terça-feira, 5 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14574: A bianda nossa de cada dia (1): histórias do pão e do vinho... precisam-se!



Guiné > Região de Quínara > Gampará > CCAÇ 4142 (1972/74) > O sold cozinheiro Soviano Teixeira, com mais dois camaradas (ajudantes), à volta do tacho...

Foto: © Joviano Teixeira (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]


1. Camaradas:

Acaba de entrar para a Tabanca Grande um camarada cozinheiro... Não é um acontecimento vulgar...Por isso o Joviano Teixeirra merece as nossas palmas. E para mais é o primeiro representante da CCAÇ 4142 (Gampará, 1972/74).

Recorde-se que na tropa (e na guerra) também havia o "front office" e o "back office", como se diz hoje nas empresas (banca, seguros, saúde...). Havia os operacionais e os serviços de apoio... Temos falado pouco dos que trabalhavam para alimentar o "ventre da guerra" (intendência, reabastecimentos, vaguemestria, cozinha...). Temos falado pouco dos nossos cozinheiros que trabalhavam em duras condições físicas, em cozinhas (?) improvisadas ou atamancadas, e a quem era pedido que fizessem milagres todos os dias... Em suma, temos falado pouco da "bianda nossa de cada dia"...

Dar de comer, no TO da Guiné, todos os dias, a 150/200 homens, numa unidade de quadrícula, isolada no mato, com problemas sérios de reabastecimento... era obra! Em geral, havia dois cozinheiros (um 1º cabo e um soldado) e dois auxiliares de cozinheiro (soldados).

Temos falado aqui dos nossos crónicos problemas de alimentação mas não tanto dos nossos camaradas que trabalhavam nas cozinhas... Ora, eles bem merecem uma palavra de apreço!... Eles também eram filhos de Deus, de Alá e dos bons irãs!

Fotos e histórias à volta da nossa bianda de cada dia, precisam-se!... E quanto ao Joviano, já lhe dei as boas vindas. Um alfabarvo para todos/as...


2. Por outro lado, o nosso camarada António José Pereira da Costa também nos acaba de contar hoje uma história que eu achei deliciosa, à volta do vinho que bebíamos e que dá pano para mangas (**)... Estou interessado em desenvolver este outro tema no nosso blogue... De resto, relacionado com a bianda... O casqueiro e o tintol, a par do correio, eram elementos importantes para manter o moral da tropa...

A questão que se pode pôr é a seguinte: Afinal, o vinho que nos chegava à mesa, no mato, era ou não uma variante do "vinho pró preto" ?...

O mercado ultramarino teve um papel importante no escoamento da nossa produção vinícola... Recorde-se que havia, ao tempo da guerra colonial, um problema de excesso de produção e falta de qualidade...

Dizia-se que Salazar dizia que beber vinho era dar de comer a um milhão de portugueses... O que em parte era verdade: antes do êxodo rural nos anos 60, a vitivinicultura dava trabalho a um exército de mão de obra barata nas aldeias...  Em 1940, a vinha ocupava mais de 320 mil hectares e havia cerca de 337 mil produtores!... (Em termos de exportação de produtos agrícolas, só a cortiça ultrapava o vinho).

De facto, o trabalho na vinha ocupava muitos trabalhadores ao longo do ano... Recordo-me quando era puto, em meados dos anos 50,  de assistir à vinda de enormes ranchos de trabalhadores sazonais, homens e mulheres, para a minha zona (Lourinhã, Estremadura), na altura das vindimas... Eram os "ratinhos", vinham da Beira!... Tempos de miséria!...

Em resumo, seria interessante saber mais sobre o vinho que a metrópole (Lisboa() nos mandava dava... A tropa era um segmento de mercado precioso... O que é que a malta  sabe mais sobre isto ?

Em boa verdade,  a generalidade dos nossos camaradas, no TO da Guiné, não se podia dar ao luxo de dizer o provérbio popular: "pão que sobre, carne que baste e vinho que farte"... Muitas vezes, faltava o pão, a carne e o vinho... Em quantidade e qualidade... Mas também se diz que "a fome é a melhor cozinheira"...

PS - Que fique claro: não estão aqui em causa os nossos camaradas da Intendência que deram o seu melhor (e alguns morreram) no cumprimento da missão que lhes cabia no TO da Guiné...

________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14568: Tabanca Grande (463): Joviano Teixeira, grã-tabanqueiro nº 687... É natural de Tavira, e pertenceu à CCAÇ 4142 (Gampará, 1972/74)

(**) Vd. poste de 5 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14572: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (13): Uma da nossa Intendência

8 comentários:

Anónimo disse...

António José Pereira da Costa
5 mai 2015 19:43

NÃO SOU GRANDE APRECIADOR DE VINHO, MAS FIQUEI COM A IDEIA DE QUE O VINHO QUE ERA FORNECIDO ÀS UNIDADES ERA O CHAMADO VINHO CORRENTE, como então se dizia.

