e Xime.

É muito importante, especialmente respeitada entre os Fulas, a instituição Homem Grande, para quem a única ocupação digna é a meditação do Corão ou a guerra. Como o homem ascende à situação de Homem Grande na maior parte dos casos na plenitude das suas possibilidades físicas, passa a constituir um pesado encargo para o seu agregado social, obrigando as mulheres e as crianças a um trabalho intenso nas bolanhas para a sua subsistência.


d. Línguas e dialectos


Apenas uma pequena percentagem fala portguês; o idioma veicular mais comum é o crioulo, adoptando cada grupo étnico a sua língua. Sendo portanto predominante em cada área a língua do grupo Fula, Mandinga, Balanta, etc.


e. Aspecto político


(i) Fula


Sob esta designação incluimos todo o grupo Saheliano – Ramo Fula.

Constituindo o grupo étnico, dominante no Sector, o último invasor, ocupando antes do desencadeamento da subervsão quase exclusivamente todos os lugares do baixo funcionalismo (cipaios e intérpretes, etc. ), desenvolveu contra si o intenso ódio do Beafada, e a dissimulada aversão dos vencidos Mandingas.

Islamizados, despoticamente paternalistas, com o culto da velhice (Homens Grandes) e das posições de privilégio, considerando como únicas ocupações dignas do homem a meditação religiosa ou a guerra, desprezando os que trabalham ou que denunciam vontade de progresso, os Fulas alimentaram com o seu procedimento a aversão do Balanta, individualista e trabalhador, a quem o Fula explora como dono da terra.

Por sua vez, o Fula odeia o Caboverdiano que com ele compete na ocupação dos diversos lugares do funcionalismo.

Aproveitando-se dos ódios e aversões expostas pôde, o PAIGC, com facilidade desencadear a guerra racial contra os Fulas a quem identificou com os Portugueses. Tal circunstância impermeabilizou os Fulas contra o terroismo actual, e a sua necessidade de sobrevivência tornou-os nossos aliados, levando-os a um contacto íntimo e prolongado cujas consequências não podemos ignorar.

Praticando uma agricultura de subsistência e angariando recursos para as demais necessidades imediatas pela prestação de serviços às guarnições militares locais (soldados, milícias, lavadeiras, etc.) , as inúmeras necessidades que o maior contacto com o Europeu lhe foi criando e a quase nula existência de infraestruturas do Sector, agravada para mais pela situação da guerra, habituaram o Fula a pedir tudo às unidades militares: pede dinheiro, pede transportes, pede alimentação, pede materiais para a sua casa, pede assistência sanitária, pede água, pede luz, pede, etc., etc.

Em troca dá a sua lealdade à luta em que estamos envolvidos e não dá absolutamente mais nada, pois até recusa a mão de obra para o trabalho em seu único proveito.

Apesar de muitos procedimentos tradicionais chocarem e até ferirem a nossa sensibilidade [ poligamia ? fanado ?, infanticídio ?], temos que condescender com eles porque a manutenção da sua lealdade depende da colaboração dos seus chefes e a destes é função da nossa aceitação dos seus privilégios e da satisfação das necessidades imediatas do grupo.

As facilidades de transporte, o contacto íntimo com o militar europeu começa a desenvolver na juventude fula (os nossos milícias, os nossos soldados) uma certa atitude de contestação contra a sua situação de subalternidades no grupo social, apesar de constituir a principal fonte de recursos desse mesmo grupo social. E, na medida em que, por conveniência, apoiamos as suas estruturas, pode tal juventude de hoje, seus dirigentes de amanhã, acusar-nos de travar o seu progresso, apoiando o despotismo a que as estruturas a sujeitam, e criando assim uma brecha potencial por onde o PAIGC pode penetrar na lealdade Fula.


(Continua: b. Os Mandingas)

[Revisão / fixação de texto / bold a cor / título: L.G.]

Fonte: BART 2917: História da Unidade. [Bambadinca, 1972]. XCap II, pp. 13/14.


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Nota de L.G.:

17 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6413: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (1): Populações controladas pelas NT e pelo PAIGC, ao tempo do BART 2917 (1970/72) (José Armando F. de Almeida / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P6436: Bibliografia de uma guerra (56): Vindimas no Capim, de José Brás - Maneira mais cómoda para obter esta obra

1. Mensagem do nosso camarada José Brás (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, autor do romance "Vindimas no Capim"*, Prémio de Revelação de Ficção de 1986, da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro e da Leitura.

