domingo, 3 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14561: Libertando-me (Tony Borié) (15): Atravessando a Ponte Golden Gate, a pé, em S. Francisco

Décimo quinto episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66.



Quando jovens, havia pelo menos na nossa aldeia uma expressão, muito frequente, na boca das pessoas mais idosas, que quando fazíamos algo que não estava de acordo com o seu parecer, nos falavam com uma expressão geralmente arrogante, lá de cima, pois nós éramos crianças, víamos o seu rosto cá de baixo, dizendo-nos: “se voltas a fazer isto, vais corrido a PONTAPÉ!”.

A “PONTAPÉ”, é disso que vamos falar, não daquela expressão, intimidativa, arrogante, que nos embaraçava, nos metia medo, mas de algo que nos faça passar um bom tempo, nos faça ser jovens outra vez, aventureiros, deixando por alguns instantes a guerra, as emboscadas, os camuflados rotos e sujos de sangue, a terra vermelha, os abrigos do Olossato, todos aqueles pormenores, alguns horrorosos, outros assim-assim, outros onde, entre outras coisas, o cigarro e o álcool que nos faziam andar por ali, a G-3 era a nossa namorada, adorável companheira, às vezes acordávamos pela madrugada, parecendo até que éramos pessoas, humanos e, sabíamos ler, escrever, que o norte era para aquele lado, mas a Europa era para o lado da cidade de Bissau.

Lá em Mansoa havia a ponte que tinha um arco de cada lado, onde se faziam apostas, cujo prémio, às vezes era um maço de cigarros, em quem era capaz de atravessar esse arco, caminhando e batendo palmas, ao mesmo tempo. Havia alguns que com certa coragem, começavam, quando chegavam ao meio e a superfície era a descer, voltavam as costas e às vezes vinham de joelhos. Havia só um militar, que era o “Marafado”, que atravessava todo o arco, fazendo o pino, ou seja, caminhando com as mãos, mas a troco de uma cerveja ou de um maço de cigarros “Três Vintes”, ele dizia que tinha trabalhado num circo.

Havia a ponte velha, ao lado, que era a nossa preferida, assim como de outros militares que queriam alguma paz, onde se passavam horas, sentados, fumando, pensando na aldeia, atrás da montanha em Portugal, apreciando a área alagadiça, quando da maré cheia, com alguns pelicanos descendo o rio, mergulhando o pescoço na procura de algum peixe.

Muitos de nós conheciam essa ponte, pelo menos os combatentes estacionados na zona do Oio e, pelo menos nós, sempre considerámos a verdadeira “porta de entrada na zona de guerra”, mas agora vamos viajar, vamos atravessar a “Golden Gate Bridge”, que é aquela ponte que aparece muitas vezes nos filmes e na televisão, na cidade de São Francisco, na Califórnia.


Era ao fim da tarde, o carro era um “utilitário”, alugado na cidade de Los Angeles, numa agência, onde os funcionários vivem nos “Barrios” e, como já explicámos anteriormente, não gostam dos “Gringos”, fazem sempre um preço mais em conta às pessoas que falam ou tentam falar o seu idioma, não havia GPS, íamos guiados pelo mapa, onde parece tudo muito fácil, mas no terreno é pior que aqueles carreiros para Porto Gole, Bissorã, Bafatá ou Olossato, só que aqui, não é terra e floresta selvagem, é um tráfico intenso, com algumas distâncias sem qualquer placa de sinalização, seguíamos pela estrada número 1, a quem também chamam, entre outros nomes “Cabrillo Highway”, em homenagem ao navegador e explorador Português, João Rodrigues Cabrilho, nascido em Montalegre, no ano de 1499. Por seguir sempre encostada ao oceano Pacífico, mas próximo da cidade de São Francisco, esta estrada junta-se a uma rápida, que dá pelo nome de Highway 101. Parámos numa estação de serviço, perguntámos qual a maneira mais rápida e funcional de atravessar a ponte e a funcionária, sorrindo, disse-nos que era para aquele lado, mas nunca lá tinha ido, uma simpática senhora ao lado, logo nos disse que era fácil, quando entrasse na cidade, bastava seguir os sinais com desenhos da ponte que aparecem em quase todas as ruas ou cruzamentos do percurso, até à referida ponte, mas, vivia em São Francisco há mais de 20 anos e só a tinha atravessado duas vezes, quando foi visitar uma tia que vivia no norte, dizia-me ela, fazendo uns gestos esquisitos com ambos os braços, pois às vezes “balança e treme, que horror”.

