sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14014: Convívios (646): Magusto do Combatente no Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, dia 29 de Novembro de 2014 (Armando Costa / Abel Santos / Carlos Vinhal)

Magusto do Combatente no Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes

No dia 29 de Novembro, pelas 12h30, dezenas de sócios, familiares e amigos, reuniram-se nas instalações do Núcleo no tradicional Magusto do Combatente. 

Logo à chegada e no hall de entrada do edifício, foram depositados donativos em géneros alimentares (arroz, massas, farinha, bolachas, cereais) e produtos de higiene (sabonetes, pasta de dentes, escovas de dentes, papel higiénico) para doar às famílias mais carenciadas da freguesia, por forma a dar resposta à campanha que está a decorrer no âmbito da Rede Social de Matosinhos/Comissão Social de Freguesia de Leça do Balio, de que o Núcleo é membro efetivo.

Os donativos trazidos pelos participantes no Magusto do Combatente

Num ambiente já assumido por todos como familiar, o almoço iniciou-se depois do Presidente da Direção tecer algumas considerações sobre o programa para este dia, sobre a organização/tarefas a ter em conta para o bom desenrolar do referido almoço e igualmente sobre a vida interna do Núcleo e da Liga dos Combatentes.

O TCor Armando Costa sempre atento, comandando as hostes

Começando pelas entradas, continuando com carapaus, fêveras e entremeada grelhadas, batata cozida, caldo verde e as famosas castanhas “Longal” de Serapicos/Bragança, acompanhadas por vinho branco e tinto, e terminando com as sobremesas e o café, “o objetivo foi integralmente conquistado” devido, em grande parte, ao trabalho árduo e incansável do nosso “chef de cozinha” e Secretário do Núcleo, Sargento Ajudante Joaquim Oliveira, um autêntico profissional no ramo no que toca fundamentalmente “no fazer e no orientar”.

O incansável SAj Joaquim Oliveira

À volta das brasas: Raúl Ramos (ex-combatente em Angola), amigo do editor há 59 anos; Mestre Cartaxo (ex-combatente na Guiné); António Fangueiro (ex-combatente da Guiné, da Companhia do Raul Albino) e outro camarada da Guiné cujo nome neste momento não me ocorre.

Seguiu-se a animação musical durante toda a tarde com o grupo formado por Fernando Menezes, Cristina Gonçalves e Vítor Rodrigues que graciosamente e com grande qualidade artística deliciaram e fizeram mexer os presentes com o seu vasto reportório que incluiu fado e música ligeira.

Vítor Rodrigues, uma surpresa para o editor que não via este seu amigo há mais de 40 anos. Mantém uma forma invejável e um vozeirão que só "ouvisto"

A fadista Cristina Gonçalves é a prova provada de uma grande artista quase anónima para o grande público. Portuense de alma e coração, canta a canção de Lisboa como a melhor das melhores fadistas alfacinhas.
Atrás, nas teclas, Fernando Meneses.

No intervalo da sua atuação foi feito o sorteio de nove prémios que durante quase uma hora prenderam a atenção dos participantes.

Uma das premiadas do sorteio, esta senhora, filha de um militar, viveu, quando muito pequena, na Ilha das Galinhas, que como sabemos era a ilha-prisão da Guiné.

Houve ainda a oportunidade para o Coro do Núcleo cantar as Boas Festas a todos os que estiveram presentes neste magusto.

 O Coro do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes


Os participantes

Como notas relevantes desta atividade fica o facto de alguns familiares e amigos de sócios se terem inscrito como sócios da Liga; o trabalho, a disponibilidade e a entrega evidenciada pelos voluntários(as) que ajudaram na realização deste evento; e mais uma vez a evidência da importância da realização destes convívios para fortalecer os laços de amizade e de relacionamento entre dirigentes, sócios, familiares e amigos envolvidos pela sua demonstração de adesão aos objetivos da Liga: defesa dos valores morais e históricos de Portugal e promoção da solidariedade social e do apoio mútuo aos mais carenciados.

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Texto: Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes
Fotos: Abel Santos
Selecção, edição e legendagem das fotos: Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13993: Convívios (645): Almoço de Natal da Tabanca dos Melros, dia 13 de Dezembro de 2014 na Quinta dos Choupos, Fânzeres, Gondomar (Carlos Silva)

Guiné 63/74 - P14013: Notas de leitura (656): “Tributo de Sangue”, escrito pelo Tenente António da Silva Loureiro, Edição a propósito da I Exposição Colonial Portuguesa, 1934 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Abril de 2014:

Queridos amigos,
É vasta a bibliografia sobre as campanhas militares da ocupação da Guiné.
Este trabalho do Tenente Silva Loureiro, que apareceu na primeira Exposição Colonial Portuguesa, que decorreu no Porto em 1934, é seguramente o primeiro dessa longa fila.
Recorde-se que só depois é que a Agência Geral das Colónias publicou os documentos então inéditos de João Teixeira Pinto sobre as suas campanhas.
Este “Tributo de Sangue” é minucioso, temos que reconhecer que o autor o terá elaborado com acesso a poucas fontes de informação. A linha dominante é a exaltação por esse mesmo derrame de sangue, e há uma compostura e uma dignidade no tratamento dos revoltosos que só é possível nos combatentes que deram o peito nas batalhas.

Um abraço do
Mário


Tributo de sangue: Registo das campanhas para a ocupação da Guiné

Beja Santosexposiç

Isto de andar a surfar nos sites onde se vendem livros leva muitas vezes a descobertas auspiciosas. Por puro acaso, descobri que havia um “Tributo de Sangue”, escrito pelo Tenente António da Silva Loureiro, Edição a propósito da I Exposição Colonial Portuguesa, 1934. Não há para ali novidades retumbantes, René Pélissier já fizera um levantamento exaustivo que dava para perceber que até 1936 a paz e a ordem na Guiné eram pura ficção.

O Tenente Silva Loureiro age como um cronista, aqui e acolá releva o que julga relevante, nunca omite que não esmiuça mais por falta de documentação. Aliás, diz logo à cabeça: “O que foi a Guiné até 1842 não o sabemos por falta de elementos”. E desencadeia assim as hostilidades: “Principia a história militar da Guiné por um vulto que desempenhou um papel preponderante na defesa da colónia: foi Honório Pereira Barreto, oficial de artilharia. Este oficial celebrou em 21 de dezembro de 1843, como governador de distrito, um contrato com o rei de Banhune, Saugo-Dogu, residente em Bissary, na margem direita do rio Casamansa, para a cedência ao Governo português de todo este território. Em 29 do mesmo mês e ano, o referido governador celebra com o gentio de Boro e Cabono, aldeia de Banhunes, na margem esquerda do rio Casamansa, um outro contrato para a cedência dos seus terrenos pela quantia de 50 mil reis. E até 1855 a vida da colónia decorreu pacatamente, parecendo que, no entretanto, se preparava para o período agitado em que bem brevemente a vamos encontrar”.

