terça-feira, 28 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14942: (Ex)citações (287): Um telefonema complicado com final feliz… (Augusto Silva Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), com data de 21 de Janeiro de 2014:

Olá Camarada e Amigo Carlos Vinhal
Espero que esteja tudo bem contigo e família.
Faz tempo que não dava o meu contributo para uma publicação na Tabanca, razão pela qual e, aproveitando o tema em referência, aqui vai algo que, contado a esta distância no tempo, parece um pouco descabido, mas este foi um acontecimento que nunca esqueci pelos vários envolvimentos.

Um forte abraço,
Augusto Silva Santos


Um telefonema complicado com final feliz…

Durante a minha passagem pelo BCAÇ 3833 / CCAÇ 3306, mais propriamente por Jolmete e, após termos tido um forte contacto com o IN na “famosa” zona de Badã em 04-03-1972, muito perto da não menos “famosa” zona de Ponta Matar, contacto esse do qual infelizmente resultou em 10 feridos para as nossas tropas (alguns dos quais com bastante gravidade), tendo eu escapado ileso por “milagre”, senti nos dias posteriores uma forte necessidade de contactar / falar com os meus entes queridos.
Importa salientar que os deuses nesse dia estiveram de facto comigo… Só me lembro de ter sido projectado pela acção do sopro de um rebentamento de RPG, de ter batido numa palmeira, e ter caído em cima de um soldado, sem ter sido atingido por qualquer estilhaço, portanto sem qualquer ferimento, sorte que infelizmente não tiveram os camaradas feridos que estavam perto de mim.

Dado que tal contacto telefónico não seria possível de realizar, nem em Jolmete nem no Pelundo, restava a alternativa de tentar fazer o mesmo em Teixeira Pinto, o que não era de todo fácil de concretizar.

Assim, cerca de um mês depois, aproveitando uma coluna para o Pelundo, ofereci-me para essa deslocação, primeiro para dar um forte abraço ao meu irmão que estava naquela localidade na CCAÇ 3307 e, depois, para ver então a hipótese de me deslocar a Teixeira Pinto nesse dia para concretizar o meu segundo objectivo.
Azar… Nesse dia, no distante mês de Abril de 1972, já não estava programada mais nenhuma deslocação do Pelundo para Teixeira Pinto. Perante o meu desespero / desânimo e, sem que eu estivesse à espera, aparece o meu irmão com um jeep (ele era Furriel Mecânico Auto da sua Companhia), meteu-me nele e, apenas com uma G3, lá fomos os dois direitos a Teixeira Pinto / Estação dos Correios.

Aproveito para juntar duas fotos que testemunham tal acontecimento, a primeira tirada no varandim da dita estação dos CTT, e a segunda na estrada em frente, ambas com data de Abril 1972.

 Teixeira Pinto, Abril de 1972 - Estação dos Correios

Teixeira Pinto, Abril de 1972

Após algum tempo de espera dado o improviso (não estava programada qualquer chamada), lá consegui que me fizessem um pouco à sorte a ligação, mas finalmente consegui falar com os meus pais, algo que obviamente fiz com muita dificuldade dado o embargo da voz.

Acabámos depois por ir comer umas rolas na “tasca” do Jaime, situação mais ou menos habitual naquelas paragens.

Costuma-se se dizer, “tudo bem quando acaba em bem”, pois tanto na ida como no regresso não tivemos qualquer mau encontro, mas foi uma aventura mais ou menos perigosa, pois o normal era que estas deslocações se realizassem com uma escolta.

E tudo isto por causa da necessidade de um telefonema…

Como explicar isto à geração actual, cujas facilidades de comunicação hoje em dia, são o que são?
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14925: (Ex)citações (286): Fiz um telefonema surpresa para o meu irmão, no dia e hora do seu casamento, em 16/10/1971, em Guimarães...Tive que marcar a chamada oito dias antes, na casa do régulo de Bula que servia de posto dos CTT... (António Mato, ex-alf mil MA, CCAÇ 2790, Bula, 1970/72)

Guiné 63/74 - P14941: Agenda cultural (420): Sessão de motim organizado, e com consequências preocupantes, imprevisíveis, em 29 de Julho, pelas 18h30, na FNAC Colombo, a propósito do livro "De Freguês a Consumidor - 70 anos de Sociedade de Consumo, História da Defesa do Consumidor em Portugal" (Mário Beja Santos)

C O N V I T E

Sessão de motim organizado, e com consequências preocupantes, imprevisíveis, em 29 de Julho, pelas 18h30, na FNAC Colombo



A luta continua, o esclarecimento está na ordem do dia, impõe-se debater exaustivamente, a escassos meses das eleições, se somos fregueses ou consumidores, quem, em concreto, dá garantias de que a nossa qualidade de vida e a nossa cidadania vão sair beneficiadas pela nossa decisão de voto. 

Vai haver motim pela certa, não é impunemente que discutir “De freguês a consumidor, 70 anos da sociedade de consumo, história da defesa do consumidor em Portugal”, publicada pela Nexo Literário e o tempo como autor aquele a quem chamam o Rasputine do consumo, o energúmeno Mário Beja Santos, deixa indiferentes amigos, conhecidos, detratores e curiosos.

É por isso que apelamos à sua participação na quarta-feira, 29 de Julho, pelas 18h30. 

Prepare-se para atos insólitos como compras impulsivas e atitudes mórbidas de acumulação. 

Prepare-se…

Mário Beja Santos
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 14 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14875: Agenda cultural (417): "De Freguês a Consumidor, 70 anos de sociedade de consumo". Venha cavaquear comigo, dia 16 de Julho pelas 19 horas, na Livraria Barata, Av. de Roma, n.º 11, em Lisboa (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 23 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14923: Agenda cultural (419): "De Freguês a Consumidor, 70 anos de sociedade de consumo". Tertúlia com Mário Beja Santos levada a efeito no passado dia 16 de Julho na Livraria Barata, em Lisboa

Guiné 63/74 - P14940: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (13): De 9 a 14 de Junho de 1973, com baptismo de fogo a 13

1. Em mensagem do dia 24 de Julho de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos mais uma página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74 

13 - De 9 a 14 de Junho de 1973

Da História da Unidade BCAÇ 4513:

JUN73/09 – A 1.ª CCAÇ efectuou um patrulhamento para a região de LENGUEL. Descobriu uma BFog de MORT82 no R. COEL.
(...)
Às 16h40 o destacamento de CUMBIJÃ foi flagelado com 40 granadas de morteiro 82 da região do R. COEL [!], sem consequências.

Do meu diário:

09 de Junho de 1973 – (sábado) – Ainda Guidage, do outro lado.

Nada de especial a assinalar, [noto a omissão à flagelação de Cumbijã. Desconhecimento? Banalização?], além de uma pequena mas curiosa ocorrência: chegou hoje a Mampatá, um antigo soldado do grupo do camarada Câmara (Companhia Africana) e que actualmente está no grupo do Alf. Marcelino da Mata, (militar a quem já fiz referência ao descrever a demonstração de armas capturadas ao PAIGC que ele fez em Bolama). Ora, este militar é, portanto, um soldado dos Comandos Africanos, e entrou nestas últimas operações de relevo, a respeito das quais se tem ouvido fazer tantas alusões de há umas semanas para cá, sendo umas verdadeiras e outras deturpadas. Conta-nos ele que na região de Guidage a nossa situação é grave e melindrosa, devido às frequentes e eficientes acções desenvolvidas pelos guerrilheiros contra as nossas tropas. Confirmou as notícias que nos chegaram dessa zona, a respeito da coluna auto, massacrada. Era uma coluna de Berliet que transportava tropas e grande quantidade de munições, que a dada altura foi atacada por todos os lados por milhares [?] de guerrilheiros, forçando a nossa tropa a abandonar tudo, sem outra alternativa. [Isto pode conter imprecisões pois tem como fonte o tal soldado e o “jornal da caserna”]. Daí até os ditos “turras” saltarem para cima das viaturas e tentarem chegar com elas ao Senegal, foi um ápice. Nessa altura a Força Aérea bombardeou toda a coluna, destruindo-a, impedindo que concretizassem os seus intentos. De qualquer forma, para nós, foi uma derrota sem remédio, com um saldo bastante negativo: várias vidas perdidas e algumas centenas de contos em material deixado para ninguém.

