terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3838: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (II): Mafra, Fevereiro/Março de 1964


Cristóvão de Aguiar, em 27 de Novembro de 2008, na Biblioteca-Museu República e Resistência – Espaço Grandella, na apresentação da nova edição do seu livro Braço Tatuado.

Continuação do Diário de Guerra, do Cristóvão de Aguiar, que nos foi enviado por intermédio do José Martins (ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70). Revisão e fixação do texto: vb.


1964


Fevereiro, 3 – Afinal, houve fim-de-semana.

Mas, aqui, nunca nada é dado como certo. Deve fazer parte da filosofia da instrução esta constante ex­pectativa em que nos fazem andar as altas patentes. Assim como o boato. Só no sá­bado de manhã, depois da ginástica de aplicação militar, mais dura do que nos dias prece­dentes, é que nos deram carta de alforria.

Não é em Mafra, é na Amadora, na Academia Militar, em 1963. Cadetes de saída para fim de semana.

Fui a Coim­bra passar parte da tarde e a noite de sábado e o domingo todo o dia, até às dez da noite, hora da camionete. Vi-a a uma janela do lar. Cumprimentei-a, mas não vi jei­tos de ela querer al­guma coisa co­migo. Agora estou arrependido de me ter derramado em duas fo­lhas de carta. Paciên­cia.

Tenho alguns mús­culos do corpo doloridos, mas já me vou sentindo besta. Não preguei olho durante a noite de domin­go noite de domin­go - a camionete che­gou a Mafra, três horas e pouco antes de princi­piar a ins­trução e ao contrário da maioria dos cama­radas não consigo dormir em transportes. Viajo por dentro de mim e chego sempre à Ilha, onde Ela ficou. Apesar de estar tresnoitado, aguentei bem a dureza militar do dia.

Fevereiro, 4 – Quando um homem aflito se abre a medo com al­guém e logo depois se acha falando a mesma linguagem, ilumina-se-lhe o íntimo do prazer que os primeiros cristãos deviam sentir quando um desenhava um peixe no chão e o outro lhe respondia com o mesmo gesto...

O Júlio Freches do meu pelotão, que tem a sua tarimba ao lado da minha, tornou-se meu amigo. Ele iluminou-se e eu acendi-me. O Júlio engraxava as botas ao pé de mim, o tempo e a tinta escorrendo pelos dedos. A caserna era, ao meio-dia e ao fim da tarde, após a instrução, uma enorme caixa e banco de engraxador profissional. As nossas conversas eram ciciadas como na penumbra de um confessionário. E quem poderá revelar o segredo da confis­são?

Fevereiro, 24 – Principiei o dia e a semana com um cross de cinco quiló­me­tros.

Já vou tendo resistência de atleta. Nenhum do pe­lotão arreou, o que sa­tisfez o alferes, que ia à frente marcando o ritmo. Depois, fomos para a ta­pada, para rece­ber­mos in­s­trução sobre gra­na­das e explosivos. Um alferes da 1ª com­panhia ficou sem um dedo. Rebentou-lhe um detonador nas mãos.

Fevereiro, 5 de Março – O meu fato-macaco cheira mal que se farta.

Não admi­ra. Estive quase toda a manhã a rastejar e a dar cam­balhotas na lama. Só não con­segui saltar a vala. Caí dentro dela e fiquei com as botas e as meias en­charca­das. Mas se­ca­ram. As meias e as botas e o fato zuarte. No próprio corpo. Faz parte do endure­ci­mento do corpo e da alma.


Março, 19 – Mudámos de comandante de pelotão.

O tercei­rense foi de novo mobilizado, desta vez para a Guiné. Houve jantar de despedida na Eri­ceira. Foi o pelotão em peso. Era um alferes maluco, mas no trato não era de­su­mano.

Uma segunda-feira, cheguei mais tarde a Mafra, por se ter avariado a ca­mionete. Pelo regu­lamento, tinha obrigação de ser castigado. Felizmente que me mandou à ca­serna vestir a farda de trabalho e disse-me que, por ele, não vira nada nem de nada sabia. Fe­chou os olhos. Alguns camaradas de outros pelotões não tive­ram a mesma sorte. Apa­nharam um fim-de-semana de castigo. Chama-se a isto so­lidarie­da­de entre ilhéus!

O novo coman­dante é um aspirante da Academia, que acabou de fazer o seu tirocínio aqui em Mafra. É um puto reguila, que nos vai fazer a vida ainda mais ne­gra. Traz todo o tesão de mijo da Academia.


Março, 20 – Dos novos aspirantes tirocinados que aqui fi­caram nesta unidade, há dois que foram meus colegas no Liceu.

O Luciano e o Rocha, de Ponta Delgada e de Água de Pau, respecti­vamente. A primeira vez que os vi, fiz-lhes a continência, não fosse o diabo tecê-las. Havia muitos mili­tares por perto. Ri­ram-se. Conver­saram comigo sem qualquer problema, mas disseram-me que, sem­pre que es­ti­vessem outros graduados à vista, devia bater-lhes a pala. Por causa das coisas.

Hoje de manhã, no render da guarda e do oficial de dia, a Banda do Regi­mento tocava a mar­cha Angola é Nossa. Toda a gente estava em sentido. Eu, que estava ao pé de um dos muros da parada, fui-me encostando vagarosamente a ele. Ainda não tinha aque­cido nem as costas nem o rabo ao en­costo, e o Rocha de longe fazendo-me um gesto muito delicado e sub-reptício para que me pusesse direito.

Mais tarde, quando teve oportuni­dade de falar comigo, disse-me que tinha sido o coman­dante da companhia que lhe ti­nha chamado a atenção a meu respeito. E como na tropa as ordens são dadas em ca­deia, ele teve de a transmitir. Pena não ter chamado um sargento. Tenho de to­mar cui­dado, que os estudantes de Coimbra são, aqui, considerados sub­versivos...

