sábado, 6 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18181: Os nossos seres, saberes e lazeres (247): À sombra de um vulcão adormecido (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 1 de Novembro de 2017:

Queridos amigos,
É chegar, ver e vencer. Muito bom tempo à chegada, um almoço de arromba na Lagoa, um passeio pela região de Vila Franca do Campo, passagem pela Caloura, pelo miradouro do Pisão e a Ermida de Nossa Senhora da Paz. A partir de agora, o viandante tem o Vale das Furnas por conta própria, vale com lagoa, regatos, colinas frondosas, bisbilhotice e hora de muito sossego para pôr a escrita em dia aqui se chegou em 1967 e logo a certeza foi enorme.
Uma noite, jantando o viandante em casa de Armando Cortes Rodrigues, este anfitrião falou de um livro que classificou como importantíssimo "Um Inverno nos Açores e um Verão no Vale das Furnas", logo o viandante o foi adquirir, os manos ingleses que por ali andaram entre 1838 e 1839 renderam-se a esta atmosfera de idílio e ficaram fascinados com as caldeiras ou furnas.
Amanhã o viandante calcorreará a Lagoa das Furnas, é um dos lugares mais românticos do mundo, acreditem.

Um abraço do
Mário


À sombra de um vulcão adormecido (2)

Beja Santos

O Santuário de Nossa Senhora da Paz ocupa um ponto alto sobre o extenso vale de onde se avista Vila Franca do Campo e seus dois ilhéus. O viandante não esconde o frémito de emoção de avistar anfiteatro tão belo, pode haver quem não goste, atendendo à hora, do escurecido que vai por aquele vale extenso, mas a luminosidade oceânica foi tentação mais forte. As minhas desculpas por tanta luz contrastando com Vila Franca do Campo quase às escuras. Mas ainda não é o momento azado para caminhar para o Vale das Furnas, há aqui um detalhe floral mui digno de referência.



O que se avista são novelões, as hidrângeas secaram, estamos em Outubro, serão podadas no início da Primavera, despontarão entre o branco, o róseo e os azuis, porque há azuis, desde o esmaecido até ao intensamente metalizado, como se a hortênsia chupasse os minérios da terra, com tonalidades de joia semipreciosa. Nem tudo morreu, por ora, aqui fica um registo de um fim de vida bem glorioso.


E pronto, chegou-se ao Vale das Furnas, os céus andam bassos, já se falou de erupções vulcânicas, da presença de Jesuítas, a história do vale ganhou uma enorme notoriedade quando um cônsul norte-americano mandou fazer casa com um tanque de água férrea à frente, à volta da casa desenvolveu-se um espantosíssimo jardim e nos anos 1930 os herdeiros do Marquês da Praia venderam esta ampla propriedade à Sociedade Terra Nostra, fez-se estância hoteleira de primeira classe, o hotel Arte Deco foi recentemente sujeito a uma intervenção, felizmente que não perdeu em nada o seu caráter. Mas não vamos falar desse lugar mítico, já o fizemos. Vamos passear em volta, para já na ribeira dos inhames, este tubérculo que vai crescendo cerca de um ano em terreno alagadiço, daí os odores peculiares que deitam. O viandante observa-os, ainda não chegou a hora do almoço, mas deita contas à vida de uma boa pratada de inhames com chouriça e ovo estrelado…


Andar à volta do Parque Terra Nostra não deixa o viandante indiferente a este prodigioso metrosídero, parece um gigante de pelo encrespado, uma quase relíquia de tempos pré-históricos, é imponente e a vista nunca se cansa em frente de porte tão altivo.


Numa de bisbilhotice, o viandante pediu licença para conhecer os espaços onde se exibem o histórico e os triunfos do Futebol Clube Vale Formoso, cores sóbrias, lembram-me as da bandeira de Lisboa, e deve ser bem agradável assistir a uma partida no seu estádio, ali bem perto, há uma vista descomunal de verde, uma linha acentuada pelas cumeeiras, há mesmo um silêncio profundo, só interrompido pela buzinadelas dos autocarros que trazem turistas das europas e américas.


E não se pode ficar indiferente à singeleza desta fonte com três bicas aonde a água fresca se lança em sonoridade, o viandante olhou-a com enlevo, vinha um tanto tristonho, pois andou à volta do cineteatro, que foi remodelado há um par de anos e que parece abandonado, o branco escorre verdete e a humidade é omnipresente. Perguntou-se a alguém que por ali passava o porquê deste abandono, esse furnense deplorou aquela casa fechada que bem merecia estar cheia de vida, recuperou-se o velho cineteatro e não se lhe encontrou função, é esta a insidiosa tragédia dos equipamentos que renascem e depois se negligenciam.


É um belo jardim, tem as portas fechadas, disseram ao viandante que só abre em Agosto, mas possui tal romantismo, os plátanos são tão frondosos, os castanhos são tão intensos que crime seria não lhes dar vida nesta imagem.


O vale possui todos os predicados para saborear em passeios sem prazo ribeiros e ribeiras, caldeiras e lagoas. O viandante, 50 anos atrás, adquiriu um livro que ainda hoje considera uma gema literária, “Um Inverno nos Açores e um Verão nas Termas das Furnas”, escrito pelos irmãos Bullar, Joseph e Henry. Durante cerca de oito meses, com início em 6 de Dezembro de 1838, os manos por aqui andaram, fica bem claro que Joseph, que era médico, com largo apetrecho científico e literário, disserta a propósito sobre geologia botânica e muito mais. Estiveram em S. Miguel e seguiram para outras ilhas. Em finais de Maio de 1839 regressaram a S. Miguel e estadiaram no Vale das Furnas. Aqui vamos vê-lo interessado sobre a qualidade das águas e como se rende às belezas edénicas circundantes. Pois o viandante, enquanto rememorava o escrito soberbo dos irmãos Bullar, deliciava-se com o murmurejar desta ribeira úbere de águas infindáveis.