Estes acontecimentos superam em larga medida, os ocorridos recentemente aqui em Nhacobá, no que diz respeito à importância das acções e suas consequências. Foi certamente por represália, que as nossas tropas entraram (...) e destruíram uma importante base IN, causando enormes baixas às tropas que ali se encontravam e destruindo ou capturando todo o armamento que puderam. Segundo o referido soldado Comando, seriam necessários quatro helicópteros para trazerem todo o material. Impossível, até porque não se podiam dar a tal veleidade. Perante a situação, quem comandou a operação, em que entrou grande efectivo de tropas especiais, permitiu que os soldados trouxessem para si próprios [!] todo o armamento que quisessem e pudessem trazer. O resto seria destruído. Imagino a euforia da retirada. Depois disso muitas armas foram vendidas e oferecidas a quem aprecia tais brinquedos, tanto mais que não acarretaria qualquer problema a posse desse material, uma vez que (...). [Seria assim? A verdade é que me tentaram vender uma Simonov e eu recusei].

O antigo pupilo do Alf. Câmara (...) era com um misto de tristeza e resignação que aludia à quantidade de armas novas, ainda encaixotadas, que tiveram que destruir juntamente com mísseis e rampas de lançamento e outro armamento pesado. Quis-me parecer que, se lhe dessem tempo, traria tudo isso para cá (..). Há quem goste mais de saias!...

[Hoje temos dados suficientes para confirmar ou rebater toda esta informação sobre Guidage (...) trazida pelo mensageiro. Haja pachorra].


10 de Junho de 1973 – (domingo) – Mampatá. Dia de Camões.

Hoje foi domingo, mas poucos deram por isso. Para a guerrilha não há domingo e para nós também não. Hoje foi o Dia de Camões, mas poucos deram por isso. Para a guerrilha não há Camões e para nós também não. [Para a História da Unidade também não]. Não há família e amor, nem há paz. Há, isso sim, farrapos humanos que falam das suas intermináveis e enfadonhas aventuras, que choram sem motivo e riem por ver rir os outros, e estes sem ser por nada, como diria o nosso Fernando Pessoa pela voz do Zeca Afonso.

Soube pelo Cap. B. da C. à hora do jantar que, amanhã, toda a Companhia irá para Aldeia Formosa, onde ficará uns dias (?), uma vez que, tanto ele como o Cap. Marcelino irão agora de férias. Não podendo ficar Mampatá sem um capitão a comandar, virá para cá a 1.ª CCAÇ comandada pelo Cap. B. D.. Esta notícia veio-me interromper a normal digestão do jantar. Aldeia Formosa não nos interessa por várias razões e mais uma: a presença dos “crânios”. Paciência.

[Era a maneira de ver tudo pela negativa, porque Aldeia Formosa, (como Nhala ou Buba), quanto mais não fosse, tinha edifícios onde se podia dormir descansados, tomar banho e beber uns canecos, muito diferente de viver em tendas e dormir no chão e à intempérie. Ainda hoje não suporto a ideia de fazer campismo...]


11 de Junho de 1973 – (segunda-feira) – Aldeia Formosa.

Temos a Companhia instalada em Aldeia Formosa, mas o nosso serviço é o mesmo e limita-se à protecção dos trabalhos na estrada Cumbijã/Nhacobá. Hoje, por ser o dia da nossa mudança, não fizemos nada. O Cap. B. da C. seguiu hoje de avião para Bissau, para dali ir de férias para a Metrópole.


12 de Junho de 1973 – (terça-feira) – Começar pelo descanso.

Saíram três grupos de combate da Companhia: dois, para a estrada ou Nhacobá, e outro para fazer a coluna a Buba. O meu grupo ficou de descanso.


Da História da Unidade do BCAÇ 4513:

JUN73/13 – Grupo IN estimado 20/30 elementos emboscou região (XITOLE 4 G 8-27) com armas automáticas, morteiro 60 e RPG durante dez minutos a frente de coluna de forças que se deslocavam para os trabalhos de estrada, sem consequências. IN retirou em direcção ao R.Habi, após a reacção da NT.
- Pelas 19h00 grupo IN não estimado flagelou com cerca de 20 granadas de canhão s/ recuo e morteiro 82, durante 15 minutos, o estacionamento de NHACOBÁ. A direcção foi de UNAL, BRICAMA e LENGUEL.

Do meu diário:

13 de Junho de 1973 – (quarta-feira) – Baptismo de fogo.

Para os supersticiosos foi dia de azar. Para os católicos foi dia de Santo António e de azar também. Para mim, foi um dia que me correu mal desde manhã até à noite, - azar, portanto -, para além de ter que suportar incómodas dores de cabeça. Foi também, para mim e o meu grupo, o baptismo de fogo nesta guerra.

Saímos de Aldeia Formosa muito cedo, na habitual coluna auto, e com um nevoeiro bastante cerrado que se manteve por largo tempo. À passagem por Mampatá fiquei furioso porque um capitão, sem se aperceber decerto, me separou o pelotão na extensa coluna, ficando eu com metade numa Berliet e seguindo o resto com o furriel D. C. O., muito à frente noutra Berliet, embora separados apenas por duas viaturas da Engenharia, mas a guardar espaços enormes. Como sempre, era uma coluna interminável mas, agora, a furar o nevoeiro espesso que não permitia enxergar nada dentro da mata e mal se divisava a viatura da frente. Parecia noite. Esta atmosfera fez-me ter um pressentimento - como aconteceu a outros, soube depois -, de que iríamos ser atacados. Como a minha espingarda ia junta com a do furriel J. M. P. na porta da Berliet, lembrei-me de verificar se a de cima era a minha, pois não queria ter problemas em caso de emergência para saltar da viatura, uma vez que eu ia do lado da porta e o furriel entre mim e o condutor.

Mal acabo de fazer esta verificação, reparo que as viaturas da frente levavam a porta aberta. De repente param e salta tudo para o chão no instante em que desaba um fogachal de armas automáticas. Nesse instante também já o meu grupo se tinha projectado por cima dos taipais da Berliet, abrigando-se nas bermas da estrada. Não percebi que sinal tiveram os da frente para abrirem as portas ainda antes de ter havido qualquer disparo. Eu confesso que só me lembro de estar no chão de G3 na mão, a seguir aos primeiros tiros, mas não me lembro como abri a porta e saltei. Na berma da estrada verifiquei que a força maior do ataque era a uns 100 metros, e do lado direito, tendo apanhado a cabeça da coluna na zona de morte. Mandei o pessoal abrigar-se melhor na orla da mata e eu fiquei na berma de joelhos junto a um cepo, a tentar perceber melhor a situação. Mas depois vi-me obrigado a abrigar-me também quando ouvi por cima de mim, ou pelo menos muito perto, os rebentamentos de RPG que, aliás, rebentavam na mata um pouco por todo o lado.