Carlos
Caro camarada

Quando do convívio dos blogue em 2009, vários camaradas me abordaram no sentido da aquisição do "Vindimas no Capim" sem que eu pudesse acorrer senão a quatro ou cinco solicitações.

No primeiro almoço da Tabanca do Centro a cena repetiu-se e, tendo apenas meia dúzia de exemplares, voltei a não poder satisfazer o desejo de aquisição demonstrado pelos camaradas.

No sentido de remediar isto e na perspectiva de que no próximo dia 26 de Junho, continue a solicitação do livro, coisa que, naturalmente, a mim me agrada, tenho necessidade de conhecer aproximadamente quantos exemplares terei de levar comigo para solicitar o seu fornecimento atempado.

Assim, lembrei-me de pedir através do blogue ao conjunto dos camaradas que irão estar presentes no convívio que, se interessados me façam chegar notícia do interesse com alguma urgência.

O preço do livro através do autor é de 14,00€ e no livreiro ou em loja, penso que é de 17,00€.

Por outro lado, a quem não tenha planeado estar (de corpo) no convívio, se me contactar através do endereço jasbras1@sapo.pt, ou pelo telefone 266891748, fornecendo-me o seu endereço, poderei enviar-lhe o livro, contra transferência bancária para NIB que fornecerei, acrescentando aos 14,00€, apenas a despesa de correio que andará na casa do 1,50€.

Agradecido, abraços a todos
José Brás


2. Comentário de CV:

De acordo com a mensagem do camarada José Brás, quem for ao Encontro de Monte Real, deverá atempadamente manifestar o seu desejo de aquisição do livro Vindimas no Capim para que ele possa ir munido dos exemplares necessários.

Os camaradas que não se vão deslocar a Monte Real poderão pedir o livro para o endereço do nosso camarada Brás.

A mensagem aqui publicada vai ser reencaminhada para a tertúlia, para que ninguém fique sem a informação do modo como pode obter a esta obra.
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

28 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6268: Bibliografia de uma guerra (56): A Propósito de Até Hoje (Memória de Cão) (José Brás)

8 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6347: Notas de leitura (103): Vindimas no Capim, do nosso camarada e tertuliano José Brás (1) (Mário Beja Santos)
e
9 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6353: Notas de leitura (104): Vindimas no Capim, do nosso camarada e tertuliano José Brás (2) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 14 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5646: Bibliografia de uma guerra (55): Armados Para a Paz, de Albino Silva

Guiné 63/74 - P6435: Agenda cultural (77): Lançamento do livro Nha Carlota, de António Estácio, dia 21 de Maio de 2010 em Lisboa






Lançamento do livro Nha Carlota**, de António Estácio, edição de autor: Djubi dé, si bu pudi, budi ta tchómam um alguim más, má si bu cá pudi, djanti bu lébal um livro bó - Se puderes, chama mais alguém, mas se não puderes, apressa-te a levar-lhe um livro.

Amanhã dia 21 de Maio de 2010, pelas 18 horas, em Lisboa, no Palácio da Independência, n.º 11, do Largo de S. Domingos.



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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6432: Tabanca Grande (220): António Estácio, nascido em Bissau, no chão papel, escritor, sinólogo, amigo do Zé Neto, do Mário Dias, do Pepito e do Graça de Abreu, autor de Nha Carlota

(**) Vd. poste de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6434: Notas de leitura (109): Carlota Lima Leite Pires, 'Nha Carlota' (1889-1970), de António Estácio (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 14 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6390: Agenda cultural (76): Memória do Campo de Concentração - Tarrafal, até 27 de Agosto no Museu do Neo-Realismo, Vila Franca de Xira (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6434: Notas de leitura (109): Carlota Lima Leite Pires, 'Nha Carlota' (1889-1970), de António Estácio (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Maio de 2010:

Luís,
Nem a propósito! Este livrinho da Nha Carlota bem podia abrir as portas a várias histórias de gente que nos tratava bem à mesa.
Gostei muito da ideia do António Estácio em trazer para a ribalta esta senhora cuja memória perdura em muitos corações da Guiné.
É bom vê-la elogiada, num tempo em que fazer bem e oferecer a mesa não é norma comum.

Um abraço do
Mário


“Nha Carlota”: Saudades de uma Mindjer Garandi de Nhacra

por Beja Santos

O que pode levar um guineense da nossa idade, um regente agrícola que passou a maior parte da sua vida profissional a trabalhar em Macau, a escrever um livrinho sobre uma gentil senhora cabo-verdiana que deixou saudades a muita gente depois de 60 anos a viver na região de Nhacra?

