quinta-feira, 7 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14583: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (37): Sempre houve emigrantes europeus para África, agora dá-se o inverso

1. Texto enviado, em 4 do corrente,  pelo nosso amigo e camarada António Rosinha:


[Foto à esquerda,  Antº Rosinha, ex-fur mil em Angola, 1961/62, topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979/93, ex-colon e retornado, como ele gosta de dizer com a sabedoria, bonomia e o sentido de humor de um mais velho, ou seja, de quem tem vidas e estórias de vidas para contar]

Data: 4 de maio de 2015 às 23:36
Assunto: Sempre houve emigrantes europeus para África, agora dá-se o inverso


Um fula guineense dentro de um contentor no Pijiquiti...Foi um caso real, que se passou há 30 anos, 1985, um guineense que trabalhava na minha empresa [, TECNIL], entrou para dentro de um contentor no porto de Pijiquiti em  Bissau, juntamente com um primo,  e só passado quase um mês é que nos apareceu novamente no trabalho.

E contou-nos a aventura e o perigo que correu para emigrar clandestinamente.

Era fácil, pois o nosso trabalho era dentro do cais, e com ajuda de estivadores amigos, lá embarcou escondido no contentor num barco espanhol para Cadis, que era o destino final.

Só que se prepararam com alimentos e água para uma semana, mas com várias acostagens a viagem demorou muitos mais dias.

E ficaram sem alimentos e água alguns dias e foram retirados em muito mau estado de saúde de dentro contentor e não tiveram saúde nem cabeça para preparar uma fuga de dentro do porto de Cádis e ir para Portugal, que era a ideia deles.

Como entre a Espanha e a Guiné já havia uma grande tradição de clandestinos, principalmente com Canárias, já havia uma rotina de recâmbio entre os dois países, e foi só seguir a rotina diplomática

Emigra-se por aventura, para fugir à miséria, para fugir a perseguições políticas, para procurar fortuna, para jogar futebol, ou por prazer de viajar…para bem longe de tudo o que nos cerca.

Nós, portugueses,  e todos os europeus do sul e ingleses sempre emigrámos, principalmente para as Américas e África. E, em alguns casos,  não foi simples  emigração. Foram mais êxodos, evasões, invasões e ocupações coloniais, e em muitos casos não houve regresso.

Mas emigrar, para fugir à guerra e à fome,  é em parte o que se passa hoje, em sentido contrário de África para a Europa.

Quem tenha acompanhado de perto o que se passa nos diversos países africanos desde as suas independências há 4 ou 5 dezenas de anos, houve sempre uma emigração maciça para a Europa, principalmente para as suas antigas metrópoles.

Desde o simples povo até aos dirigentes e empresários africanos, aproveitaram todas as hipóteses para eles próprios ou parte de suas famílias, emigrarem, ou simplesmente afastarem-se das suas problemáticas pátrias.

Embora só recentemente a Europa se esteja preocupando com a afluência maciça de africanos ( e asiáticos) entrando clandestinamente na Europa, na realidade sempre existiu uma «atracção» irresistível dos jovens africanos pela Europa e há mais de 40 anos que existe um grande afluxo de clandestinos daqueles países africanos.

Só que a Europa até há pouco tempo não se queria «preocupar», com um problema cuja solução ultrapassa toda a sua capacidade. Para a Europa está a tornar-se um grave problema, principalmente por ser uma emigração clandestina, descontrolada e imprevisível.

Dizia o jovem guineense que sobreviveu no contentor espanhol, que falhou aquela tentativa, mas com a experiência que teve, isso iria permitir-lhe não falhar na próxima..

Há uma realidade africana tão complicada , que a Europa ajudou a criar com independências extemporâneas e mal estudadas, que os povos não as entendem, que para os jovens africanos até se poderão considerar úteis e capazes  na Europa, mas na sua terra consideram-se incapacitados e sem hipóteses de integração social, étnica e profissional.

Embora os políticos até convençam o povo que só com guerras é que a Europa se fez, e África também é natural guerrear-se, a desordem e a violência são demasiado grandes para os jovens não tentarem a «fuga» .

Parece que a Europa foi "abandonada"  pelos EUA e pela Rússia nesta solução que devia ser de todos, e a China ajuda pouco, antes deita umas achas para a fogueira.

Amigo Luís, com os meus cumprimentos e, se achares exagerado,,manda para o cesto.

Antº Rosinha



Guiné > Bissau > c. 1964 > O cais do Pidjiguiti visto do Fortaleza da Amura..  Foto do álbum de Durval Faria (ex-fur mil,  CCAÇ 274, Fulacunda, 1962/64), que vive na ilha de São Miguel, Açores.

Foto: © Durval Faria  (2011). Todos os direitos reservados.

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Nota do editor:

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