Enumera caudalosamente insurreições, sublevações, tratados de paz, negociações espúrias. Logo em 1871 regista a sublevação de Cacheu que originou uma expedição composta por Forças de Caçadores n.º 1 (um batalhão) e marinheiros da armada real, que efetuou um ataque à povoação destruindo-a totalmente. Em 1879, foi celebrado um tratado de cessão do território ocupado pelos Felupes de Jafunco à Nação Portuguesa. Em 1880, foi celebrado um tratado de paz na povoação de Buba, entre os régulos Beafadas e o Governo. No ano seguinte, foi ampliando o tratado feito em 1856 entre o Governo e os chefes Beafadas de Guinala e Beduk, na margem direito do rio Grande. Em fevereiro desse ano, Fulas atacam a praça de Buba, ataque repelido. Em julho, é celebrado um novo tratado de paz entre o Governo e os régulos Fula-Forros e Futa-Fulas do Forreá. Em julho e agosto de 1882, as tabancas de Mamadi Paté sublevam-se em Buba, e no ano seguinte os Fulas Pretos capitaneados por Dansá, aprisionaram em São Belchior do Geba todos os indígenas cristãos e reduziram a cinzas todas as suas casas. Segue-se o comportamento extraordinário do Alferes Francisco Marque Geraldes que praticamente sozinho se meteu a caminho e foi recuperar os indígenas cristãos.

Entrou-se numa época de tumultos ininterruptos, convém não esquecer que se caminha para a conferência de Berlim e que comerciantes franceses, com a anuência das suas autoridades, tudo fazem para subverter as regras de entendimento entre as autoridades indígenas e as portuguesas. Mussá Molo é uma das principais figuras da agitação, procura pôr a região Leste a ferro e fogo. O Tenente Marques Geraldes, chefe do presidio de Geba, ataca as tabancas do régulo Mussá Molo e arrasa-as. Por atos de bravura, Marques Geraldes é promovido a capitão. Enfim, não há um só ano sem sinais de desobediências, insurreições, rebeliões.

Em 1891, a ilha de Bissau começou a dar sinais de revolta, em breve chegarão os motins, assassinatos, viver-se-á numa atmosfera completamente descontrolada, e o Tenente Silva Loureiro escreve: “Foram terríveis os dias 3 e 19 de março, e 19 de abril, houve que suportar combates com um gentio bem armado e em número cem vezes maior”.

O pior estava para vir. Em 1907, o régulo do Cuor, supondo que tinha fortalecido alianças com régulos vizinhos, impede a navegabilidade do Geba, o comércio fica paralisado, será necessário encontrar uma resposta dispendiosa, virão tropas da metrópole e de Moçambique, a campanha contra o rebelde Infali Soncó é o grande acontecimento de 1908, nunca o Leste da Guiné vira tantos soldados brancos. O acontecimento relevante posterior foram as campanhas do Capitão João Teixeira Pinto, aqui já largamente documentadas, há que reconhecer que o Tenente Silva Loureiro não esconde a faceta de heroísmo e bravura do pacificador.

Em 1925, os indígenas da ilha Canhabaque davam sinais manifestos de rebelião. Há descrições elucidativas: “Ao aproximar-se a coluna da tabanca de Juliana desencadeou-se forte peleja. Depois de renhida fuzilaria, foi a tabanca assaltada, mas quando caiu nas nossas mãos não era mais que um enorme braseiro. Neste ataque estiveram empenhadas 800 espingardas, 3 metralhadoras e 3 peças de 7 milímetros. Impossível era, pois, a resistência por parte do inimigo, apesar da sua provada valentia, que não fica mal confessar, antes nos honra, por mais valorizar ação das nossas tropas. E foi nestas operações, tão simples na aparência, que tivemos 96 baixas!”.

Mais adiante, o autor deplora a situação existente: “E depois de todo este sacrifício de vidas e de tantas canseiras passadas, causa pena saber que os indígenas Bijagós continuam ainda meio selvagens, prontos a insurgiram-se na primeira ocasião, tal é o espírito inquieto e aguerrido dos habitantes da ilha de Canhabaque”. Mas não foi só nos Bijagós que a pacificação se revelou um processo demorado, em 1921 ainda havia guerra entre os Papéis de Bissau.

O tenente Silva Loureiro relatara as circunstâncias dramáticas em que o nome Teixeira Pinto fora alvo de críticas injustíssimas e acusações infames. Em dado passo, ele exulta: “Em 1929, a Província saldou a dívida com Teixeira Pinto erguendo-lhe um monumento no centro de Bissau, inaugurado em 30 de novembro". E finaliza a sua monografia das campanhas militares para a ocupação da Guiné com as seguintes considerações: “Sem a sua quota-parte de sangue – talvez a maior que se pode dar – a Guiné não chegaria a gozar os benefícios que os nossos colonos lhe ministraram”.
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13988: Notas de leitura (655): Apresentação do livro "O Concelho de Fafe e a Guerra Colonial (1961-1974)", dia 12 de Dezembro de 2014, pelas 21h30, na Sala Manoel de Olivera, em Fafe (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14012: A Minha Máquina Fotográfica (8): A minha era uma AGFA Silette I que comprei em Bissau antes de me ir cobrir de glória na região de Cacine, corria o auspicioso ano de 1968 (António J. Pereira da Costa, cor art ref, ex-alf art, CART 1692, Cacine, 1968/69; ex-cap art, CART 3494, Xime, e CART 3567, Mansabá, 1972/74)



Guiné > Região de Tombali > Cameconde > 1968 > O disparo do obus 8.8, à noite




A alemã AGFA Silette I, introduzida no mercado em 1962


Foto: © António J. Pereira da Costa (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]




1. Mensagem doi nosso camarada António J. Pereira da Costa


[foto à esquerda com a enf para Ivone Reis em Cacibe, 1968; cor art ref, ex-alf art, CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art, CART 3494/BART 3873, Xime eMansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74]

Data: 9 de dezembro de 2014 às 14:58

Assunto:  A Minha Máquina Fotográfica


Olá, Camaradas. Tenho estado a ver as vossas "máquinas" e, sinceramente, sinto-me muita pobrezinho.

A minha era uma AGFA Silette I que comprei em Bissau antes de me ir cobrir de glória na região de Cacine, corria o auspicioso ano de 1968.

Não me lebro do nome da loja nem onde ficava e, mais tarde vim a saber que a Olympus Pen (japonesa) é que era a tal...

Tinha um flash que funcionava a lâmpadas de magnésio (uma para cada foto) e era accionado por uma pequena pilha. Fazia boas fotos como podem ver.

Fazia fotos entre 1m e 8m e, depois era o infinito.

Tinha uma opção especial para a cara.


Um Abraço do

António J. P. Costa

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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14009: A minha máquina fotográfica (7): Comprei a um gila em Teixeira Pinto, em 2/11/1973, uma Minolta SRT 101, por 5850$00 (António Graça de Abreu, ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74)

Guiné 63/74 - P14011: Parabéns a você (828): Francisco Palma, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 2748 (Guiné, 1970/72) e Luís Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3491 (Guiné, 1971/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13999: Parabéns a você (827): Fernando Barata, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2700 (Guiné, 1970/72)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14010: (In)citações (72): "Vem ver o que custou a liberdade", um colóquio/debate "A resistência na guerra colonial", levado a efeito no passado dia 6 de Dezembro em Á-dos-Loucos (Hélder Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 8 de Dezembro de 2014:

Caros amigos Editores

Em anexo envio um texto, em jeito de reportagem, que fiz sobre um evento a que assisti e participei no passado sábado. Foi interessante, na medida em que foi possível falar de aspectos menos comuns da nossa participação nos 'teatros de operações'.

No caso em questão falou-se essencialmente das experiências do pessoal da CCav 2721, já que os elementos convidados a relatar as suas impressões sobre como foi possível 'resistir' ao pensamento dominante eram dessa Unidade.

Abraços
Hélder Sousa




Caros camaradas

O que hoje trago à vossa consideração é sobre um aspecto pouco abordado aqui no Blogue mas que, no entanto, se bem observado, acaba por ter muitos pontos de contacto com as diferentes realidades que muitos de nós vivemos.

