terça-feira, 3 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9698: O caso da ponta Coli, Xime-Bambadinca (Jorge Araújo)


1.    O nosso camarada Jorge Araújo* (ex-Fur Mil Op Esp/Ranger da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1972/74), enviou-nos a seguinte mensagem.


Caríssimo Camarada Luís Graça, e restantes operacionais do nosso blogue. 

O mês de Abril tem sido para nós, até ao presente, um mês fértil em recordações e, simultaneamente, de grandes emoções. E este ano não foge à regra, dando conta, nesta nota introdutória, aquelas que se enquadram no âmbito militar. 

Primeiro; porque no dia 04.Abr.1974, faz hoje trinta e oito anos, aportámos ao Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa, regressados de Bissau a bordo do Paquete Niassa – com direito a escala no porto do Funchal – depois de aí termos concluído a Comissão de Serviço Militar Obrigatório, para três semanas depois, em “25 de Abril”, termos assistido/ participado naquele memorável dia que levou ao fim da(s) Guerra(s). 

Segundo; porque uma semana depois da chegada, em 12.Abr.1974, minha mãe, Georgina Araújo, comemorou o seu quadragésimo sexto aniversário num ambiente de grande euforia e felicidade recíproca, mais humano e ecológico do que nunca, afirmando, após apagar as velas do ‘4’ e do ‘6’, que a maior prenda que tinha recebido naquele dia foi o de poder contar com a presença do filho, o que se entende. Fará agora, no próximo dia 12.Abr.2012, oitenta e quatro primaveras, não estivéssemos, nós, na Primavera. 

Terceiro; porque no dia 21.Abr.2012, tudo leva a crer, estaremos em Monte Real, no VII Encontro Nacional da Tabanca Grande, emboscados à volta de uma mesa tendo por pares ilustres ex-combatentes falando de coisas de que ninguém sabe – peripécias vividas na Guiné –, preparados para uma O.E. cujo alvo (objectivo) é o prato cheio de coisas boas, sabendo nós que o inimigo está observando os nossos movimentos: o colesterol. Vão ser, certamente, mais umas quantas e boas emoções. 

Quarto; (agora mais a sério!) porque no dia seguinte ao ENTG – 22.Abr.2012 – completa-se quarenta anos em que o meu GComb, da CART 3494, travou a sua primeira grande batalha na Ponta Coli (Xime). E é devido a esse acontecimento que estamos hoje aqui, em comunhão de experiências e sob outra super emoção, na medida em que procurámos dar corpo, alma e desejo, ao que vivemos, sentimos e respirámos naquele dia inesquecível ou que jamais esqueceremos. 

Quinto; (de última hora) porque, quando alinhavamos as derradeiras letras deste texto, fomos confrontados com uma mensagem electrónica enviada pelo nosso camarada Sousa de Castro, tabanqueiro n.º 2 deste n/ blogue, dando-nos conta do falecimento do ex-Furriel Sousa Pinto, também ele protagonista neste episódio na Ponta Coli. O funeral realizou-se ontem, 02.Abr.2012, para o cemitério de Meadela (Viana do Castelo). Que repouses em paz. 

Posto isto, eis então a narração desse acontecimento na Ponta Coli. Uma história mais para juntar ao espólio da Tabanca Grande, que está cada vez maior.

ERA UMA VEZ UMA ESTRADA, PALCO DE JOGOS DE SOBREVIVÊNCIA 

I – O CASO DA PONTA COLI - XIME 

A decisão há muito que estava tomada. Faltava apenas esperar por uma oportunidade, para tornar público, na primeira pessoa, a descrição dos sons, das imagens e de mais alguns detalhes gravados na nossa memória de longo prazo, antes que as mesmas se apaguem, sobre um tema que justificou já a participação neste blogue de vários tertulianos (vidé: P9446 + P9457), ou seja, o «caso da Ponta Coli - Xime», aproveitando este momento de recordações para a (re)baptizar como o «palco de jogos de sobrevivência». 

E essa oportunidade chegou agora por quatro motivos particulares: 

1 – Por terem passado já quarenta anos (1972-2012) sobre essa data, sendo também, poi isso mesmo, uma ocasião para prestar homenagem póstuma ao nosso camarada Furriel Manuel Rocha Bento, falecido em combate nesse local. 

2 – Pela necessidade de dar conta da minha versão a todos aqueles que viveram este acontecimento, directa ou indirectamente. Este contributo pretende ser apenas mais uma pequena peça do puzzle da CART 3494, e, concomitantemente, uma outra peça do puzzle, naturalmente maior, que é a história do conflito político-militar do C.T.I.Guiné. 

3 – Pelo convite/desafio suscitado pelas dúvidas do camarada CMDT ex-Cap. Artª António José Pereira da Costa (agora Coronel na reserva), na sua MSG de 2009.03.22 publicada no blogue da Companhia, em que manifestou vontade de saber o que se passou em concreto, uma vez que a sua nomeação para liderar a CART 3494 foi causa/efeito dessa emboscada. 

4 – Para transmitir, publicamente, uma palavra de gratidão a todos quantos naquele dia 22.Abr.1972 deram o seu melhor, num contexto que no início nos era francamente desfavorável, superando as adversidades em defesa da vida – das suas e a dos seus semelhantes, camaradas de armas. Não fora essa transcendência singular e os resultados teriam sido bem diferentes, para pior, como poderão constatar pela leitura do ponto seguinte. 

II – O (DES)ENCONTRO DE 22.ABR.1972 – O jogo dos possíveis 

O dia 22 de Abril de 1972 será sempre um dia para recordar, particularmente por todos os ex-militares que constituíram a CART 3494, e em especial por aqueles que viveram, conviveram e sobreviveram ao jogo do “gato e do rato” ou de “escondidas”, como é comum definir-se, no léxico militar, o conceito de “guerrilha”, como foi o caso dos elementos do 4.º GComb (pelotão) – o nosso. 

Se antes, durante a instrução que obedecia a um programa com tempos e ritmos pré-definidos, que era interrompida por cansaço, conflitos surgidos ou por decisões unilaterais, e em que quase tudo tinha um carácter de simulacro e de associação casual de probabilidades, pois o objectivo primeiro era a aquisição de competências sensoriais e motoras, visando ultrapassar possíveis obstáculos surgidos nos diferentes contextos, agora, neste dia 22.Abr.1972, tudo passou, num ápice, do “faz de conta” a uma situação REAL, em que a regra do “jogo” era, então, a eliminação física do opositor ou dos opositores por antecipação e perícia, num cenário que incluía, ainda, a variável designada teoricamente por «Sorte». 

Mas sorte é quando uma coisa boa nos acontece, sem que seja esperada. É habitual afirmar-se também, numa perspectiva de senso comum, que a sorte versus azar andam ligadas ao destino, para quem nele acredita. Trata-se, assim, de uma força invisível contra a qual não há nada a fazer. Segundo essa crença, destino ou fatalidade emergem de um poder divino que está para além do comum dos mortais. 

Com efeito, para nós, à data militares-combatentes cumprindo o superior dever para com … (?), o dia 22.Abr.1972, sábado – dia de Saturno, deus especialmente querido dos Romanos e a que a língua inglesa continua fiel pois chama, ainda, ao seu sábado Saturday – começou com as normais rotinas de cada dia: alvorada, higiene pessoal, pequeno-almoço, preparação para o cumprimento das tarefas e obrigações individuais e colectivas, em função das competências atribuídas anteriormente, que incluíam, entre outras, a preocupação pelo bom funcionamento do armamento e equipamento adequado e outros apetrechos necessários para a missão. 

E umas das tarefas atribuídas diariamente à CART 3494, do BART 3873, era a de garantir a segurança possível em parte do troço que ligava o Xime a Bambadinca, por causa/efeito do tráfego rodoviário que aí ocorria, uma vez que a possibilidade mais exequível para chegar à cidade de Bissau, ou desta ao extremo leste do território – Bafatá, Nova Lamego, Piche, Canquelifá, Galomaro, Xitole, Saltinho, etc. –, só poderia acontecer por via marítima (Rio Geba) em que o Xime, situado na margem esquerda desse rio, era ponto de chegada e de partida de civis e militares, assumindo-se deste modo como local político-militar-económico estratégico por excelência. 