Foi o que fizemos, demorou algum tempo, mas conseguimos, fomos ao outro lado e regressámos, era uma vista agradável, mesmo muito agradável e, na nossa ideia logo ficou a determinação que iríamos fazer de novo, mas agora a pé, ou seja, atravessar a “PONTAPÉ”.

Procurámos um daqueles motéis onde se dorme e que pela manhã servem um café com um biscoito, que normalmente chamam de “B and B”, (bed and breakfast), que quer dizer mais ou menos, cama e pequeno almoço, que na cidade de São Francisco, pelo menos na zona da parte sul da ponte, próximo da área de “Fisherman Wharf”, existem muitos.

Ali, recolhemos informação dos principais lugares com interesse na cidade de São Francisco, que é uma cidade onde os espanhóis, por altura do ano de 1776, se estabeleceram numa pequena fortaleza no “Golden Gate”, numa missão chamada “Francisco de Assis”. A corrida ao ouro na Califórnia, em 1848, impulsionou a cidade com um período rápido de crescimento, pois a sua população no espaço de um ano cresceu de 1000 para 25.000 habitantes, tornando-se naquela época a maior cidade da costa oeste dos USA. Em 1906, três quartos da cidade foi destruída por um terramoto seguido de incêndio, mas foi reconstruída rapidamente com avenidas e ruas já com configuração moderna, dizem também, que durante a “Segunda Guerra Mundial”, a cidade de São Francisco foi o porto de embarque para a “Guerra do Pacífico”, tal como a cidade de Lisboa foi o porto de embarque para a “Guerra do Ultramar”, e com o fim da guerra, o retorno dos militares, a emigração em massa, atitudes de liberalização e outros factores que levaram ao “Verão do Amor” e ao movimento pelos direitos dos homossexuais, fazendo da cidade de São Francisco um centro de activismo liberal dos USA.

Depois de nos informarmos sobre os lugares de interesse, que eram tantos, a escolha foi difícil, mas sempre sobressaía a “Golden Gate Bridge”, o “Fisherman’s Wharf” e o “Chinatown”. Um dos principais motivos que nos levou à cidade de São Francisco era atravessar a “Golden Gate Bridge” que quer dizer mais ou menos “Ponte do Portão do Ouro”, a pé, caminhando, que liga São Francisco à cidade de Sausalito, que fica situada do lado de lá, ao norte, mas dentro da área da baía de São Francisco, onde a ponte termina, sobre o estreito de “Golden Gate” que é uma das mais conhecidas construções dos USA, considerada uma das sete maravilhas do mundo moderno, cujo comprimento, depende do que nós quisermos medir, mas dizem que o vão principal da suspensão entre as torres é de 1280 metros, o que fez da Ponte Golden Gate a maior ponte suspensa do mundo, até que a Ponte Verrazano Narrows foi construído em Nova York, em 1964, com um projeto que foi deliberadamente feito 60 metros mais longo para definir o recorde mundial. A extensão total da Golden Gate é de 2737 metros, um pouco menos do que a metade do comprimento da ponte é entre as duas torres. Também dizem que ela é um dos destinos mais populares do mundo para viajantes, onde muitas pessoas vêm para as áreas de observação especiais, no norte ou do sul, estacionam os seus veículos, tiram fotos e vão embora, mas isso não lhe dá a mesma sensação para admirar esta bela estrutura, do que realmente é, caminhando pela ponte, que como dizíamos, tem quase três mil metros de comprimento.