Tudo começou com rajadas da “costureirinha” (ou Kalashnikov?), mas logo começaram a rebentar por cima da coluna e na mata as granadas de morteiro e RPG. Depois calaram-se as armas ligeiras e bateram em retirada, lançando granadas dispersas para cobrir a fuga. Foi por esta altura que, vindo do fim da coluna, passou o Major D. M. e o Cap. de Operações J. C. Vendo-me abrigado junto do pessoal, disse-me: “ – Então, ó Murta, estou farto de o chamar pelo rádio e você não responde? Onde é que tem o rádio?” – Olho para o lado e vejo o 1.º Cabo operador do rádio tão admirado como eu. O rádio tinha ficado em cima da Berliet. Mas quem é que no baptismo de fogo se lembra do rádio? Nem da minha mãezinha me lembrei...

Entretanto, da frente aparece o furriel D. C. O. a buscar granadas de bazuca pois a metade do grupo que ficou quase na zona de morte apenas levava duas, tendo-as lançado. Levaram mais granadas mas já não chegaram a ser utilizadas, pois só a 3.ª CCAÇ ficou a bater a zona de retirada IN com o morteiro. A 3.ª CCAÇ, sempre vítima, ficou na zona de morte e reagiu impecavelmente, primeiro com dilagramas sobre os atacantes que se encontravam na bolanha e, depois, à morteirada. Ao perceberem a fuga começaram a usar balistite nas granadas, aumentando progressivamente as cargas para atingir distâncias maiores. Durou isto uns 10 minutos no máximo, até que tudo se calou de vez. Mesmo assim, mantivemo-nos no local quase três quartos de hora. É a sétima emboscada que eles fazem naquele local, mas a última já foi há bastante tempo e causou uma vítima. Hoje, porém, os únicos feridos, por ironia, seguiam dentro da Chaimite que normalmente encabeça a coluna. Eram da 3.ª CCAÇ do grupo do Alf. Mota e, parece, iam ali por estarem adoentados. O que se disse é que assim que a Chaimite levou as primeiras rajadas, o condutor fechou a tampa da torre e ficou com os pequenos vidros frontais embaciados. Perdendo a visibilidade, embateu contra uma das paredes da “pedreira” (onde se faz a extracção de saibro para a estrada), ficando ali “encalhada”. Os feridos levaram uns pontos, a coluna seguiu e a Chaimite ficou a tentar safar-se pelos próprios meios.

13 de Junho de 1973 – Estrada Aldeia Formosa / Nhacobá numa manhã de nevoeiro cerrado. Emboscada à coluna auto, militar e da Engenharia, que se dirigia para Nhacobá. À frente vêem-se paradas as primeiras viaturas da coluna. À direita na foto, o 1.º Cabo Tinoco do meu grupo com a sua HK 21. Está de costas para a nossa Berliet, não visível. Esta e a fotografia seguinte, são das poucas que tenho em papel e as únicas feitas durante um ataque. Mas não tenho a mínima lembrança de as ter feito.

13 de Junho de 1973 – Estrada Aldeia Formosa / Nhacobá numa manhã de nevoeiro cerrado. Na estrada, a caminhar para nós, vê-se à esquerda o Fur. D. C. O. e o “Mafra”, apontador de bazuca. Vinham buscar granadas de bazuca para levarem para a viatura com o resto do nosso grupo de combate, lá à frente. À esquerda na foto está o Victor, quase irreconhecível pela falta de luz, mas sei que é ele. Estas fotografias foram feitas já no rescaldo da emboscada.

[Para quem costumava ouvir pela rádio as atoardas da “Maria Turra”, após esta emboscada, não mais acreditou nela: entre os muitos mortos que nos atribuiu, contava-se o Major D. M. que, como ficou escrito, até me foi chatear a cabeça, de tão vivinho que estava. E espero que ainda continue, pois apesar das nossas tricas, estimava-o. Também mais tarde, aquando da primeira flagelação que sofremos em Nhacobá, o meu grupo e o do alferes J. A. C. P., ela disse: “ - Os periquitos de Nhala já fizeram sangue, mas vão pagá-lo bem caro!”. – Assim, tal e qual! Só que ninguém ficou preocupado com a ameaça, vinda de quem vinha].

Acabado o sufoco na “pedreira”, um baptismo ainda que breve, era tempo de descer o nó na garganta, retomar as pulsações e o nível da ansiedade e do medo, enfim, respirar fundo e ir à vida, sempre alerta e preparados para a próxima. O meu serviço, hoje, foi de segurança à retaguarda, o que me obrigou a passar naquele local, só com o meu grupo, várias vezes ao longo do dia, a caminho de Aldeia Formosa e volta. Ainda admiti que, cientes desta rotina diária, voltassem à estrada ou àquele local para me fazerem uma espera, mas não aconteceu nada. Mas a cada aproximação, reduzíamos a velocidade e aumentávamos as distâncias entre as duas viaturas, numa vigilância cerrada para a mata de ambos os lados da estrada. Tive um fim de manhã e uma tarde extenuantes e problemas com o Cap. de Operações do meu Batalhão.


14 de Junho de 1973 – (quinta-feira) – Dia de descanso.

Dia de descanso para o meu grupo. À noite levantou-se forte temporal, mas passou ao largo. Só a chuva se manteve por muito tempo.

(continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14910: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (12): 26 de Maio a 8 de Junho de 1973

Guiné 63/74 - P14939: Convívios (699): A Magnífica Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais, 23 de julho de 2015 - Parte II: Três vídeos (LG) e mais fotos (de casais) (Manuel Resende)




Vídeo (2' 36''). Alojado em You Tube > Luís Graça

Tabanca da Linha, restaurante Oitavos, Guincho, Cascais, 23 de julho de 2015. Palavras de boas vindas do José Manuel Matos Dinis em nome do régulo da tabanca, Jorge Rosales, que foi "a banhos"... Vista geral das mesas e do restaurante panorâmico (com vista para o parque natural Sintra-Cascais e o Atlântico)



Vídeo (0' 24'):  Alojado em You Tube > Luís Graça

Tabanca da Linha, restaurante Oitavos, Guincho, Cascais, 23 de julho de 2015. O "arroz de marisco" de Oitavos... E a malta da minha mesa.



Vídeo (1' 18''):  Alojado em You Tube > Luís Graça

Tabanca da Linha, restaurante Oitavos, Guincho, Cascais, 23 de julho de 2015. Atuação do fadista Hernâni Teixeira, também ele antigo militar, mas que nunca esteve no ultramar, Na época, era 1º cabo aux enf no Hospital Militar Principal para onde vinham, de avião,  os feridos mais graves.

Vídeos ( e legendas): ©  Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados.

2. Mais umas tantas fotos, do fotógrafo de serviço, o Manuel Resende, em complemento do poste anterior da série, relativo ao XX Encontro da Magnífica Tabanca da Linha (*):



Carlos Cruz e Irene (Paço d'Arcos)


José Louro e Maria do Carmo (Algueirão)



Belarmino Sardinha e Antonieta (Caneças)


Helena e Mário Fitas (Cascais)


Gina e António Marques (Cascais)


Maria de Fátima e Manuel Lema Santos (Massamá)


Giselda e Miguel Pessoa (Lisboa)


Graziela e António Santos (Caneças)


Tabanca da Linha, restaurante Oitavos, Guincho, Cascais, 23 de julho de 2015 > Os restantes casais, que participaram neste convívio, para além dos já citados na I parte (*): Teresa e José Manuel Matos Dinis (Cascais); Deonilde de Jesus e Manuel Joaquim (Agualva-Cacém)...