O tempo diário desse controlo acontecia, maioritariamente, no período em que havia claridade (luz do dia), entre as 07:00/07:30 e o regresso após o Sol se pôr (ocaso), ou, em situações excepcionais, até que ficassem concluídas as actividades portuárias. O ponto escolhido para essa segurança ficava situado numa zona compreendida entre a bolanha contígua ao Xime (Taliuará) e Amedalai, sendo esse local designado por Ponta Coli, e onde permaneciam diariamente os militares escalados para essa tarefa/acção/missão, considerada “Rainha” no conjunto de todas as outras. 

Considerando que em situações ditas normativas as Companhia Operacionais eram constituídas por quatro GComb, no caso da CART 3494 só três estavam aquartelados no XIME, na medida em que o 2.º pelotão encontrava-se destacado, em permanência, na Tabanca do Enxalé, esta situada na margem direita do Geba, em frente ao Xime. Daí que o cumprimento desse dever diário era feito de três em três dias por cada GComb, excepto quando a Companhia tinha de efectuar outras acções ou operações que envolvessem a totalidade dos seus elementos.

Naquela data, o grupo escalado para cumprir a acção/missão referida anteriormente era o 4.º pelotão, constituído por vinte elementos, entre sargentos e praças, uma vez que não havia nenhum oficial (ex: alferes) adstrito, no preciso momento em que o nosso calendário registava apenas oitenta dias de efectiva permanência na região. 

Ao efectivo militar sobredito juntava-se sempre um Guia, no caso o Malan, natural da Guiné, e mais dois condutores auto, uma vez que o transporte até ao local da segurança era feito em duas viaturas Unimog. 

Porém, naquele dia, a saída do aquartelamento não aconteceu à hora que era mais ou menos habitual por se terem verificado diversos factos que contribuíram para algum atraso, o último dos quais relacionado com o esquecimento de um rádio emissor/receptor AVP1, que normalmente era levantado no posto de TRMS ou entregue, na parada, pelo militar de serviço nesse posto a um dos furriéis do GComb. 




Estando reunidas, então, as condições de marcha, após uma análise global de todos os procedimentos habituais, saímos rumo ao objectivo previsto (Ponta Coli) eram aproximadamente 08.00 horas. Os vinte e três elementos que constituíam o universo dos militares destacados para a missão, e que seguiam nas duas viaturas, foram distribuídos de forma aleatória, contabilizando-se doze elementos na viatura n.º 1 (a que seguia à frente) e onze na viatura n.º 2 (a que seguia atrás, naturalmente). 


Para além da nossa companheira residual no mato - G3 - na panóplia do armamento constava, ainda, um morteiro 60, uma bazuca e as respectivas granadas de cada de um deles, distribuídas entre todos os militares. 

Após termos percorrido aproximadamente quatro/cinco Kms. a uma velocidade reduzida, em que se respeitou a distância de segurança entre as duas viaturas, e quando no horizonte se avistava já o «ponto X», e as viaturas continuavam a sua marcha cada vez mais lenta, estando quase a parar, eis senão quando tudo passou a ser diferente, estranho, complexo, num quadro de enorme entropia, em suma, um verdadeiro caos.


Tínhamos caído numa emboscada montada por um bi-grupo do PAIGC (de 52 unidades, de acordo com as informações recolhidas mais tarde), iniciada a partir da linha de segurança por nós utilizada habitualmente, esta situada a cerca de sessenta/ setenta metros da estrada, e que viria a ser a primeira experiência do género vivida por elementos da CART 3494

Ao som das primeiras rajadas de “costureirinhas” (kalashnikov) e de rebentamentos de granadas de “RPG7”, que procuravam atingir os alvos que se encontram nos centros das miras dos guerrilheiros, os nossos camaradas lançaram-se das viaturas para o asfalto, e reagiram, ou não, em função da situação em que cada um deles se encontrava, continuando as viaturas a sua marcha, agora desgovernada, rumo à valeta da estrada, servindo estas de refugio nos instantes iniciais para alguns de nós. 

Entre gritos, gemidos e choros, misturados com a utilização de uma linguagem de elevada erudição adquirida na escola da vida e que, naquele cenário, era própria de quem estava em aflição e, sobretudo, em inferioridade física e numérica, havia mortos, alguns feridos, desmaiados e poucos em condições de estabelecer o equilíbrio entre um dos lados da contenda. 

Tendo em consideração a situação adversa e o papel atribuído a cada um de nós enquanto combatentes, e porque me encontrava na posse de todas as capacidades físicas e psicológicas, pois, como vim a verificar mais tarde tinha sido o único ileso da 2.ª viatura, havia que dar resposta na mesma linguagem bélica, utilizando os recursos disponíveis. 

Entretanto, uma nova contrariedade fez engrossar as dificuldades de então, na justa medida em que não nos era possível comunicar com o aquartelamento, dando conta da ocorrência e sinalizando a nossa posição, para uma primeira ajuda que bem precisávamos por parte da artilharia pesada aí existente (obuses) e depois para o reforço de efectivos no terreno, uma vez que o rádio AVP1, aquele equipamento que fez retardar a nossa saída, estava em parte incerta, vindo a ser localizado, mais tarde, junto ao corpo do Furriel Manuel Rocha Bento, já cadáver. 

Aos poucos, ao ritmo de um tempo que parecia não passar, os desmaiados começam a acordar, os feridos tomam consciência de que ainda têm força suficiente para reagirem, e com os cinco ilesos que continuavam activos e operacionais, através dum impulso colectivo vindo das entranhas e de um grito de contra-ataque, contribuímos para anular a terceira tentativa de sermos apanhados à mão por parte dos elementos do PAIGC, que muito porfiaram mas sem sucesso. 

Por outro lado, o nosso sucesso ficou a dever-se justamente ao esforço de todos, mas em particular a um MALAN (guia) que, sangrando abundantemente da cabeça onde existiam pelo menos duas perfurações, como tivemos a oportunidade de observar in loco, empunhava duas G3, uma em cada braço apoiadas pelas suas axilas, e de pé, em plena estrada, despejava carregadores sem cessar. 

Outra situação que contribuiu, também, para a debandada dos guerrilheiros teve a ver com a circunstância dos municiadores de morteiro e de bazuca, após recuperarem a consciência, depois de terem ficado atordoados na sequência do salto das viaturas em andamento, fazerem uso das suas armas a uma cadência de tiro inconstante, mas mesmo assim relevante, uma vez que o desempenho de ambos estava/ficou dependente da localização das suas munições (granadas) que acabaram por ficar dispersas ao longo da estrada, numa frente de cento e vinte metros aproximadamente, dando a ideia de que estávamos fortemente armados.


Passado o tempo de todas as incertezas, que se estima entre quinze a vinte minutos, durante os quais o meio ambiente se alterou profundamente, produzindo novos odores resultantes da combinação de diferentes elementos, de que são exemplos: o capim e restante vegetação, a terra e a pólvora, mesclados com a humidade e o aumento da temperatura externa e interna - a dos nossos corpos -, os corações começaram a bater a um ritmo cardíaco mais aceitável, e a boa notícia, que era possível transmitir a partir daquele momento, era de que a situação militar estava controlada, caminhando para a normalidade, com a chegada dos primeiros apoios externos e, também, por via da fuga do IN. 

O primeiro elemento a chegar junto de nós, foi o nosso CMDT, Cap. Artª. Vítor Manuel Ponte da Silva Marques, que nos perguntou: “então, Araújo, o que se passou …?”, logo secundado por um enfermeiro da Companhia, que não recordo o nome mas tão só o seu rosto, pois era portador de uma mala de primeiros-socorros. Mais apoios foram chegando à medida que iam sendo mobilizados, quer do Xime quer do Batalhão sediado em Bambadinca, para onde foram transportados os feridos mais graves ou aqueles que justificavam maior atenção. 