Nova detença sobre o que está cuidado e bem. O viandante foi visitar o edifício da Junta de Freguesia das Furnas, tanto quanto apurou era casa de inglês abastado antes de chegar a propriedade da autarquia.



Ficamos por aqui, com esta palmeira rodeada de sálvia, no cuidado do jardim das instalações da junta de freguesia. O viandante muda de desejo e saliva por um cozido, depois seguir-se-ão umas horas de leitura e faça sol ou chuvisque em abundância, vai para os banhos em 39 graus na Poça de D. Beija. Que ricas férias!

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18146: Os nossos seres, saberes e lazeres (246): À sombra de um vulcão adormecido (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18180: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte VII: Perdidos no rio Cacheu, em maio de 1968 (2)


Foto nº 805A > Guiné > Região de Cacheu > Susana > Maio de 1968 > Perdidos no rio... Memorial aos mortos da CCAÇ 1684...  Força comandada pelo alf mil SAM Virgílio Teixeira, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), aguardando instruções do seu comando, em São Domingos...




Foto nº 805 > Guiné > Região de Cacheu > Susana > Maio de 1968 > Perdidos no rio...  O alf mil SAM, CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), junto ao memorial aos mortos da CCAÇ 1684, tendo ao fundo o edifício do comando da subunidade ali estacionidade.



Foto nº 814 > Guiné > Região de Cacheu > Susana > Maio de 1968 > Perdidos no rio...  Algures numa aldeia felupe... No meio do grupo, o alf mil SAM, CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69).


Foto nº 814 A> Guiné > Região de Cacheu > Susana > Maio de 1968 > Perdidos no rio...  Algures numa aldeia felupe... No meio do grupo (, lado esquerdo(, o alf mil SAM, CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69).


Foto nº 814 B > Guiné > Região de Cacheu > Susana > Maio de 1968 > Perdidos no rio...  Algures numa aldeia felupe (lado direito)... 



Foto nº 811 > Guiné > Região de Cacheu > Susana > Maio de 1968 > Perdidos no rio...  Algures numa aldeia felupe... Havia um indígena morto (1)


Foto nº 811 A > Guiné > Região de Cacheu > Susana > Maio de 1968 > Perdidos no rio...  Algures numa aldeia felupe... Havia um indígena morto  (2)

o
Foto nº 811 A > Guiné > Região de Cacheu > Susana > Maio de 1968 > Perdidos no rio...  Algures numa aldeia felupe... Havia um indígena morto  (3)




Foto nº 812 > Guiné > Região de Cacheu > Susana > Maio de 1968 > Perdidos no rio...  Algures numa aldeia felupe... Havia um indígena morto  (4)


Foto nº 812A > Guiné > Região de Cacheu > Susana > Maio de 1968 > Perdidos no rio...  Algures numa aldeia felupe... Havia um indígena morto  (5)-



Foto nº 813 > Guiné > Região de Cacheu > Susana > Maio de 1968 > Perdidos no rio...  Algures numa aldeia felupe...

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69):


As fotos, de 801 a 817 fazem parte da minha colecção especial e do capítulo ‘perdidos no rio’ [, de iremos publicar  três postes].

Foi uma missão que o nosso novo comandante, após a evacuação do meu comandante inicial, tenente coronel Saraiva, ter sido evacuado por ferimentos em combate, não encarou bem comigo, nem eu com ele, e então deu-me como missão ir comandar um sintex até Susana para carregar alguns mantimentos, pois o nosso aquartelamento [, em São Domingos,] estava sem nada, após uma tempestade tropical ter destruído quase tudo o que era perecível.

Até uma vaca viva veio no pequeno barco. Só que no regresso, e após uma visita a Varela, uma praia lindíssima mas abandonada, quando regressamos passados uns dias, o piloto perdeu-se naquele emaranhado de dezenas de rios e braços de rio, e sem rádio – nem telemóvel, naquele tempo... – fomos parar a uma aldeia indígena felupe, muito atrasada, nem sei o nome, e por lá ficamos.

Até ser dada a nossa falta por lá ficamos a esperar até de manhã. Veio um heli e localizou-nos e fomos encaminhados para um local onde o piloto já conhecia melhor, e assim chegamos a São Domingos, a salvo, de sermos comidos vivos, pelos felupes ou pelos jacarés…

Este episódio não consta na História da Unidade, pois soube mais tarde que o comandante, coronel Renato Xavier, ficou aflito, por ter dado esta responsabilidade a um oficial não operacional, e assim, apesar de todos tomarem conhecimento, nunca foi divulgado nem escrito, foi um sonho ou pesadelo. Mas não me lembro de ter ficado amedrontado.

Ficaram as várias fotos que tenho desta aventura no Norte da Guiné, e na fronteira com o Senegal até Cabo Roxo, que visitamos também. Não foi tudo mau, mas poderia ser!

Deu tempo para conhecer também o estuário e foz do rio Cacheu, muito maior do que o Tejo. Uma coisa deslumbrante, pois estamos quase em cima do Atlântico e o clima é muito melhor.

(Continua)

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Guiné 61/74 - P18179: Parabéns a você (1369): Paulo Santiago, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53 (Guiné, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 5 de Janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18174: Parabéns a você (1368): João Meneses, ex-2.º Tenente FZE do DFE 21 (Guiné, 1972); Ricardo Figueiredo, ex-Fur Mil Art do BART 6523 (Guiné, 1973/74) e Valentim Oliveira, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 489 (Guiné, 1963/65)

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18178: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte VI: Perdidos no rio Cacheu, em maio de 1968 (1)



Foto nº 816 > Guiné > Região de Cacheu > Rio Cacheu > Maio de 1968 > Perdidos no rio... mas encontrando por fim uma saída... com regresso a casa, sãos e salvos, a São Domingos... Força comandada pelo alf mil SAM Virgílio Teixeira, CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)... Não sabemos como é que cabiam num sintex, com 2 potentes motores, uam secção (9/10 homens), além dos mantimentos (incluindo uma vaca!) trazidos para São Domingos...