Fotos: © Manuel Resende (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]

2. Boa parte dos habituais tabanqueiros vêm sozinhos (ou vieram sozinhos, desta vez): António Faneco (Montijo); António Mário Silva (Cacém); Armando Pires (Miraflores); Diniz Sousa e Faro (S. Domingos de Rana); Francisco Palma (Estoril); Humberto Reis (Alfragide); João Sacôto (Lisboa) (costuma trazer a esposa, Aida); João Martins (Lisboa); José Rodrigues (Belas); Luís Graça (Alfragide, já veio com a Alice); Luís Moreira (Mem Martins); Manuel Resende (que costuma vir com a Isaura),  Marcelino da Mata (Cacém).

O António Martins de Matos, o Luís Pombo ("comandante" Pombo, mora em Bucelas), a Maria João Rodrigues Pombo (Lisboa), o Avelar de Sousa (Bucelas), vieram pela primeira vez à Tabanca da Linha (*).

O total de membros da Tabanca da Linha (muitos deles também membros da Tabanca Grande) é contabilizado, pelo Manuel Resende, 2º secretário, em 95 (noventa e cinco), número a que se deve acrescer mais 20 (vinte) acompanhantes.  A Tabanca da Linha tem uma página no Facebook, aberta só para os seus membros. Contacto do Manuel Resende: manuel.resende8@gmail.com.

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Guiné 63/74 - P14938: (Ex)citações (287): Certa vez fui a Teixeira Pinto, e na estação dos CTT marquei dia e hora para telefonar para casa... A família reuniu-se em peso, reunida, ansiosa, à espera do telefonema... Mas eu não consegui lá voltar nesse dia e hora...A família ficou em pânico, como seria de imaginar (Leão Varela, ex-alf mil, CCAÇ 1566, Jabadá, Pelundo,Fulacunda e S. João, 1966/68)


Guiné > Região de Quínara > São João > CCAÇ 1566 (JabadáPelundo,Fulacunda e S. João, 1966/68) > "O meu pelotão. Eu, o dos óculos escuros,  entre os meus camaradas e amigos gurriéis Valente, à minha direita, e Matos, à minha esquerda. Foto tirada já em S. João, após mais uma patrulha de combate."

Foto (e legenda): © Leão Varela (2014). Todos os direitos reservados [ Edição: CV]


1. Comentário de Leão Varela ( ex-alf mil, CCAÇ 1566 (Jabadá, Pelundo,Fulacunda e S. João, 1966/68);

Carlos Amigos e Camaradas

Ainda a sondagem sobre  quem fez chamadas telefónicas da Guiné para casa. (*)

Passou-me em falso o período para responder... mas já agora ainda me atrevo a dizer que eu fiz uma e de uma estação dos CTT que não vi mencionada, Teixeira Pinto, estava eu, então, destacado no Pelundo com meu pelotão (o 1º pelotão da CCAÇ 1566).

Uma das nossas missões era patrulhar a estrada entre o Pelundo e Teixeira Pinto o que aproveitávamos para no caminho encher 2 ou 3 bidons de água para beber e tomar banho.

Certa vez, numa dessas deslocações fui até Teixeira Pinto onde alguém me informou da possibilidade de, por marcação do dia e hora, fazer na Estação dos CTT uma chamada para casa. Assim fiz. Marquei o dia e a hora...só que nesse dia - já não sei porquê - não me foi possível deslocar a Teixeira Pinto. Como em casa foram avisados de que eu ia telefonar,  toda a minha gente aguardava o telefonema, que não fiz, à volta do telefone. Parece que, ao não receberem nenhum telefonema meu,
 ficaram em pânico.

Por mim, voltei a marcar outro dia e lá consegui telefonar.. mas jurei para nunca mais pregar sustos desses à minha família.

Desta pequena história fica a mensagem de que em TEIXEIRA PINTO havia Estação dos CTT e o registo constante sobressalto com que as nossas famílias andavam por cá. (**)

Forte e amigo abraço para todos

Leão Varela

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 27 de julho de  2015 > Guiné 63/74 - P14937: Sondagem: Resultados definitivos (n=152): cerca de 55% do pessoal nunca fez uma chamada telefónica para a metrópole... Admite-se que essa proporção fosse, na realidade, ainda maior

(**) Último poste da série > 23 de julho de  2015 > Guiné 63/74 - P14925: (Ex)citações (286): Fiz um telefonema surpresa para o meu irmão, no dia e hora do seu casamento, em 16/10/1971, em Guimarães...Tive que marcar a chamada oito dias antes, na casa do régulo de Bula que servia de posto dos CTT... (António Mato, ex-alf mil MA, CCAÇ 2790, Bula, 1970/72)

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14937: Inquérito online: Resultados definitivos (n=152): cerca de 55% do pessoal nunca fez uma chamada telefónica para a metrópole... Admite-se que essa proporção fosse, na realidade, ainda maior


Guiné > Bissau > Anos 50 > "O novo edifício dos correios. Anteriormente os CTT eram no edifício que se encontra do lado direito e onde continuou funcionando a Emissora da Guiné ( 1º andar ). De notar a curiosa viatura que era um dos 'luxuosos'  autocarros da época que, pela semelhança, eram conhecidos por 'ambulâncias'. Esta 'ambulância' pertencia à firma A. Brites Palma. Havia ainda, tanto quanto me recordo, outras duas empresas de transportes que faziam carreiras de autocarros ('ambulâncias') para toda a Guiné. Eram o “Costa”, sedeado em Bissau,  e o “Escada” em Teixeira Pinto (Canchungo). Tenho a vaga ideia de existir uma outra na região de Bafatá-Gabú propriedade de um libanês. (...)  De notar as árvores recentemente plantadas, fruto da alteração do traçado da avenida (...)" (*)

Foto (e legenda): © Mário Dias (2006). Todos os direitos reservados



A. Resultados finais da sondagem da semana passada, que terminou  6ª feira, dia 24, às 14h45. O total de votos apurados foi de 152.

Recorde-se a questão que estava em votação (**):

SONDAGEM:

"NA GUINÉ, DURANTE A COMISSÃO, UTILIZEI OS CTT PARA TELEFONAR PARA CASA"

1. Sim, em Bissau > 39 (25,7%)

2. Sim, fora de Bissau > 19 (12,5%)

3. Sim, em Bissau e fora de Bissau > 11 (7,2%)

4. Não, nunca utilizei > 83 (54,6%)

5. Já não me lembro > 0 (0%)

Votos apurados: 152 (100,%)

Encerramento: 24/7/2015, às  14h45


B. Comentário do editor:

(i) como sempre, estes resultados das nossas sondagens "on line" têm que ser lidos e interpretados com cautela, uma vez que não estamos a trabalhar com uma amostra representativa da população metropolitana que esteve na Guiné,  entre 1961 e 1974, em comissão de serviço militar;

(ii) parece-nos haver uma sobrerrepresentação dos que  "utilizaram os CTT para telefonar para a casa"  (à volta de 45%);

(iii)  um em cada quatro de nós terá feito (uma ou mais chamadas telefónicas) em Bissau, onde se localizava a central dos CTT e onde, em princípio, era "mais fácil" ligar para o exterior do que nas relativamente poucas povoações do interior onde havia estações dos CTT; em qualquer dos casos, era preciso "marcar dia e hora", tanto em Bissau como no "mato";

(iv) na metrópole, nesse tempo,  ainda havia poucos lares com telefone fixo; e mesmo em Bissau, nem todas as casas comerciais tinham telefone: de acordo com uma amostra de 1956 eram ainda poucas, embora a maior parte já tivesse caixa postal e endereço telegráfico;

(v) já aqui perguntámos quem ainda se lembra do tarifário dos CTT: quanto custava uma chamada telefónica (via Marconi,) para a metrópole, por minuto ?