No final, o balanço da primeira emboscada sofrida pela CART 3494, foi de um morto (Furriel Manuel Rocha Bento), dezassete feridos entre graves e menos graves nos quais estava incluído o Furriel Raul Sousa Pinto, ferido com dezenas de estilhaços espalhados pelo corpo, mas com maior incidência na cabeça, sendo este o segundo de três Furriéis que enquadravam os restantes militares do GComb, e contabilizados apenas cinco ilesos, fazendo eu parte desse reduzido grupo. Este camarada acaba de nos deixar para sempre. O seu funeral realizou-se ontem - 02.Abr.2012. 

Que dizer mais? 

Que viver é sempre uma possibilidade para qualquer ser humano quando não está em ambiente de guerra convencional. Porém, viver num contexto como aquele que esteve na génese desta narrativa, era uma constante incógnita e/ou interrogação que nos ocupava parte do pensamento, em virtude de poderem ocorrer novos encontros/desencontros no mesmo local e à mesma hora, como veio a verificar-se 222 dias depois, em 01.Dez.1972, tendo por protagonistas os elementos do mesmo GComb, ou seja o 4.º pelotão. 

Numa outra oportunidade, relataremos o que ficou da nossa experiência acerca deste novo episódio ocorrido na Estrada Xime-Bambadinca, no local transformado em palco de muitas emoções/tensões, num jogo de sobrevivência impregnado de superações e de transcendências. 

III – CAUSAS/EFEITOS DESTA EMBOSCADA 

No dia seguinte, domingo no calendário solar também conhecido por Juliano, de Júlio César, o militar (general) e político romano, a vigorar desde o ano de 709 de Roma (45 a.C.), a vida dos combatentes da CART 3494 voltou a ter, na sua agenda, uma nova missão de segurança à Ponta Coli, desta feita a cargo do 1.º pelotão. 

Uma primeira causa/efeito do episódio de má memória do dia anterior foi o de ter produzido uma mudança de atitude na estratégia utilizada anteriormente, no trajecto entre o aquartelamento e aquele local, fruto do debate interno levado a cabo pelo grupo de furriéis operacionais da Companhia, do qual fazíamos parte, no sentido de minimizar os riscos pessoais de cada um de nós, sempre muitos expostos no cumprimento dessa acção/ missão diária. 

E o que ficou acordado, a partir de então, foi a alteração das rotinas anteriores, passando cada GComb a ser auto transportado somente até ao limite da bolanha do Xime e o restante trajecto até à Ponta Coli a ser efectuado a pé, com esquemas diferenciados de progressão e distribuição espacial do respectivo efectivo. 

Uma segunda causa/efeito daquele acontecimento foi a diminuição do número de militares operacionais, consequência dos diferentes graus de enfermidade e de inferioridade física provocados pelos ferimentos em cada um deles, levando à evacuação dos casos mais graves para o Hospital Militar de Bissau, onde permaneceram algumas semanas. Como consequência, o 4.º pelotão ficou inoperacional durante algum tempo. No nosso caso, transitámos de imediato para o 1.º pelotão, uma vez que este GComb se encontrava desfalcado de quadros de comando. 

Uma terceira causa/efeito da emboscada foi a distinção, com o «Prémio Governador», de dois elementos do GComb: o soldado Manuel de Sousa Monteiro, natural da Batalha, e o 1.º Cabo Manuel Amorim do Alto, natural de Terroso, Póvoa do Varzim, os quais adquiriram o direito de gozar na Metrópole, como se dizia à época, um mês de férias. Estes militares eram os municiadores do Morteiro 60 e da Bazuca, desconhecendo eu o nome, ou nomes, a quem se deve a iniciativa de propor estas duas distinções. 
   
Uma quarta causa/efeito deste episódio, e que viria a ter grande influência no devir da organização da unidade social designada por CART 3494 foi o facto do nosso primeiro CMDT, Cap. Artª. Vítor Manuel Ponte da Silva Marques, também conhecido nos meios militares por «Salta-me a Cabeça», consequência do uso frequente deste termo, se ter autoexcluído de a ela continuar ligado. No dia imediato assinou a sua própria guia de marcha, com destino aos Serviços de Psiquiatria do Hospital Militar de Bissau, para não mais regressar ao Xime para junto dos seus camaradas milicianos. 

Durante um pouco mais de três meses a CART 3494 deixou de poder contar com o seu líder, vindo este a ser substituído por uma nova liderança a cargo do Cap. Artª. António José Pereira da Costa (agora Coronel na reserva, como foi já referido na nota introdutória), situação verificada no início do mês de Agosto de 1972. 

Este nosso novo CMDT, o segundo, passados apenas meia-dúzia de dias da sua chegada ao Xime, viria a viver, conviver e a sobreviver, tal como nós, a mais um episódio negativo que marcou a história da Companhia, e do Batalhão, este relacionado com o «naufrágio no Rio Geba», ocorrido no dia 10.Ago.1972. Sobre este acontecimento, e noutra oportunidade, darei a conhecer publicamente a minha versão dos factos que, também eles se encontram ainda gravados na minha (nossa) memória. 

Passados aproximadamente três anos sobre o abandono da Companhia por parte do nosso primeiro CMDT, Cap. Vítor Manuel Ponte da Silva Marques, a sua pessoa e o seu nome acabariam por ficar mais uma vez na história, agora da História de Portugal no período pós 25 de Abril de 1974. O seu nome ficará ligado para sempre ao que foi considerada uma tentativa contra-revolucionária de 11.Mar.1975, conforme nos dá conta o Diário da República de 21.Mar.1975, Decreto-Lei n.º 147-D/75, pp. 430 (4:5), assinado pelo General Francisco da Costa Gomes (1914-2001), à data Presidente da República, acto que levou os seus autores a serem expulsos das fileiras das Forças Armadas. 

Face ao fracasso do seu propósito e de mais dezoito oficiais dos três ramos das forças armadas, no qual o General António de Spínola (1910-1996) se assumiu como líder, o Cap. Vítor da Silva Marques, entretanto promovido ao posto de Major (e que já não está entre nós), e o General António de Spínola, que foi governador militar na Guiné, como sabemos, entre 1968 e 1973, acabariam por fugir para Espanha (Badajoz) e depois para o Brasil, a exemplo, aliás, do que acontecera cento e sessenta e sete anos antes (1808) com o exílio do Rei D. João VI. 
     
Chegados ao fim deste episódio, o primeiro menos agradável que consta no nosso currículo de ex-combatente na Guiné, resta-me enviar para todos os meus camaradas «Fantasmas do Xime», ilustre cognome da CART 3494, votos de muita saúde, e que esta história real que agora passei a escrito, e que certamente acompanharam com muita atenção, vos possa dar o ânimo necessário para continuarem a lutar pela vossa sobrevivência. 

Que sejam felizes! 

Um grande abraço para todos, e até … ‘ao meu regresso’, isto é, até à próxima emboscada. 

Jorge Araújo
Ex-Furriel Mil Op Esp/RANGER da CART 3494
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Nota de M.R.:

Vd. poste de apresentação do Jorge Araújo em: 



Guiné 63/74 - P9697: Nós da memória (Torcato Mendonça) (18): O Dia - Fotos falantes IV





1. Texto e Fotos Falantes (IV Série) do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória".





NÓS DA MEMÓRIA - 18
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

14 – O Dia 

Chegou finalmente.
Houve desfile, breves discursos e fanfarra para animar a despedida.
Esperamos.

Dia da partida > 04DEZ69 > A fanfarra 

Dia da partida > 04DEZ69 > Parada e desfile. Espera-se

Dia da partida > 04DEZ69 > O Uíge engole militares

A uma ordem, tudo naquele mundo era a uma ordem e delas dependíamos para tudo, embarcamos. Para trás ficou Bissau e a Guiné.