Trata-se de se tentar perceber como evoluíram as consciências, melhor dizendo, como foi evoluindo a consciencialização de cada um relativamente à realidade que foi encontrar e vivenciar nos 'teatros de guerra' e como isso acabou também por não só mudar as suas atitudes individuais como igualmente influenciou colectivamente a nossa sociedade de então. Uma e outra gota de água vão-se juntando a outras, formando riachos, ribeiros, rios e chegando ao mar!

Sobre esta temática foi levado a cabo no passado sábado dia 6 de Dezembro em À-dos-Loucos, próximo de Alhandra, um "Colóquio/Debate" com o sugestivo título de "Vem saber o que custou a Liberdade" que ocorreu nas instalações da União Desportiva e Columbófila de À-dos-Loucos, impulsionado pela URAP (União dos Resistentes Anti-fascistas Portugueses) e integrando as comemorações dos 40 anos do 25 de Abril.

Para o efeito foi dado conhecimento da experiência e seus testemunhos que vários elementos da CCav 2721 puderam facultar.


Mesa da Presidência: da esquerda para a direita temos o Presidente da Junta da União de Freguesias, Mário Tomé, Bento Luís, Paulo Salgado e Mário Branco


Um aspecto da assistência


Conforme o programa, intervieram o antigo Comandante dessa CCav 2721, Major Mário Tomé, o 2.º Comandante Alferes Paulo Salgado [, membro da nossa Tabanca Grande], o Furriel Mário Branco e o Furriel Bento Luís, que foi o impulsionador e organizador do evento. José Manuel Graça, hoje Coronel reformado e então Comandante do Terceiro Grupo de Combate, foi impedido de comparecer a contas com uma arreliadora dor (ciática?). (Em anexo segue foto da mesa do Colóquio, em que da esquerda para a direita temos o Presidente da Junta da União de Freguesias, Mário Tomé, Bento Luís, Paulo Salgado e Mário Branco).

Das diferentes intervenções e testemunhos ressaltou aquilo que já se sabia, em larga medida. Que a maioria dos militares tinha pouco ou nenhum conhecimento da realidade que foram encontrar. Alguns rapidamente se aperceberam de como Portugal não era tão 'pluricontinental e plurirracial' como lhes diziam. Também rapidamente se questionaram sobre o que afinal (não) se tinha feito em 500 anos de possessão daquele território e daquelas gentes, em que nem sequer a língua era comum.

Do meu ponto de vista, o mais importante do que foi dito foi que se as posturas dos graduados foram importantes para as ‘tomadas de consciência’ das militares, na medida em que potenciaram e promoveram várias práticas que a isso ajudaram, como por exemplo a feitura de um Jornal a que deram o nome de “Tabanca” com textos que suscitaram o interesse dos soldados, com a realização de reuniões de tipo ‘plenário’ onde se discutiam todo o tipo de assuntos e que chegaram a incluir leitura de poesia, a verdade é que a ‘tomada de consciência’ foi sempre um acto individual e tanto mais consistente quanto mais profunda e própria foi essa evolução.

A assistência, que se revelou interessada e interveniente, rondando as três dezenas, colocou várias questões e procurando perceber se a ‘resistência’ que se acabava por produzir em pleno teatro de guerra se era ‘passiva’ ou ‘activa’.

Foram esclarecidos que não há que iludir, estava-se em actos de guerra, era necessário defender a pele e isso implicava disparar. Fazê-lo por gosto ou ‘convicção patriótica’ era outra coisa. Mário Tomé revelou que embora pontualmente questionasse uma ou outra situação antes dessa comissão na Guiné.  foi de facto lá, no Olossato, que ‘chocou com a realidade’ e que percebeu a necessidade de ‘contribuir para a mudança’, ‘resistindo’ à ordem vigente. Paulo Salgado e Bento Luís também deixaram os seus testemunhos, os seus percursos de vida e de como a vivência e convivência com aqueles homens da CCav 2721 também foi importante para as suas vidas.

À questão de se saber o que foi ou não ‘activo’ ou ‘passivo’ foi dada resposta essencialmente pela intervenção do ex-1.º Cabo Moura Marques (também presente) esclarecendo que tudo o que contrariava a ‘normalidade’ institucional era ‘resistência’ e, no seu entendimento, bem ‘activa’. Até a simples denominação do seu grupo de combate como “Os filhos da puta” revelava o estado de espírito que grassava entre os soldados.

Foi recordado também que num determinado momento em que houve um surto de cólera nos países vizinhos e se procedeu a uma campanha de vacinação massiva, a militares e população, a rádio tinha um slogan destinado a fazer passar uma mensagem de confiança e tranquilidade dizendo, “Mantenham a calma que ainda não há cólera na Guiné”, o qual foi rapidamente transformado em “Mantenham a cólera que ainda não há calma na Guiné”, representando isso uma atitude muito mais de desafio à ordem do que uma simples gracinha!

Em jeito de conclusão posso dizer que foi bem entendido que mesmo em condições muito adversas é possível desenvolver-se espírito crítico e estender essa atitude a muito mais pessoas. Daí a perceber-se que no momento actual é necessário e urgente insistir na atitude de resistência ao que nos atropela no presente e compromete o futuro, foi uma conclusão natural.

Gostei muito de ‘ver ao vivo’ o nosso ‘tabanqueiro’ Paulo Salgado que veio de perto do Porto para ver os seus antigos “amigos, companheiros e camaradas”, conforme explicou, acompanhado pela nossa também ‘tabanqueira’ Maria da Conceição. Momentos bem passados e de grande elevação.

Abraços
Hélder Sousa

PS - Fui convidado particularmente para este Colóquio porque sou amigo desde o primeiro dia da EICVFXira do Bento Luís.

Quando a CCav 2721 deixou o Olossato e veio para ‘descansar’ para Nhacra (foi tal o descanso que ainda não estavam a sair das viaturas que os transportaram e já estavam a ser alvo de ataque), fui lá visitá-lo duas ou três vezes, de moto, indo de Bissau com outro Furriel, o Fernando Roque, que igualmente foi convidado pelo Bento a estar presente no Colóquio.
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13822: (In)citações (71): Djarama (obrigado) a este "santástico" blogue por nos proporcionar um espaço de diálogo e de (re)encontro entre o passado, o presente e o futuro (Djuli Sal, neto do Cherno Rachide Djaló)

Guiné 63/74 - P14009: A minha máquina fotográfica (7): Comprei a um gila em Teixeira Pinto, em 2/11/1973, uma Minolta SRT 101, por 5850$00 (António Graça de Abreu, ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74)



Minolta SRT 101, c. 1968. (Imagem reproduzida com a devida vénia do portal Camerapedia Wikia)


1. Um excerto do livro de memórias do nosso camarada António Graça de Abreu, enviado por ele no passado dia 8:


[Foto à direita: O alf mil António Graça de Abreu CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), de G3 e máquina fotográfica, Minolta,  na estrada Mansoa-Porto Gole, 1973. Foto de António Graça de Abreu, ]



Teixeira Pinto, 2 de Novembro de 1972


Comprei uma máquina fotográfica. Ontem ao fim da tarde vinha eu a entrar no quartel de jipe – tinha ido levar um piloto à pista – e os soldados que estavam de guarda mandaram-me parar. À porta encontrava-se um tipo preto à espera do alferes Abreu, com uma máquina fotográfica para vender. A notícia de que eu queria comprar uma máquina já havia chegado lá fora. O rapaz mostrou-me o aparelho, era uma Minolta SRT 101, uma das câmaras mais completas da Minolta. 