A questão dos pauzinhos/palitos verifiquei-a. Tudo se passava nos "barcos de braço-dado" que navegavam de Bissau a Cacine (por ex.) durante dias e com o calor a apertar,,, mas nos depósitos esta atividade recreativa também poderia ser levava a cabo. No fundo, faria parte do nosso espírito provinciano e do do tipo de guerra que fazíamos - pobrezinhos contra os subalimentados.
Na CArt 1692 abriam-se os pipos pela tampa e era-lhes e introduzida uma vara devidamente graduada de 5 em 5 litros que permitia a detecção de "faltas" de líquido.

É sabido que o transporte de vinho em pipas tem diversas perdas por várias razões que não a fraude. Nessa altura a tecnologia não permitia o transporte em vasilhas de alumínio ou aço inoxidável. Além disso o retorno do vasilhame era, por si só, uma tarefa logística.

Não sei se o vinho era "religioso" (leia-se baptizado com água). Se o era creio que não se notava muito. Julgo mais que a falta de qualidade era de "nascença" e poderia ser eventualmente acrescentada até chegar ao bebedor.

Não discuto o panorama viti-vinícola do país que me parece que traçaste bem.

Um Ab.

António J. P. Costa

Anónimo disse...

abilio duarte
5 mai 2015 14:39

É verdade o que afirmas. A minha Cart.11, esteve muito tempo sem instalações próprias. Só quando chegamos a Nova Lamego, é que nos deram um Quartel, chamado o QUARTEL DE BAIXO, junto á Administração do Concelho. Foi quando o nosso cozinheiro Manuel, ficou responsável, pela messe e refeitório que era só para brancos, pois os fulas iam comer á tabanca.
No entanto não quero deixar de recordar, os tempos que passei em Pirada e Quenquelefá, onde permaneci por vários períodos, a qualidade da alimentação, e em especial o pão, que era feito naquelas unidades, de grande qualidade.
Assim o meu bem haja, para todos aqueles, que apesar de não saírem do arame e das valas, lutavam para nos darem algum conforto, quando regressava-mos do mato.

Anónimo disse...


Francisco Galveia
5 mai 2015 14:57

Boas vindas ao Joviano Teixeira, que nos lembre algumas ementas. Na CC
616 em Empada tinha-mos bons cozinheiros, mas também tinha-mos uma
manada de vacas e Nativos que diàriamente pescavam localmente bom
peixe, fomos sortudos nessa parte. um alfabravo Xiko

Anónimo disse...


Jorge Rosales
5 mai 2015 17:02

Luís

Em Porto Gole, 30 homens, o problema da "bianda" estava entregue ao
Furriel Victor Gregório da "556". A comida e o pão, era ele,que
orientava tudo, e como bom caçador, tudo corria bem...

Na minha memória,recordo-me, que uma vez o barco não entregou farinha
e fermento, e aí, é que foi um problema, porque faltava o casqueiro
!!!

Fomos buscar ao Geba, pequenas pedras, que serviram para acompanhar o molho.

Este grupo, tinha o Alface, sargento do quadro, que com o seu "saber",
safava sempre nos dias mais dificéis, Aí aprendi, ou refinei, o
espirito de equipe, que resolve tudo.

Um abraço, Jorge Rosales

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Isto das comidas e bebidas tem que se lhe diga!

No que diz respeito à bebida e relativamente ao vinho, tenho pouca recordação. Lembro-me que durante o CSM em Santarém o que se bebia era pouco menos que intragável, eu que até sou de uma região, Cartaxo, onde o vinho sabia a vinho, pelo menos o que chegava à mesa de casa e aquando dos petiscos com os amigos.
Não sei se era por saber mesmo ou por sugestão do que se dizia, lá no Destacamento da EPC aquela zurrapa sabia a cânfora...

Na Guiné, devo dividir a 'coisa' em três partes: nas refeições na Messe de Sargentos do QG, durante a permanência em Piche e em Bissau, nos estabelecimentos civis.
Da primeira parte não guardo memória.
De Piche, em termos de Messe também não me lembro como era. Sei que cá fora, no Tufico, bebia cerveja. Mas no Quartel lembro-me bem de "estrear" Alvarinho "Palácio da Brejoeira". Nunca tinha bebido (para mim 'vinho verde' era Casal Garcia e similares) e isso foi possível porque um dos Capitães era uma pessoa de gostos refinados (até mandou vir, a suas custas, um aparelho de ar condicionado que mandou montar no quarto) fez com que fossem fornecidas algumas caixas e como uma delas de "partiu" lá tivemos a sorte (eu, o vaguemestre cúmplice e mais uns dois ou três esforçados companheiros) de experimentar esse vinho. E gostei!
Já nos diversos estabelecimentos civis, para além da cerveja, em termos de vinho a diversificação foi a característica principal: no "Solar do 10", quando jantava do lado mais requintado e maioritariamente ocupado pelos senhores Oficiais da Marinha, para acompanhar o "steak" à inglesa ia uma garrafa de "FR" velho, se a refeição era do lado da esplanada interior, a acompanhar a "Açorda à Santa Teresinha" ia um "Dão" (não dava nada, tinha que pagar!).
No restaurante do Pelicano optava mais geralmente por "Grão Vasco".
Quando ficava pelo "Oásis" e me deliciava com umas excelentes alheiras, 'bati' todas as 'monocastas' brancas que por lá havia até as esgotar: "Fernão Pires", "Tália", "Boal", "Trincadeira", etc...
Portanto, em termos de bebida, melhor dizendo, em termos de vinho.... não me queixei!