Bissau. Uma palavra para aquela cidade.

Era, quanto a mim e como tal muito subjectivo, uma cidade com a vida prisioneira dos militares e deles dependia.
A parte mais bonita era o porto, a zona antiga na Baixa, o Poilão.
Havia restaurantes, hotel, pensões, casas de prostituição, lojas onde tudo se vendia, locais de diversão. Tudo direccionado para os “pesos” dos militares.
A verdadeira vida, de cidade africana, era feita por uma população de vida à parte e com poucas misturas, pelo menos aparentemente.

Anos depois, cinco, os militares partiram, não como nós agora, mas definitivamente e regressaram ao nosso País.
Ficou a Guiné entregue a quem nos combateu e a outros que de outros Países, em promessas de conforto e solidariedade, vieram. Outras Vidas…

Os homens do futuro

Os homens do futuro, esses miúdos que aparecem na foto, alguns, uma minoria, felizmente para eles, foi, certamente, dirigente daquela nação a nascer.

A maioria quedou-se pelas Tabancas a preservar a sua cultura, os seus saberes seculares e o viver de seu povo e etnia.
São pobres pelo padrão ocidental. Talvez sejam felizes e mais seriam se outros saberes e haveres lhes fossem propiciados.

Gentes que recordo com saudade. O Povo das Tabancas.
Gostava de os ver felizes e sem tutelas de gentes sabedoras e engravatas…

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9678: Nós da memória (Torcato Mendonça) (17): Partida - Fotos falantes IV

Guiné 63/74 - P9696: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande - Monte Real 2012 (7): Ultrapassamos já o número de inscritos do Encontro do ano passado (A Organização)

Amigos e camaradas da Tabanca Grande,
No dia em que ultrapassamos o número de participantes do ano passado (125), achamos que devíamos publicar a lista dos 126 inscritos para a chamada Operação Monte Real, a ter lugar no Palace Hotel das Termas, nesta bonita localidade próxima de Leira, já no dia 21 de Abril de 2012.

Estamos no bom caminho para bater o recorde de 152 participações de 2010. Lembramos que para lá do bom ambiente criado pelos próprios participantes, das óptimas instalações e bom serviço prestado pelo Hotel, temos este ano o aliciante de, à tarde, podermos assistir ao lançamento do livro do nosso camarada Idálio Reis que faz questão de oferecer um exemplar a cada um dos camaradas presentes no acto.

Convidamos os nossos camaradas e tertulianos a verificarem se o seu nome consta na lista. Se não estiver, e se fazem ideia de participar, está na hora de se inscreverem. Se não estiver e já se inscreveram, por favor alertem a Organização para remediarmos o erro que será nosso.

Lembra-se que a data limite para receber inscrições termina já no dia 14.

Assim está a lista dos inscritos:

Acácio Dias Correia e Maria Antónia - Algés / Oeiras
António Fernando Marques e Gina - Cascais
António Gabriel Vaz - Lisboa
António José P. da Costa e Isabel - Mem Martins / Sintra
António Manuel S. Rodrigues e Rosa Maria - Oliveira do Bairro
António Martins de Matos - Lisboa
António Osório e Ana - Vila Nova de Gaia
António Pinheiro - Porto
António Sampaio e Clara - Leça da Palmeira / Matosinhos
António Santos e Graziela - Caneças / Odivelas
António Silva e Albina - Estarreja
António Sousa Bonito - Carapinheira / Montemor-O-Velho
Belarmino Sardinha - Odivelas
Benjamim Durães com: Bruna, Fábio, Marta, Rafael e Tiago - Palmela
C. Martins - Penamacor
Carlos Pinheiro e Maria Manuela - Torres Novas
Carlos Pinto e Maria Rosa - Reboleira / Amadora
Carlos Pires e Joaquina - Amadora
Carlos Rios e Fernanda - Carnaxide / Oeiras
Carlos Silva e Germana - Massamá / Sintra
Carlos Vinhal e Dina - Leça da Palmeira / Matosinhos
David Guimarães e Lígia - Espinho
Delfim Rodrigues - Coimbra
Diamantino Ribeiro André e Maria Rosa - Proença-a-Nova
Diamantino Varrasquinho e Maria José - Ervidel / Aljustrel
Eduardo Campos - Maia
Eduardo Ferreira - A-dos-Cunhados / Torres Vedras
Eduardo Magalhães Ribeiro - Porto
Ernestino Caniço - Tomar
Felismina Costa, João e Cláudia - Agualva / Sintra
Fernandino Leite - Maia
Fernando Sucio - Vila Real
Francisco António Ribeiro - Torres Novas
Henrique Matos - Olhão
Hugo Guerra e Ema - Lisboa
Hélder V. Sousa - Setúbal
Idálio Reis - Cantanhede
Jaime Brandão - Monte Real
Joaquim Gomes Soares e Maria Laura - Porto
Joaquim Mexia Alves - Monte Real / Leiria
Joaquim Sabido e Albertina - Évora
Jorge Araújo e Maria João - Almada
Jorge Cabral - Lisboa
Jorge Canhão e Lurdes - Oeiras
Jorge Picado - Ílhavo
Jorge Pinto - Agualva-Cacém / Sintra
Jorge Rosales - Cascais
José Barros Rocha - Penafiel
José Casimiro Carvalho - Maia
José Eduardo R. Oliveira (JERO) - Alcobaça
José Fernando Almeida e Suzel - Óbidos
José Francisco Robalo Borrego - Linda-a-Velha / Oeiras
José Luís Malaquias - Ílhavo
José Manuel Cancela e Carminda - Penafiel
José Manuel Lopes - Régua
José Marcelino Gonçalves e Tuula Kahkonen - Canadá
José Martins e Manuela - Odivelas
João Caramba e Rosa - Beja
João Mata - Quinta do Anjo / Palmela
João Paulo Diniz (PFA) - Lisboa
João Pinho dos Santos - Aveiro
João Santos - Porto 
João Sesifredo - Redondo
Juvenal Amado - Fátima / Ourém
Luís Graça e Maria Alice - Alfragide / Amadora
Luís R. Moreira - Cacém / Sintra
Manuel Augusto Reis - Aveiro
Manuel Domingos Santos e Maria Isabel - Leiria
Manuel Joaquim e José Manuel Cunté - Agualva - Sintra
Manuel Resende e Isaura - Cascais
Manuel Santos e Maria de Fátima - Viseu
Manuel Vieira Moreira - Aguada de Cima / Águeda
Maurício Esparteiro e Dulcínia - Almada
Miguel e Giselda Pessoa - Lisboa
Pacheco - Rio Tinto
Paulo Santiago - Aguada de Cima - Águeda
Raul Albino e Rolina - Vila Nogueira de Azeitão / Setúbal
Ribeiro Agostinho e Elisabete - Leça da Palmeira / Matosinhos
Silvério Lobo e Linda - Matosinhos
Victor Tavares - Recardães - Águeda
Vítor Caseiro e Maria Celeste - Leiria

Consultando o gráfico abaixo, pode-se ter uma ideia de como estão distribuídos geograficamente os inscritos:
 


Grande Lisboa - 42
Grande Porto - 21
Norte - 5
Centro - 33
Sul - 23
Regiões Autónomas - 0
Resto do Mundo (Canadá) - 2

Estamos gratos aos  nossos camaradas, amigos e familiares já inscritos no nosso VII Encontro, esperando que os que ainda não se inscreveram e querem participar, o façam com a maior brevidade possível.

Por outro lado, pedimos a quem por qualquer motivo, estando inscrito, não possa estar presente, comunique a sua desistência até ao dia 18 para que o camarada Mexia Alves possa regularizar a situação junto do Restaurante.