Foto nº 801 > Guiné > Região de Cacheu > Rio Cacheu > Maio de 1968 > Perdidos no rio: o sintex...


Foto nº 801 A > Guiné > Região de Cacheu > Rio Cacheu > Maio de 1968 > Susana > Perdidos no rio: o sintex... Detalhe: em primeiro plano, o alf mil SAM Virgílio Teixeira,  cmdt da força (CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69


Foto nº 802  > Guiné > Região de Cacheu > Rio Cacheu > Maio de 1968  > Susana > Perdidos no rio: o sintex... Detalhe: em primeiro plano, o alf mil SAM Virgílio Teixeira,  cmdt da força (CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)... Apreensivo mas não amedrontado...



Foto nº 815  > Guiné > Região de Cacheu > Rio Cacheu > Maio de 1968 > Perdidos no rio:  aguardando ajuda em Susana...


Foto nº 803  > Guiné > Região de Cacheu > Rio Cacheu > Maio de 1968  > Susana > Perdidos no rio: o sintex... Detalhe: em primeiro plano, o alf mil SAM Virgílio Teixeira,  cmdt da força (CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)..., bebendo uma cerveja Cristal.


Foto nº 804  > Guiné > Região de Cacheu > Rio Cacheu > Maio de 1968  > Susana > Perdidos no rio: o sintex... O pessoal dormitando (1)...


Foto nº 817  > Guiné > Região de Cacheu > Rio Cacheu > Maio de 1968 > Susana > Perdidos no rio: o sintex... O pessoal dormitando (2)...


Foto nº 813  > Guiné > Região de Cacheu > Rio Cacheu > Maio de 1968  > Perdidos no rio: estuário e foz do rio Cacheu...


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do  nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69):


Fotos, de 801 a 817: Fazem parte da minha colecção especial e do capítulo  ‘perdidos no rio’ [, de iremos publicar dois ou três postes].

Foi uma missão que o nosso novo comandante, após a evacuação do meu comandante inicial, tenente coronel Saraiva,  ter sido evacuado por ferimentos em combate, não encarou bem comigo, nem eu com ele, e então deu-me como missão ir comandar um sintex até Susana para carregar alguns mantimentos, pois o nosso aquartelamento [, em São Domingos,]  estava sem nada, após uma tempestade tropical ter destruído quase tudo o que era perecível.

Até uma vaca viva veio no pequeno barco. Só que no regresso, e após uma visita a Varela, uma praia lindíssima mas abandonada, quando regressamos passados uns dias, o piloto perdeu-se naquele emaranhado de dezenas de rios e braços de rio, e sem rádio – nem telemóvel, naquele tempo... – fomos parar a uma aldeia indígena felupe, muito atrasada, nem sei o nome, e por lá ficamos. 

Até ser dada a nossa falta por lá ficamos a esperar até de manhã. Veio um heli e localizou-nos e fomos encaminhados para um local onde o piloto já conhecia melhor, e assim chegamos a São Domingos, a salvo, de sermos comidos vivos, pelos felupes ou pelos jacarés…

Este episódio não consta na História da Unidade, pois soube mais tarde que o comandante, coronel Renato Xavier, ficou aflito, por ter dado esta responsabilidade a um oficial não operacional, e assim, apesar de todos tomarem conhecimento, nunca foi divulgado nem escrito, foi um sonho ou pesadelo. Mas não me lembro de ter ficado amedrontado. 

Ficaram as várias fotos que tenho desta aventura no Norte da Guiné, e na fronteira com o Senegal até Cabo Roxo, que visitamos também. Não foi tudo mau, mas poderia ser!

Deu tempo para conhecer também o estuário e foz do rio Cacheu, muito maior do que o Tejo. Uma coisa deslumbrante, pois estamos quase em cima do Atlântico e o clima é muito melhor.

(Continua)

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Guiné 61/74 - P18177: In Memoriam (310): Álvaro Andrade de Carvalho (Lourinhã, 14/8/1948 - Lisboa, 4/1/2018): médico, psiquiatra, gestor de saúde, meu conterrâneo, meu condiscípulo, meu amigo de infância, meu amigo para sempre... O funeral é no sábado, às 14h00, na sua terra natal (Luís Graça)


Álvaro Andrade de Carvalho (Lourinhã, 14/8/1948 - Lisboa, 4/1/2018). Diretor do Programa Nacional de Saúde Mental, desde 2011.



1. Soube esta noite, por esse novo mensageiro da morte que é o Facebook, do já esperado (mas sempre temido) desfecho da tua luta, desigual, contra a doença (oncológica)... 

Acabas de atravessar o rio Caronte, nessa viagem sem regresso para qualquer mortal. Todos já temíamos o pior, a tua família e os teus amigos do peito, quando em 14 de agosto de 2017 nos juntámos na tua casa da Lourinhã para celebrar a vida, o amor, a amizade  e... a esperança. Fazías então 69 anos. 