Março, 25 – Corre por aí que temos bufos por todo o lado.

Até no próprio pelotão os há. Disseram-me que ontem foi visto um cadete sen­tado a uma mesa, sozinho, num café da Vila, com um microfone disfarçado no quépi, es­trategi­ca­mente abandonado sobre o tampo. Hoje fiz versos...


Março, 27 – Há dois meses com uma farda e uma espin­garda, que, de tanto andar comigo, já me parece um membro do corpo.

Quando a não te­nho, e raro é, fico com a impressão de que me falta qualquer coisa. É a besta, salvo seja, crescendo cada vez mais dentro de mim. Durmo como uma pe­dra e até engor­dei.

Hoje, à tarde, na Vila, com a dispensa de recolher e da ter­ceira refeição no bolso, eu e o Camargo fomos jantar num restaurante barato, para variar. A dada altura, disse-me que queria falar comigo. Mas ali, não, que havia muitos ouvidos. Fomos então passear para um descam­pado.
E disse-me longamente da sua justiça. No fim da par­lenga, per­guntou-me:
– Queres per­tencer à organi­za­ção? – Res­pondi-lhe que sim senhor, que não me im­por­tava nada. – De­pois serás con­tac­tado por alguém; temos muito traba­lho a fazer no quartel.

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Notas de vb:

Primeiro artigo da série em

Guiné 63/74 - P3837: Memória dos lugares (16): Cacheu, 1964 (António Paulo Bastos, Pel Caç 953, 1964/66)



Guiné > Região do Cacheu > Cacheu >Pel Caç Nat 953 (1964/66) > 1964 > O nosso camarada da Tabanca Grande e da Tabanca de Matosinhos passou por aqui... Ou melhor, esteve aqui oito meses, com o seu Pel Caç 953 (*)... Considera-se um apanhado do clima. Já voltou à Guiné 3 vezes, a última das quais em Fevereiro de 2008...

Guiné-Bissau > Regão de Cacheu >Cacheu > 3 de Março de 2008 > Antiga fortaleza portuguesa...

Lisboa > Avião da TAP > Viagem Lisboa-Bissau > 29 de Fevereiro de 2008 > O nosso editor Luís Graça e a esposa... O António Bastos foi no mesmo avião...

Fotos: © António Paulo Bastos (2009). Direitos reservados

1. Mensagem, de 18 de Janeiro últmo, enviada pelo António Paulo Bastos (**), ex-1º Cabo do Pel Caç 953 (Cacheu, Teixeira Pinto e Farim, 1964/66)


Amigos da Tabanca Grande.

Aqui vai umas fotos de Cacheu do Ano de 1964.

Uma era o forte com o respectivo farol dentro do mesmo,mas nesta altura não tinha as estátuas que estavam em Bissau.

A outra era o meu aquartelamento, aí estive oito meses, até que já estavamos fartos de estar bem, fizemos um levantamento de rancho para entalar o Alferes, e fomos todos entalados para Canjambari, para aprendermos a embrulhar e não foram poucas.

A outra do forte, mais recente, com as estátuas (3 de Março de 2008).

Por última, vai fazer um Ano que eu apanhei este casal de borrachos, talvez em viagem de núpcias? (não leves a mal, Luís Graça).

Para a próxima logo mando mais, e mais antigas.

Um abraço para todos os colegas da tabanca grande.

A. Paulo Bastos (***)
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Notas de L.G.

(*) Vd. poste de 12 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3610: Tabanca Grande (104): António Paulo Bastos, 1.º Cabo do Pel Caç 953 (Teixeira Pinto e Farim, 1964/66)

Vd. também poste de 16 de Dezembro de 2008> Guiné 63/74 - P3637: Em busca de... (58): 2.º Sargento Coelho da 1.ª CCAÇ Africanos (Farim) (António Paulo Bastos)

(**) Vd. poste de 26 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3524: O Nosso Livro de Visitas (46): A. Paulo, Pel Caç 953, Guiné, 1964/66

(...) Eu sou mais um dos milhares apanhados do clima, como tal passo horas junto do computador a ler a Net.

Tambem sou dos que já regressaram à Guiné (três vezes), na última ia no mesmo avião que o Luis Graça e esposa, no dia 29/2/2008. Não fui a Guileje pois a minha zona era o Norte: Cacheu, Farim, Canjambari e Jumbembem. Fui por duas semanas com o Carlos Silva.

Estive nos anos de 1964 a 1966. (...) O Carlos Silva está a publicar o meu diário no blog dele. Eu era do Pelotão de Caçadores 953 (...) .


Eu sou o que organiza os almoços anuais dos quatro pelotões (953, 954, 955, 956) e, portanto, dos companheiros do Joaquim António de Sousa Dias, Soldado nº464/64. Mais uma vez no próximo mês de Maio de 2009, vamos-nos encontrar para o almoço em Azeitão.

E eu e os colegas gostavámos de convidar o filho do Joaquim Dias para fazer parte dos apanhados do clima, no nosso almoço onde vão estar muitos colegas do Pel Caç 955 (...)..


(***) Vd. poste de 5 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3702: Memória dos lugares (15): Funchal, uma ponte entre Lisboa e Bissau (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P3836: Álbum das Glórias (51): Santo Tirso, 1963, o almirante (Teixeira da Mota) e o poeta (Ruy Cinatti) (Beja Santos)

Conferência Internacional de Etnografia > Santo Tirso > 1963 > No intervalos dos trabalhos, o Amirante Teixeira da Mota e o poeta Ruy Cinatti.

Foto: © Beja Santos (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do Beja Santos, com data de 29 de Dezembro último:


Assunto - Almirante Teixeira da Mota e poeta Ruy Cinatti, em 1963 (*)


Malta, a remexer nos milhares de fotografias da heroína do meu próximo livro, Mindjer Garandi [, Mulher Grande], encontrei este inesperado encontro entre Teixeira da Mota e Cinatti, figuras constantes da minha correspondência, que circulou na "Operação Macaréu à Vista".