Para saber todos os pormenores sobre o VII Encontro da Tabanca Grande, clicar aqui

Pela Organização
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9633: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande - Monte Real 2012 (6): Estamos a um mês da nossa grande festa e já estão inscritos 94 camaradas e amigos (A Organização)

Guiné 63/74 - P9695: O Cancioneiro de Gandembel (3): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte III) (Idálio Reis)



Guiné > Região de Tombali > Março de 1968 > CCAÇ 2317 (1968/69) > Após o Treino Operacional na região do Oio (Olossato e Mansabá), a Companhia segue rumo ao Sul da Província. Poucos dias em Guileje, para então nos coagirem a ir para as cercanias do "corredor da morte", a fim de se construir de raiz, um posto militar fixo, em Gandembel e Ponte Balana A primeira etapa foi por via fluvial e até Cacine, a bordo de uma LDG, aonde aportam a 19 de março de 1968.





Guiné > Região de Tombali >
Guileje > CCAÇ 2317 (1968/69) > Março de 1968 > Durante a permanência em Guileje, foi-se recolhendo algum material para a construção de Gandembel/Ponte Balana. É o caso do aproveitamento de palmeiras, de cujos espiques se extraíam os cibes Na foto, um aspecto do abate das palmeiras.





Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 2317 (1968/69) > Março de 1968 > Na fase de carregamento dos cibes.


Fotos (e legendas): © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos Direitos reservados.


1. Continuação do texto da autoria de Idálio Reis (ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835 (Gandembel e Ponte Balana, Nova Lamego, 1968/69):


Os Gandembéis: O Nosso Cancioneiro, as nossas músicas, os nossos poetas (Parte III) (*) (**)


(...) Já se torna bastante diferente, a narrativa seguinte, que os autores apelidaram de “Os Gandembéis”. É escrita em circunstâncias inteiramente distintas das do Hino, onde o último local de permanência, em Nova Lamego, ofertava um clima de paz, de sossego e tranquilidade.



A sua leitura, feita nos dias de hoje, parece trazer uma inefável doçura, dada a exemplar ilustração da história da nossa Companhia.


Trata-se de um texto, composto e adaptado por ‘2 humildes anónimos’ [, um deles o saudoso João Barge (1944-2010), foto à esquerda, no nosso V Encontro Nacional, em 2010, uns meses antes de morrer],  que procurou fundamentalmente narrar a acção (épica), que um punhado de homens que então compuseram a CCAÇ 2317, tiveram que passar em terras da Guiné, mas onde prevalece pelas razões invocadas nestas memórias, os sítios contíguos ao rio Balana.








OS GANDEMBÉIS > Canto I


I
As armas e os barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por sítios nunca dantes penetrados
Passaram ainda além do Rio Balana,
E em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
Entre gente remota edificaram
Novo Reino que depois abandonaram;


II
E também as memórias gloriosas
Daqueles heróis que foram dilatando
A Fé, o Império e as terras viciosas
Do Olossato e Mansabá andaram conquistando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando;
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar engenho e arte.


III
Cessem do Corvacho e do Azeredo
As conquistas grandes que fizeram;
Cale-se do Hipólito e do Loredo (#)
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto os que não tiveram medo
A quem Nino e Cabral obedeceram.
Cesse tudo o que a antiga musa canta
Que a dois três dezassete mais alto s’ alevanta.


IV
Por estes vos darei um Maia fero,
Que fez ao Moura e ao Calças tal serviço.
Um Nunes e um Dom Veiga (##), que de Homero
A Cítara para eles só cobiço;
Pois pelos Dois pares dar-vos quero
Os de Gandembel e o seu Magriço;
Dou-vos também o ilustre Goulart,
Que para si em Minas não tem par.


V
E, enquanto eu estes canto, e a vós não posso,
Bigodes Reis, que não me atrevo a tanto, (###)
Tomai as rédeas vós, do Grupo vosso:
Dareis matéria a nunca ouvido canto.
Começai a sentir o peso grosso
(Que pela Guiné toda faça espanto)
De RDMs e recusas singulares
De Gandembel as terras e do Carreiro os ares.(####) 


VI
E, o que a tudo, enfim, me obriga
É não poder mentir no que disser,
Porque de feitos tais, por mais que diga,
Mais me há-de ficar ainda por dizer.
Mas, porque nisto a ordem leva e siga,
Segundo o que desejais de saber,
Primeiro tratarei da larga terra
Depois direi da sanguinosa guerra.


VII
Partiu-se de manhã, c’o a Companhia,(#####)
De Guileje o Moura despedido,
Com enganosa e grande cortesia,
Com gesto ledo a todos e fingido.
Cortam as viaturas a longa via
Das bandas do Carreiro, no sentido
De ir construir um quartel
Na inóspita e deshabitada Gandembel.


VIII
Já na estrada os homens caminhavam,
O intenso capim apartando;
Os ventos brandamente respiravam,
Nas viaturas as minas rebentando;
Da negra missão os soldados se mostravam
Decididos; e os aviões vão apoiando
A coluna com muita acrobacia
Porque no mais não passa de «fantasia.


IX
As roquetadas vêm do turra e juntamente
As granadas mortíferas e tão danosas;
Porém a reacção não consente
Que dêem fogo às hostes temerosas;
Porque o generoso ânimo e valente,
Entre gentes tão poucas e medrosas,
Não mostra quanto pode, e com razão:
Que é fraqueza entre ovelhas ser leão.


X
Da bolanha escondida, o grão rebanho,
Que pela mata foi aparecido,
Olhando o ajuntamento lusitano
Ao soldado foi molesto e aborrecido;
No pensamento cuida um falso engano,
Com que seja de todo destruído.
E, enquanto isto no espírito projectava,
Já com morteiros e canhões atacava.


XI
E uma noite se passou nesta rota
Com estranha emoção e não cuidada
Por acharem da terra tão remota
Nova de tanto tempo desejada.
Qualquer então consigo cuida e nota
No inimigo e na maneira desusada,
E como os que na errada missão creram
Tanto por toda a Guiné se estenderam.

(Continua)

Notas de L.G.:

(#) Cap Eurico Corvalho, comandante da CART 1613 (Guileje, 1967/68), falecido a 22/12/2011.  Cap Carlos Azeredo, cmdt da CCAV 1616(BCAV 1879, que esteve no Olossato. Quanto ao Hipólito e ao Loredo, pede-se ao idálio Reis para identificar estes dois comandantes de companhia que, presume-se, andaram pela região do Oio, e devem ter pertencido ao BCAV 1879, 1966/68 (que, além da CCAV 1616, tinha ainda a CCAV 1615 e a CCAV 1617).

(##)  Cap Inf Jorge Barroso de Moura, cmdt da CCAÇ 2313 (hoje ten general reformado); Alf Mil At Inf Mário Moreira Maia; Fur Mil At Viriato Martins Veiga; Sold apont metralhadora Jerónimo Botelheiro Nunes (a confirmar), cujo municiador morreu a 28/3/1968, nas imediações de Guileje

(###) Alf Mil At Inf Idálio Rodrigues F. Reis (hoje, eng agron ref, membro da nossa Tabanca Grande, residente  em Cantanhede); Fur Mil At Inf Mário Manuel Goulart.

(####) Carreiro= Corredor de Guileje, corredor da morte...

(#####) Depois de passar, na IAO,  por Mansabá e Olossato (de 15/2 a 15/3/1968), a CCAÇ 2313 seguiu de LDG para Cacine, e esteve em Guileje por pouco tempo (aí fazendo colunas logísticas para Gadamael e cortando cibes). A 8 de Abril de 1968 foi destacada para Gandembel, com a missão de construir um aquartelamento de raíz. Mas a 28 de março, tem os seus dois primeiros mortos, o Domingos Costa (Olival/vIla Nova de Gaia) e Manuel Meireles Ferreira (Pópulo / Alijó). A 8 de abril participa na Op Bola de Fogo...