Indaguei a sua proveniência. Fora trazida da Gâmbia por um “jila”. Os “jilas” são uns indivíduos de tez mais clara, rosto triangular e túnicas brancas que fazem comércio, uma espécie de contrabando legal entre a Gâmbia – um pequeno país encravado no Senegal, – e a Guiné. A máquina fotográfica parecia impecável, ainda metida nos estojos abertos por mim. 

O homem pediu-me 6. 500$00. Disse que ia já resolver o assunto, peguei na máquina e vim aqui ao quartel falar com um furriel e com o Tomé, mais entendidos em aparelhos fotográficos do que eu. Miraram, remiraram e disseram-me “compra, vale a pena, isso é novíssimo e em Lisboa custa mais de dez contos.” 

Voltei ao africano, ofereci-lhe 5.750$00, ele começou a descer, 6.300$00, 6.200$00, 6.000$00. Disse-lhe que lhe dava 5.850$00, era pegar ou largar. Acabei por comprar a máquina fotográfica por este preço, agora estou equipado com um autêntico canhão para tirar as fotografias que quiser. Não só palavras para o retrato do quotidiano, vou ter mesmo os outros retratos, a imagem, o testemunho impresso do olhar.


Em Diário da Guiné, Lisboa, Guerra e Paz Editores,, 2007, pag. 62 e 63 [, imagem da capa, à esquerda]. [Fixação de texto: LG]



Guiné > Região de Tombali > Cufar > CAOP1 > 1973  > O António Graça de Abreu, no aeroporto de Cufar, em Dezembro de 1973, posando junto a umn heli, Allouette III. No mês anterior, o aquartelamento de Cufar tinha sofrido uma flagelação com foguetões 122, e um ataque com RPG [lança-granadas foguete] e armas automáticas, nas proximidades do arame farpado... Dezete meses depois do início da sua comissão, o nosso camarada recebia finalmente o seu baptismo de fogo.  

Foto: © António Graça de Abreu (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]

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Guiné 63/74 - P14008: A minha máquina fotográfica (6): (i) levei da metrópole um "caixote" Kodak; e (ii) em Bafatá comprei uma Franka Solida Record, alemã (José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)




A Kodak Brounie Reflex, "made in England" (c.1946)


Franka Solida Record, uma câmara fotográfica alemã dos anos 50

Foto: © José Colaço (2014). Todos os direitos reservados [ Edição: LG]


1. Mensagem, com data de 8 do corrente,  de José Colaço [ex-sold trms, CCAÇ 557,
CachilBissau e Bafatá, 1963/65]


Caro Luís.

Quem possuía uma máquina fotográfica nos anos 60,  nessa altura 1963/65.  de certeza que tem estórias para contar que davam para escrever um livro. Vou-me abster dessas estórias e tentar apresentar um pouco das fotografias que essas máquinas me deixaram como recordação.

Da primeira que levei da Metrópole,  não tenho a foto dela mas recorri ao site da Kodak e reproduza acima um modelo, a Kodak Brownie Reflex,  com a devida vénia foto. Creio que era esta,  se não é,  era uma prima irmã,  como dizem na minha terra.

Junto envio, em anexo, mais de um dúzia de fotos do "caixote" Kodak. [A publicar, em poste aparte, oportunamente].


Castro Verde > 1963 > Uma foto do "caixote" Kodak:  "Eu,  o segundo de fato e gravata,  e os meus três amigos, no jardim de Castro Verde,  nossa terra natal, os quatro  mobilizados para a guerra, eles para Angola e Moçambique, eu para a Guiné...  Foi na altura de gozar a semana de férias e despedida da  família e amigos."


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (CachilBissau e Bafatá, 1963/65) >  Oura foto fo "caixote" da Kodak: "Eu no posto rádio do Cachil".

Fotos (e legendas): © José Colaço (2014). Todos os direitos reservados [ Edição: LG]
 
Por último a [Franka] Sólida Record que comprei em Bafatá com a colaboração de um amigo que arranjei em Bafatá,  era o chefe do serviço meteorológico e que,  como amigo,  também me fez a proposta de venda da sua pistola 6,35. Dizia-me ele "se eles têm metralhadoras, para que é que isto serve ?";  e comentava a seguir: "eu tenho é que me dar bem com Deus e o Diabo".

Sei que era uma compra barata,  tendo em conta o valor do mesmo mas, como o dinheiro não é nem era de elástico, tive que refrear as compras. Além disso também pensei que o pessoal vinha todo um pouco cacimbado,  outros mais apanhados do clima e eu não iria fugir à regra,  com uma pistola no bolso ainda me passava e dava um tiro em alguém por dá aquela palha e arranjava problemas de difícil resolução.

Quanto à publicação o critério é vosso,  é mais para arquivo do blogue.

Um abraço

José Colaço

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Guiné 63/74 - P14007: Tabanca Grande (452): José Inácio Leão Varela, ex-Alf Mil da CCAÇ 1566 (Jabadá, Pelundo, Fulacunda e São João, 1966/68)

1. Mensagem do nosso camarada e, novo amigo e Tabanqueiro, José Inácio Leão Varela, ex-Alf Mil da CCAÇ 1566 (Jabadá, Pelundo, Fulacunda e S. João, 1966/68), com data de 11 de Outubro de 2014:

Caro Amigo e Camarada Luís Graça:

Descoberto pela minha filha que é Jurista no MDN [Ministério da Defesa Nacional,] e que prontamente o me sugeriu, acabo de dar uma primeira vista de olhos pelo teu Blogue "A TABANCA [GRANDE]"...

Mas que feliz iniciativa meu amigo e camarada... Além disso está tecnicamente muito bem feito ...

PARABÉNS por isso tudo... e obrigado por me dares esta oportunidade de reviver (pelo menos as coisas boas - como por exemplo a camaradagem e a solidariedade muito difícil de encontrar no nosso mundo civil - essa fase da minha vida há muitas luas atrás.

Apresento-me desde já... mas só este Fim de Semana irei fazer o meu registo como pedes...

O meu nome é José Inácio Leão Varela. Sou natural de Lisboa muito embora o meu sangue e o meu coração sejam Alentejanos. Moro em Algés (Miraflores). Sou Economista (Gestão),  reformado.
Para ti e restantes camaradas serei apenas o ex-Alf Mil Varela.

Estive na Guiné, entre 1966-1968, integrado na C.CAC 1566 ("PILÕES"), onde comandava o 1º Pelotão. Mas por força das circunstâncias andei destacado pelo Pelundo e Fulacunda tendo, talvez por isso mesmo, ficado como comandante do Destacamento de S. João, onde fiquei mais de um ano, enquanto a minha Companhia se fixou em Jabadá.

E para já, caro amigo e camarada, é tudo... depois e lá pelo Blogue... por certo haverá muitas mais coisas para compartilharmos.

Abraço amigo
Leão Varela


2. No dia 21 de Outubro foi enviada esta mensagem ao camarada Leão Varela:

Caro camarada José Inácio Varela:

Muito obrigado pelo contacto. Na qualidade de "relações públicas" do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné estou a dar resposta.

Como uma das práticas nesta tertúlia é o tratamento por tu, independentemente dos nossos antigos postos, idade, formação académica, profissão, etc, não vais estranhar a maneira como me dirijo.

Teremos muito gosto em te receber nesta Caserna Virtual, também conhecida por Tabanca Grande, onde o objectivo é o registo de memórias escritas e fotográficas dos combatentes que participaram na guerra colonial na Guiné.