Lê-se na legenda: "Num intervalo durante a Conferência Internacional de Etnografia, Santo Tirso, 1963".

Foi graças ao Cinatti que conheci Teixeira da Mota, talvez em Abril de 1968. Neste tempo, o maior historiador da Guiné está no auge das suas faculdades, já escreveu a maior parte da sua bibliografia fundamental sobre a Guiné, o seu nome corre mundo como grande cartógrafo, depois das comemorações henriquinas.

Por seu turno, Cinatti é neste tempo um poeta irregular mas já um conceituado estudioso da etnografia timorense. Era tempo destes dois responsáveis por muito apoio que me deram na Guiné, terem fotografia no blogue. E por uma razão especial: o que eles vieram dizer nesta conferência internacional aparece em O Tigre Vadio (**).

Teixeira da Mota apresenta uma comunicação sobre os sonós, essas raríssimas esculturas em metal dos régulos biafadas, símbolo do seu poder. Teixeira da Mota possuía uma das maiores colecções, hoje em poder de coleccionadores estrangeiros. Pediu-me informações se havia sonós no Cuor e na região da Bambadinca, não só não encontrei nenhum como ninguém sabia da sua existência.

Cinatti apresenta uma comunicação sobre a criação da casa timorense. Escreveu um belo poema a tal propósito, enviou-mo e incluiu-o também em O Tigre Vadio.

Ambos faleceram na década de 80, o primeiro amargado com o que se passava na Guiné, o segundo amargado com o que se passava em Timor. Tenho muito orgulho em mostrar-vos como eles eram mais ou menos ao tempo em que me deram coragem e incentivo na guerra que vivi, foram expoentes culturais luminosos inesquecíveis.

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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série Álbum das Glórias > 26 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3794: Álbum das Glórias (50): Jobo Baldé, o dedicado padeiro de Missirá depois de Julho de 1969 (Beja Santos)

(**) Vd. poste de 8 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3422: O Tigre Vadio, o novo livro do Beja Santos (2): O exemplar nº 1, autografado, dedicado à malta do blogue

Guiné 63/74 - P3835: Apontamentos sobre Guileje e Gadamael (Manuel Reis) (2): Resposta aos comentários no P3788

Mensagem de Manuel Reis, com data de 2 de Fevereiro de 2008:

Apontamentos de Guileje e Gadamel, 1973 (P3788, Manuel Reis, Ex-Alf Mil CCAV 8350).

Caro Luís:
Sinto-me na obrigação de vir a terreno para fazer uns breves comentários aos comentários que foram feitos à minha mensagem (P 3788*), na sua maioria feitos por anónimos.


1. Manuel Peredo:
O teu comentário tem razão de ser, não fui devidamente preciso: A impossibilidade de saída refere-se à saída da vala, quando pretendiam efectuar qualquer missão. Partilhava a mesma vala. Foram muitas as vezes em que saíram da vala e foram de imediato alvejados, o que vos obrigava a voltar à vala. Após algumas tentativas frustradas acabavam por sair do aquartelamento e cumprir a missão.

Ao dizeres que se estava melhor na mata do que no aquartelamento, estás a referir-te à dificuldade de movimentação dentro do aquartelamento. Concordo contigo em parte, pois não esqueço os camaradas mortos na mata, a 500 metros do arame farpado. Aliás a vós se deveu a recuperação destes corpos, chegaram pouco tempo depois da emboscada se ter desencadeado. Eu sei lá, onde se estava melhor!


2. António da Graça Abreu
Não me parece importante dizer o nome do novo Comandante do COP 5 e não sou eu que irei colocar em causa a sua bravura e muito menos a sua competência profissional. Não me compete julgar ou emitir juízos de valor. O que eu disse e repito, são factos: A partir do dia 2 de Junho até meados de Julho, altura em que a C CAV 8350 saiu de Gadamael, nunca mais foi visto. Isto no momento mais crítico de Gadamael e em que mais precisávamos dele. Dizes que tinha terminado a Comissão e eu só posso dizer: Pura coincidência e azar nosso.

Respeito a tua opinião, mas em 1973 o PAIGC tinha uma força militar superior à nossa. Possuía armamento já bastante sofisticado, carros de combate e até aviões que aguardavam a preparação de pilotos na URSS (informação carecida de confirmação). E não era por acaso que existia um plano de contracção do dispositivo das NT!

Não sei se Nino era ou não um homem de más previsões. Era e é um militar de convicções, com virtudes e defeitos como todos nós. Não deixa de ser lógica a previsão que ele faz sobre uma hipotética retirada, aliás isto está devidamente explicada na minha mensagem. Outra vez, não!

A transformação da guerra de guerrilha noutro tipo de guerra, por parte do PAIGC, era uma ideia que quase todos os Oficiais do Quadro partilhavam e expuseram publicamente. Porquê tanto espanto?

Nesta guerra não se pode falar em vitórias e derrotas. Todas as guerras de libertação (e foram muitas) tiveram sucesso, independentemente dos seus opositores serem a França, Inglaterra, Alemanha, Holanda, Espanha e Itália. No nosso caso se alguém foi vencido, esse foi o regime político de Lisboa. Mas não é este o tema de debate do nosso Blogue!


3. Anónimo 1
Importa aqui clarificar os meios humanos utilizados nos reabastecimentos: Dois grupos de combate, um grupo de milícias, um pelotão de Artilharia e um grupo de combate de ajuda a cargas e descargas, tanto do lado de Guileje como de Gadamael. O grupo restante ficava de serviço ao aquartelamento e tinha como funções a limpeza do aquartelamento, o fornecimento de água, apoio à cozinha e a segurança nocturna.

