1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 1 de Novembro de 2017:
Queridos amigos,
É chegar, ver e vencer. Muito bom tempo à chegada, um
almoço de arromba na Lagoa, um passeio pela região de Vila Franca do Campo,
passagem pela Caloura, pelo miradouro do Pisão e a Ermida de Nossa Senhora
da Paz. A partir de agora, o viandante tem o Vale das Furnas por conta
própria, vale com lagoa, regatos, colinas frondosas, bisbilhotice e hora de
muito sossego para pôr a escrita em dia aqui se chegou em 1967 e logo a
certeza foi enorme.
Uma noite, jantando o viandante em casa de Armando
Cortes Rodrigues, este anfitrião falou de um livro que classificou como
importantíssimo "Um Inverno nos Açores e um Verão no Vale das Furnas", logo
o viandante o foi adquirir, os manos ingleses que por ali andaram entre 1838
e 1839 renderam-se a esta atmosfera de idílio e ficaram fascinados com as
caldeiras ou furnas.
Amanhã o viandante calcorreará a Lagoa das Furnas, é um
dos lugares mais românticos do mundo, acreditem.
Um abraço do
Mário
À sombra de um vulcão adormecido (2)
Beja Santos
O Santuário de Nossa Senhora da Paz ocupa um ponto alto sobre o extenso vale de onde se avista Vila Franca do Campo e seus dois ilhéus. O viandante não esconde o frémito de emoção de avistar anfiteatro tão belo, pode haver quem não goste, atendendo à hora, do escurecido que vai por aquele vale extenso, mas a luminosidade oceânica foi tentação mais forte. As minhas desculpas por tanta luz contrastando com Vila Franca do Campo quase às escuras. Mas ainda não é o momento azado para caminhar para o Vale das Furnas, há aqui um detalhe floral mui digno de referência.
O que se avista são novelões, as hidrângeas secaram, estamos em Outubro, serão podadas no início da Primavera, despontarão entre o branco, o róseo e os azuis, porque há azuis, desde o esmaecido até ao intensamente metalizado, como se a hortênsia chupasse os minérios da terra, com tonalidades de joia semipreciosa. Nem tudo morreu, por ora, aqui fica um registo de um fim de vida bem glorioso.
E pronto, chegou-se ao Vale das Furnas, os céus andam bassos, já se falou de erupções vulcânicas, da presença de Jesuítas, a história do vale ganhou uma enorme notoriedade quando um cônsul norte-americano mandou fazer casa com um tanque de água férrea à frente, à volta da casa desenvolveu-se um espantosíssimo jardim e nos anos 1930 os herdeiros do Marquês da Praia venderam esta ampla propriedade à Sociedade Terra Nostra, fez-se estância hoteleira de primeira classe, o hotel Arte Deco foi recentemente sujeito a uma intervenção, felizmente que não perdeu em nada o seu caráter. Mas não vamos falar desse lugar mítico, já o fizemos. Vamos passear em volta, para já na ribeira dos inhames, este tubérculo que vai crescendo cerca de um ano em terreno alagadiço, daí os odores peculiares que deitam. O viandante observa-os, ainda não chegou a hora do almoço, mas deita contas à vida de uma boa pratada de inhames com chouriça e ovo estrelado…
Andar à volta do Parque Terra Nostra não deixa o viandante indiferente a este prodigioso metrosídero, parece um gigante de pelo encrespado, uma quase relíquia de tempos pré-históricos, é imponente e a vista nunca se cansa em frente de porte tão altivo.
Numa de bisbilhotice, o viandante pediu licença para conhecer os espaços onde se exibem o histórico e os triunfos do Futebol Clube Vale Formoso, cores sóbrias, lembram-me as da bandeira de Lisboa, e deve ser bem agradável assistir a uma partida no seu estádio, ali bem perto, há uma vista descomunal de verde, uma linha acentuada pelas cumeeiras, há mesmo um silêncio profundo, só interrompido pela buzinadelas dos autocarros que trazem turistas das europas e américas.
E não se pode ficar indiferente à singeleza desta fonte com três bicas aonde a água fresca se lança em sonoridade, o viandante olhou-a com enlevo, vinha um tanto tristonho, pois andou à volta do cineteatro, que foi remodelado há um par de anos e que parece abandonado, o branco escorre verdete e a humidade é omnipresente. Perguntou-se a alguém que por ali passava o porquê deste abandono, esse furnense deplorou aquela casa fechada que bem merecia estar cheia de vida, recuperou-se o velho cineteatro e não se lhe encontrou função, é esta a insidiosa tragédia dos equipamentos que renascem e depois se negligenciam.
É um belo jardim, tem as portas fechadas, disseram ao viandante que só abre em Agosto, mas possui tal romantismo, os plátanos são tão frondosos, os castanhos são tão intensos que crime seria não lhes dar vida nesta imagem.
O vale possui todos os predicados para saborear em passeios sem prazo ribeiros e ribeiras, caldeiras e lagoas. O viandante, 50 anos atrás, adquiriu um livro que ainda hoje considera uma gema literária, “Um Inverno nos Açores e um Verão nas Termas das Furnas”, escrito pelos irmãos Bullar, Joseph e Henry. Durante cerca de oito meses, com início em 6 de Dezembro de 1838, os manos por aqui andaram, fica bem claro que Joseph, que era médico, com largo apetrecho científico e literário, disserta a propósito sobre geologia botânica e muito mais. Estiveram em S. Miguel e seguiram para outras ilhas. Em finais de Maio de 1839 regressaram a S. Miguel e estadiaram no Vale das Furnas. Aqui vamos vê-lo interessado sobre a qualidade das águas e como se rende às belezas edénicas circundantes. Pois o viandante, enquanto rememorava o escrito soberbo dos irmãos Bullar, deliciava-se com o murmurejar desta ribeira úbere de águas infindáveis.
Nova detença sobre o que está cuidado e bem. O viandante foi visitar o edifício da Junta de Freguesia das Furnas, tanto quanto apurou era casa de inglês abastado antes de chegar a propriedade da autarquia.
Ficamos por aqui, com esta palmeira rodeada de sálvia, no cuidado do jardim das instalações da junta de freguesia. O viandante muda de desejo e saliva por um cozido, depois seguir-se-ão umas horas de leitura e faça sol ou chuvisque em abundância, vai para os banhos em 39 graus na Poça de D. Beija. Que ricas férias!
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 27 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18146: Os nossos seres, saberes e lazeres (246): À sombra de um vulcão adormecido (1) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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