O António Estácio de vez em quando vem ao nosso blogue e clarifica acertadamente algumas matérias. Nasceu no “Chão Papel”, frequentou o liceu Honório Barreto, preparou-se para regente agrícola em Coimbra, trabalhou em Malange no Instituto do Algodão em Angola, onde cumpriu o serviço militar de 1970 a 1972, depois seguiu para Macau. Decidiu agora investigar esta figura ímpar da Guiné, “Nha” Carlota, que deixou saudosa recordação em muita gente, pela sua forte personalidade, pelo seu proverbial acolhimento, quem lhe batia à porta tinha sempre refeição.

O livro do António Estácio foi lançado recentemente, quem quiser contactá-lo para qualquer esclarecimento, pode fazê-lo através dos telefones 219229058 ou 96269655.

Chamava-se Carlota Lima Leite Pires, não se sabe exactamente em que ilha nasceu em Cabo Verde, nem em que ano, morreu no hospital de Sant’ Ana em 1970. Viveu seis décadas na Guiné, foi uma comerciante muito bem sucedida, casada com João José Pires que durante anos foi seu empregado. Terá chegado à Guiné entre 1906 e 1907. Por essa data, ainda conheceu a muralha que cercava a ilha de Bissau, considerada muito importante para a segurança da povoação, ao tempo sempre ameaçada pelas populações circunvizinhas.

Reza a lenda que terá combatido e apoiado o capitão Teixeira Pinto, mas não há documentos que comprovem tal temeridade. O importante é que se tornou numa pessoa de grande influência, uma conselheira permanentemente procurada, a proprietária de uma casa comercial onde ela recebia e preparava comida variada e petiscos.

Dos depoimentos colhidos, Estácio ouviu os suficientes para confirmar que era tratada como “a mãe dos pobres de Nhacra”. Falava fluentemente crioulo e balanta, as suas lojas estavam sediadas no Cumeré e em Nhacra, mas os seus negócios eram diversificados. Nha Carlota comprava aos agricultores da região a mancarra e, ao que parece, os seus preços eram justos.

António Estácio obteve depoimentos elogiosos de quem frequentava a mesa da Mulher Grande de Nahcra, desde Elysée Turpin (fundador do PAIGC), o alferes Sebastião Alves (da CCaç 564) até ao coronel Nuno Rubim, nosso confrade.

O que ninguém esqueceu foi mesmo a instituição da comida: sobretudo aos fins-de-semana, as pessoas punham-se a caminho para almoçar no alpendre da Nha Carlota. Alguém descreveu que nada havia de comum naquela sala da Nha Carlota com um restaurante convencional, as pessoas comiam mesmo na sala de jantar da dona de casa ou na parte sombria da varanda.

Combinava-se com antecedência a ementa (cabrito assado, chabéu ou cachupa), tudo começava com ostras ou camarão e a refeição terminava com a fruta disponível. Frequentemente, Nha Carlota sentava-se à mesa e conversava com toda a gente.

Um aspecto curioso que alguém registou é que havia nesta sala de jantar, dependurado do tecto, sobre a mesa, um grande pano enfiado num pau que uma corda, passando por uma roldana fazia oscilar proporcionando uma suave brisa. Quem puxava essa corda era um pequenito que toda a gente tratava por “Ventoinha”, que no final do repasto recebia uma gratificação. Os negócios sucederam-lhe bem, para além dos estabelecimentos do Cumeré e Nhacra, adquiriu prédios em várias localidades.

Uma das singularidades da Nha Carlota foi o seu salazarismo indefectível, proibia que se falasse mal de Salazar. Fez sociedade com um dos filhos do antigo Presidente da República António José de Almeida, Manuel Alexandre Toscano de Almeida (confesso que de algum modo me baseei nesta personagem para criar o primeiro marido da Benedita, Albano Toscano, do meu livro “Mindjer Garandi”).

Este Manuel Toscano era opositor ao regime de Salazar, participou na sublevação da Guiné de 17 de Abril de 1931, foi demitido da função pública e depois enveredou pelos negócios. Viajou várias vezes a Portugal, numa delas, já perto do final da sua vida, foi recebida por Salazar. Nessa audiência ofereceu ao ditador um retrato dele próprio feito a carvão com a seguinte dedicatória: “Um homem tão grande para um país tão pequeno”.