Acresce um outro pormenor: Em Guileje ninguém se podia dar ao luxo de sair do aquartelamento sem sair com dois grupos de combate e meia dúzia de milícias, incluindo um guia.

Coutinho e Lima explica, no seu livro, a situação das obras e a necessidade de efectuar o reabastecimento. Na época das chuvas, que se estava a iniciar, Guilege ficava completamente isolado e tornava-se indispensável, para a nossa sobrevivência durante a referida época, efectuar com urgência o reabastecimento tanto em armamento como em géneros alimentícios.

Este foi o factor determinante para uma menor actividade operacional, no que aos patrulhamentos e vigilância diz respeito. Apesar disso ainda recordo um patrulhamento que fiz na picada de Gandembel e outros camaradas também se envolveram noutro tipo de vigilância e/ou patrulhamento.

De Novembro/Dezembro de 1972 até inícios de Maio de 1973 a actividade operacional era idêntica à das Companhias anteriores. Nesse período de tempo tivemos a colaboração, embora fugaz, dos grupos do Marcelino da Mata e do capitão Ramos, grupos meticulosamente preparados para a guerrilha.

Não tivemos qualquer emboscada no reabastecimento até 18 de Maio, tal como tu. A única, coincide com o início dos ataques a Guileje a 18 de Maio. Limitámo-nos a levantar e/ou rebentar umas minas anti-pessoal e anti-carro. Fazíamos o mesmo que tu: Armadilhar, reconhecer e emboscar e para que saibas até uma emboscada montámos no mítico corredor de Guileje. Infrutífera, é um facto, mas estivemos lá. Outra actividade, bastante arriscada foi o reconhecimento do local onde se projectava construir um novo aquartelamento (Quebo). A restante actividade de patrulhamento e segurança já a conheces, julgo que estiveste lá.

Durante a noite, quando o vento soprava de leste e se ouviam viaturas junto à fronteira, os obuses 11,4 despejavam sempre uma dúzia de granadas. Era um tiro no escuro, como dizia o Pinto dos Santos (Ex-Alf Mil Art), já falecido. De uma dessas flagelações fomos informados da destruição de duas viaturas e de dois mortos do PAIGC.


4. Anónimo 2
Guileje caiu porque não cumpriu a sua missão”, afirmas. Esta é a tua opinião e vale o que vale. Para todos nós, que lá vivemos, trabalhámos e sofremos, temos a consciência tranquila do dever cumprido. Todos nós estamos, como sempre estivemos ao lado do nosso Comandante Coutinho e Lima. Não é um homem só, como julgas. Deu sempre a cara, nunca se acobardou como tu no anonimato.

Deitaram-se a dormir e quando acordaram tinham o PAIGC a querer tomar o pequeno almoço”, dizes, no dizer do Comandante. Isto é provocatório, cheira a bafio, lembra outros tempos. Mais palavras para quê?

Não fiques por aí, vem, dá a cara.


5. Um abraço amigo para o Jorge Picado, Manuel Peredo, Colaço, José Dinis, Jorge Cabral, Joaquim Mexia Alves e António Graça Abreu. Todos com a sua opinião, sem se esconderem no anonimato, contribuíram para um melhor esclarecimento da situação de Guilege e Gadamael.

Para ti, amigo Luís, deixo a liberdade não publicares o que consideres menos próprio.

Um abraço
Manuel Reis
Ex-Alf Mil
CCAV 8350
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3788: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (1): Depoimento de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)

Vd. primeiro poste da série de 30 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3818: Apontamentos sobre Guileje e Gadamael (Manuel Reis) (1): Gadamael, eu te amo, eu te odeio

Guiné 63/74 - P3834: História da CCAÇ 2679 (13): Imagens de Nova Lamego (José Manuel Dinis)

1. Mensagem de José Manuel M. Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 29 de Janeiro de 2009:

Caros editores,
Aí vai mais um pedaço da saga africana, na Guiné, que me proporcionou deambulagens exóticas, com os desafios de um backpacker armado, austero e mais atento aos trilhos, do que é costume para o vulgar mochileiro.
Um abraço.

Coluna - imagens de Nova Lamego

As deslocações a Nova Lamego, em serviço de escolta às colunas do BArt, eram, geralmente, bem quistas, porque o perigo era reduzido, a deslocação em viatura não causava esforço, e, naquela localidade, havia alguns estabelecimentos comerciais e bares-restaurantes, onde era possível satisfazer algumas necessidades.
De facto, as lojas eram verdadeiras cantinas africanas, com uma indescritível parafernália de artigos para venda, pilhas para rádios, rádios e gravadores, máquinas e rolos de fotografia, chinelos, sabonetes, cuecas, meias e outras vestimentas, mosquiteiros e repelentes, copos, tachos e panelas, drogarias, tabaco e isqueiros, canetas, papel e envelopes, mais artigos alimentares, panos e roupas diversas, bugigangas, mercadorias que tinham como público-alvo, o pessoal da tropa, mas, também, os residentes, os guineenses que ali depositavam as suas economias, em troca da satisfação que os produtos manufacturados proporcionavam, na tradição mercantil dos portugueses. Nas ruas deambulavam militares e civis, com vagares, trocando impressões, ou protegiam-se do calor por baixo dos alpendres coloniais. Todos os dias convergiam tropas de diversas proveniências, conferindo-lhe uma relativa importância no leste da provincia.

À entrada da terra, vindo de Piche, no primeiro cruzamento à direita, no gaveto, situava-se um bar restaurante, de aspecto mal cuidado, mas onde a tropa afogava a sede, garantindo a prosperidade do proprietário, homem metropolitano, trabalhador incansável, coadjuvado por duas filhas, em idade namoradeira, robustas e alegres, que se movimentavam com desenvoltura difícil de acreditar para os corpos tão adiposos com que Nosso Senhor as dotara. GMC e Unimog, foram assim baptizadas. Corria entre a malta, que o pai oferecia um mercedes a quem se alcandorasse à categoria de genro.