(vi) e já agora onde é que havia estações dos CTT na Guiné, no nosso tempo (algumas já foram aqui citadas: Bissau, Bolama, Bafatá, Mansoa, Nova Lamego, Bambadinca, Catió...); presuminos que também houvesse balcões dos CTT noutras sedes de circunscrição como São Domingos, Farim, Bissorã; duvido que houvesse em Fulacunda; deveria haver CTT em mais um ou outro posto administrativo (caso de Contuboel, por exemplo, embora já não me lembre).

Mandem-nos um "bate-estradas" com fotos e histórias ligadas aos CTT - Correios, Telégrafos e Telefones. (Para saber mais sobre a origem e evolução dos CTT, ver aqui: falta-nos contudo imformação e conhecimento sobre o seu desenvolvimento na Guiné, na  época colonial). (***)





Guiné, Bissau > 1956 > Casa António Pinto: Endereço telegráfico: Apinto; telefone 123; caixa postal 24. Anúncio reproduzido, com a devida vénia, de Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2.

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Notas do editor:

(*) Vd-poste de 15 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P611: Memórias do antigamente (Mário Dias) (3): O progresso chega a Bissau

(***) Vd. jornal Público, 4/12/2013 > CTT: uma empresa onde se lê a história do país, por Ana Brito, de que se reproduz com a devida vénia o seguinte excerto:

(...) O ano de 1911 ficou marcado pela constituição da Administração-geral dos Correios, Telégrafos e Telefones, com autonomia financeira e administrativa. Um formato que se manteve no Estado Novo, que apostou na criação de estações dos correios em todo o território nacional. Depois da revolução que resultou da introdução do comboio, seguiu-se a flexibilidade proporcionada pelo automóvel. As auto-ambulâncias entraram em funcionamento em 1952, criando-se um modelo de estações itinerantes que perdurou até à década de 80 do século XX. 

Na década de 60 a troca de correspondência com o estrangeiro, e em particular para África, passou a fazer-se de avião. Foi precisamente nesta década que o número de utentes aumentou vertiginosamente, criando novos graus de exigência. 

Assim, em 1970 os correios passaram a empresa pública, CTT – Correios e Telecomunicações de Portugal, que nesta época englobava, além do serviço postal, a actividade telefónica e telegráfica. Nessa época era a terceira maior empresa do país em volume de vendas e a maior empregadora nacional, com mais de 45 mil empregados.

Nos anos seguintes a empresa viveu outro marco histórico, que foi a introdução, em 1978, do código postal de quatro dígitos (que passariam a sete em 1998) que facilitaram a identificação dos concelhos dos destinatários da correspondência, permitindo ultrapassar problemas de endereçamento e toponímia. Muitos se lembrarão do slogan “Código Postal, Meio Caminho Andado”, mas poucos saberão que essa foi uma das campanhas de comunicação mais caras divulgadas até à data em Portugal. (...)

Guiné 63/74 - P14936: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (5): Idas a Bafatá para comprar vacas

1. Mensagem do nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art da CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) com data de 20 de Julho de 2015:

Caro amigo e camarada Carlos Vinhal,
A minha Companhia, a CArt 2520 era normalmente abastecida de munições e alimentos por via fluvial, ou seja através do rio Geba.
Estes transportes eram feitos por barcaças civis ou por lanchas da Marinha.
Quanto a proteína animal, ou melhor dizendo, carne de vaca, tínhamos que nos deslocar a Bafatá para o nosso vaguemestre, o Furriel Cabral, comprar os animais vivos aos criadores ou comerciantes civis.
Assim eram organizadas as colunas a Bafatá, que habitualmente demoravam um dia. Saíamos de manhã e voltávamos já ao anoitecer. Quando isto acontecia havia sempre muitos militares que desejavam ir nestas colunas, pois era sempre um dia passado de maneira diferente, almoçávamos nos restaurantes locais e sempre se compravam algumas lembranças e outras coisas, por exemplo eu comprei uma máquina fotográfica e um gravador de fita. Houve outros que compraram rádios e lanternas de pilhas.

Quando voltávamos ao Xime, as vacas ficavam presas junto à vedação de arame farpado e iam sendo abatidas conforme as necessidades(?).
Esta estadia dos animais não podia demorar muito tempo, uma vez que não havia ração para os alimentar, nem tão pouco a possibilidade de os levar a pastar.

Coube-me a mim algumas vezes, organizar as colunas e escoltas com o meu pelotão. Correu sempre tudo pelo melhor e nunca houve problema algum. Cheguei a encontrar em Bafatá um rapaz de Silves, que foi jogador de futebol e até treinador de equipas amadoras. Para atestar o que aqui digo, junto algumas fotos que conservo com muito carinho.

Mais uma vez aqui vai um grande abraço do tamanho da nossa tabanca.
José Nascimento


Bafatá - Carregando vacas. Do lado diteito o Fur Mil Martins

Bafatá - Carregando vacas

Bafatá - Da esquerda para a direita: Fur Mil Durão, Fur Mil José Nascimento e Alf Mil Lapa

Bafatá - Junto à bomba da gasolina. À esquerda o Fur Mil Durão

Andorinhas sobre a piscina de Bafatá

Bafatá - Carregando vacas

No Mercado de Bafatá

Bafatá - Na base de um monumento

Bafatá - Brincando. A "armação" estava pregada na árvore

Xime - As vacas compradas em Bafatá. Ao fundo a Secretaria

Fotos e legendas: © José Nascimento
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14517: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (4): Primeiro dia no Xime

Guiné 63/74 - P14935: Memórias de José João Braga Domingos, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (1): Bolama, chegada e primeiros contactos com a população

1. Iniciamos hoje a publicação das Memórias do nosso camarada José João Domingos* (ex-Fur Mil At Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516 (Colibuía, Ilondé e Canquelifá, 1973/74), enviadas ao Blogue em mensagens do dia 26 de Junho (texto) e 15 de Julho de 2015 (fotos).

Caro Carlos,
De acordo com o que temos conversado junto envio um ficheiro com algumas histórias da minha passagem pela Guiné.
[...]
Dada a extensão do texto, e se achares nele mérito suficiente para uma eventual publicação no blogue, esta pode ser feita, naturalmente, de forma faseada e de acordo com a disponibilidade de espaço de que disponhas. Em geral, as histórias seguem a ordem cronológica mas podes ordená-las como te der mais jeito.

Um grande abraço
José João Domingos
Ex-Fur.Mil. da 2.ª CCAÇ do BCAÇ 4516
(Colibuia, Ilondé e Canquelifá)

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1 - BOLAMA 

À vista do cais de Bissau, saí diretamente do “Niassa” para uma Lancha de Desembarque Grande (LDG) que me levou a Bolama para fazer a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional (IAO), onde só cheguei no dia seguinte.

No cais de desembarque apareceram dezenas de crianças negras propondo-se transportar as bagagens dos militares até ao quartel, que era próximo, a troco de uns pesos. Era doloroso vê-los arfar debaixo de malas maiores do que eles, sendo frequente os donos das malas pagar-lhes e fazer eles o serviço. Entretanto, aqueles que não tinham arranjado cliente colocavam-se ao lado dum recém-chegado que transportasse um saco de plástico e, subrepticiamente, no meio da barafunda, com as unhas, iam produzindo rasgões no saco até que o seu conteúdo caísse no chão após o que, em bando, disputavam os despojos.

À porta do quartel contratava-se a lavagem de roupa sendo de notar que as lavadeiras levavam um preço mais alto a quem tinha maior rendimento. O preço era contratado à vista dos galões, divisas ou na sua ausência, não importando a quantidade ou a sujidade da roupa.