Fizeste, e muito bem, a tua apresentação sumária, mas para fazer a tua apresentação formal à tertúlia precisávamos que nos mandasses uma foto do tempo de tropa, fardado, claro, e outra actual. Estas fotos servirão para encimar os teus futuros postes.

A joia a pagar será uma pequena história pessoal ou colectiva dos teus tempos de Guiné, que aches mais marcante. Podes fazê-la acompanhar de fotos que tenhas disponíveis. Por favor manda as respectivas legendas que datem e identifiquem o local e os intervenientes.

Fica ao teu critério acrescentar mais alguma coisa à tua apresentação, sendo que o mínimo será: nome, posto, especialidade, Companhia/Batalhão, data de ida e regresso da Guiné, locais por onde penamos e outros elementos militares e/ou civis que contribuam para nos conhecermos melhor.

Esta tertúlia é uma comunidade muito homogénea, onde, costumamos dizer, contamos aquilo que a família já não quer ouvir. Só nós nos entendemos porque vivemos, sentimos e recordamos aquela guerra que nos marcou idelevelmente, muito embora, por vezes, disso não tenhamos consciência.

Fico, eu e os restantes editores, ao teu dispor para qualquer esclarecimento adicional.
Esperamos as tus notícias.

Até lá, em nome dos editores Luís Graça, Eduardo Magalhães e eu próprio, envio um fraterno abraço.

Carlos Vinhal


3. No passado dia 7 de Dezembro recebemos esta mensagem do nosso novo Grã-Tabanqueiro Leão Varela, ex-Alf Mil da CCAÇ 1566:

Meu Caro Amigo e Camarada Carlos Vinhal

Espero e desejo que tudo esteja óptimo contigo. Desculpa o tempo que levei para cumprir com o meu "pagamento da quota", necessário, e muito bem, para ser membro de pleno direito do Blogue "TABANCA GRANDE".

Mas como mais vale tarde do que nunca aqui te deixo (não sabia ao certo para onde enviar este mail dado ser a primeira vez) para, se o achares bem e adequado ao cumprimento do devido, o partilhares no Blogue onde eu terei muito gosto e prazer em compartilhar as nossas aventuras e histórias (daquelas que as nossas famílias estão fartas de ouvir como tu dizes... e até outras que, talvez, nem elas as ouviram) por terras da Guiné.

Assim, aqui te deixo em anexos a minha 1.ª História e, não só as fotos que pediste, mas mais algumas. Umas saíram da minha velha máquina outras da máquina do Alf. Capelão do Agrupamento de Bolama, cujo nome se me varreu... era um Padre Dominicano que nos ia quase sempre esperar nas lanchas dos Fuzileiros que nos ia recolher sendo a ida sempre a corta mato.

Esperando que me faças esse favor, aqui fica um forte abraço do camarada
Leão Varela
ex-Alf Mil Inf

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O Aspirante a Oficial Miliciano Leão Varela


A MINHA PRIMEIRA HISTÓRIA

(PAGAMENTO DA QUOTA)

Uma história? Há tantas que ainda pairam na minha memória que é difícil escolher uma que seja mais adequada para o pagamento da minha quota. 

Bom… e se eu começar por uma do fim da minha comissão (1966-1968) por terras da Guiné? 
Fui ao baú e lá encontrei uma cópia de um relatório de um ataque que sofremos. Claro… vai esta mesmo pois tratava-se se uma história acontecida a cerca de um mês de voltarmos ao conforto e carinho das nossas famílias.

Já agora… o porquê desta escolha? Porque tratando-se do último e pior ataque que sofremos, achei que, antes de ter o prazer e a honra de passar a compartilhar convosco através deste magnífico e oportuno blogue, Caros e Amigos e Camaradas, seria como que prestar a minha singela mas sentida homenagem aos meus ex-camaradas, independentemente do seu posto, credo ou cor, que ao meu lado e/ou sob o meu comando sempre souberam: honrar a farda que vestiam, demonstrar em situações adversas a sua bravura e o seu espírito de sacrifício muitas vezes arriscando a sua própria vida (e aqui recordo com tristeza os dois que comigo foram e que por lá faleceram em combate) e, enfim, que desinteressadamente cultivaram a solidariedade e o companheirismo que nos uniu e que jamais esquecerei.



O meu Pelotão. Eu o dos óculos escuros entre os meus camaradas e amigos Furriéis Valente, à minha direita, e Matos, à minha esquerda. Foto tirada já em S. João, após mais uma patrulha de combate.


Aqui vai ela:

SÍNTESE DO RELATÓRIO DO ÚLTIMO E PIOR ATAQUE AO AQUARTELAMENTO DE S. JOÃO

(12 Dez 1967)

SITUANDO A HISTÓRIA

Como certamente sabem, o Aquartelamento de S. João, para onde foi enviada a minha Companhia 1566, ficava frente a Bolama, onde nessa época estava instalado o Comando do Sector do Agrupamento 1975, e inseria-se na área operacional do Batalhão ]de Artilharia] 1914,  com Comando localizado em Tite.

Era sob as directivas destes Comandos que a minha Companhia, embora sendo independente, actuava na área entre S. João - Nova Sintra e, por vezes, na de Tite.

A certa altura a minha Companhia foi transferida para Jabadá passando o Aquartelamento de S. João a ser um seu Destacamento, tendo o nosso Capitão Pala entendido confiar-me o seu Comando já que tinha tido idêntica missão durante alguns meses no de Pelundo para onde fui deslocado mal chegamos a Bissau.

Foi assim que, com o meu pelotão reforçado com o Pel Caç Nat 56 comandado pelo Alf Mil Baptista (por onde andará este meu camarada de Braga e bom e inesquecível amigo?), fiquei em S. João até ao fim da comissão (mais ou menos 15 meses) cuja defesa e missão operacional, sob meu comando, ficou a cargo de um efectivo de cerca de 70 homens.

E foi aqui, em S. João, e neste contexto, que a história em título que passo a relatar sinteticamente se passa.


A HISTÓRIA

Tínhamos todos acabado de jantar que começava a ser servido após o arrear da Bandeira às 18 horas. O Furriel (já não sei qual – eram quatro) que nessa noite estava de serviço já tinha distribuído os homens da sua secção reforçada pelos sete postos de sentinelas e preparava-se para, com os restantes, sair para passar ronda à volta do Aquartelamento (ainda bem que não deu tempo para o fazer como já vão ver…).

Pouco passavam das 19 horas. Tinha acabado de sair da messe dita de oficiais mas que eu transformei na messe de todos os graduados (oficiais, sargentos e furriéis) quando uma das sentinelas fez um ou dois tiros. Dirigi-me rápido, juntamente com o Furriel de serviço, ao respectivo posto onde nada observamos de anormal…
–  Ouvi barulho e pareceu-me ver qualquer a mexer além  –  disse-nos o sentinela…
–Talvez uma onça– retorquiu alguém
–   Pois, mas fiquem atentos – respondi e voltei à minha voltinha que costumava fazer pelos diferentes postos depois do jantar e antes de me deleitar com mais meia noitada de King regada com uns copos de whisky que davam boa disposição e ajudavam a adormecer (agora tomo Lorenin, brrrr).

Não tive tempo para a fazer pois, passados não mais de 10 minutos – mais ou menos pelas 19H30 – começou o “fogo de artifício” consubstanciado por fogo intenso cuspido de armamento ligeiro (ML, a célebre “costureirinha”… lembram-se?) e pesado (MP), de morteiros 82 (Mor 82) e de dois canhões sem recuo (Can  S/R).