Nova Lamego dispunha-se por duas paralelas, a estrada para Bafatá, e a rua principal, ligadas por três ou quatro transversais, a noventa graus, onde se encontravam os serviços, o comércio e a tropa, circundada pelo tabancal. Pela mesma rua chegava-se à rua principal. No seu prolongamento, entrava-se na estrada para Bajocunda, quase em desuso. À direita, a partir do cruzamento, via-se o edificio da Administração, no termo da rua, o mais imponente, com dois pisos, de arquitectura colonial, simples e bonita, bem conservado, onde passei a primeira noite de mato, num colchão insuflável. Antes da Administração, pontificava o cinema local.
Se, no mesmo cruzamento, optássemos por virar à esquerda, entávamos na área mais buliçosa, onde ficavam os melhores estabelecimentos e os mais frequentados bares. Era o coração e o pulmão da terra.

De entre as lojas, destacava-se o libanês, onde se encontrava a mais variada mercadoria, ou podia-se adquiri-la por encomenda. O libanês não tinha mãos a medir, com a ajuda de um empregado guinéo, e, por vezes, da esposa. Jovem, bonita, elegante e de olhar tímido, passava a maior parte do tempo no reduto da casa, protegida dos olhares comilões, por isso, quando se dava a ver, parecia que chegávamos à porta do céu. Constituía a maior atracção local, e nunca me dei conta de qualquer falta de respeito.
Acolitavam o estabelecimento, um bar-restaurante, malaprontado como era tradição africana em ambientes rurais, e outra loja-bazar. Em frente ficavam instalações militares e o comando do sítio.
A rua saía da localidade, no sentido oeste, com direcção a Sonaco, Pirada e Bajocunda. Estas últimas, atingiam-se por um desvio a NE, e alongavam a distância para as atingir, mas a estrada era melhor e mais segura, em relação à que se dirigia directamente para Bajocunda. À saída do Gabu, do lado direito, situava-se um restaurante que frequentei, onde se comia coelho, uma ementa rara na Guiné, onde, provavelmete, não se criavam, e, dizia-se, seria gato por coelho.

Notícia incómoda

Chegámos do Gabu pelas catorze horas, e ainda atacava a sopa leofilizada e o esparguete requentado, mai-los estilhaços, quando me chamaram ao Major de Operações, que mandou seguirmos certa direcção, perto do Corubal, onde teriam sido detectados movimentos do IN. Reunido o Pelotão, estava a andar, alterando o passo de corrida, com a marcha acelerada, que nem tótós, não fossem os turras ser despachados e desandassem das coordenadas. Ouvia-se um toc-toc dos cantis que balanceavam, debaixo do sol da canícula, e durante a digestão, do que resultou, em pouco tempo, estarmos sem água.
Tornou-se penosa a progressão. No fim da época sêca, não se vislumbrava água em qualquer lado. Até que, tive a iniciativa de, com as mãos, cavar a superfície de uma bolanha, o que permitiu encontrar alguma água, sob a forma de lama. Mergulhei o cantil na aguadilha, coloquei o lenço no bocal para filtrar, e chupei a água maldita. Do IN não tivémos notícia, pelo que regressámos ao quartel, já com o pôr-do-sol, exaustos da correria e da secura.
Dirigi-me ao bar, onde pedi e emborquei uma lata de leite concentrado holandês, dois furinhos, e fazia pof quando caía no estômago. Para acalmar tanta doçura, assentei-lhe com um wisky duplo, acomodando-me à satisfação do alimento.
Depois sim, o desejado banho, a higienizar-me para o jantar, refeição intercalar até ao cabrito da seia, cuja estória já é conhecida. Podia, ainda, haver emissora, conversas com copos, jogatana, qualquer motivação para passar o tempo.

A suite 3

A suite três era a designação do quarto em Piche, onde pernoitei naquela localidade. Tinha cinco camas, uma delas para o Zé Tito, meu companheiro na saga militar, e amigo da juventude.
Era um quarto simpático, onde todos eram bem quistos, podia-se beber um copo, participar em conversas sobre qualquer assunto, ouvir uma musiquinha, ler um livro ou uma novela do Corin Tellado, ou alinhar numa petisqueira. Eram boas as ceias de cabrito. A acompanhar, cerveja, vinho branco do Reno, whisky, gin e conhaque, porque em Piche ninguém morria de sede.
A parede da cabeceira das camas estava preenchida com fotografias de meninas, extraídas dos playboys, que nos lembravam permanentemente haver mundos diferenres à nossa espera. Era o trivial, na Guiné.
À porta, colada, uma fotografia do popular Jerry Lewis, a piscar o olho, sobre a seguinte legenda: nem só de pão vive o homem, irmão, sobre um fundo de garrafas coloridas.

E esta frase continha duas premissas, uma, a de que nos tratávamos como irmãos, a outra, a de que no interior, sempre poderíamos achar uma pinguinha para as maleitas da alma.

As mesas, eram derivados de caixotes de bacalhau, ou secções de troncos grossos, com pés do mesmo material, envernizadas para embelezar. Um rusticismo antecipado relativamente ao mobiliário barato que proliferou nos anos setenta.

Também era ali que o pessoal se mascarava para representações chalaceiras, de que o barbeiro, lugar de amplo espectro para discutir, vai representado com fotografia. Cada um improvisava o seu papel, as coisas fluiam, do futebol à política, da padralhada à vida familiar. O único limite era a imaginação.
Foi, também, a sede e estúdio da RVFM.
Uma ocasião, o Drácula passava revista ao aquartelamento, e reagiu prepotentemente ao piscar de olho do J.Lewis, decretando que a fotografia fosse removida, e mantida a decência no estabelecimento militar.