Num rápido reconhecimento à cidade, que já tinha sido capital da Guiné, e perante tal deceção, poderia perguntar-se que civilização, após 500 anos de domínio, apenas consegue produzir uma cidade daquelas, com edifícios degradados e ruas sem asfalto. Creio ter sido aí que me foi dada uma forte machadada no patriotismo que transportava na bagagem. Não muito mais tarde, tornou-se claro, para mim, que aquela guerra não tinha razão de ser e que nunca iria ter o nosso lado como vencedor. Era uma questão de tempo e, hoje, estou convicto que quem comandava as tropas no terreno tinha já consciência disso. Apenas aqueles que, no remanso dos gabinetes, planeavam as ações estavam míopes para a realidade.

Bolama: desfile perante o Governador 

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2 - AS LAVADEIRAS 

À chegada a Bolama estavam junto do aquartelamento várias lavadeiras negras na expectativa de encontrar novos clientes. Se bem me lembro, o preço para a lavagem de roupa era de 50 pesos para os soldados, 70 pesos para os sargentos e 100 ou 120 pesos para os oficiais. O preço para o comandante eram 150 pesos.

Os periquitos (eu era um deles), antecipadamente informados, procuravam discutir os preços fazendo-os baixar ou procurando incluir cláusulas para além da simples lavagem de roupa (pessoal lava tudo). De qualquer modo, o negócio fazia-se com alguma facilidade pois se a oferta era muita também a procura era bastante e rapidamente se chegava ao ponto de equilíbrio.
Ressalta, pelo acima exposto, a justiça relativa do pessoal guineense que, sem consultar manuais, pedia mais a quem mais recebia. Mas, esta forma de proceder viria a dar origem a um caso caricato e que levou algum tempo a resolver.

Na Companhia de Comando e Serviço (CCS) do Batalhão havia um sargento-ajudante (que foi evacuado após um ataque a Bolama a 3 de Agosto de 1973), já com bastantes anos acima dos cinquenta e muito cabelo branco, que ostentava um distintivo (escudo) desconhecido para a lavadeira. Esta entendeu que ele seria o comandante e, como tal, teria que pagar pela lavagem de roupa a quantia máxima, situação que apenas foi corrigida na presença do verdadeiro comandante.
Por outro lado, o metropolitano vivaço contratava a lavagem de roupa ao preço estabelecido mas, na trouxa de roupa suja para lavar, incluía a roupa de outro camarada com porte físico semelhante, baixando para metade a sua despesa. Na resposta, a lavadeira, sentindo que estava a ser intrujada, exigia uma barra de sabão adicional dado o anormal volume de roupa para lavar.
Ainda hoje me pergunto como é que se pensava conciliar mentalidades tão diferentes.

Bolama: roupa limpa, ruas sem asfalto e cais de Bolama ao fundo 

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3 - ORAÇÕES 

Embora não tivéssemos tocado em Bissau, a cidade, vista do mar, parecia ter alguma dimensão e vida. Ao contrário, Bolama foi uma deceção, com edifícios degradados e ruas sem asfalto.
Nos tempos livres, que eram poucos, alguns de nós frequentavam a piscina, junto ao mar, onde, perto da sua entrada, existia um quiosque com uma pequena esplanada, que servia um café manhoso, cerveja e digestivos, incluindo aguardente de cana.

Um domingo, ao fim da tarde, estava com outros camaradas na tal esplanada, bebendo cerveja, quando comecei a sentir movimento próximo das minhas costas. O camarada que estava na minha frente fez-me um sinal que não entendi e, entretanto, voltei-me e deparei com um quadro que só conhecia dos filmes: voltados para nordeste estavam três guineenses, ajoelhados no chão, cada um em cima dum tapete, a fazer as suas orações.
Não houve, nem tinha que haver, qualquer comentário da nossa parte que perturbasse o normal desenrolar daquela atividade. Mais tarde, noutros locais, este comportamento era tão comum que ninguém o estranhava. Porém, pensei que teria sido útil que os militares oriundos da Metrópole tivessem recebido alguma informação no sentido de aceitar e respeitar as crenças alheias, mas, francamente, não me recordo de a ter recebido.


Bolama: a piscina

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Textos e fotos: © José João Domingos
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 10 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14727: Tabanca Grande (467): José João Braga Domingos, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (Colibuia, Ilondé e Canquelifá, 1973/74), 691.º Grã-Tabanqueiro

Guiné 63/74 - P14934: Notas de leitura (741): “Autópsia de um Mar de Ruínas”, de João de Melo (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Agosto de 2014:

Queridos amigos,
Nome sonante da nossa república das letras, várias vezes premiado, professor, antigo conselheiro cultural na Embaixada de Portugal em Madrid, João de Melo registou neste livro duríssimo, em que se põe inequivocamente o lado do movimento de libertação, a vida da sua companhia em Calambata.
A todos os títulos, um romance poderoso, devorador e demolidor. Nunca me fora dado ler literatura portuguesa anticolonial em que o colono, o PIDE, o militarão, são postos de rastos, são imagens deformadas da barbárie, são desumanos, daí o ódio que ressuma nas sanzalas de Calambata.
Incontornável obra de ficção, há para ali imagens de dor que ultrapassam tudo quanto se sabe e ouviu sobre o sofrimento do combatente e dos inocentes civis.

Um abraço do
Mário


Autópsia de Um Mar de Ruínas (1)

Beja Santos

Cada um dos teatros da guerra que travámos em África gerou alguma literatura de primeiríssima água, obras incandescentes, que irão perdurar, possuem um valor intrínseco seja pelo engenho da construção, a carpintaria dos personagens e figurantes, o talento inequívoco da composição, roçando a obra-prima. Será o caso de “Nó cego”, de Carlos Vale Ferraz, “Olhos de Caçador”, de António Brito, quanto a Moçambique; “Estranha noiva de guerra”, de Armor Pires Mota, “Lugar de Massacre”, de José Martins Garcia. Passando para Angola, considero que podemos por na primeira fila um romance duríssimo, excessivo, um terrível libelo acusatório, que permanece incómodo: “Autópsia de um Mar de Ruínas”, de João de Melo, com várias edições.

Passa-se em Calambata, não muito longe de S. Salvador. O território está muito confinado à vida daquela companhia. O leitor é prontamente agarrado pela linguagem poética que em nada contrasta ou desvaloriza o registo por vezes brutal das pessoas e dos lugares. Acresce uma inovação, João de Melo reconstitui os falares africanos, um português mascavado, que resulta quase sempre melodioso. Há descrições cruéis dos colonos, dos polícias, dos militares, eles são tratados impiedosamente e muitas vezes revelam-se ímpios. É um romance que se saboreia e relê, deixa-nos incrédulos, tal a dimensão dos excessos, tal a vastidão dos requisitórios ao colonialismo angolano. João de Melo foi furriel enfermeiro o que permite fazer supor que o furriel enfermeiro de Calambata é decalcado nos seus ideais políticos e da sua postura cívica. É um livro cheio de solidão, os cheiros angolanos inebriam, há feitiçaria, há minas e emboscadas, há até mesmo atitudes comuns que se agigantam e a literatura com elas. Logo no capítulo primeiro, aquela sentinela confusa que escuta passos para lá do arame-farpado, é um corpo indefinido, a sombra de um vulto, a sentinela angustia-se, entramos diretamente no seu estado de alma, até passamos a combatentes, aquilo é assunto estritamente nosso:
“Através da mira da arma, é uma silhueta sem espessura que se enrola sobre si, tropeça, segura-se à escuridão para não cair e depois salta para diante. Se era anjo, depenara-se: perdera as penas, a cauda, sobretudo as asas. Agora, lembra apenas um gafanhoto agachado, imóvel, com as patas tensas, postas em argo.
O soldado soube então que o pânico começaria a castigar-lhe as tripas. Pensou que levaria o dedo ao gatilho da arma pronta disparar. Assestara uma metralhadora do alto de um posto de sentinela, sobre essa coisa difusa – homem, anjo ou bicho – seria sempre um ato muito superior à sua vontade. Decide esperar. Brando, o grito escorre para dentro. O pior eram as mãos trémulas. Quem vem lá? Corriam perdidas, ao longo da arma suadas do visco de resina que se despegava do metal e lhe inundava de gordura os dedos inchados pelo frio.
A arma desfechou-lhe um coise no ombro. O soldado observou que o capim, os bidões de combustível para o gerador de luz, os ninhos de morteiro, a picada Pemba e a tonga do café estavam sendo bombardeados pelos ovos de fogo da sua arma”.