O seu altruísmo permanece na memória de muitos, bem como a simplicidade no convívio e hospitalidade. É muito bonito dedicar um livrinho a uma mulher que fez bem às suas gentes e seguramente aos nossos camaradas que beneficiaram do seu aprazível acolhimento.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6427: Notas de leitura (108): Os Resistentes de Nhala, de Manel Mesquita (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6433: Parabéns a você (115): Completa hoje 65 anos o nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto (ex-Fur Mil da CART 2519)

1. Completa hoje 65 anos o nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá", Buba, Mampatá e Aldeia Formosa, 1969/71, que se apresentou nesta Tabanca Grande em 24 de Julho de 2009, poste P4735.

Postal de aniversário da autoria do Miguel Pessoa dedicado ao Mário Pinto, que veio acompanhado de um sério aviso à navegação (não é à aérea, é à bloguista claro): “Mas não se habituem mal, que eu só vou fazendo isto para uns tantos que vou contactando - para os restantes não tenho suficiente conhecimento pessoal, nem sapiência, nem paciência...”. Por isso Camaradas, quem quiser um “paparico” destes no seu aniversário já sabe o que tem que fazer, ok!

O seu primeiro contacto está registado no poste P4673, datado de 12JUL2009, onde o Pinto deixou o seguinte comentário:

Caro José Teixeira,

Tenho seguido com atenção as tuas recordações da Guine.

Também estive em Buba, Mampatá e Aldeia Formosa, em 1969/71.

Pertenci á CART 2519 - Os morcegos de Mampatá, por isso vivo com intensidade as tuas recordações.

Já agora se estiveres interessado em saber algo mais sobre a minha companhia, vai ao Blogue: http://www.cart2519osmorcegosdemampata.blogspot.com/

Um abraço,
Mário Pinto

2. O Mário tem sido um dos nossos Camaradas mais interventivos no blogue, tendo-me já por diversas vezes dirigido mensagens a demonstrar o seu espanto com o grau de agressividade e intolerância demonstrado por alguns dos críticos habituais.

Outro motivo controverso que o tem admirado é a exaltação e os inúmeros elogios dirigidos a determinados tipos de textos e de redacção escrita (não que eles não sejam merecidos… mas), em detrimento dos restantes, o que na sua opinião apenas afasta aqueles que pensando não atingir tal nível se auto-excluem de nos enviar qualquer palavra e consequentemente qualquer imagem que possuam dos nossos tempos da Guiné.

Que cada um tire as suas ilações!

3. Mas hoje é para se falar de festa e alegria pois não é todos os dias que festeja mais um aniversário e, independentemente das mensagens e comentários que os nossos Camaradas enviarem e colocarem, futuramente, no local reservado aos mesmos, neste poste, queremos em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais Camaradas da Grande Tabanca que por vários motivos não puderem enviar as suas mensagens, dirigir-te os melhores PARABÉNS.

Mais acrescentamos que o nosso maior desejo, neste dia, é que junto da tua querida família sejas muito feliz e que esta data se repita por muitos, bons e férteis anos, plenos de saúde, felicidade e alegria.

E mais te desejamos, que por muitos mais e boas décadas, este "aquartelamento" de Camaradas & Amigos da Guiné te possa dedicar mensagens idênticas, às que hoje lerás neste teu poste e no cantinho reservado aos comentários.

Estes são os mais sinceros e melhores desejos destes teus Amigos e Camaradas, que como tu, um dia, carregaram uma G3 por matas e bolanhas da Guiné.

Com manga de abraços fraternos... manga deles mesmo!
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

16 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6399: Parabéns a você (114): Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAÇ 8351, Cumbijã, 1972/74 (Carlos Vinhal / Belarmino Sardinha / Giselda e Miguel Pessoa / JERO / Manuel Maia)

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6432: Tabanca Grande (220): António Estácio, nascido em Bissau, no chão papel, escritor, amigo do Pepito, do Zé Neto, do Mário Dias e do Graça de Abreu, autor de Nha Carlota




Aos 17 anos, em 1964, em Bissau, na Guiné, onde nasceu, de pais transmontanos, e fez o Liceu Honório Barreto (onde foi condiscípulo do Pepito).



Em 1964 Nhacra, na Guiné, com 17 anos, quando foi visitar um militar, um alferes, natural da terra dos seus pais... 