O Faria

Oriundo de Câmara de Lobos, terra piscatória onde pontificava e pontifica "A Coral", estreita-se entre uma pequenina enseada e porto de abrigo, e a colina que, trepando, ou mais facilmente, de viatura, sobe até ao lugar do Estreito, também famoso pelas espetadas, mas, onde nunca comi com satisfação, e quase me despedia da dentadura, por via dos rijos nacos da carne, mas de onde se pode desfrutar de grande vista para a costa e o mar, balizada pelo imponente Cabo Girão.

O António Avelino Faria cumpriu a vida militar, de modo tão discreto quanto possível. Não era pessoa para grandes coboiadas e exuberância, nem evidentes iniciativas. As coisas podiam estar como estavam, que ele não interferia. Se não fosse essa personalidade de reserva, dir-se-ia que teria adoptado uma postura para não dar nas vistas. Mas não era bicho-do-mato.
Foi ele, talvez, o mais crítico dos elementos do grupo, mesmo sem falar, conservando uma distância, e recordo-lhe o olhar de viés, como quem não concorda com alguma coisa. E resmungava, em atitude que também pode ser salutar, e nunca causou perturbação.
Fez o que todos fizeram, alinhou sempre, e cumpriu a sua missão com qualidade suficiente.

A última vez que o vi, há quatro ou cinco anos, estava junto do seu táxi, e foi como se o tempo não tivesse passado, como se estivéssemos próximo todos os dias, sem qualquer efusividade nos cumprimentos.
O Faria era educado, confiável, responsável e trabalhador, mas do género fleumático.
Hoje foi o primeiro retrato, dos que tentarei fazer dos nossos cabos. Não há qualquerb ordem para o efeito. Apenas não posso incluir todos no mesmo texto, e ainda há muito para digitar, pelo que, vão servir de ilustração aos diferentes episódios.

Mais adiante, quando chegarmos às páginas do Jagudi, jornalzinho publicado em Bajocunda, e depararmos com as "Figuras do Foxtrot", rubrica do Timóteo Andrade, melhor compreenderemos, a alegria, a energia, a generosidade e a solidariedade do pelotão.

A fotografia tirada a bordo do Uíge, a caminho de Bissau, retrata, da esquerda para a direita, o irmão gémeo do Mário, com destino a Cabuca, o Faria, o Valentim, o Mário e o Dinis. De pernas flectidas, o Virgílio Fernandes, estes, elementos do Foxtrot. Bem dispostos, pois claro!
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3746: História da CCAÇ 2679 (12): O Carregamento e a RVFM (José Manuel Dinis)

Guiné 63/74 - P3833: Em busca de... (64) Militares do BCAÇ 3872, Guiné 1971/73 (Luís Borrega)

1. Mensagem de Luís Borrega(*), ex-Fur Mil Cav MA da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72, com data de 27 de Janeiro de 2009:

Naquirda. Corpo di Bo, jametum?

Caro Amigo e Camarada Luís,
venho te pedir que através da solidariedade da nossa Tabanca se podes localizar dois ex-camaradas nossos dos quais perdi os contactos. Vou te contar a história completa:

Quando a minha CCav 2749 foi rendida em Piche, veio para Bissau, mas o GComb que estava destacado em Cambor foi nomeado para ir para Galomaro reforçar a guarnição do BCaç 3872 (isto em Maio de 1972). Como não tinham experiência operacional de combate, fui nomeado para comandar o referido GComb. Todos os pincéis vinham parar para cima de mim. Os outros no Cumeré a comer ostras e eu em Galomaro. Bem, mas a estadia foi gratificante pois conheci uns Furriéis Milicianos espectaculares. Passei bons momentos com os piras. Especialmente havia dois com quem me dava bem. Eram eles o António Albano Madeira Adão e o Catana (António ????). Fiquei padrinho de guerra do Adão e ficámo-nos a escrever até ao fim da Comissão deles. Tinha o contacto telefónico do Adão, mas com a reconversão dos indicativos dos telefones fixos e o aparecimento dos telemóveis fez-me ficar sem contactos. Não sei as especialidades, já esqueci, mas o SPM era 2188. Já tentei através do 12118 e também da Liga dos Combatentes (da qual sou sócio), mas todos os esforços foram vãos. Não há rasto deles na picada.

Como já localizaram camaradas através da Tabanca Grande, agradecia que visses o que puderes fazer. Era manga di ronco se os localizasses.

Djarama
Alfa Bravo
Luis Borrega

2. Comentário de CV

Vamos lá ver Luís, se te podemos ajudar.

Socorrendo-me da utilíssima página do nosso camarada Jorge Santos em http://guerracolonial.home.sapo.pt/, na sua secção Ponto de Encontro, encontrei estes pedidos de contacto:

BCAÇ 3872

Carlos Filipe Coelho da CCS - contacto: ct0408@sapo.pt
Ivo - contactos: 256 383 143 e 916 782 105
Alfredo - contacto: 234 182 186

OBS:
- O Carlos Filipe Coelho é tertuliano da nossa Tabanca Grande
- Ainda da nossa Tabanca e do BCAÇ 3872, temos o Luís Dias, o Juvenal Amado e o Joaquim Guimarães. Se houver mais algum camarada que me tenha escapado, peço desculpa.

CCAÇ 3490

Justino Sousa - contacto: 255 776 190

Deixamos também o habitual pedido à Tertúlia para quem souber de mais contactos de camaradas do BCAÇ 3872, o favor de os indicar ao Luís Borrega.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3699: Tabanca Grande (108): Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72

Vd. último poste da série de 30 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3819: Em busca de... (63): Camaradas e cadastro da CART 676 (Liberal Correia/José Martins)

Guiné 63/74 - P3832: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (7): Bula - Dias de calmaria

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 26 de Janeiro de 2009:

Cá vai mais um capitulo de Viagens... a relembrar mais um pouco das minhas vivências e da história da 2791-FORÇA.