Foi uma luta desigual, mas digna e corajosa, a tua, contra a morte anunciada.  Não tenho cabeça, às cinco da manhã do dia seguinte, para te escrever a "oração fúnebre" que te é devida.  Outros farão muito melhor do que eu o elogio do homem público, do cidadão, do português e sobretudo do médico, do psiquiatra, do psicanalista, do professor, do chefe de serviço hospitalar, do gestor e reformador da saúde mental. Infelizmente, já não estarás cá, em 2019, quando se comemorar os 40 anos do serviço nacional de saúde, para cuja génese e desenvolvimento também deste a tua quota parte, decisiva.  Mas o teu exemplo, em termos de ação e pensamento, continuará a ser inspirador para todos nós,

Deixa-me reproduzir aqui, meu querido Alvarinho,  as palavras que eu te disse, no teu dia de anos.  É uma pequena, singela, homenagem de um dos teus amigos de infância que ficaram, discretamente,  amigos para sempre. Estas palavras,  ditas num círculo íntimo em 14/8/2017, passam a ser públicas, se não me levas a mal, do outro lado da margem do rio.  E espero que possam ser também um lenitivo para a perda devastadora que é a tua morte, extemporânea, aos 69 anos, para todos nós, a começar pelos teus filhos, Miguel, Joana e Sara, e os teus netos, demais família e amigos, sem esquecer a grande comunidade da saúde mental (e da saúde pública), o teu país, a tua terra. E as mulheres que te amaram. Sim, tu foste feliz entre os homens e as mulheres. Foste feliz no amor e na amizade,

2. Soneto de amizade, dedicado por Luís Graça ao Álvaro de Carvalho no seu 69º aniversário:

Meu caro Álvaro,
meu bom e velho amigo,
querido Alvarinho:

Raramente me esqueço de te dar os parabéns,
no teu dia de anos,
desde há mais de sessenta anos.
A data, de resto, coincide com um dia glorioso da nossa história,
o da batalha de Aljubarrota, em 14 de agosto de 1385.
Se o nosso exército não tem derrotado o dos nossos vizinhos,
hoje estaríamos aqui a “hablar en castellano de la amistad entre nosotros”…

Nasceste num sábado, em 14 de agosto de 1948,
que foi de alegria para os teus pais,
pessoas de quem tive o privilégio de serem minhas amigas.
O dia, em termos metereológicos, não terá sido muito diferente do de hoje, 
talvez um pouco melhor,
pelo que pude ler na 2ª edição do “Diário de Lisboa”
(, edição de 8 páginas, de que te mando um exemplar em formato digital).

Na costa norte e centro, o céu estava limpo, 
por vezes com algumas nuvens, 
vento norte bonançoso a fresco, 
visibilidade boa, 
ondulação norte noroeste moderada.

Foi um ano de estiagem, o de 1948… 
Tinha havido, ao menos, umas chuvadas fortes uns dias antes…

E pelo mundo, as notícias eram aparentemente as de rotina: 
acabavam os jogos olímpicos em Londres, 
chovia torrencialmente em Berlim, 
afetando a ponte aérea anglo-americana, 
estávamos em plena guerra fria 
e chegavam também ao fim, depois de 3 anos, os julgamentos de Nuremberg…

Em Portugal, na ponta mais ocidental e acidental da Europa, nada de novo… 
Ah!, éramos bicampeões europeu e mundiais de hóquei em patins… 
E claro comemorava-se o 14 de agosto, “dia da infantaria”…
Não quero ser maçador, e abusar do meu tempo de antena,
em dia que é teu, da tua família, dos teus filhos e netos,
e todos aqueles que te querem bem
e  que fazem votos para ver-te de novo em boa forma, 
ativo, produtivo e saudável…
Estamos aqui para darmos graças à vida 
e festejar o amor, a amizade…e a esperança!
Mas tenho que te dizer, com ternura, algumas palavras
na tua festinha das 69 primaveras…

Não sei se alguma vez houve um poeta ou uma poetisa
que te tenha escrito um soneto…
Aceita aquele que eu te acabo de escrever,
e que é uma singela declaração de amizade,
em meu nome, e em nome da minha família,
a Alice, a Joana e o João.

Foste importante para mim,
por muitas razões que tu e eu sabemos,
na minha infância, adolescência e juventude,
e já depois de ter vindo da Guiné, ter casado e voltado a estudar…
Mas também foste importante para eles.
Foste, mais do que visita da nossa casa,
também um médico, um conselheiro e um grande amigo.

A Alice e eu estamos-te muito gratos,
a ti e à Ana Jorge,
pelo João que também ajudaste a nascer,
e que hoje é teu colega, psiquiatra.
Músico, seguiu esta manhã para Espanha, para um concerto,
e manda-te um xi-coração de parabéns.

Separados por duas ruas,
vivemos a nossa infância, adolescência e parte da juventude
na mesma terra, Lourinhã.
Estudámos na mesma escolinha do Conde de Ferreira,
brincámos no mesmo largo do coreto,
uma e outro há muito vítimas do camartelo camarário.
Lemos, na tua casa,  os mesmos livrinhos aos quadradinhos,
dos cobóis às séries do “Cavaleiro Andante”…

Depois da 4ª classe e do exame de admissão (que fizemos juntos em Lisboa),
seguimos caminhos diferentes,
mas encontrávamo-nos nas férias grandes.
Desde cedo mostraste espírito de líder
(aquele que vai à frente mostrando o caminho),
criando o “Alvorada” juvenil,
e depois colaborando intensamente na redação do jornal.

Foi aqui, no jornal "Alvorada", que eu tive a minha primeira atividade remunerada. 
Foi aqui também nosso colega de escola, amigo e teu primo,
o saudoso Rui Tovar de Carvalho (Lourinhã, 1948-Lisboa, 2014), 
começou a dar os primeiros passos na sua carreira de jornalista desportivo.

À criação de uma secção, ou de uma página, 
a que chamámos "Alvorada Juvenil", 
seguiram-se outras: 
abrimos espaço ao correio dos soldados do ultramar,
 e demos voz aos nossos emigrantes. 
No "Alvorada Juvenil", abrimos um inquérito aos jovens lourinhanenses 
e alimentámos o "cantinho dos poetas"...

Tu e eu, assinámos em conjunto diversas reportagens, 
para além de artigos de opinião que subscrevemos individualmente. 
Havia alguma irreverência e inquietação, 
próprias da idade e da época que vivíamos.