Em 1967 em Coimbra, na Escola Agrícola da Bencanta, onde tirou o Curso de Regente Agrícola (hoje, Engenheiro Técnico Agrícola), tendo tido como colega o Paulo Santiago.


O António Estácio, agora membro do Clube dos SEXAS... Casado, 63 anos, pai de duas filhas.  

Fotos: © António Estácio (2010). Direitos reservados


1. António Estácio > Curriculum vitae

António Júlio Emerenciano Estácio:

(i) nasceu em Bissau, a 3 de Maio de 1947, no tchom de Papel; em miúdo, nos anos qinquenta, viveu em Bolama, com os pais;

(ii) estudou no Liceu Honório Barreto, onde foi condiscípulo do nosso amigo Pepito;

(iii) conheceu, ainda na Guiné, o nosso camarada Mário Dias.

(iv) de 1964 a 67 estudou, em Coimbra, na ex-Escola Nacional de Agricultura, onde tirou o Curso de Regente Agrícola, posto que estagiou no extinto Instituto de Algodão de Angola (IAA).

(v) de Janeiro de 1969 a Abril de 1972 cumpriu o serviço militar obrigatório, tendo, a partir de Março de 1970 a Maio de 1972, prestado comissão de serviço na Região Militar de Angola (R.M.A.), como alferes miliciano,  e estado aquartelado nas povoações de Luquembo, Sautar e Bessa Monteiro.

(vi) em 28.09.1972 chegou a Macau, a fim de desempenhar funções técnicas na, então, Brigada da Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar (M.E.A.U.); neste território, conviveu com o Mário Dias e com o José Neto, de quem ficou grande amigo.

(vii) de 28 Setembro de 1972 a 2 Dezembro de 1998 viveu em Macau, onde exerceu vários cargos e funções, como:

- Técnico e Técnico Chefe dos Serviços Florestais e Agrícolas de Macau (SFAM); 

- Criador e Coordenador da “Semana Verde”, campanha de sensibilização, nomeadamente dos jovens em idades escolar, sobre a manutenção, defesa e valorização das Zonas Verdes de Macau;

- Membro da Comissão de Educação da União Internacional para a Conservação da Natureza; 

- Vogal a Tempo Inteiro da Comissão Administrativa da Câmara Municipal das Ilhas (CMI); 

- Vogal do Conselho Consultivo do Governador; 

- Secretário-Geral e, posteriormente, vogal do Conselho do Ambiente (Macau); 

- Vice-Presidente da Câmara Municipal das Ilhas; 

- Colaborador da Editora Verbo; 

- Coordenador científico da Exposição “A Aventura das Plantas e os Descobrimentos Portugueses”, promovida em 1995 pela Comissão Territorial de Macau para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; 

- Colaborador no Projecto Garcia de Orta, da “Expo 98”; 

- Colaborador do Museu de Macau; 

- Membro fundador (30.04.1974) e dirigente do Centro Democrático de Macau; 

- Sócio e, em 2 mandatos não sequenciais, membro da Direcção do Clube Militar (Macau); 

- Vogal do Conselho Fiscal da Associação de Xadrez de Macau; 

- Presidente da Direcção e Vice-Presidente da A.G. da Associação de Patinagem de Macau; 

- Segundo Secretário da A. G. da Associação para a Promoção da Instrução dos Macaenses, 

Em 03.07.1997 aposentou-se da, então, Câmara Municipal das Ilhas (Macau).

- Foi Vogal da Direcção da Casa de Macau (2003-2005); 

(viii) está ligado a diversas  instituições nacionais, desempenhando funções como: 

- Sócio da Sociedade de Geografia,  sendo e Secretário da sua Comissão de Heráldica; 

- Observatório da China, em cujo Conselho Fiscal, foi Vogal; 

- Membro da Associação Lusitana da Heráldica; 

- Associação Cultural da Terceira Idade e Sintra (ACTIS), sendo 1º Secretário da Direcção. 

- Sócio n.º 456 da 223ª Casa do Benfica em Algueirão Mem Martins, fundada em 28.02.2008.

(ix) tem participado na Semana Cultural da China e no Fórum Internacional de Sinologia. 

(x) louvores e distinções:

Foi louvado pelo Despacho n.º 19/SASAS/91 e pela Deliberação n.º 268/26/CMI/97;

Foi agraciado, em 1995, pelo Governador de Macau, com a Medalha de Mérito Profissional ; 

Em Março de 2006, foi distinguido com a Moeda Comemorativa, pelo Instituto para os Assuntos Cívicos de Macau, aquando da 25ª edição da “Semana Verde de Macau”. 