De imediato todo o pessoal correu para os seus respectivos postos que lhe estavam previamente distribuídos (soldado Galvão e 1.º Cabo Coelho nas Bazucas; 1.º Cabo Ferreira e, acidentalmente por mim antes de conseguir sob fogo ocupar o meu posto de comando instalado num dos abrigos ao centro do quartel onde tinha instalado diversos rádios, nos Mort 60; 1.º Cabo Costa e soldado Valongueiro nas Bredas; Alferes Baptista no Mort 81 e restante pessoal com G3 distribuídos pelos diferentes abrigos.

Apesar da nossa pronta e forte reacção, durou este “festival” de fogo intenso cruzando os céus de um lado para outro – que Bolama, na outra margem, apreciava com um misto de curiosidade e de apreensão – cerca de 20 minutos altura em que o das forças atacantes foi diminuindo de intensidade até silenciar de vez ao fim de quase meia hora desde que o iniciaram.

Como rescaldo e do nosso lado registou-se, para além de diversos estragos materiais, que havia quatro feridos, um dos quais – o nosso herói da noite, Soldado Valongueiro, que mesmo bastante ferido na cabeça logo no início nunca largou a sua Breda - com gravidade que após ter os primeiros socorros dados pelo nosso enfermeiro – o incansável e sempre bem disposto 1.º Cabo Cavacas – foi evacuado para Bolama numa lancha dos nossos amigos e camaradas Fuzileiros que desde o início do ataque disseram presente com uma lancha parada no meio do rio pronta a intervir se necessário, sendo de madrugada, depois dos cuidados médicos evacuado de helicóptero para o Hospital Militar de Bissau e daqui para o de Lisboa onde foi devidamente tratado mas já não voltando à Guiné.


Eu, referenciado pela seta, e o meu pelotão a entrarmos para uma LDG dos Fuzileiro, após uma operação a nível de Batalhão algures na área operacional de Fulacunda onde estive também alguns meses como reforço da Companhia aí aquartelada, sob o comando do então Capitão Osório infelizmente, já como Major e numa 2.ª Comissão, abatido numa emboscada aquando efectuava, já no tempo do General Spínola, uma missão de Paz com uma facção do PAIGC.


Eu, o da ponta lado direito, a bordo de uma LDM dos meus camaradas e amigos Fuzileiros estacionados em Bolama, com os quais partilhamos em conjunto algumas operações e que, a partir de certa altura nos iam recolher depois de termos andado uma noite toda para cumprirmos determinada missão.

Soubemos mais tarde, por informação do Comando do Sector, que do lado das forças atacantes houve três baixas mortais – por sorte nossa os apontadores do CAN S/R – em consequência do rebentamento perto deles de uma granada do nosso MORT 81 e alguns feridos.

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E pronto… esta a minha primeira História vivida por terras da Guiné que vos deixo. Porém, não queria terminar sem deixar aqui algo que julgo traduzir o que ficou no subconsciente de todos nós (ou de quase todos) após termos terminado a nossa missão. A saber:
“Ter estado num naufrágio ou numa batalha é algo belo e glorioso; o pior é que teve de se lá estar para se ter lá estado”.
(sic, Fernando Pessoa).

Abraços do vosso camarada
Leão Varela
(Ex-Alf Mil. Inf.)


Destacado no Pelundo (área de Teixeira Pinto), à porta do que chamavam de "messe"


Preparativos da habitual "patrulha abastecimento de água" numa fonte perto de Teixeira Pinto guiando um GMC.

Fotos (e legendas): © Leão Varela (2014). Todos os direitos reservados [ Edição: CV]

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4. Comentário do editor:

Caro camarada e amigo Leão Varela:

Pouco tenho a acrescentar ao que já disse e face à tua brilhante apresentação.

Deixaste-nos uma fasquia bastante elevada pelo que a nossa expectativa é muita. Ficamos ansiosos pelas futuras histórias que não nos vão defraudar.

Resta-me, para não alongar mais este poste, deixar em nome dos editores Luís Graça, Eduardo Magalhães Ribeiro e eu próprio, um grande abraço de boas-vindas e votos de Boas Festas Natalícias com saúde, alegria e muitas prendinhas.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13875: Tabanca Grande (451): António Manuel Murta Cavaleiro, ex-Alf Mil Inf MA do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14006: A minha máquina fotográfica (5): (i) comprei a minha Yashica Linx 5000 em Bissau por 3 contos; (ii) e que tal criar-se um museu de máquinas fotográficas de guerra? (Manuel Coelho, ex-fur mil trms, CCAÇ 1589, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68)


 A Yashica Linx 5000 que apareceu no mercado em 1962


Fotos: © Manuel Caldeira Coelho (2014). Todos os direitos reservados [ Edição: LG]



1. Mensagem de Manuel Coelho (ex- fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68) 



Data: 9 de dezembro de 2014 às 17:03

Assunto: máquina fotográfica


Quando cheguei a Bissau adquiri (com a "massa" que me adiantaram para fardamento), uma Yashica Linx 5000 na firma Soda Freres, máquina já relativamente evoluída, com regulação manual de abertura, velocidade e telémetro. Preço = 3.000$00;

Com ela tirei algumas centenas de fotos muitas das quais já constam do blogue nos postes de  CC1589 e Madina do Boé.

Infelizmente durante uns meses esteve avariada com o diafragma encravado pelo que teve de ir ao Japão para reparação.

Mesmo em Madina do Boé, quando fora da época das chuvas permitia aterrar a DO, enviava os rolos para revelação ao laboratório Iris em Bissau.

 Será má ideia pensar em museu das máquinas fotográficas de guerra?

 Abraço, bom Natal para todos.






Guiné > Região de Gabu > Madina do Boé > CCAÇ 1589  (1966/68)  > (i) os dois irmãos; (ii) o "menino-soldado"... Duas das mais fantásticas fotos do álbum do Mnauel Coelho, o fotógrafo de Madina do Boé...


Fotos: © Manuel Caldeira Coelho (2014). Todos os direitos reservados [ Edição: LG]

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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13995: A minha máquina fotográfica(4): (i) Comprei em Cabo Verde uma Yashica Electro 35 a um primeiro srgt que se dedicava ao contrabando; e (ii) improvisei um estúdio de fotografia (José Augusto Ribeiro, ex-fur mil da CART 566, Cabo Verde, Ilha do Sal, outubro de 1963 a julho de 1964, e Guiné, Olossato, julho de 1964 a outubro de 1965)

Guiné 63/74 - P14005: Agenda cultural (657): Lançamento do 16.º livro da Colecção Fim do Império: "Dois Amigos, Dois Destinos", da autoria do Eng.º José Alvarez, dia 16 de Dezembro de 2014, pelas 15h00, no IASFA/CASOeiras, Oeiras (Manuel Barão da Cunha)



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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14003: Agenda cultural (656): Lançamento, em Espinho, no próximo domingo, dia 14, do livro "As Memórias de um Comando", do nosso camarada José Carlos Teixeira. Editora: Ediserv, Porto

Guiné 63/74 - P14004: In Memoriam (209): Armandino Marcílio Vilas Alves (1944-2014), ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CCAÇ 1589 (Guiné, 1966/68)

IN MEMORIAM


Armandino Marcílio Vilas Alves (1944-2014)
ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 1589 (Guiné, 1966/68)

Foi o camarada Manuel Coelho quem nos deu a triste notícia. Por impossibilidade de contactar a família,  telefonámos para a Junta de Freguesia de Baguim do Monte - Gondomar, que confirmou  o falecimento, no passado dia 4 de Novembro, do nosso camarada Armandino Alves que teria completado 70 anos no dia 9 do corrente mês de Dezembro.

