1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Março de 2016:
Queridos amigos,
Sim, foi visita meteórica no âmbito das comemorações do Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, em Março, ainda se lembram deste reformado para palestrar sobre o consumo no presente.
Apanhei mau tempo no canal, numa nesga de luz apanhei um recorte do Pico, tive a sorte em visitar uma exposição de truz sobre baleeiros e a baleação, não saí da Horta mas vi o suficiente para querer voltar.
Umas viagens atrás meti-me num autocarro e fiz metade da ilha visitando Pedro Miguel, Ribeirinha, Salão e Cedros, depois regressámos e entrou-se na Horta pelos Flamengos (há flamengos em várias ilhas, terão sido povoadores que deixaram boa memória para além da obra).
A viagem nunca acaba, é este o sonho que nos embala.
Um abraço do
Mário
Eu fui ao Faial e não vi os Capelinhos (2)
Beja Santos
Ir à Horta e não pôr os pés no Peter Café Sport e como ir a Roma e não ver o Papa. O Peter, penso que ninguém desconhece, é o lendário café de todos aqueles que frequentam aquele que é considerado o melhor porto de abrigo do Atlântico Norte, a Horta. Aqui cheguei com o anfitrião, pedi abrótea frita e enquanto esperava voltei a bisbilhotar este espantoso interior marcado pelas lembranças dos navegadores. Um pitéu de abrótea frita demora algum tempo a preparar, anuncia-se para esta noite muito mau tempo, venho até à avenida, o tempo está ligeiramente descoberto, não sei o que me reserva o dia de amanhã, e pumba apanho a montanha do Pico com um pouco de forro no cume, mas confesso que quando revi a imagem me agradou a ligação entre porto, o canal e a sublime montanha. Do coração, espero que gostem.
Luta-se contra o tempo, o anfitrião mal me viu despachar a abrótea avisou-me que até à noite escura há muito mais a calcorrear, o Monte da Guia de onde se deslumbra um belo panorama sobre Porto Pim, pelo jantar irei vaguear pelo portão fortificado, tal como na Igreja Matriz de S. Salvador, verei ao longe as lembranças dos Dabney, uma família norte-americana que marcou o Faial, tudo encravado entre o Monte da Guia e o Monte Queimado, e a viagem continua, o anfitrião diz que é uma exposição que não se pode perder até porque o fotógrafo é Jorge Barros.
Dou o maior apreço a estas mostras da calçada portuguesa e de como se lavrava com rendilhados de pedra a simbologia dos serviços públicos. Não me recordo de outra marca dos CTT como esta, vai do tempo em que a carta e a encomenda tinham um peso desmesurado nas ligações com o continente e a América do Norte, havia também o telegrama para anunciar o nascimento e a morte e a cabine telefónica, naquele tempo era o veículo mais próximo inter-ilhas e a toda a distância. O serviço público mudou de natureza e de rosto, mas, por favor, não desfaçam esta lembrança lavrada na pedra.
A exposição chama-se “Baleeiro, o rochedo do mar” é uma homenagem num dos grandes fotógrafos portugueses, Jorge Barros, à coragem daqueles homens que viviam todos os riscos da baleação.
Passaram por inúmeras atribulações, enfrentaram o majestoso cetáceo com o arpão. E um dia, esta pesca foi proibida, os heróis do mar deixaram de lutar com monstros, grandes como montanhas, vão envelhecendo, têm histórias para contar. O artista da imagem captou-os isoladamente ou em grupo, e enquanto percorremos a exposição recorda-se um trecho de Raul Brandão em Ilhas Desconhecidas (1924) e o sopro épico perpassa todas as imagens:
“Baleia! Baleia!
Parece um penedo escuro à flor das águas…
Mas o homem impressiona-me ainda mais que a baleia: é tremendo, de pé, minúsculo, com a vida no olhar e nas mãos. No barco está tudo calado e ansioso, ninguém diz palavra inútil: homens, barco, arpoador e arpão, tudo tem o mesmo corpo e a mesma alma. São sete, dominados pela ação, trespassados pelo ar e por este cheiro que penetra pela boca e pelos poros, gerador de energia – é um ser único, só nervos e vontade, à caça do monstro que seduz”.
Dormi num local encantador, uma pousada dentro do forte de Santa Cruz, construído em 1967 para proteção da Horta contra os ataques de piratas e corsários. É monumento nacional e estalagem desde 1969. Aqui há uns anos realizou-se um colóquio internacional para debater a batalha naval mais importante na história da independência dos EUA, fiquei a saber que a batalha aconteceu à beira do forte. Teve um estalajadeiro célebre, o ator Raymond Burr, que me lembro de ter visto na série Perry Mason. Estes louvores não obstam a que diga a verdade: dormi mal e porcamente com o mau tempo no canal, o vento a sibilar, as bátegas de chuva a açoitar os vidros, a vegetação vergada com a ventania, era espetáculo mas cheguei a uma idade em que preciso de pelo menos umas cinco horas bem dormidas, o que não aconteceu. Paciência, ao menos malhei com os ossos em monumento nacional.
Trata-se de um monumento expectante, faz parte do Convento do Carmo, a última utilidade conhecida foi a de aquartelamento de tropas, está devoluto, sabe-se lá se um dia não aparece um projeto para hotel de charme. Olho sem nostalgia, as coisas são o que são, já dispusemos de fortes e fortins, castelos e mansardas, quartéis para batalhões e batarias, seguramente que se reconhecia importância ao tempo para esta posição estratégica, vivemos em acalmia e com tropa reduzida, a verdade é que nunca vivemos tantas décadas em paz e dentro da contabilidade de se viver na União Europeia também temos esta vantagem, não é possível imaginar agressor para as nossas costas.
E aqui se finda a viagem, trabalhou-se de manhã e de tarde, o dia abriu e era possível viajar de avião, o que aconteceu. Não deu para ir aos Capelinhos, o que sempre me maravilha, fica para a próxima deleitar as cinzas expelidas pelo vulcão, paisagem surreal e que maravilha. Adeus e até à próxima.
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Nota do editor
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