Em 8 de Fevereiro de 2007, distinguido com Medalha de Honra atribuída pela ONG “Acção para o Desenvolvimento” (AD), da República da Guiné-Bissau.

(xi) É autor, co-autor e coordenador de diversas publicações, na sua maioria de carácter técnico e referentes a Macau tendo apresentado comunicações, artigos, folhetos, brochuras e sido res-ponsável pela edição de Boletins Informativos da Casa de Macau, da respectiva Folha In-formativa não periódica “Qui Nova?!...” que criou e, bem assim, responsável pela edição do Boletim da Associação Cultural da Terceira Idade e Sintra (ACTIS). 


Trabalhos publicados > É autor de vários folhetos, brochuras e das seguintes publicações:

Publicações de índole técnica:

- Flora da Ilha da Taipa, Monografia e Carta Temática (M. E. Cartográficos) 1978; 

- Flora da Ilha de Coloane (S.F.A. Macau) 1982; 

- Dinâmica das Zonas Verdes na cidade de Macau (S.F.A.M.) 1982;

- Arborização de Macau. Intervenção de Tancredo Caldeira do Casal Ribeiro (1883-1885) (S.F.A.M.) 1985;

- Jardins e Parques de Macau  (Macau) 1993 (Em colaboração com o Eng.º Agrónomo e Arq. Paisagista António Manuel Paula Saraiva); 

- Zonas Verdes. Particularidades da Flora de Macau (Macau) 1994 – Ed. do B.C.M.;

- Guia do Parque de Seac Pai Van (C. M. das Ilhas - Macau) 1995;

- Evolução das Zonas Verdes das Ilhas  (C. M. das Ilhas -Macau) 1999 (Em colaboração com o Eng.º Técnico Agrário Carlos Daniel de Carvalho Batalha);

- As Árvores no Brasões Municipais – Ed. da C. M. de Freixo de Espada à Cinta 2001;

- Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense (Portugal) 2002 – Ed. do autor. 



Publicações de índole não técnica: 


- Em Memória de Sá Nogueira (S.F.A.M.) 1984;

- Passadas – Ed. do autor (Macau) 1992;

- Na Roda de Amigos – Ed. do autor (Macau) 1973;

- Para lá do Rasgar da Ganga ...– Ed. do autor (Macau) 1997;

- Histórias Vividas e Contadas – Ed. “Livros do Oriente” (Macau) 1997.

- Nha Carlota, figura esquecida da História Guineense – Ed. do autor (Portugal) 2010

Coordenador as seguintes publicações técnicas:

- Árvores de Macau, Vol. I, de autoria do Prof. Wang Zhu Hao (Ed. C. M. Ilhas) 1997;

- Árvores de Macau, Vol. II, de autoria do Prof. Wang Zhu Hao (Ed. C. M. Ilhas) 1999.

Foi editor do:

- Boletim do Rotary Club Amagao (Macau);

- Boletim da Casa de Macau (Lisboa) (2004-2006);

É editor do:

- Boletim da Associação Cultural da Terceira Idade de Sintra (ACTIS).


Algueirão, aos 19 de Maio de 2010 

António Júlio Emerenciano Estácio
Morada - Av. Prof. Bento de Jesus Caraça n.º 59
2725 – 032 Algueirão – Mem Martins
Telefone - 21-9229058  / Tm 96-2696155
E-mail - citassi@yahoo.com.br

2. Comentário de L.G.:

Para além do falecido Zé Neto, o Estácio é amigo do Mário Dias e do António Graça de Abreu, por afinidades com Macau e a China... E do Pepito, pois claro. Já há muito tinha ouvido falar dele, tanto por parte do Pepito como do Zé Neto. Esteve ligado ao projecto Guileje.

Por exemplo, em 21 de Novembro de 2005, o Pepito mandou-me, em anexo, "um quadro que um amigo meu português, António Estácio, me ajudou a fazer, listando todas as companhias que passaram por Guiledje, onde estão os nomes de algumas pessoas que nos têm disponibilizado documentos (fotografias, memórias e informações) [, uma lista ainda] muito limitada, a necessitar de identificar mais pessoas interessadas em colaborar e a precisar algumas das datas em dúvida".

