por Luís Graça
Da serra, azul, de Montejunto
Às dunas da Praia da Areia Branca
Corria o rio,
Grande,
Da tua infância.
Era grande só de nome,
Era grande à tua escala,
Quando eras menino,
E nele brincavas,
Apanhando enguias,
Com o teu pai…
Lembras-te ?
Usavam um velho chapéu de chuva,
Preto,
Como se fosse um camaroeiro.
Só era verdadeiramente grande
Quando violento,
Galgando casas e campos,
O rio, grande, da tua infância.
Até Deus ficava isolado
Na igreja do convento,
Deus,
Os presos da cadeia comarcã
E a mestre escola.
Nos dias de inundações e enxurradas,
Fazia-se gazeta à escola e à missa.
Lembras-te
Como era larga a foz
E grandes as férias de verão,
Uma eternidade,
Duravam enquanto durasse o pião.
E havia uma ponte de madeira,
Com as Berlengas ao largo
E o cabo Carvoeiro, ao fundo,
E mais longe ainda,
Onde o sol se punha,
O mar, medonho, dos teus avoengos,
Desaparecidos
Entre as brumas da memória
Das Índias e dos Brasis
E o cacimbo matinal
Das bolanhas das Guinés.
Talvez houvesse, também,
Senhoras de chapéu alto,
Passeando em barcos a remos.
Já não te lembras dos barqueiros,
Passados todos estes anos.
Mas devia haver barqueiros,
No rio, grande, da tua infância,
Como no rio Sena
E nos quadros do Renoir.
Dizem que os vivos
Voltam sempre ao local do crime
Onde nasceram.
Mas um dia o tsunami do esquecimento
Irá varrer
A tua praia,
As tuas dunas,
O teu rio,
O adro do recreio da tua escola,
A tua rede neuronal,
O teu álbum de fotografias,
Amarelecidas, do Geba e do Corubal,
E os lugares da infância
Onde tu poderias ter sido feliz.
Mas quem sabe se foste feliz
Ou se poderias tê-lo sido ?
Felizmente que não há
Escalas de medição da felicidade,
Válidas e fiáveis.
Dizia-se que o rio, grande, da tua infância
Era navegável
No tempo dos fenícios, romanos e mouros,
Mas não era rio,
Era braço de mar, indomável,
Braço armado
Do terrível poder
De ditar as leis da vida e da morte,
De fecundar a terra
E de semear os cemitérios.
Nasceste a ouvir o mar,
O barulho do mar
E dos moinhos de vento
Que te deixaram os árabes.
Não sei o que está inscrito
No teu ADN,
Mas se Deus te marcou
É porque algum defeito te achou.
Batizaram-te cristão,
Na pia da igreja, gótica, do castelo,
Que foi românica,
E como antes tinha sido mesquita mourisca
Ou capela visigótica,
E, muito antes ainda, templo romano
Ou anta, dólmen, menir.
Perdeste-te, por amores e guerras,
No caminho sul de Santiago
E chamaram grande
Ao rio da tua infância.
Em noites de pavor palúdico.
Imaginavas-te numa piroga louca,
À deriva,
Pelo Rio Grande de Buba.
Nascia, pensavas tu, em Montejunto
O rio, grande, da tua infância,
E era azul a serra,
Vista do mar.
Mas tu nunca soubeste,
Em menino,
O que ficava por detrás do horizonte.
Por detrás de uma serra
Ficava outra serra,
Explicava-te a senhora professora de geografia,
Da 4ª classe
E do exame de admissão ao liceu.
Era curto o horizonte
Dos meninos da tua rua,
A rua do castelo
Que terminava no cemitério;
De um lado o mar,
Que era muito maior
Que o pobre rio, grande, da tua infância;
E do outro a silhueta, azul,
Da serra.
Que afinal não era tão alta
Como tu a vias
Da torre de menagem dos teus castelos
De brincar às guerras de mouros e cristãos,
Ou quando ias pescar enguias
No rio, grande, da tua infância.
Hoje sabes
Que tudo é à escala
Do que é infinitamente pequeno e humano.
E só Alá, dizem, é grande.
Da serra, azul, de Montejunto
Às dunas da Praia da Areia Branca
Corria o rio,
Grande,
Da tua infância.
Era grande só de nome,
Era grande à tua escala,
Quando eras menino,
E nele brincavas,
Apanhando enguias,
Com o teu pai…
Lembras-te ?