Um abraço
Luis Faria


Bula – Dias de calmaria

Passada a Operação Doninha Parda os GComb da 2791 entraram numa espécie de rotina, se assim devo chamar, fazendo protecção às colunas de viaturas civis na estrada João Landim-S.Vicente, patrulhamentos seguidos de emboscadas diurnas e nocturnas, algumas acções de observação, policiamento e busca na Vila e também serviço ao aquartelamento (que me lembre nunca fiz um!). Os pontos base de emboscadas diárias eram os chamados km10 - km6 - km4 - km2, onde o grau de periculosidade era decrescente. Quando me calhava, processava-se assim: de manhã saíamos nos unimogues (404?) em direcção a S.Vicente, dávamos a volta no largo junto ao rio e no regresso deixávamos pessoal no K10, recolhíamos o que lá estava e assim sucessivamente.

Nestas andanças sempre ocupei o lugar do morto, semi-sentado nas costas do banco com a G3 apoiada no parabrisas e com o pé direito no guardalamas, pronto a fazer fogo e a saltar. Procedia assim, porque sentia que mais facilmente podia detectar uma emboscada (ângulo de visão periférico melhor) e reagir, para além de julgar dar mais confiança ao condutor que se podia concentrar na condução.

Numa das vezes estava na viatura pronto para a saída, e o Comandante Ten Cor Andrade (a quem demos a alcunha de cabeça torta ou dez para o meio-dia, por andar sempre com a cabeça inclinada sobre o ombro direito) ao ver-me obrigou-me a ir para o banco, com o velho argumento de que um graduado fazia mais falta. Claro que foi só até sair da vista! Creio aliás que outros graduados da Companhia procediam de modo idêntico. Era contra as normas? Pois era mas nós também éramos diferentes!!! Éramos uma Companhia de Tropa Macaca/Caga e Tosse, mas diferente. E por sermos diferentes fomos usados e abusados.

Durante estas patrulhas e emboscadas que duravam 24/36 horas presenciei situações que de certo modo cortavam a monotonia pela negativa ou pela positiva. No K2, zona não minada, os terrenos laterais eram lavrados, com alguma vegetação arbustiva, algumas palmeiras e ajuntamentos de árvores de médio porte. Diariamente via–se população nas suas andanças e um dia reparo num nativo que do outro lado da estrada trepa a uma palmeira como um gato. Nunca tal tinha visto… fiquei maravilhado e não desviava os olhos dele. Chegou ao topo num ápice e passados uns minutos, vejo-o cair e estatelar-se no chão! É evacuado, não recordo a sorte dele. Pelos vistos tinha dado de caras com uma cobra cuspideira e segundo me informaram, quando isso acontecia, preferiam deixar-se cair a serem atacados pois teriam mais probabilidades de sobrevivencia!?

De outra vez no k6, zona perigosa de passagem IN, estou no lado Leste da estrada empoleirado numa cabaceira (embondeiro?) a vigiar a orla da mata. Ouço um restolhar, ponho-me à defesa e vejo um grupo de macacos, julgo que saguis, adultos e jovens brincalhões, avançar pelo capinzal fazendo aquela restolhada. Pena não ter máquina fotográfica à mão. Chegados à berma da estrada, o grupo parou e o que seria chefe espreitou para um e outro lado e atravessou a correr. Chegado ao outro lado voltou a espreitar e logo de seguida os que tinham ficado à espera, começando pelos pequenos, atravessaram também de corrida e em fila indiana. Também nunca tinha visto e achei uma delícia!

Por falar nestas cabaceiras, um dia talvez o mesmo dos macacos, resolvi partir um cabaço ao meio para ver como era o interior e para que serviria. Se bem pensei, melhor o fiz. Peguei nela e zás... na coxa com força! F… ia partindo o femur, era rija p´ra c… nunca mais experimentei e fiquei até hoje sem saber qual a utilidade daquela árvore para além de proporcionar um óptimo abrigo!!!

Estava no K2 ou 4, quando um soldado, Cancêlo de seu nome, me chama e diz que parece haver uma mina na zona em que iamos emboscar. Dirijo-me para o sítio, vejo a terra com aspecto disfarçado de ter sido remexida, mando afastar o pessoal, pego na minha faca e com os cuidados inerentes começo a picar como mandavam as regras. Encontro a dita mina que era… uma lata de coca-cola e ainda por cima vazia. Trabalho feito, não era mina, ainda bem! Só que pelos vistos o pessoal ria-se à socapa já que, só há pouco tempo o soube, tinham sido eles a plantar a mina! Deste episódio de há 37 anos, não me recordava e foi-me contado por ele, Cancelo à altura apontador de morteiro 60, valente e ainda hoje boa praça com quem me encontro várias vezes ao ano em cerimónias que juntam uma dúzia de Forças e a quem tambem já pedi contributos para a Historia da CCaç 2791 (Força), mas sem resultados até hoje.

Houve também situações tensas em que durante a noite pedíamos à rapaziada da Artilharia batimento de zona pelos obuses, já que não se via nada e pressentíamos a passagem de guerrilheiros. Dávamos as coordenadas e íamos para as bermas da estrada, com a certeza de que aí não nos cairia em cima nenhuma granada, pois os batimentos eram de proximidade. Poucos minutos depois, ouvia a saída, depois o silvo e o rebentamento com o seu clarão. Era espectacular e por vezes apetecia-me pedir mais tiros só para sentir o espectáculo!

Nas acções de vigilância e policiamento, digamos assim, a Bula, fui conhecendo melhor os meandros da povoação e sentindo os sítios de provável acolhimento do IN, com uma ou outra corrida e inspecção a moranças, mas sempre sem resultados. Estas acções fi-las a nível de GComb pois havia o risco de intercepção de grupos IN vindos das matas de P.Matar, Uasse. Às vezes emboscava na zona do cemitério, um dos trilhos de entrada e onde houve contactos, não com o meus rapazes.