Porque estamos sempre a tempo de lembrar e homenagear postumamente os camaradas que nos vão deixando, aqui fica a notícia do infausto acontecimento.

A tertúlia envia à família enlutada o mais sentido pesar.



Armandino Alves, quando em 2010 reencontrou o seu ex-Comandante, o agora Coronel Ref Henrique Victor Guimarães Perez Brandão

Armandino Alves deixa no nosso, e seu, Blogue, sinais da sua passagem pela Guiné. Aqui fica uma listagem dos postes que consideramos mais significativos por lembrarem lugares de passagem e descreverem memórias de um tempo já longínquo.
Armandino Alves estava connosco desde Junho de 2009.

Até um dia camarada. 
Os editores.
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Notas do editor:

Vd. postes de:

5 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4464: Tabanca Grande (149): Armandino Alves, ex-1.º Cabo Aux de Enfermeiro da CCAÇ 1589, Guiné 1966/68

6 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4468: Memória dos lugares (28): Beli e Madina do Boé, CCAÇ 1589, 1966/68 (Armandino Alves)

9 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4485: Memória dos lugares (29): Beli e Madina do Boé, CCAÇ 1589, 1966/68 (Armandino Alves)

11 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4510: Memória dos lugares (31): Fá Mandinga, CCAÇ. 1589 (1966/68) (Armandino Alves)

14 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4518: Controvérsias (19): Sob a evacuação das NT de Madina do Boé (Armandino Alves)

15 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4533: Controvérsias (20): A minha análise pessoal do desastre com a jangada no Cheche, na retirada de Madina do Boé (Armandino Alves)

16 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4536: Memória dos lugares (31): Béli, CCAÇ. 1589 (1966/68) (Armandino Alves)

6 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4910: Os Nossos Médicos (3): Os especialistas eram poucos, e não gostavam de ir para... o mato (Armandino Alves, CCAÇ 1589, 1966/68)

7 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4914: Os Nossos Enfermeiros (2): As malditas doenças venéreas e a bendita... penicilina (Armandino Alves, CCAÇ 1589, 1966/68)

9 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4927: Os Nossos Enfermeiros (3): Às vezes até fazíamos o que não sabíamos (Armandino Alves)

17 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5118: Memória dos lugares (48): Béli, Fá Mandinga e Madina do Boé - Independência & Objectos voadores (Armandino Alves)

22 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5323: Estórias avulsas (61): Reencontro de irmãos (Armandino Alves)

28 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5360: Estórias avulsas (62): “O trinta putas” (Armandino Alves)

6 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5413: Os nossos camaradas guineenses (18): A morte do Aliu Sanda Candé (Armandino Alves)

13 de dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5458: Estórias avulsas (20): Formigas vermelhas e formigas castanhas (Armandino Alves)

17 de dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5481: Estórias avulsas (21): Ainda o Fiolifioli (Armandino Alves)

18 de março de 2010 > Guiné 63/74 – P6012: Humor de caserna (18): A nossa língua é muito traiçoeira (Armandino Alves, 1º Cabo Auxiliar de Enfermagem da CCAÇ 1589 - Beli, Fá)

19 de março de 2010 > Guiné 63/74 – P6021: Memória dos lugares (75): Recordações de Bambadinca (Armandino Alves, 1º Cabo Aux Enf, CCAÇ 1589 (Beli, Fá Mandinga, Madina do Boé, 1966/68)

2 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6095: Os nossos regressos (22): Os cruzeiros da minha vida (Armandino Alves)

7 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6340: Controvérsias (74): Enfermeiros… mas não por opção (Armandino Alves)
e
22 de maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6453: Estórias avulsas (35): Os gémeos e o Regulamento Militar (Armandino Alves, ex-1º Cabo Auxiliar de Enfermagem da CCAÇ 1589)

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Último poste da série de 26 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13946: In Memoriam (208): Carlos Manuel Sousa Linhares de Almeida (Bissau, 1942 - Bigene, 1967), alf mil da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Fá Mandinga, Nova Lamego, Bula, Bigene, 1966/68), Juca para os amigos do Liceu Honório Barreto (Manuel Amante da Rosa / António Estácio)

Guiné 63/74 - P14003: Agenda cultural (656): Lançamento, em Espinho, no próximo domingo, dia 14, do livro "As Memórias de um Comando", do nosso camarada José Carlos Teixeira. Editora: Ediserv, Porto



Convite que nos foi endereaçdo pelo autor, com pedido de publicação. O livro é editado pela Ediserv Editora, do Porto. 2014, 154 pp. Preço de capa: 15€.



Sinopse

Esta não é uma história de encantar... Mas é uma história real, uma história que fez parte da história de muitos portugueses, uma história que faz parte de todos nós.

As Memórias de Um Comando é um emocionante livro que nos embrenha na consciência e na alma de um jovem que abdicou da sua juventude para lutar por um país, voluntariando-se para ser Comando. Neste livro, o autor mais do que partilhar uma vivência na Guerra do Ultramar, partilha uma evolução de pensamento, um despertar de consciência, um abalar de ideais.

Um acto de coragem e de patriotismo que entra em metamorfose, à medida que se vai questionando, refletindo e transformando em cada cenário de guerra. (Fonte: Ediserv Editora)

Um excerto da obra podia ser lido aqui.


José Carlos Teixeira

Carlos Teixeira (ou Zé Carlos como é conhecido) nasceu em 1948, em Vouzela. Reside em Espinho há 64 anos, considera-se um filho da terra.

Voluntariou-se para os Comandos em 1969 e participou activamente na Guerra do Ultramar, em Angola.

Exerceu funções de relojoeiro e em 1974 começou a trabalhar no Casino Solverde, em Espinho, até aos dias de hoje. Atualmente é também Presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Salas de Jogos [STSJ], cargo que exerce com paixão e mestria desde 2009.

Aos 64 anos, completou o 12º ano pelo RVCC[, sistema nacional de  Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências,] e foi durante este processo de aprendizagem que escreveu As Memórias de um Comando, o seu primeiro livro. (Fonte: Edita-me).

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P14002: Efemérides (180): A grande invasão a Conakry foi há 44 anos - Artigo da autoria de Luís Alberto Bettencourt publicado no "Açoriano Oriental" (Luís Paulino)

1. Mensagem do nosso camarada Luís Paulino, (ex-Fur Mil da CCAÇ 2726 Cacine e Cameconde, 1970/72), com data de 9 de Julho de 2014:

Caro Companheiro Vinhal,
Anexo um artigo que foi publicado no Jornal Açoriano Oriental no passado dia 22/11, da autoria de Luís Bettencourt, companheiro da minha CCaç 2726, que esteve largos meses de preparação no Arquipélago dos Bijagós, para ser integrado na operação militar mais polémica desencadeada durante a Guerra Colonial - Operação Mar Verde.
À última hora e com alguma felicidade à mistura não foi selecionado, contudo conhece como poucos, os contornos que envolveram esta Operação.
Este Artigo tem a concordância do Jornal Açoriano Oriental e do autor, para ser publicado no Blogue "Luis Graça & Camaradas da Guiné".
Deixo à vossa consideração.

Saudações Fraternais
Luís Paulino



Guerra Colonial

CONAKRY – A GRANDE INVASÃO

Completam-se hoje quarenta e quatro anos desde que se realizou a operação militar mais arrojada e mais polémica que as forças armadas portuguesas levaram a cabo ao longo de treze anos de guerra em Africa – a «Operação Mar Verde».