Acabei por exercer as funções de redator chefe deste jornal, quinzenário regionalista,
que ainda hoje se publica. 
Foi fundado ao em 1960, como sabes, 
pelo padre António Pereira Escudeiro (Tomar, 1917-Lisboa, 1994), 
um homem a quem a Lourinhã muito deve 
e que fez uma aposta forte na formação das elites, ou seja, na educação. 
Foi igualmente fundador do jornal "Redes e Moinhos" (1954-1960). 
Antes de vir para a Lourinhã como pároco, em 1953, 
esteve em Alcanena onde fundou o jornal quinzenário "O Alviela", 
entretanto suspenso pela censura por ousar publicar um artigo 
sob o título "A fome em Alcanena"... 
Estava-se em plena campanha do general Norton de Matos. 
Retomou a publicação depois de ser autorizado a versar também "assuntos sociais"...

À frente do "Alvorado", como redator-coordenador, de 1964 a 1966, 
"fiz-me esquecido" 
e deixei de mandar o jornal à censura...
A entrada de jovens fora uma pedrada do charco da pasmaceira e do conformismo
em que se vivia nesta terra do oeste-estremenho. 
Estava-se em plena guerra colonial 
mas já na fase de fim de ciclo...
"Cadáver adiado", o regime do Estado Novo ainda estrebuchava 
e metia medo a muitos. 
Não admira que o diretor do jornal tenha recebido 
um intimidatório ofício da direção geral de censura 
a perguntar porque é que se permitia o luxo de ultrapassar a lei... 
Metade do ofício, que era apenas de duas linhas, 
correspondia a uma assinatura em letra garrafal, 
símbolo máximo da arrogância de quem se sentia dono e senhor deste país... 
Tudo "a bem da Nação", pois claro.

O pobre do padre vigário, já com ficha na PIDE (por causa do "Alviela"),
lá teve que arranjar uma desculpa esfarrapada aos senhores coronéis da censura 
e, a mim, puxou-me as orelhas... 
Doravante, tínhamos que mandar os artigos em duplicado para a tipografia 
que por sua vez submetia uma cópia à censura... 
E no entanto nunca nenhum de nós escreveu o que quer que fosse 
que pudesse pôr a causa a sacrossanta trilogia Deus, Pátria e Família...

Eu acho que os censores embirravam sobretudo com os nossos jovens poetas.
Não entendiam nada da poesia moderna 
e receavam à brava que os jovens lourinhanenses e outros, 
que colaboravam connosco, 
escrevessem também nas "entrelinhas"... 
Nunca se sabe o que se passa na cabeça irrequieta dos poetas 
nem muito menos na mente perversa dos censores...

Um dia vais gostar de rever este período das nossas vidas, 
em que fomos jornalistas amadores 
e ganhámos o gosto pela escrita, pela ação cívica e pela animação cultural…. 
Prometo fazer-te uma seleção dos teus e dos nossos escritos de adolescência…

Está na hora, por fim, de te ler o poema que te fiz esta noite. 
E que te dedico com todo o meu apreço, gratidão, amizade e fraternidade. 
É o meu pequeno contributo para a tua festa.


Soneto de amizade

por Luís Graça


Alvarinho, deixa-me te dizer,
Hoje, este soneto de amizade:
Amigo é um irmão, podes crer,
Para lá do sangue e da idade.

Nada tem de declaração senil:
Amigos para sempre, desde a infância,
A escola e o “Alvorada” juvenil,
Somos irmãos em última instância.

Amigo é partilhar dor e alegria,
Nos bons e maus momentos da vida,
É cumplicidade, é empatia.

E que mais, meu irmão e meu amigo ?
É saber dar-te a valia devida,
É ter tempo, afinal, para estar contigo!



Lourinhã, 14 de agosto de 2017.

PS – Parabéns, muita saúde e longa vida,
Porque tu mereces tudo!


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Nota do editor:

Último poste da série >  28 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18149: In Memoriam (309): Alf inf QP Augusto Manuel Casimiro Gamboa, CCAÇ 1586 (Piche, Nova Lamego, Canjadude, Madina do Boé, Béli, Bajocunda, 1966/68), nascido em São Tomé , morto em combate, em 14/12/1967, em Uelingará, entre Canjadude e Nova Lamego (José Martins / Virgílio Teixeira / António J. Pereira da Costa / José Corceiro)

Guiné 61/74 - P18176: O cruzeiro das nossas vidas (26): Ementa do navio N/M Uíge aquando do transporte do Pel Mort 4580 para a Guiné em Abril de 1973 (Carlos Vieira, ex-Fur Mil)

 
1. Mensagem do nosso camarada Carlos Vieira, ex-Fur Mil do Pel Mort 4580 (Bafatá, 1973/74), com data de 15 de Dezembro de 2017:

Caros camaradas: 

Em continuação da minha colaboração, envio apenas por curiosidade algumas ementas da nossa messe de sargentos durante a viagem no paquete Uíge. 

Qualquer semelhança entre esta viagem e um cruzeiro no Mediterrâneo é pura coincidência. 


Cumprimentos, 
Carlos Vieira 
Pel Mort 4580








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Nota do editor

Último poste da série de 11 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16587: O cruzeiro das nossas vidas (25): O meu regresso a casa, no N/M Uíge (Manuel Resende (ex-alf mil art, CCAÇ 2585/BCAÇ 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71)

Guiné 61/74 - P18175: Notas de leitura (1029): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (16) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Outubro de 2017:

Queridos amigos.
Antes de mais venho renovar a minha profunda gratidão pelo amparo que tenho recebido no Arquivo Histórico do BNU por parte dos seus desvelados técnicos, incansáveis a vasculhar tudo o que existe sobre o período em análise, ajudando-me com imagens, umas completamente desconhecidas outra não tanto. São tão exímios que é para mim impensável continuar esta aventura que se prolongará até 1975, sem a sua proficiência e brio profissionais.
Temos aqui o documento que relata os acontecimentos do movimento revolucionário que se estendeu de Abril a Maio de 1931, descrito minuciosamente. E relata-se um psicodrama cujo desfecho foi um homicídio. Virá a seguir um psicodrama incomparavelmente maior, a chamada revolta dos Felupes, em 1933, que René Pélissier investigou em vários arquivos, tudo começou com um avião que saiu de Dakar e desapareceu.
Era uma vez...