Os estrondos levam todos os outros a posicionarem-se nas valas, cedo se verificará que é fogo inútil, no escuro da mata não vem resposta. Surge o capitão Marinho, é logo desenhado para magoar, a caricatura é corrosiva:
“De cabelos esgrouviados, aos saculões dentro do pijama excessivamente curto, ele coçava os testículos e o nariz. Alguém devia tê-lo despido também dos seus galões azuis, despido até à nudez ridícula. A sua voz, espremida e medrosa, penetrou numa curta brecha do tiroteio e despediu uma frase sem glória: - Ei, rapazinhos dos meus tomates! Armas para o ar rapazinhos!”.

Segue-se o diálogo com a sentinela, capitão Marinho destila desprezo. A custo, o fogo cessou. Há razões para todos andarem inquietos. Depois das flagelações aos quartéis da Mama Rosa e do Luvo, todo o Norte esperava a sua vez, a guerrilha movia-se, atacara os postos fronteiriços, semeara minas por toda a região da Canda, encurralara os açorianos nas margens do Lufiko.

O segundo capítulo é arrepiante, o chefe da polícia branco, sô Valentim chicoteia o Romeu. A mulher grita, pede socorro, tudo começara quando Romeu dera dois pontapés no cão do chefe da polícia que o xingava, o chicote de rabo curtido de pacaça vai esquartejando Romeu. Natália vai chamar o soba Mussunda, é ele quem tem poderes na sanzala de Calambata. Mas Mussunda não pode intervir, os poderes estão bem limitados. As súplicas são tão existentes que Mussunda resolve enfrentar sô Valentim. A descrição é medonha:
“- Ah, tu vens acudir ao teu protegido, pedaço de cão de soba? Espera aí, que te dou eu a proteção, filho de um grande boi sem tesão!
E logo aí eu vi: o chicote desenrola-se do braço e sobe vertiginosamente no ar, por cima da sua cabeça, em espiral de morte pela mordedura. Vibra o primeiro golpe no pescoço de Mussunda, que abre muito os olhos de surpresa imensa; o golpe seguinte atinge-o na cara, às cegas. Logo a seguir o branco assenta-lhe um punho bem no centro da boca e estende-lhe uma joelhada por baixo, nos sítios mortos dos machos já sem alegria de mulher”.

No capítulo terceiro, participamos num patrulhamento, caminha-se ao encontro do inimigo. Somos ambientados:
“Trovoadas longínquas vinham então anunciadas no cacimbo varrido pelo vento. Havia no ar uma eletricidade turva e estival, de tempestades tão grossas que apenas lhes faltavam os peixes para serem mar. Se a chuva chegava, interrompiam a marcha, abrigavam-se, armavam à pressa as tendas numa clareira da mata, longe do morros de salalé; se não, lançavam-se pelo capim dentro”.
Cada um levava cinco rações de combate. E chegou o momento de conhecermos a enfermaria, o que faz e quem faz, estamos próximos de João de Melo:
“Às dez em ponto, o enfermeiro de serviço abria a enfermaria e iniciava a ronda sanitária pelas casernas. Havia o paludismo, as doenças venéreas e as diarreias de sangue; havia a flor-do-congo em redor dos testículos, feridas e ferimentos cosidos. O furriel Pacheco substituía o clínico do Batalhão, a residir no Cuimba, a setenta quilómetros de picada, bem perto do comandante, do álcool e do seu imenso medo de morrer sem a assistência adequada, e que se lixassem as setecentas e cinquenta pessoas de Calambata, entregues como estavam, ao expediente de um rapaz muito magro que sofria de insónias. De modo que o furriel Pacheco saía para as duas sanzalas e não queria saber de armas e de fardas; não queria saber do que o começavam a acusar: fuga de informação militar para as populações civis, elemento subversivo que inspirava núcleos de resistência – dizendo os relatórios do capitão, para a PIDE, para o Sector e para a própria Companhia, que estaria ligado a uma célula-bolsa de resistência de S. Salvador, onde oficiais menores preparavam a derrota do exército português em África e a falência dos governos de Lisboa. A sua esperança eram as crianças desprotegidas de Calambata, os partos artesanais das muito grávidas mulheres daquela terra, o olhar de lado das velhas, a tensão arterial, o pulso morno dos homens e o assobio dos seus pulmões.
Vacinava meninos contra a cólera, a difteria, o sarampo, a varíola e a tuberculose; receitava xaropes crónicos e vitaminas laboratório militar, o cálcio os comprimidos de quinino contra o paludismo, suturava dedos e lábios, lancetava flamões, desentupia seios com leite coagulado e infeto”.

O furriel Pacheco anda vigiado. As crianças à procura de restos de comida é um relato pungente.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14926: Notas de leitura (740): “Recriar a China na Guiné: os primeiros chineses, os seus descendentes e a sua herança na Guiné colonial”, artigo assinado por Philip J. Harvik e António Estácio (Mário Beja Santos)

domingo, 26 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14933: Libertando-me (Tony Borié) (27): Todos temos um rio, eu tenho quatro: o Águeda, em Portugal; o Mansoa, na Guiné e os Passaic e o Yukon, nos Estados Unidos

Vigésimo sétimo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66.




Os meus quatro rios

Todos temos um rio e, em alguns momentos dizemos, olha, preciso de ar fresco, vou até ao rio, referindo-nos ao rio, como se fosse nosso, nossa propriedade.

Quase em todas as grandes cidades passa um rio. Por quê? Porque essas cidades, outrora pequenas povoações, nasceram junto ao rio, que já lá existia, porque os povos, nas suas migrações, normalmente paravam e estabeleciam-se onde houvesse água, que ainda hoje continua a ser essencial para a vida, para a nossa sobrevivência.

Quase todos nós lembramos o “nosso rio”, temos cá dentro o “nosso rio”, mesmo os que nasceram na montanha têm o seu rio, que era aquele riacho, entre pedras de granito, onde levavam as ovelhas ou as cabras a beber, onde tomavam banho, onde tiravam a água pura e cristalina para beberem, era o “nosso rio”, embora hoje, com as alterações climáticas, a maior parte desses rios tenham sacado.

Nós temos quatro rios que nos marcaram. Foi o rio na localidade onde nascemos, o rio Águeda, onde havia um grande areal no verão, uma grande nora, instalada numa rudimentar represa, que lhe roubava alguma água, que ia fazer crescer uns campos de milho em seu redor. Foi aí que aprendemos a nadar, onde, junto com os rapazes da nossa idade, empoleirados nas velhas árvores, às vezes nos alcatruzes da própria nora, nos atirávamos à água, sabendo ou não nadar. Este rio nasce na Serra do Caramulo, tem cerca de 40 quilómetros de extensão, passa entre outras localidades, na hoje, cidade de Águeda e junta-se ao rio Vouga na localidade de Eirol, que leva a sua água e talvez alguma poluição para a ria de Aveiro, que por sua vez desagua no oceano Atlântico.