O plano consistia em invadir Conakry, capital da república da Guiné, com o objetivo de depor o ditador Sekou Touré, e colocar à frente da Guiné Conakry um governo da confiança de Portugal. A destruição das bases militares do P.A.I.G.C., assim como a libertação dos prisioneiros de guerra portugueses, eram objetivos determinantes.
De salientar que a república da Guiné constituía o principal apoio logístico da guerrilha inimiga, com bases instaladas no seu território, onde então viviam os principais dirigentes inimigos, incluindo o próprio Amílcar Cabral, referenciado como possível alvo a capturar ou até mesmo a abater.

A ideia de que seria mais fácil vencer a guerra na Guiné destruindo as bases inimigas no seu próprio território foi sendo alimentada e planeada pelo comandante Alpoim Calvão, tendo este apresentado o plano a Marcelo Caetano, que inicialmente não se mostrou muito entusiasmado, temendo uma eventual reação internacional. Afinal, tratava-se de invadir um país soberano.


A PREPARAÇÃO

Em finais de 1969, o general Spínola anuncia a Alpoim Calvão que o ministério do ultramar tinha sido contactado por elementos dissidentes do regime da república da Guiné, que se encontravam dispersos em diferentes países de África e que solicitavam apoio para uma ação contra o presidente Sekou Touré. Estabelecidos diversos contactos, combinava-se a data e local de recolha, limitados ao período da noite e às horas das marés, escolhendo-se locais isolados, com boas possibilidades de embarque. Assim, percorreram-se as costas do Senegal, Gâmbia e Serra Leoa, até à fronteira da Libéria, utilizando as mais variadas praias para o fim em vista. Estava assim constituído o grupo de oposicionistas denominado Frente de Libertação Nacional da Guiné Conakry. Todos eles foram instalados na ilha de Soga, no arquipélago dos Bijagós, onde durante seis meses receberam treino operacional ministrado por uma elite de militares portugueses e que incluía, para além da preparação física, golpes de mão, assalto a objetivos, desembarques, etc.

Cumprido esse tempo, tem início a revisão da planificação final, tendo Calvão esboçado uma lista de cerca de 25 alvos a destruir que incluía, entre outros, o aeroporto, o palácio presidencial, a emissora local, a central elétrica e a prisão onde se encontravam os prisioneiros de guerra portugueses. A cada objetivo fez-se corresponder uma equipa chefiada por um graduado português, e ao grupo de dissidentes juntou-se a companhia de comandos africanos e o destacamento de fuzileiros especiais.

Com tudo pronto, faltava apenas a aprovação do professor Marcelo Caetano, que então deu a sua concordância com a indicação expressa de que não deveriam ficar vestígios da presença portuguesa no local da ação. Na véspera do embarque, o general Spínola deslocou-se à ilha de Soga e falou aos militares, fazendo um discurso empolgante, referindo que aquela operação poderia mudar o curso da guerra. Calvão reúne com as equipas de assalto e revê pela última vez as missões atribuídas.

Chegava a hora da partida, eram 20:00h do dia 20 de Novembro de 1970. A força naval invasora deixava a ilha de Soga com destino a Conakry.


A EXECUÇÃO

A viagem decorreu normalmente, tendo sido dada ordem para ocultação rigorosa de luzes e artilharia pronta. A bordo seguiam duzentos homens da Frente de Libertação Nacional da Guiné Conakry, cento e cinquenta da companhia de comandos africana e cerca de oitenta fuzileiros, sendo a força naval composta pelas lanchas de desembarque Montante, Bombarda, Hidra, Dragão, Cassiopeia e Orion. Em Bissau, a força aérea entrava de prevenção.
Com Conakry à vista, os navios da força rumaram para as posições mais convenientes a fim de desembarcarem as equipas de assalto. A bordo da Orion, Calvão dá finalmente ordem de desembarque por volta das 01.30h do dia 22.
Começava assim a invasão. Os grupos de assalto dirigiram-se aos respetivos objetivos, os fuzileiros chegaram rapidamente ao porto onde se encontravam as lanchas do P.A.I.G.C. e, abrindo as portas das cobertas, lançaram granadas de mão ofensivas para o interior das mesmas, neutralizando as guarnições e destruindo as embarcações.
A central elétrica é localizada e destruída, mergulhando a cidade numa escuridão total, que para além de causar pânico na população local, facilitava as operações de assalto.
Por outro lado, a equipa destinada ao palácio presidencial não encontra o presidente Sekou Touré nem Amílcar Cabral e abandona o objetivo alvejando-o com bazucadas e incendiando o palácio.
Alpoim Galvão, seguia atentamente o desenrolar das operações através de mensagens que lhe faziam chegar. Uma boa notícia então lhe foi comunicada: a equipa destinada à prisão do regime tinha conseguido, depois de uma breve batalha, libertar os 26 prisioneiros de guerra portugueses.
A emissora local, um dos principais alvos, continuava a emitir a sua programação normal, sinal de que não tinha sido ocupada. Na realidade, a equipa destinada a esse objetivo nunca conseguiu descobrir onde ela ficava, não permitindo anunciar, conforme previsto, o golpe de estado.
No assalto ao quartel da guarda republicana, o comandante do grupo alferes Abílio Ferreira é abatido quando tentava ocupar as instalações.
A ocupação do aeroporto resultou igualmente num imenso fracasso devido ao facto de o tenente dos comandos africanos Januário Lopes ter protagonizado um dos momentos mais dramáticos da operação, quando decidiu desertar com o seu grupo e entregar-se às autoridades locais. Mais tarde, seria executado juntamente com o seu grupo.


A RETIRADA

Com o tempo a passar, e apercebendo-se do falhanço de alguns objetivos, Alpoim Calvão faz regressar as equipas a bordo, dando ordem de retirada imediata, evitando assim qualquer resistência inimiga. Temia um possível ataque aéreo, uma vez que os aviões MIG17 não tinham sido encontrados e destruídos, missão que estava atribuída à equipa do aeroporto. Os seis navios que transportavam o contingente que tinha ocupado Conakry durante varias horas navegavam agora com destino à ilha de Soga em formatura de losango, a mais adequada contra ataques aéreos.
Para trás ficavam os elementos oposicionistas na esperança de ainda ser possível concretizar o golpe de estado, o que nunca veio a acontecer. Presos e torturados, acabariam por serem fuzilados sem direito a defesa. O insucesso do golpe de estado ficou-se devendo à manifesta carência de informação e apoios que não existiram ou, se existiram, não se concretizaram.
Nesta operação as forças portuguesas sofreram três mortos, seis feridos, e fizeram cerca de 500 mortos entre militares e civis da Guiné Conakry.


CONCLUSÃO

Embora não se tenha atingido o principal objetivo da invasão, a tão desejada implantação de um governo favorável aos interesses de Portugal, alguns aspetos positivos resultaram da operação, em especial a destruição de grande parte da força naval do inimigo, mas o único aspeto consensual acabou por ser o da libertação dos prisioneiros de guerra portugueses. No seu regresso às respetivas terras, tiveram de assumir perante a P.I.D.E / D.G.S. o compromisso assinado de nunca falarem na circunstância da sua libertação. Oficialmente, tinham conseguido fugir e chegar à fronteira da Guiné Portuguesa.

Luís Alberto Bettencourt
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13950: Efemérides (179): Deixem-me celebrar o dia de Ação de Graças, o Thanksgiving Day, no meio de vós, nos dois lados do Atlântico (José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56)