Da comida direi noutro comentário.

Hélder S.

Hélder Valério disse...

Quanto à comida.....

Em termos de Guiné, também divido isso em partes: a comida na Messe de Sargentos do QG, os tempos de Piche e as refeições nos espaços civis, podendo-se acrescentar as 'petiscadas'.

Da Messe confesso que algumas vezes não me pareceu mal de todo mas o que mais 'retive para memória' foi os diferentes tipos de arroz: o "vermelho" quando pretendia ser de tomate, o "verde" quando misturado com verduras, o "alaranjado" quando de cenoura, o "amarelo", quando de açafrão ou caril e ainda havia o "branco". O que o acompanhava era irrelevante.
Em Piche, fazia-se o que se podia, em função dos fornecimentos. Não posso dizer que desgostei. Comi razoavelmente bem, tendo em conta as circunstâncias.
E ainda houve tempo para se experimentar pratos novos, como por exemplo as "almôndegas de mancarra ao suor", as quais eram uma espécie de carne picada mas que não sendo muita era enrolada e recheada com pedaços de mancarra e que antes de irem para a confecção eram passados pelo suor do corpo do cozinheiro negro. Muito bom!
Petiscos eram bastantes e em função do que os fornecimentos proporcionavam. Comi um leitão (já um bocadinho crescido...) com arroz no bucho, em casa do Chefe de Posto e arranjado pelo homem da Casa Gouveia que "soube pela vida". Coisas proporcionadas pelo meu amigo vaguemestre Herlander, que tinha estado comigo em Santarém.
Na 'vida civil' de Bissau e arredores, enquanto havia 'patacão', não falando em ostras e camarões ou iscas às tirinhas no Zé D'Amura, fui variando e experimentando diversos locais e pratos, lembrando-me agora assim de repente, para além dos já citados "Solar do 10", "Pelicano" e "Oásis", também a "Meta", o "Sporting de Bissau", umas duas vezes o "Grande Hotel", etc.

Em resumo, dum modo geral, tendo em atenção o tipo de funções e ocupações funcionais que me tocaram, não tenho grandes razões de queixa quanto à alimentação, pois sempre que não era boa foi-se arranjando alternativas.

Hélder S.

Antº Rosinha disse...

"António Enes considerava, porém, que se tratava de um vício inato
nos africanos e nenhuma culpa cabia aos europeus na sua deflagração.
«Foi a natureza que fez o africano borracho"»

Luís, como vês já me estou a afro-cultivar, o meu hoby e já estou a ler o tratado que enviaste sobre a históra do vinho para as Áfricas, neste caso, mais relacionado com Moçambique.

Mas sabes que em Moçambique a coisa fiava mais fino, ali sempre fomos muitos «escrupulosos» à inglesa curta.

Só falta ali a ASAE do século 18.

Como sou do tempo, em que o único vinho engarrafado e exportado era unicamente a marca Casal Garcia, verde branco ou tinto, que custava em Luanda 50$00 quando um bom bife a cavalo custava 17$50, a mim só me calhou mesmo aquele que dava de comer a tanoeiros.

Que era o tal vinho para os pretos, mas que brancos e mestiços também emborcavam.

Mas na África sub-sariana, destilava-se de tudo, sendo que no caso de Angola, era tudo proibido pelos chefes de posto, nem sequer o vinho de palma, saborosíssimo em fresco, era permitido.

Os pretos só subiam às palmeiras, clandestinamente, em matas sem acesso fácil aos chefes de posto e cipaios.

Fiquei admirado por ver em Bissau a exploração livre desse vinho, o que era péssimo para a produção de dendem.

Mas que fique bem claro, em Angola e na Guiné, não é preciso assobiar.

Aquelas taberninhas das aldeias do Portugal rural foram espalhadas pelos aldeias dos índios e pretos e asiáticos.

Diziam as piadas brasileiras lusofóbicas que os americanos não encontraram nenhum português na lua, porque não havia esquinas para montar um botequim.

JOSÉ MARIA PINELA disse...

E aquele pãozinho com manteiga e café quente, acabado de sair do forno, ás duas ou três da madrugada e que era começado a distribuir pelos postos, de sentinela que havia em redor tabanca de Ingoré, e respectivo aquartelamento,que bem que sabia! que maravilha naquelas paragens! sabia melhor que pastéis de Belém!!! Eu e os meus colegas de transmissões que faziam-mos a escuta nocturna, não podiam-mos perder tal iguaria todas as noites,era uma das partes boas da nossa estadia naquelas paragens.Grande equipa aquela dos padeiros, cozinheiros e ajudantes, assim como todos os responsáveis pela encomenda e reabastecimento, de todos os géneros que permitiam a alimentação da tropa.