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Notas do editor:


(*) Últinmo poste da série > 29 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9676: O Cancioneiro de Gandembel (2): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte II) (Idálio Reis)


(**) Fonte: REIS, Idálio - A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné: Gandembel / Ponte Balana. Ed. de autor, [Cantanhede], 2012, pp. 201-204. [Livro a lançar no dia 21 de Abril de 2012, em Monte Real, no nosso VII Encontro Nacional; um exemplar será oferecido pelo autor aos camaradas inscritos].

Guiné 63/74 – P9694: Tabanca Grande (327): José Carlos Santos Pimentel, ex-Soldado de Transmissões da CCAÇ 2401/BCAÇ 2851 (Guiné, 1968/70)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano José Carlos Santos Pimentel (ex-Soldado de Transmissões da CCAÇ 2401/BCAÇ 2851, Pirada, Paunca e Buruntuma, 1968/70), com data de 31 de Março de 2012: 

Camarada Carlos Vinhal
Agora vou passar às apresentações:

Sou: José Carlos dos Santos Pimentel
Data de nascimento: 23 de Fevereiro de 1946
Ex-Soldado de Transmissões da Companhia de Caçadores 2401
Vida Civil: Profissional de Seguros numa Companhia de Seguros (42 anos)
Actualmente Reformado por Invalidez desde 12/2000
Estou a morar em: Marisol - Charneca da Caparica
Lugares onde andei na Guiné: Bissau, Contobuel, Nova Lamego, Pirada, (SENEGAL, perdidos) Paunca, Geba, Piche, Buruntuma e, em Operações, por vários locais.

Fotos actuais tipo passe não tenho por agora, quando tiver envio.

Um abraço
Pimentel

2. Seguem-se algumas das fotos recebidas e que farão parte de um álbum a publicar:

5 de Setembro de 1968 > José Carlos Pimentel a bordo do navio Uíge

Paunca, 12 de Agosto de 1969 > José Carlos Pimentel 

José Carlos Pimentel


3. Comentário de CV:

Caro José Carlos Pimentel
Bem-vindo à nossa Tabanca.

És mais um elemento da Arma de Transmissões largamente representada na nossa tertúlia, no entanto, se reparares, não temos no nosso Blogue referências à CCAÇ 2401. Como queremos o mais possível que as Unidades que passaram pela Guiné tenham algum registo nas nossas páginas, cabe-te a missão de nos contares, com textos e fotos, a actividade da tua 2401.

Não esqueças que queremos preferencialmente digitalização de fotos que tenhas em teu poder, assim como textos originais ou, quando muito, baseados em relatos e fotos dos teus camaradas de Companhia. Diz-nos sempre a proveniência do material que mandas porque no nosso Blogue tentamos ao máximo respeitar a propriedade intelectual daquilo que publicamos.

Como enviaste uma série de fotografias, vamos começar a publicá-las brevemente.

Como é da praxe, envio-te em nome da tertúlia, e dos editores em particular, um abraço de boas-vindas.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Março de 2012 > Guiné 63/74 – P9684: Tabanca Grande (326): António Vaz, ex-cap mil CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69

Guiné 63/74 - P9693: Parabéns a você (399): Álvaro Vasconcelos, ex-1.º Cabo TRMS do STM (Guiné, 1970/72)

Ver postes de Álvaro Vasconcelos aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de Guiné 63/74 - P9677: Parabéns a você (398): António Graça de Abreu, ex-Alf Mil do CAOP 1; Benjamim Durães, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger da CCS/BART 2917 e Rosa Serra, ex-Alf Mil Enf.ª Pára-quedista do BCP 12

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9692: Um Professor na guerra (Manuel Joaquim) (1): Analfabetismo, um outro combate

1. Mensagem de Manuel Joaquim* (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), com data de 28 de Março de 2012:

Meus caros Luís, Carlos e Eduardo:
Durante a minha vida militar na Guiné, tirando os quatro meses iniciais, sempre dei aulas, melhor dizendo, fiz alfabetização. Guardei sempre uma parte do meu tempo livre para proporcionar a muitos soldados a obtenção da quarta classe e, nos últimos quatro meses, trabalhei a tempo inteiro com soldados e com crianças. A minha "guerra" foi sublimada com este meu trabalho de que me orgulho e ao qual me dediquei. Talvez ingenuamente foi a procura dessa sublimação o que sempre me conduziu na minha atividade como combatente. Precisei desse objetivo mesmo sem saber ou pouco me importar qual o resultado final.

Titulei este trabalho com "Um professor na guerra". Professor e combatente fui de certeza. O título está para o"frouxo". Arranjam-me um melhor para este relato? Vai dividido em quatro partes. Se acharem por bem publicar é possível que prefiram uma outra divisão. Fica ao vosso critério.

Manuel Joaquim


UM PROFESSOR NA GUERRA

I - Analfabetismo, um outro combate 

Por Manuel Joaquim

É um facto que, inicialmente, por atitude dos comandos militares locais e mais tarde por ordem governamental para a generalidade do território, os militares portugueses muito fizeram para combater o analfabetismo reinante na então chamada província da Guiné. Analfabetismo este que era quase geral quando se refere a população local e era muito grande, vergonhosamente grande, no seio dos nossos soldados.

A minha maior surpresa política quando cheguei à Guiné foi constatar que a língua portuguesa era uma coisa residual, praticamente ninguém a falava fora dos círculos da chamada elite social. “Os 500 anos de Portugal no território da Guiné, parte inalienável da pátria portuguesa” (como se dizia na altura) nem sequer tinham conseguido implantar a língua portuguesa como veículo de comunicação global!

Cheguei à Guiné no início de agosto de 1965, tinha 24 anos de vida e 18 meses de “tropa”. Pode-se dizer que, naquelas circunstâncias, era um veterano perante a idade (civil e militar) da quase totalidade dos meus camaradas da companhia. Apesar de ser ideologicamente contra a guerra, assumi até ao “miolo” a situação de combatente, sem subterfúgios, sem resistências, sem manigâncias (havia por lá tantas!) para me escapar à atividade operacional.

No início do ano de 1966, o meu comandante de companhia vem pedir-me que tomasse conta da alfabetização de alguns soldados. O meu “sim” foi imediato e feliz:

Bissorã, 24FEV66 (... ... ...) Há uns tempos para cá tenho a meu inteiro cargo a instrução primária de 44 soldados, o que me ocupa todas as tardes e princípios de noites, precisamente o tempo mais propício ao descanso. Mas eu trabalho com gosto. Até porque é o meu único trabalho oficial válido. E os alunos compreendem e acarinham-me. O que é certo é que o tempo livre voou quase todo.(... ... ...)

E assim, durante mais de um ano, tive mais esta ocupação que me manteve psicologicamente bem à tona. Nos intervalos da minha atividade militar dei aulas a mais de três dezenas de soldados, alguns deles analfabetos, tentando preparar a maior parte deles para o exame da 4ª classe. Profissionalmente, estava na minha “quinta” pois era professor do quadro do ensino primário. Levei esta missão muito a sério, com devoção mesmo. Também os alunos o fizeram e o resultado foi terem completado o ensino primário, aprovados em exame oficial realizado nos termos legais, por um júri presidido pelo diretor provincial do ensino. Aprovados sem qualquer favor especial, bastou terem cumprido os objetivos mínimos (os mesmos que, em Portugal, estavam estabelecidos para o ensino de adultos). Foi um ponto de honra que assumi com os alunos.

Os poucos, à volta da dezena, que o não conseguiram, aprenderam os rudimentos do português escrito e da matemática, permitindo-lhes terem um certificado da 3ª classe que, pelo menos, lhes retirou o estigma de analfabetos. Aqui, confesso, houve alguma condescendência. Foi um dos momentos altos da minha vida pessoal e profissional. Resultado de um trabalho muito gratificante que proporcionou a mais de três dezenas de soldados um diploma escolar muito importante, diploma este que era essencial para um retomar da sua vida civil em condições muitíssimo mais favoráveis. Ter este diploma nas mãos foi para eles também uma grande vitória, deveu-se ao seu esforço e dedicação, à sua coragem para resistirem às tentações dos tempos livres. Senti-me feliz ao ver reconhecido o meu esforço e dedicação:

Mansabá, 10ABRIL67 (... ... ...) Reconheceram-no e ontem à noite organizaram uma festinha muito simples e comovente em minha honra. Senti-me confundido com a sua atitude, o seu reconhecimento por tudo o que fiz por eles, que sem dúvida foi alguma coisa sem outro intuito qualquer que não fosse o de instruí-los. A festinha terminou com razoáveis bebedeiras e eu, por pouco, não apanhei também a “perua”. Senti-me feliz, deveras satisfeito.(... ... ...) 