Ao outro dia pela manhã, deixando o veículo estacionado na área do “Fisherman Wharf”, tomando lugar naqueles autocarros que mostram a cidade, saímos na parte sul da ponte, preparando-nos para a aventura da sua travessia a pé, já não era surpresa a intensidade do ruído do tráfego na ponte, pois o Highway 101, assim como a tal estrada número 1, são lugares barulhentos, mas a estrutura moderna de aço sob o leito da estrada da ponte, amplifica pouco o ruído do tráfego, mas claro, sempre se ouve aquela lamuria do “clack-clack” com os carros e camiões passando sobre as juntas de dilatação, que como sabem, essas articulações permitem à estrada expandir ou contrair, fazendo face às altas ou baixas temperaturas, que às vezes são extremas, que mantém a ponte sem deformação ou fissuras, mas para nós e muitos visitantes, estes sons da ponte, no seu trabalho, são parte da diversão de a visitar.


Iniciámos a nosso aventura sabendo que as forças da natureza colidem na área da Ponte Golden Gate todos os dias, pois estamos quase a 70 metros acima da superfície do Oceano Pacífico e da Baía de São Francisco, bem no meio de uma abertura estreita na escala de uma costa montanhosa, onde o Golden Gate, é a única abertura ao nível do mar que leva a milhares de quilómetros quadrados de vales ou montanhas, com o continente e o oceano, onde o calor se refresca durante o dia, que pode mudar a pressão do ar de expansão para contracção, que por sua vez pode causar ventos fortes, onde a atmosfera se ajusta às diferentes pressões de ar da terra e do oceano. Também existem marés fortes para dentro e fora da Golden Gate área, misturando água fresca dos grandes rios que desaguam na baía, com a água salgada e turbulenta do Oceano Pacífico, que podem ter diferentes temperaturas. O ar acima da água pode ser também de diferentes temperaturas, que causam variações na direcção dos ventos diários, que causam o tradicional nevoeiro, que pode existir por horas ou por alguns minutos, tanto seja pela manhã como pela tarde.

Levávamos equipamento para enfrentar todas estas anomalias, sentindo a brisa na cara, surgindo pela frente, céu azul, nevoeiro, alguns chuviscos, vento e, de novo céu azul, parando aqui e ali, tirando fotos, vendo a cidade ao longe, de diversas posições, pois do lado leste da ponte, enfrentamos a cidade de São Francisco e a Baía, a parte oeste nos dias de semana é geralmente reservado para as equipas de manutenção. Também existem duas passagens abaixo do tabuleiro da ponte, uma é um amplo túnel na extremidade sul e a outra é uma passagem estreita no extremo norte, para os caminhantes terem a oportunidade de atravessar entre as duas passagens, dando aos visitantes acesso a grandes oportunidades para fotos dramáticas de ambos os lados da ponte, que como dizíamos antes, com uma vista fabulosa, com vistas para a cidade de São Francisco, para a ilha de Alcatraz e outras áreas da parte leste da Baía, assim como alguns barcos passando, com os golfinhos fugindo na frente.
Já no regresso, ao meio da ponte, pudemos admirar os cabos gigantescos que descem ao nível do convés, o que nos permite ver o quão grosso são. Quando passamos ao lado das torres, existe uma pequena curva, produzindo uma "sacada", para mais pontos de vista e fotos. O círculo branco ao redor da base da torre da ponte é uma barreira de concreto que desvia as poderosas correntes de maré, e a protege contra os navios que podem, por qualquer razão, ficar fora do seu curso.

Na torre sul, do lado de São Francisco, tem uma placa comemorativa dos engenheiros e políticos empenhados na construção da ponte. No extremo sul abaixo da ponte sobre um promontório é o velho Fort Point, que é um local histórico nacional, assim como no extremo norte, abaixo da Ponte é o cais do antigo Fort Baker, podendo ver tudo isto e, mais algumas paisagens que nos ficam no pensamento para toda a vida.

Atravessámos a ponte nas duas direcções, parando por umas horas do lado de lá, onde existe um ponto privilegiado de observação, para repouso e admirar a paisagem.

Só mais um pormenor, a cor da Ponte Golden Gate é chamada de "laranja internacional", que não se vende nas lojas, pois é única.

Tony Borie, Maio de 2015.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14528: Libertando-me (Tony Borié) (14): O aeroporto era já ali

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Cá fazemos a meia Maratona de Lisboa, todos os anos, na ponte irmã dessa de São Francisco.

Os pais da nossa ponte foram os mesmos da de São Francisco, só que quem batizou a nossa foi o Cardeal Cerejeira.