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (16)

Beja Santos

Em 14 de Maio de 1931, a filial de Bolama envia para o governador em Lisboa a seguinte carta intitulada “Situação da praça – movimento revolucionário”:
“Por notícias oficiais daqui expedidas, calculamos que V. Exa. terá tido conhecimento que eclodiu nesta cidade, no dia 17 de Abril próximo pretérito, pelas 3h30, o movimento revolucionário constituído pelas tropas da guarnição desta capital e elementos civis, na sua maior parte deportados políticos.
Numa cidade sem exigências, em que o trabalho ocupa primacial lugar, a revolução não poderia deixar de surpreender, e até mesmo aterrorizar, a sua pacífica população.
E foi por isso mesmo que, nos dias que se seguiram ao do movimento, em Bolama o êxodo era manifesto.
Alheios à política militante, nada podemos dizer sobre a finalidade do movimento insurrecional. Mas os factos demonstram iniludivelmente que o seu objetivo era provocar a queda da Ditadura, uma vez que o governo na metrópole não dispusesse de meios necessários para dominar os revoltosos dos Açores e da Madeira, e simultaneamente acudir à situação da Guiné.
Os indígenas, por índole assustadiços, e agora com justificada razão de o serem, entrincheiraram-se nas suas palhotas de onde não mais saíram; outros elementos nativos, igualmente apavorados, refugiaram-se no interior, cujas relações com o litoral estavam cortadas. Seguiram-se as medidas de segurança e consolidação do regime em vigor na colónia.

Foi destituído das funções de Governador o Tenente-Coronel Leite de Magalhães, ficando a superior administração da colónia entregue a uma Junta Governativa.
O Governador foi preso, com homenagem, no Palácio do Governo. Os oficiais, que se supunham afetos à situação política anterior, incluindo o Chefe de Estado-Maior, também foram detidos e embarcados no Maria Amélia, conjuntamente com o Governador, este com destino a Lisboa e aqueles em direção à Madeira.
Como é fácil de calcular, nos primeiros dias da revolução a cidade tinha um aspeto bélico, o que todavia não prejudicou grandemente a sua vida normal. Foi estabelecida a censura telegráfica e postal, por virtude da qual não comunicámos a V. Exa. em devido tempo o que vinha sucedendo.
Da nossa filial de S. Tiago recebemos dois telegramas em um dos quais nos perguntavam se o Governador da Província se achava preso. A nenhum destes despachos nos foi dado consentido dar resposta, tendo os telegramas ficado em poder da Junta Governativa.

Por escrutínio secreto, o comité executivo da Junta Governativa elegeu para o cargo do governo interino da Guiné o Tenente-Coronel Médico Dr. Gonçalo Monteiro Filipe, que tomou posse em 24 de Abril último.
Muitas vezes fomos procurados, depois de encerrar o expediente, e até a desoras da noite, para fazer pagamentos, uns da conta do banco, outros de conta da Caixa do Tesouro.
Estes pedidos eram-nos feitos em nome da Junta Governativa, razão porque sempre os atendemos com a maior prontidão, afastando portanto a ideia de poder contrariar a acção de quem governava.

Vieram finalmente dias de mais calma. Apesar disso, aproveitando a estadia do vapor Silva Gouveia, nos portos da colónia, foi este mandado a Cabo Verde com a missão especial de corromper a sua população, lançando-a igualmente na revolta. Tal tentativa não obteve êxito, e por isso os revoltosos limitaram-se a subtrair da Ilha de Maio, trazendo para a Guiné os deportados políticos que ali se encontravam, em número não superior a oito.
Entretanto chegava a notícia da rendição dos Açores e pouco depois da Madeira, que veio pôr termo às operações.
Nasce então a ideia de deserção. Para ocorrer às despesas da Junta Governativa, abriram-se créditos no valor de 250.000$00, pouco mais ou menos, segundo o que nos foi dito pelo senhor Director da Fazenda.
Os últimos dias foram de intranquilidade. É que, com a partida dos revoltosos havia receio de represálias. As pessoas mais em evidência não pernoitaram em suas casas.

Na tarde do dia 5, fechámos na Casa Forte todos os livros e valores, ainda os mais insignificantes. Para maior segurança, e com a necessária discrição, refugiámo-nos na casa do Cônsul da Alemanha, com quem de há muitos anos mantemos boas relações, até ao dia seguinte, quando a debandada já era um facto.

O Dr. Monteiro Filipe no momento de se ausentar dirigiu uma carta ao Vice-Presidente do Conselho do Governo, Dr. José Alves Ferreira, convidando-o a tomar conta do governo, o que este fez ao abrigo das disposições da Carta Orgânica vigente. Neste meio tempo chegava a notícia da nomeação do senhor Major João José Soares Zilhão, para desempenhar as funções de Governador da Colónia, cuja posse teve lugar no dia 9 deste mês. Eis, a traços largos, o que foi o movimento revolucionário na Guiné.
Espera-se a todo o momento a vinda de tropas do continente e de um vaso de guerra”.

É patente que há uma tensão entre as agências de Bolama e Bissau. Neste mês de Maio de 1931, Bissau reponta com Bolama que não se devem duplicar as despesas, que em casos semelhantes ou parecidos com o que se telegrafou para a sede acerca do movimento revolucionário, Bolama deve enviar tudo para Bissau, é daqui que os telegramas seguem para Lisboa, e surge claramente uma crítica: “Não compreendemos o motivo porque se refugiaram no consulado alemão, depois das precauções que tomara”.