Usavam um velho chapéu de chuva,
Preto,
Como se fosse um camaroeiro.
Só era verdadeiramente grande
Quando violento,
Galgando casas e campos,
O rio, grande, da tua infância.
Até Deus ficava isolado
Na igreja do convento,
Deus,
Os presos da cadeia comarcã
E a mestre escola.
Nos dias de inundações e enxurradas,
Fazia-se gazeta à escola e à missa.
Lembras-te
Como era larga a foz
E grandes as férias de verão,
Uma eternidade,
Duravam enquanto durasse o pião.
E havia uma ponte de madeira,
Com as Berlengas ao largo
E o cabo Carvoeiro, ao fundo,
E mais longe ainda,
Onde o sol se punha,
O mar, medonho, dos teus avoengos,
Desaparecidos
Entre as brumas da memória
Das Índias e dos Brasis
E o cacimbo matinal
Das bolanhas das Guinés.
Talvez houvesse, também,
Senhoras de chapéu alto,
Passeando em barcos a remos.
Já não te lembras dos barqueiros,
Passados todos estes anos.
Mas devia haver barqueiros,
No rio, grande, da tua infância,
Como no rio Sena
E nos quadros do Renoir.
Dizem que os vivos
Voltam sempre ao local do crime
Onde nasceram.
Mas um dia o tsunami do esquecimento
Irá varrer
A tua praia,
As tuas dunas,
O teu rio,
O adro do recreio da tua escola,
A tua rede neuronal,
O teu álbum de fotografias,
Amarelecidas, do Geba e do Corubal,
E os lugares da infância
Onde tu poderias ter sido feliz.
Mas quem sabe se foste feliz
Ou se poderias tê-lo sido ?
Felizmente que não há
Escalas de medição da felicidade,
Válidas e fiáveis.
Dizia-se que o rio, grande, da tua infância
Era navegável
No tempo dos fenícios, romanos e mouros,
Mas não era rio,
Era braço de mar, indomável,
Braço armado
Do terrível poder
De ditar as leis da vida e da morte,
De fecundar a terra
E de semear os cemitérios.
Nasceste a ouvir o mar,
O barulho do mar
E dos moinhos de vento
Que te deixaram os árabes.
Não sei o que está inscrito
No teu ADN,
Mas se Deus te marcou
É porque algum defeito te achou.
Batizaram-te cristão,
Na pia da igreja, gótica, do castelo,
Que foi românica,
E como antes tinha sido mesquita mourisca
Ou capela visigótica,
E, muito antes ainda, templo romano
Ou anta, dólmen, menir.
Perdeste-te, por amores e guerras,
No caminho sul de Santiago
E chamaram grande
Ao rio da tua infância.
Em noites de pavor palúdico.
Imaginavas-te numa piroga louca,
À deriva,
Pelo Rio Grande de Buba.
Loruinhã, Praia da Areia Branca > Setembro de 2014 > O Rio Grande, a chegar à foz...
Foto: LG (2014)
Foto: LG (2014)
Nascia, pensavas tu, em Montejunto
O rio, grande, da tua infância,
E era azul a serra,
Vista do mar.
Mas tu nunca soubeste,
Em menino,
O que ficava por detrás do horizonte.
Por detrás de uma serra
Ficava outra serra,
Explicava-te a senhora professora de geografia,
Da 4ª classe
E do exame de admissão ao liceu.
Era curto o horizonte
Dos meninos da tua rua,
A rua do castelo
Que terminava no cemitério;
De um lado o mar,
Que era muito maior
Que o pobre rio, grande, da tua infância;
E do outro a silhueta, azul,
Da serra.
Que afinal não era tão alta
Como tu a vias
Da torre de menagem dos teus castelos
De brincar às guerras de mouros e cristãos,
Ou quando ias pescar enguias
No rio, grande, da tua infância.
Hoje sabes
Que tudo é à escala
Do que é infinitamente pequeno e humano.
E só Alá, dizem, é grande.
Lourinhã > c. 1940 > Ponte sobre o Rio Grande, na avenida e António José de Almeida... Foto de Francisco Fernandes. Cortesia da página no Facebook Lourinhã noutros tempos, mantida pela ADL - Associação para o Desenvolvimento da Lourinhã.
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Nota do editor:
Último poste da série > 25 de abril 2015 > Guiné 63/74 - P14521: Manuscrito(s) (Luís Graça) (55): I'm sorry