Sei que outros militares combatentes, como eu, dedicaram muito do seu tempo livre a alfabetizar muitos dos seus camaradas soldados, a combater o miserável analfabetismo que grassava neste país “farol da civilização”(!) como diziam as pancartas do regime político da época. Um país que, no início da 2ª metade do século XX, tinha um exército constituído por mais de um terço de analfabetos e uma outra parte dos soldados desse exército pouco mais sabia que soletrar e escrever o nome e fazer “de cabeça” umas simples continhas!

Quero aqui prestar homenagem aos que, acumulando com as atividades militares para que tinham sido mobilizados, se entregaram ao ensino de alguns seus camaradas e de muitas crianças das povoações onde estavam inseridos. Sem retorno económico ou de descanso, foram “missionários” da civilização, do bem comum. O meu caso não se compara, o trabalho foi mais fácil, exerci a minha profissão, “sabia da poda”. As minhas homenagens a quem o merece!

(Continua)
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9554: Reflexões sobre a Guerra Colonial / Guiné-Bissau (Manuel Joaquim)

Guiné 63/74 - P9691: Notas de leitura (347): Arte Nalú, por Artur Augusto da Siva (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 23 de Fevereiro de 2012:

Queridos amigos,
O pretexto foi uma brochura sobre a arte Nalú, a autoria é de Artur Augusto da Silva. A escultura dos Nalús e dos Bijagós é disputada pelos grande colecionadores de arte africana, consideram-na como uma das mais criativas e originais formulações da encarnação dos deuses nos homens, animais e coisas. É uma escultura que pode ombrear com o sonho dos artistas plásticos inspirados pelo cubismo e abstracionismo, a partir dos anos 10 do século XX, simultaneamente austera e rude, luxuriante e barroca, talhada para se ver a madeira sem enfeites ou fácil de policromar, ao gosto do artesão.
Falando por mim, tenho lá à entrada de casa um Ninte-camalchole, peço-lhe sempre que me afaste dos maus espíritos.

Um abraço do
Mário


Arte Nalú, uma lembrança de Artur Augusto da Silva

Beja Santos Artur

Augusto da Silva dispensa apresentações, é um luso-guineense dos quatro costados e com uma larguíssima intervenção cultural. Aquando da 6.ª Conferência Internacional dos Africanistas Ocidentais, que se realizou em Bissau, o estudioso Artur Augusto da Silva apresentou um trabalho sobre a arte Nalú cujo preâmbulo é de irresistível transcrição:

“Costumam aqueles que se dedicam ao estudo e interpretação dos fenómenos artísticos e mais designadamente aqueles que estudam as chamadas artes plásticas prender-se unicamente ao aspeto estático da Arte, isto é: aos conteúdos estético e técnico das obras, negligenciando ou esquecendo totalmente que qualquer obra de arte é, sempre, fruto daquilo que preenche a vida espiritual do seu criador e que essa vida espiritual é condicionada, em primeiro lugar, pelas condições económicas do artista e da sua época. 

Assim, à análise estática da Arte, preferimos sempre o estudo dinâmico dela, isto é: a apreciação do seu conteúdo ou, como modernamente se diz, da sua mensagem. No estudo da arte Nalú procuramos surpreender as suas determinantes, as relações da sua arte com a necessidade de exprimir as preocupações dominantes do agregado social e ainda demonstrar que o meio ambiente condicionou o modo de vida, a sua organização económica e, como resultado desta organização, todas as superestruturas daí derivadas”.

Como é por todos sabido, a escultura é a manifestação artística em que se distinguem os Bijagós e os Nalús, são indiscutivelmente os artistas mais originais, pegam na figura humana ou animal ou em diferentes objetos e reproduzem-nos com uma criatividade sem rival. São igualmente dotados para o fabrico de instrumentos musicais e panos bordados, por exemplo, mas aqui já são domínios que encontram forte concorrência, pois os Mandingas e os Fulas intervêm com muito esmero no fabrico dos instrumentos musicais e a panaria Manjaca, na simplicidade geométrica do bordado, continua a fascinar pelo talento imaginativo.

Ao tempo desta comunicação, os Nalús mantinham-se praticamente insensíveis à catequese islâmica, viviam tranquilamente o animismo, eram as florestas do Sul que enquadravam a sua visão do mundo e o seu fascínio religioso, o seu panteão espelhava o que ele via na floresta, daí a imagem sagrada de certas árvores, o seu gosto apurado em reproduzi-las e o prazer estético que encontram no papel das máscaras e das aves, por exemplo.

Voltemos aos argumentos de Artur Augusto da Silva na referida comunicação. Apresenta os Nalús referindo que eram pouco mais de 3 mil de acordo com o senso populacional de 1950. São tipicamente continentais, terão sido empurrados para a orla conjuntamente com os Bagas, pelos Sossos vindos do Futa Djalon, sob a pressão dos Fulas. Habitam regiões da circunscrição de Catió, em Cacine, Bedanda e Cubisseco, na região de Fulacunda. Os Nalús não possuíam escrita mas dominavam a literatura oral (contos, poesias éticas, provérbios, canções que se transmitiam de geração em geração). O verosímil e o inverosímil andam de mãos dadas nessa literatura, que é também dado assente para a sua escultura, são prolongamentos da mesma realidade. Posicionados como um dos povos mais atrasados de África, dentro da sua conceção animista, é possível ver as suas esculturas com um significado misto de religioso e de entretenimento, o melhor exemplo poderá ser o da máscara que representa um chefe que será recordado e homenageado pelo artista, é a máscara que conserva essa energia, essas máscaras representam seres humanos que também podem ter sido mortos por cobras e é importante saber que a serpente é em toda a zoolatria Nalú o animal de maior prestígio, detém todos os poderes sobrenaturais.

A seguir Artur Augusto da Silva discreteia sobre a importância da figura totémica e o cruzamento que se pode encontrar com as diversas espécies zoológicas tão caras ao Nalú: o homem, a ave, a serpente, o crocodilo e o peixe. Estas são as máscaras que também servem para danças e folguedos. Um elevado número de objetos da escultura Nalú aparece associado ao rito da circuncisão, caso dos tambores que podem ser tocados nas festas do fanado e nos choros, o Ninte-camalchole, um pássaro apaziguador e que afasta os nossos espíritos e que é também um protetor daqueles que foram circuncisados. Todas estas esculturas são moradas para as forças que animam o mundo sobrenatural do Nalú.

Artur Augusto Silva conclui dizendo que esta escultura nasceu da necessidade de representar as forças a que nós chamamos religiosas e que esta arte muito provavelmente entrará em extinção caso os Nalús entrem na órbita do islamismo.

Como é também sabido, os Nalús, mais de 50 anos depois da comunicação de Artur Augusto Silva, continuam a ter pouca expressão populacional mas mantêm um domínio artístico que merece a reprodução dos artesãos das outras etnias. É admirável como 50 anos depois estes artesãos, sem quaisquer complexos, mesmo aqueles que praticam convictamente o islamismo, reproduzem as esculturas funerárias, as máscaras polícromas, as deusas da fecundidade e o Ninte-camalchote continua a ser a figura escultórica mais procurada e mais disputada pelos colecionadores. Eu próprio não resisti, quando estive na Guiné em Novembro de 2010 a encomendar uma ave que pudesse ser transportada num saco de mão. Gostei tanto dela que a propus ao Círculo de Leitores como o elemento gráfico da capa do meu livro Mulher Grande, sugestão que foi aceite, para minha satisfação.