Conheci-o, há dias, pessoalmente na sessão de lançamento do livro do Amadu Djaló, "Guineense, Comando, Português"... E hoje, de manhã, estive a falar com ele ao telefone. É um apaixonado pela sua terra. E é dotado de um finíssimo humor. É uma pessoa encantadora. Convidei-o a (e ele aceitou em) fazer parte do nosso blogue. Fiz questão de sublinhar que não é apenas um blogue de camaradas que fizeram a guerra colonial na Guiné (1963/74) mas um espaço de diálogo entre todos aqueles que são naturais da Guiné ou são  estudiosos da história e da cultura da Guiné, e nomeadamente que se interessam pela historiografia da presença portuguesa. E sobretudo daqueles que amam a Guiné e o seu povo.

No dia 21, 6ª feira, às 18h00, no Palácio da Independência, no Largo de S. Domingos, em Lisboa, o novo membro da nossa Tabanca Grande vai lançar o seu livro Nha Carlota - uma popular e notável Mulher Grande no seu tempo (1889-1970)  mas hoje desconhecida das novas gerações - para a qual contamos com a presença dos amigos e camaradas da Guiné que quiserem e puderem comparecer.

O António tem em curso a elaboração de um outro livro sobre a sua terra, neste caso sobrte outra Mulher Grande (Nha Bijagó, de seu nome Leopoldina Ferreira Crato). E prometeu contar-nos histórias sobre   o seu país de origem,  que por certo nos irão prender a atenção (como, por exemplo, o nascimento de Catió ou o desenvolvimento da cultura do arroz no sul da Guiné, graças a um chinês de Macau, desterrado no princípio do Séc. XX, por "dívidas de jogo").

Para já, formalizamos a entrada do António Estácio na nossa Tabanca Grande, a tal que não tem portas nem janelas, damos-lhe as boas vindas e fazemos votos para que se sinta em casa, debaixo do nosso frondoso poilão, entre amigos e camaradas. L.G.

Guiné 63/74 - P6431: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (3): Sem título I




1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 17 de Maio de 2010:

Meu caros camarigos
Mais um para a série


DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (3)

SEM TÍTULO 1

Em que luz me banhei
Que tanto brilho deu
Aos meus olhos.
Em que ar puro voei
Que abriu tanto
O meu sorriso.
Em que água me lavei
Que cresceu tanto
O meu abraço.
Em que rio mergulhei
Que soa mais limpo
O meu riso.
Porque é agora tão fácil
Definir a letra
O traço.
Porque é agora tão simples
Caminhar calmo e em paz
Tão prenhe de liberdade
E de um tanto se me faz.
Porque regressou a vontade
De andar sempre em frente
Sem nunca olhar para trás
Sem nunca olhar para a gente
Que vive a gritar saudade
Cheia de amargura e tristeza
Sem nunca ter sentido
Que a saudade é um momento
Que merece ser vivido
Na mais pura das alegrias
Como quem voa c’o vento
Nas asas só da verdade
Por entre jardins de flores
Que renascem todos os dias.
Porque regressou o sorriso
Que faz brilhar o olhar
Que cura todas as dores
E que é um nunca acabar de rir
Sem poder conter o riso.
Onde estão as luzes e vozes
Que vinham não sei de onde
Para me incomodar o sono
E encher os pesadelos.
Que é feito desse fantasma
Que só a mim aparecia
Envolto sempre em novelos
De nuvens cinza douradas
Correndo num céu de chumbo
Uma corrida sem fim.
Onde está essa prisão
De barras grossas e frias
De sonhos nunca acabados
De desejos aprisionados
Em forma de coração.
Eu digo-te se não contares
A ninguém ou coisa nenhuma.
Esqueci-os nos meus cantares
Peguei em todos à uma
E fazendo no céu um furo
Apaguei-lhes os esgares
E rindo de satisfação
Enterrei-os no futuro.


91.11.06

Um abraço do
Joaquim
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6362: Convívios (151): Tabanca do Centro, dia 26 de Maio de 2010, em Monte Real (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 7 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6339: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (2): Vida

Guiné 63/74 - P6430: Contraponto (Alberto Branquinho) (9): Eutanásia?

1. Mensagem de Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 16 de Maio de 2010:

Caro Carlos Vinhal
Agora que o Papa já regressou e portanto, não há o risco de referir um tema que, também, pode causar "rupturas" no tecido social português, junto vai o texto do CONTRAPONTO (9), que intitulei "EUTANÀSIA ?".

Um abraço e, como sempre se despede o meu Tio que por aí reside, SAÚDE e SORTE.
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (9)

EUTANÁSIA?