Em Novembro, Bissau pede a Lisboa para fazer despesas com móveis e utensílios:

“Dentro em pouco será necessário mobilar, sem luxo mas com decência, o primeiro andar do edifício da agência. A mobília existente não corresponde às necessidades, embora mandemos restaurar, como é lógico toda a que possa ser aproveitada. Nestas condições pedimos e agradecemos a V. Exa. a fineza de autorizar a compra e remessa da seguinte mobília:
- Uma mobília de sala completa com o mínimo de doze cadeiras; 
- Uma mobília de sala de jantar com doze cadeiras; 
- Uma mobília de quarto; 
- Dois tapetes grandes para sala; 
- Um dito, para sofá; 
- Seis ditos para camas.

A necessidade destes tapetes é flagrante, porque o pavimento é de mosaico. As mobílias terão de ser também grande dado o espaço dos aposentos a mobila. Não podemos deixar de frisar a V. Exa. que ao pedirmos estes artigos de mobília não temos em vista rodearmo-nos de luxo – que bem dispensamos – mas tão-somente prover o edifício com aquilo que julgamos indispensável”.

A comunicação mudou de diapasão, tornou-se cerimoniosa, tão ao estilo do Estado Novo, “cada um no seu lugar”.


Tem-se referido que ambas as filiais não perdem oportunidade para dar informações de diferente índole, como idas e vindas e até psicodramas. É o que acontece em Outubro de 1932 quando se Bissau comunica para Lisboa que o Director dos Serviços das Obras Públicas, Engenheiro Ferreira Chaves feriu mortalmente com um tiro de pistola, em Bolama, no dia 24 de Agosto findo, o Capitão Reformado António Augusto Parreira, Chefe da Repartição de Agrimensura e Cadastro, depois do que se entregou à prisão do Sr. Dr. Juiz. Constava que o Engenheiro Chaves e o Capitão Parreira, ambos da comissão urbana de Bolama depois de uma troca de ofícios em termos ásperos tinham cortado as relações. Surgira um diploma legislativo que o Capitão Parreira julgava obra do Engenheiro Chaves para o ferir. Parreira foi a casa de Chaves para ter com ele um desforço:

“Diz-se que este dormia a sesta quando o Capitão Parreira lhe entrou pela casa dentro numa atitude desvairada, e o agrediu.
Depois de uma breve luta entre ambos, no quarto de cama, junto ao toilette onde o Engenheiro Chaves tinha a pistola, parecendo-lhe, declara o arguido, que o Capitão Parreira pretendia deitar a mão à arma ou com receio desse gesto, o Engenheiro Chaves teria pegado nela para a arremessar para longe e, nessa altura, segurando-lhe a mão o Capitão Parreira obrigou-o a disparar sendo este atingido na cabeça, falecendo horas depois. Deste facto não há testemunhas e nós limitamo-nos a reproduzir, em síntese o que nos têm contado. O Engenheiro Chaves já foi pronunciado sem fiança e suspenso do exercício das suas funções”.

Nada disto é comparado com outro psicodrama que se avizinha, a chamada revolta dos Felupes.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 29 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18153: Notas de leitura (1027): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (15) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 1 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18163: Notas de leitura (1028): “Dinâmica da arte Bijagó, Guiné-Bissau – contribuição para uma antropologia da arte das sociedades africanas”, por Danielle Gallois Duquette, editado pelo Instituto de Investigação Científica e Tropical, 1983 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18174: Parabéns a você (1368): João Meneses, ex-2.º Tenente FZE do DFE 21 (Guiné, 1972); Ricardo Figueiredo, ex-Fur Mil Art do BART 6523 (Guiné, 1973/74) e Valentim Oliveira, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 489 (Guiné, 1963/65)



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Nota do editor

Último poste da série de 2 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18165: Parabéns a você (1367): Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69)

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18173: (In)citações (114): Amigo Cherno, meu irmão, com homens como tu, a Guiné-Bissau ainda se vai tornar uma grande pátria (Francisco Batista [ex-alf mil inf, CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)]

1. Comentário do nosso grã-tabanqueiro Francisco Baptista, transmontano de Brunhoso (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72),  ao poste P18170 (*)

Amigo Cherno Baldé, gosto de te ler e admiro-te porque tu tens o humanismo e a universalidade para estabelecer pontes entre as gentes e entre os povos, que muitos ex-combatentes como eu apreciam.

A tragédia do soldado Sissé que tu contas com arte e sabedoria é uma consequência de os estrategas militares quererem fazer de jovens, máquinas de guerra através de treino militar duro e desumano, para serem lançados nos piores e mais bárbaros cenários de guerra, sem se importarem com os efeitos nefastos a nível psicológico que irão provocar na personalidade desses jovens. 

Estava eu em Buba, em 1971, quando um destacamento de fuzileiros africanos regressou lá depois da operação a Conakry [Op Mar Verde]. Sobre isso um subtenente dos fuzileiros falou-me. Estava em Mansabá em 1971, quando duas companhias de comandos africanos, foram lançadas na mata do Morés, depois de fortes bombardeamentos da aviação e de obuses levados para Cutia. O major,  comandante do COP de Mansabá, quando regressou de helicóptero depois de visitar a zona intervencionada, encontrou-me no bar e falou-me dessa operação. 

O subtenente dos fuzileiros e o major do exército já morreram, eram ambos bons amigos dos camaradas e dos copos. Falámos e bebemos uns copos, mais do que falámos, a guerra não é heróica, é miserável. 