Este trabalho de Artur Augusto da Silva é acompanhado de ilustrações dentro as quais reproduzimos um espantoso Ninte-camalchote de que conheci uma réplica de grande beleza no então Museu da Guiné Portuguesa e que desapareceu nos saques do conflito político-militar 1998-1999.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9679: Notas de leitura (346): A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné, Gandembel/Ponte Balana, de Idálio Reis (Mário Beja Santos)

domingo, 1 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9690: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (51): Bula - A guerra das minas

1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 22 de Março de 2012:

Olá Vinhal
Saúde boa, disposição em cima, força que baste? Óptimo.

Segue novo “lanço” na “Viagem…” que a vai aproximando do final que, é uso dizer-se ser normalmente “o mais difícil de esfolar”. Assim também aconteceu na ”viagem real “, por lá.

Um abraço , saúde e boa disposição para todos
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (51)

Bula – A guerra das minas

Pela fresca da manhã os “eleitos” preparam-se para montar nas viaturas escoltadas rumo à nova guerra onde o IN eram uns engenhos diabólicos montados por nós (NT), camuflados em quilómetros de terrenos muitas vezes adulterados pela pluviosidade e diferente bicheza autóctone, fazendo com que por vezes a sinalética mapeada transformasse a sua localização correcta em verdadeira “caça ao tesouro” por tentativas, raramente infrutíferas mas vezes demais extremamente dolorosas!

 (Google) Estrada Bula - Pta S Vicente - Ingoré 

Ao que tenho na ideia, este “campo de mutilação” que tínhamos que enfrentar nascia pelo quilómetro oito, alongando-se para Norte por uns bons quilómetros (creio que seis?) ao longo da lateral Leste da estrada Bula – S. Vicente (onde se fazia a travessia do rio Cacheu para Ingoré). Era constituído por uns largos milhares de minas plásticas (“encriers” devido à sua forma de tinteiro) e portuguesas (metálicas de fragmentação) na proporção de quatro para uma, ao que lembro dispostas em cachos orientados e compostos por quatro plásticas em quadrado e uma portuguesa ao centro, afastadas entre elas o suficiente para não estourarem por simpatia. Já não recordo se era uma ou duas filas paralelas de cachos. Não encontro essa nota, mas tenho ideia de que seriam umas dez mil minas (?), a passar.

Para enfrentar este desafio demoníaco o equipamento base do pequeno grupo de “eleitos” era simples e fiável: pica em verga de aço, bússola, mapa, croquis de implantação e claro está faca de mato. Ah, convém não esquecer a “vara-medida” com 1,5 ou 2 metros de comprimento (já não recordo mas era da medida que distava entre a central portuguesa e as exteriores), instrumento muito útil que simplificava a localização aproximada dos engenhos desde que detectado o principal, a mina metálica. Tínhamos também à disposição um detector de metais que se necessário usávamos na detecção destas minas portuguesas de fragmentação extremamente perigosas. Para alem deste equipamento havia quem lhe acrescesse outros que julgasse conveniente para segurança e até quaisquer amuletos que acreditasse protectores e da sorte! Pelo que me tocava havia três ou quatro coisas que faziam parte integrante do equipamento: pistola no coldre, a, para mim fundamental, bota de fuzileiro e o lencito vermelho usado ao pescoço, este sim uma espécie de talismã mas também útil! Não posso esquecer a varinha de vime ou o pingalim de tiras de couro entrelaçadas l!

Tinha uma explicação para o uso destes “complementos”que passo a expor o mais concretamente possível: - Pistola “Walter” – não estorvava e podia vir a ser útil em defesa ou mesmo resolutiva noutro tipo de situação! - Botas tipo Fuzileiro - em couro, de meio cano-alto ajustado por fivelas laterais, que acreditava darem-me uma certa protecção à extensão dos “estragos” em caso de pisar um engenho. Não convinha nada que a perna tivesse que ser amputada acima do joelho!!! - Pequeno lenço vermelho - tinha-me sido oferecido no “Puto”e usava-o muitas vezes em operações, amarrado ao cano da G3 ou ao pescoço. Era uma espécie de amuleto e que podia ser útil pelo menos com os suores. - Varinha / pingalim – preênsil nos dedos, usada(o) para ajudar a detectar eventuais arames de tropeçar interpostos pelo IN no acesso ao “campo de trabalho”.

Sobre esta estória da varinha explico: Um belo dia, antes deste trabalho mas creio que por causa dele também, fui incumbido de verificar, desarmar e levantar várias armadilhas por mim montadas e “croquisadas” ano e tal antes, lá para a frente da zona da “curva do café” onde se pensava ser zona de atravessamento do IN e onde, para além disso, havia por baixo da estrada uma conduta pluvial (?) larga que a atravessava e que se queria não viesse a ser aproveitado pelo IN para quaisquer utilizações bélicas. Por essa área tinha montado uma dezena, talvez mais, de armadilhas a meu ver bem “engendradas” e para “vários gostos”! Como tal deveriam também ser bem descritas e sinalizadas em “croquis” fiéis, com referência a pontos considerados seguros e de difícil mutação, o que facilitaria uma posterior desactivação das mesmas.

No dia aprazado, dirijo-me para a zona, acompanhado como não podia deixar de ser por segurança que tomou posição do outro lado da estrada. Pés ao caminho, munido dos apetrechos necessários e do croqui por mim feito anteriormente, vou desactivando os engenhos, concentrado mas sem dificuldades de maior até que a dada altura e em local não referenciado, ao dar um passo senti no tacão da bota atrasada uma resistência que me inquietou. Não podia ser?! O chamado “sexto sentido” terá feito o automatismo funcionar preventivamente e à contagem “um - dois” estava aterrado e espalmado no chão um pouco mais adiante! O estouro não se fez esperar.

Afinal sempre era, sendo que a “geringonça” não era nossa e sim uma intrusa, posteriormente confirmado por contagem. Mais uma vez por Graça, e talvez um pouco por Lamego (onde colados ao terreno detonámos granadas que pousávamos à distancia de um braço) nada me aconteceu, para além do valente susto. Coisa para não esquecer! O que aconteceu fez-me pensar que tinha que tentar prevenir situações semelhantes. O engenho a par da nossa bela “arte do desenrasca” veio ao de cima : a solução seria uma fina e lisa varinha, pênsil dos polegar e indicador que, ao quase varrer o chão dianteiro sinalizaria e faria investigar qualquer resistência anormal ou entrave à sua progressão. Também cheguei a usar o meu ”chicote” de tiras de couro entrelaçado, mais cómodo e à mesma sem peso suficiente para descavilhar qualquer engenho munido de arame de tropeçar.

Algumas vezes parei para investigar mas felizmente foram alarmes falsos. Chegados à zona de apeamento e após a segurança estar montada em proximidade não intrusiva, os “eleitos” dirigiam-se, creio que em equipas para os locais determinados, dando início a uma luta em que facilitar era potenciar o risco de rebentamento e suas consequências nefastas. Acabou por ser uma batalha que se ganhou, mas infelizmente e quase logo de início à custa de sangue, dor e em que o esforço e sofrimento ao que sei não foram agradecidos ou reconhecidos, muito menos louvados ou premiados e onde até o prometido (pelo menos a mim) não foi sequer cumprido, antes pelo contrário. Creio que também ninguém estava a contar com quaisquer “honrarias” mas, falo por mim, esperava que o prometido fosse cumprido! Apesar dos alguns “briefings” havidos com o Comando, o que não permitia evocar “desconhecimento” dos acontecimentos, os “mandantes” andavam de certeza absorvidos e distraídos com outras coisas de maior interesse próprio naqueles finais de comissão!

Bom… é sabido que havia Comandantes e comandantes por aquelas guerras!

Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9536: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (50): Bula, uma nova missão