O “nosso outro rio” foi, o rio Mansoa, lá na Guiné e, não querendo ser deselegantes, parecia-nos que o oceano estava longe do mar, o sol tórrido espelhava naquela água lamacenta, ficava ali, horas e horas, na ponte velha, que era por onde passavam as “bajudas”, e outro pessoal, para irem trabalhar nas bolanhas, a sua lama até se tornava brilhante, talvez fosse da nossa idade jovem, era aí, onde normalmente líamos e relíamos as cartas e aerogramas da família e amigos, sonhávamos, às vezes acordados por uma pequena brisa, onde a mágoa da lama dos nossos antepassados, aventureiros descobridores, nos enviaram para ali, onde naquele momento, o frio e o gelo da nossa aldeia da Serra do Caramulo, seria bem vindo, tornando aquela bolanha lamacenta, onde se agitava no ar aquele pato preto, que nos parecia que ia chorando lágrimas de orvalho, lágrimas frescas, que iam secando as nossas, verdadeiras, que juntávamos às do cisne cor de rosa que deslizava sobre aquela água, procurando algo que não encontrava.


Aquele cenário, visto da ponte, algumas vezes era um grande lago, outras uma bolanha, pois sobressaiam pequenas árvores e arbustos à superfície, outras um pequenino riacho, perigoso, com lama a circundar esse pequeno riacho, assistindo à sua corrente forte, quando desaguava, levava restos de arbustos e lama para não sabemos onde, em que em alguns momentos, saltavam peixes, fazia alguma turbulência, querendo passar a toda a pressa, fugindo daquela área, em direcção ao oceano Atlântico, tal como nós, no nosso pensamento e, ainda hoje, não sabemos se era um rio ou um canal, se era de água fresca ou salgada, onde começava ou onde acabava, sabemos que era o “nosso rio”, onde, todavia, ao fim de algum tempo, aquela água lamacenta, para nós, significava silêncio e alguma paz.

O “nosso outro rio”, que nos marcou, é o rio Passaic, em Nova Jersey, que tem uma extensão de aproximadamente 130 quilómetros, que desde a sua origem, nas montanhas de Mendham, no sul do condado de Morris, onde havia “glacieres”, 13.000 anos atrás, durante o seu percurso, forma diversos lagos e mesmo terras alagadiças, passando por diversas cidades até chegar ao local onde nos marcou, que foi a cidade de Newark, pois dormimos algumas vezes junto ao seu leito, em algumas noites de neve e frio de rachar, junto de outros “desafortunados”, a que chamavam “descamisados”, dormíamos juntos, encostados uns aos outros, para nos aquecermos.

Este rio, hoje tem outro aspecto, pois a Agência do Governo, que trata da poluição ambiental, tem gasto milhões de dólares limpando o seu leito, onde a água já corre, em alguns locais algumas vezes cristalina.

Bem, ainda temos outro “nosso rio”, que é o rio Yukon, cuja palavra, significa grande rio no idioma athabaskan, uma língua aborígene, que na forma portuguesa significa mais ou menos Lucão, é um rio que corre na América do Norte, nas províncias da Colúmbia Britânica e do Yukon, em território do Canadá e no estado Norte Americano do Alaska, desembocando no mar de Bering, no Oceano Pacífico. Tem uma extensão de aproximadamente 3645 quilómetros, fazendo dele o 20.º maior do mundo, em comprimento. Supõe-se que sua nascente está localizada nos “glacieres” de Llewellyn, ao sul do Lago Atlin, na Colúmbia Britânica, território do Canadá, mas o rio Yukon propriamente dito, começa no lago Marsh, logo ao sul da cidade de Whitehorse, na província de Yukon, onde nos marcou, pelo menos nas povoações de Carmacks ou Dawson City e, talvez em outras mais pequenas na sua dimensão, pela sua grandiosidade, passando por entre montanhas, vales, planícies, formando grandes lagos, onde podemos ainda ver animais e aves selvagens, onde existem poucas pontes, a sua travessia continua a ser por jangadas, os seus afluentes, como o rio Tanana, Porcupine, Pelly ou Koyukuk, são paraísos terrestes, tantos para humanos com para aves e animais, onde ainda existem grandes cardumes de peixes, em especial salmão, tornando o dia-a-dia dos habitantes em seu redor, numa vida difícil, privados de algumas soluções modernas, mas sadia e agradável.

Aqui, onde vivemos, tudo é “nosso rio”, mas de água salgada.

Tony Borie, Julho de 2015.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14900: Libertando-me (Tony Borié) (26): Não é fácil

Guiné 63/74 - P14932: Memória dos lugares (310): O rio que vi apenas duas vezes mas que me impressionou seriamente foi o Corubal (António Murta)

1. E assim finalizamos a apresentação de fotos referentes ao Rio Grande de Buba e Rio Corubal, enviadas ao nosso Blogue pelo nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), em mensagem do dia 1 de Julho de 2015:


RIO GRANDE DE BUBA E RIO CORUBAL (3)

RIO CORUBAL

[...]
Mas o rio que me impressionou seriamente foi o CORUBAL, que vi apenas duas vezes: uma na Ponte Interrompida (Marechal Carmona) lá para os lados do Xitole e outra numa deslocação propositada a uma zona próxima de Aldeia Formosa, provavelmente depois do 25 de Abril/74.

Mesmo antes de chegar ao rio, senti uma enorme satisfação por me ver no cimo de uma pequena colina, a única que conheci na Guiné. O rio corria lá em baixo quase oculto. Parámos a viatura só para eu fotografar e poder desfrutar por alguns instantes esta sensação quase esquecida de ver a paisagem a partir do alto.

O rio tem as margens quase ocultas por denso arvoredo e o acesso às suas águas, naquela zona, fazia-se por pequenas aberturas na mata, o que o tornava ainda mais misterioso. Ao penetrar numa dessas aberturas, a primeira coisa que me saltou à vista, foram os “alfaiates” (crocodilos ou jacarés?), preguiçando em cima dos ramos que entravam na água. Depois, olhando toda a extensão do rio e a margem distante em frente, fiquei sem respiração. Impressionou-me aquela massa líquida, quase parada, e negra devido à profundidade desmesurada. Tudo envolto em silêncio. Resolvemos dar um passeio de canoa por termos o homem certo mesmo à mão, e isso aumentou o deslumbramento. Imagino, hoje, como seria no Geba, Cacheu e outros.

Sei que o rio Corubal tem secções porventura menos impressionantes e misteriosas, mas muito mais belas. Desde o início da minha comissão que estava prometida, pelo comandante da minha Companhia, uma “excursão” aos rápidos de Cussilinta, mas isso nunca chegou a acontecer por falta de oportunidade. Tudo o que conheço é por descrições da época e por fotografias de hoje.

Junto algumas fotografias que, espero, sejam reveladoras. A qualidade não é grande porque derivam dos meus slides.

Então um abraço fraterno para vocês e para toda a Tabanca.
A. Murta
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Rio Corubal, 1974 – O rio lá ao fundo visto de uma colina rara.

Rio Corubal, 1974 – Margem junto ao “cais” das canoas.

Rio Corubal, 1974 – “Cais” das canoas.

Rio Corubal, 1974 – “Cais” das canoas.

Rio Corubal, 1974 – Furriel Casaca da minha Companhia em pleno rio, sentado à minha frente na canoa, num dia de descompressão.

Rio Corubal, 1974 – Atrás de mim, o homem do leme que é também o homem da “máquina”.

Rio Corubal, 1974 – Entardecer no Rio Corubal.

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

Postes anteriores da série de:

20 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14903: Memória dos lugares (305): O meu rio próximo, e de estimação, era o Rio Grande de Buba (1) (António Murta)
e
22 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14916: Memória dos lugares (307): O meu rio próximo, e de estimação, era o Rio Grande de Buba (2) (António Murta)