Guiné-Bissau > Bissau > c. 1995/1997 > O Cherno Baldé com a sua querida mãe, Cadi Candé (c. 1927-2017), aqui com c. 70 anos. A foto foi tirada depois do primeiro regresso do Chermo Baldé, de Lisboa, onde frequentou, um mestrado (ou curso de pós-graduação, não sabemos ao certo) no ISCTE-IUL  (1993/95). Licenciou-se em economia  na Universidade de Kiev, Ucrânia, tendo assistido ao desmantelamento da URSS. Trabalha como gestor de projetos no CAON - FED, em Bissau [Cellule d'Appui à l'Ordonnateur National du Fonds Européen de Développement]. Andou no Liceu Nacional Kwame N'Krumah. Aprendeu as primeiras letras em Fajonquito com os militares portugueses ali estacionados durante a guerra colonial. É casado, pai de 4 filhos. É sportinguista. Vive em Bissau. Tem página no Facebook.

Fotos (e legendas): © Cherno Baldé (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Depois da descolonização, após essa guerra cruel suportada por essas tropas especiais que, quando
são mandadas para as zonas de combate mais duras, vão morrendo senão fisicamente, psicologicamente porque vão matando a sensibilidade própria a todo o ser humano, o Estado Português, sobre a bandeira de quem eles combateram. abandona-os à fúria dos seus inimigos africanos, com promessas hipócritas das autoridades do novo Estado da Guiné Bissau.

Uma velha nação da Europa e uma jovem nação da África que deram uma lição miserável de hipocrisia e covardia a todo o mundo.

Amigo Cherno, meu irmão, acredito que, com homens como tu,  a Guiné-Bissau ainda se vai tornar uma grande Pátria, com muitos homens bons e muitas etnias a viver em paz e harmonia. Os meninos da tua terra com tantas esperanças nos seus olhos tão delicados e doces merecem. (**)

Um grande abraço para ti e para toda essa terra de florestas, água e bolanha, que continuo a amar. Um Bom Ano. 

Francisco Baptista
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Guiné 61/74 - P18172: Memória dos lugares (369): Fajonquito (1961) ou... Gam Sancó (1940, 1914, 1906, 1889)? (Armando Tavares da Silva)


Capa do Atlas Colonial Português, 1914


Capa do Atlas Colonial Português, 1914  > Mapa da Guiné > Posição relativa de Gam Sancó, entre Cambaju e Bafatá.



Guiné > Atlas de João Soares (c. 1940) > Posição relativa de Gam Sancó (a azul)... Escala: 1/2 milhões


Guiné > Mapa geral da províncía (1961) > Escala 1 / 500 mil > Posição relativa de Fajonquito, a noroeste de Contuboel.

Infogravuras: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)


1. Mensagem do nosso amigo e grã-tabanqueiro Armando Tavares da Silva, com data de hoje:

Caro Luís Graça,

O Post P18170,  do Grã-Tabanqueiro Cherno Baldé (*), fiz-me apressar o envio da carta da “Província da Guiné” inserta no Atlas Colonial Português da Comissão de Cartografia do Ministério das Colónias, de 1914. Esta carta, que tem 100 anos, ajuda a conhecer as mudanças que sofreu a toponímica da Guiné.(**)

Para além da imagem de toda a carta (ocupa 2 páginas e tem a dimensão de 43 x 32 cm), envio ainda a mesma carta mas dividida em quatro partes para melhor identificação das povoações.

Uma das povoações que nela figura é Gam Sancó, povoação que não figura nas cartas mais recentes. Esta povoação figurava também nas cartas da Comissão de Cartografia de 1889 e 1906, e ainda no atlas de João Soares, que teve várias edições nos anos 1940, e era utilizado no ensino liceal. Para melhor identificação da povoação segue ainda uma parte ampliada daquela mesma carta, com a região a norte de Bafatá.

Eu penso que esta povoação [, Gam Sancó,], que era a terra de origem do ex-soldado comando Cissé Candé (**), se por acaso não desapareceu, pela sua localização, é a actual Fajonquito, e gostava que me confirmassem, ou não, esta hipótese.

O Cherno Baldé, natural de Fajonquito,  talvez possa dar alguma informação relevante.

Abraço do
Armando Tavares da Silva

PS: As imagens seguem por WeTransfer


2. Mensagem do nosso editor acabada de enviar ao Cherno Baldé:

Amigo e mano Cherno:

Além dos votos de bom ano (, a nível pessoal, familiar e profissional), mando-te aqui uma pequena prenda (coletiva)... do nosso grã-tabanqueiro Armando Tavares da Silva: o atlas da Guiné de 1914... Segue um outro mail com o link para poderes transferir as imagens até ao dia 11 deste mês... São pesadas: mais de 24 MB... Vou também publicar no blogue [neste e noutros postes]... Mas gostaríamos de ter o teu douto comentário sobre a toponímia dessa época, em especial a da tua região natalícia: será que Fajonquito poderá ter-se chamado no passado "Gam Sancó" ou "Gã Sancó"?  [Gã Sancó  não consta da Portaria nº 71, de 7 de julho de 1948, do Governo da Colónia da Guiné: Primeira relação de nomes geográficos da Guiné Portuguesa, escritos segundo a ortografia oficial]

Já em 7/10/2017. tu perguntavas o seguinte (**):

"Caro Luís,

A tal aldeia de "Pejungunto" na região de Farim, bem poderia ser uma grafia alternativa a de 'Fajonquito',  isto antes da normalização com o Governador  Sarmento Rodrigues."


E o prof Armando Tavares da Silva comentava:

" E a aldeia de "Gam Sancó" que aparece no Atlas de João Soares (Sá da Costa, 1949) e que desapareceu na relação de nomes geográficos de 1948, e ausente nas cartas de 1/50 000, o que será? Poderá ser a actual 'Fajonquito'? E 'Gam Sancó',  o que foi/é?"

Mantenhas!...
Luís (***)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  3 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18170: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (53): três balas de kalash para uma missão suicida: o trágico fim do ex-soldado 'comando', Cissé Candé, em abril de 1978