Foi no fim da época das chuvas.

O pelotão foi destacado para fazer “psico” em chão balanta, percorrendo duas ou três tabancas próximas da sede do Batalhão, acompanhando os enfermeiros – um furriel e dois cabos.

O pessoal estava instalado discretamente nas entradas da aldeia, acompanhado pelos respectivos furriéis e outros postados em posições de segurança (não fosse surgir alguma surpresa). O alferes circulava por entre as moranças acompanhado de um cabo e de um soldado. Seguiam de perto as movimentações dos enfermeiros.

Chegou-se um homem já idoso, solícito e nervoso, perguntando por “aquele qui na manda”. O alferes perguntou-lhe. “Q’é qui bô misste?"

O homem começou a arengar um palavreado nervoso e confuso, misturando crioulo talvez com balanta, sempre de olhos no chão.

O alferes só entendeu que falava da “mãe” e de “dor”. Passado algum tempo olhou o alferes com uns olhos tímidos e brilhantes e, fazendo repetidas vénias, apontou numa direcção e disse: “Bô bem… bem”. E começou a andar devagar, olhando para o alferes, que fez sinal ao soldado para o seguir e ao cabo para continuar a acompanhar os enfermeiros.

O homem colocou-se ao lado do alferes e dizia repetidas vezes: “Dói perna… dói… dói braço, dói… dói…” e batia com a palma da mão direita na perna direita, na perna esquerda, no outro braço, no pescoço, nos ombros, nas costas e terminava dizendo com expressão triste: “Cá pude… cá pude muri...”.

Chegaram junto de uma palhota isolada. O homem empurrou a porta e entrou. Fez o gesto convidando o alferes a entrar. Este disse para o soldado:

- Fica aqui. Só entras se eu chamar.

- Ó meu alferes, bocê bai lá p’ra dentro?

- Aguenta aí.

Quando entrou ouviu uns gemidos agudos e contínuos, mas nada conseguia ver na penumbra interior. O ambiente estava quente, abafado, húmido. Num repente os gemidos passaram a uns guinchos agudos, penetrantes. Viu, então, que o homem estava debruçado sobre um catre muito baixo, atrás da porta e que nele estava deitada uma velhota de idade muito avançada, que, ao mesmo tempo que emitia aqueles guinchos, tentava levantar os braços para ele. O soldado chegou à soleira:

- Ó meu alferes, que merda é essa?

- Nada. Vai lá para fora.

O alferes pôs a arma em bandoleira, aproximou-se, fixou a mulher, tentando ver melhor. Notou, então que, por baixo da cama, estavam espalhadas brasas ainda bem incandescentes. O homem postou-se entre o alferes e a mulher, que não parava de guinchar e, curvado e choroso, repetia, repetia: ”Dói… dói… dói… dói…”, ao mesmo tempo que, com a mão indicava os pés, os joelhos, braços, cotovelos, ombros e as costas. “Cá pude… cá pude…”.

O alferes chamou o soldado e disse-lhe para chamar o furriel enfermeiro.

- Mim parti mèzinha cum bô. Mèzinha bêm lá.”.

O homem calou-se, agarrou um braço da velhota e falou-lhe ao ouvido. A velhota parou de guinchar, embora soltasse gemidos baixos.

O alferes foi à porta esperar o furriel enfermeiro. Quando chegou explicou-lhe o que se passava. Entraram ambos. O alferes ficou afastado a observar o braseiro debaixo da cama, que se estendia da cabeça ate aos pés. O enfermeiro falou com o homem, tentando fazer-se entender e entregou-lhe uma pequena caixa.

Saíram ambos, entre muitos agradecimentos e vénias do homem.

- Que é que você lhe deu?

- Comprimidos LM. Que é que havia de ser?

O alferes pensou: “Aspirina? Reumatismo ou coisa assim… Pode ser que resulte.”

Nesse mesmo dia, quando contava ao médico o sucedido, alguém interrompeu: “Você sabe que os balantas praticam a eutanásia ?”

Não respondeu e ficou a pensar na conversa do homem e na atitude (desesperada?) da velhota.

Desejou voltar à aldeia e perguntar pelo filho e pela mãe, mas não teve oportunidade, porque, mais uma vez, a Companhia foi transferida para outra zona de intervenção.

Alberto Branquinho
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de19 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6187: Contraponto (Alberto Branquinho) (8): Desertores? - A tertúlia anda pouca activa, porquê?