E assim ia passando os dias, entremeados com umas voltas pela povoação, bebendo uns copos, comendo uns petiscos, dedilhando umas músicas e fazendo umas cerimónias com o pessoal.

Bula > Faria e baga-baga

Bula > Tasca do Silva(?) > Faria, Urbano e Barros

Bula > Tasca do Silva(?) > Fontinha, Faria e Chaves

Bula > Mercado

Bula > Faria no quarto

Bula > Quartel > Alexandre(?), Castro, Augusto e Faria

Fotos e legendas: © Luís Faria (2009). Direitos reservados.


Um abraço a todos
Luis Faria
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3694: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (6): Objectivo: Choquemone, 17NOV70

Guiné 63/74 - P3831: Tabanca Grande (110): João Seabra, ex-Alf Mil da CCAV 8350, Guileje, 1972/73


1. Mensagem de João Seabra (*), ex-Alf Mil da CCAV 8350,  Guileje, 1972/73, com data de 26 de Janeiro de 2009:

Luís,

Já respondi aos comentários que a minha mensagem suscitou.

É-me perfeitamente indiferente que me chamem cobarde, herói, ou nem tanto nem tão-pouco. A única coisa que me repugna é que me representem – ou eu próprio involuntariamente me apresente – como ex-coitadinho.

Não posso deixar de aceitar o amável convite para que integre a Tabanca. Mas também não posso prometer ser um participante muito assíduo. Limitarei as minhas próximas intervenções (as quais ocorrerão depois da publicação do pastelão) ao estritamente necessário para esclarecer a questão de Guileje/Gadamael.

Penso que, aliás, que o pastelão e o relato do Manuel Reis, são complementares, mais morteiro 120 mm, menos morteiro 82mm (que até poderá ter sido usado). Não sei se o regresso dele foi às 12h, 13h (ou às 12.22h ou às 12.59h): regressou quando acabou a grande flagelação de morteiro 120mm da manhã de dia 1/6/73, na sequência da qual a maior parte da guarnição fugiu efectivamente para o Tarrafo, e daí a maior parte foi para Cacine e alguns regressaram ao quartel.

Os dois capitães foram, mais precisamente, feridos no dia 1/6/73, pelas 11,00h. Os dois simultaneamente, porque estavam ambos no único abrigo que havia em Gadamael: o das Transmissões.

Procurarei usar da urbanidade desejável, o que poderá não excluir alguma nota de humor ou ironia.

Só tenho duas fotografias da Guiné – ambas no Cumbijã, gozando da hospitalidade do nosso amigo Vasco da Gama.

Também não tenho nenhuma fotografia actual tipo passe, vai então uma das últimas férias.

Não sei se as digitalizações em anexo ficam publicáveis.


João Seabra no Cumbijã

Abraço
João Seabra

2. Comentário de CV:

Caro camarada João Seabra, não te convido a entrar, porque já fazes parte da família. Desejo que ao contrário do que dizes, participes com regularidade no nosso Blogue, isto não prejudicando a tua actividade profissional, não só quando se fale de Guileje, mas também quando se fale de outros assuntos relacionados com a nossa passagem pela Guiné.

Em nome da Tertúlia da Tabanca Grande deixo-te os habituais, mas indispensáveis votos de boas-vindas.
__________

Nota de CV:

(*) Vd. postes de

23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3782: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (18): Obrigou-se o PAIGC a combater em Gadamael... (João Seabra)

27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)

Vd. último poste da série de23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3784: Tabanca Grande (109): Manuel Rodrigues, ex-Fur Mil Mec Auto Rodas da CCAÇ 3491, Dulombi e Galomaro, 1971/74

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3830: Blogoterapia (88): Os nossos sentimentos contraditórios (Virgínio Briote)

1. Mensagem de Virgínio Briote (*), ex-Alf Mil Comando, CCAV 489/BCAV 490, Guiné 1965/67, com data de 1 de Fevereiro de 2009:

Foi apenas um comentário ao artigo do Mexia Alves, Camarada que aprecio ler na coerência que defende, sempre de uma forma honesta e leal . Não julgo que merecia um artigo. Saiu das contradições que tenho, da forma como vejo a minha participação na Guerra na Guiné. Com declarações de apoio ou de repulsa, está feito, não há mais nada a declarar.

Penso, no entanto que devo uma explicação (**). Quando me referi ao meu familiar, desertor, de quem fui muito amigo (já morreu) e ao meu irmão, limitei-me a relatar a contradição de uma família feita de "nacionalistas" e "oposicionistas", para utilizar a linguagem da época. E limitei-me a descrever os sentimentos que me assaltaram.

O nosso blogue tem também, para não dizer principalmente, um efeito desbloqueador de sentimentos. Juntar ex-combatentes, ajudá-los a reencontrarem-se com a sua própria história, que é a História do Portugal daqueles anos. E de que não tenho vergonha, acrescento, independentemente do governo e das oposições de então.

No meu comentário não pretendi fazer qualquer censura aos que, por qualquer motivo, decidiram sair do país. Da mesma forma, não foi minha intenção denegrir nem as vozes dos locutores, nem as músicas que se ouviam.

O que pretendi foi dizer que ainda me lembro do que vi, ouvi e senti nesses tempos. E que continuo a sentir. É uma cultura que tem raízes, não vem de agora. Na minha adolescência convivi com dois ex-combatentes na Flandres. Ouvia-os falar dos gases, das metralhadoras, dos capacetes alemães, do frio que lhes queimava os dedos. E via-os doentes, abandonados pelo Estado, amparados pelas famílias.

Nos EUA, Inglaterra, Canadá, Austrália, França, até na Alemanha da época hitleriana, honram-se os soldados que combateram pelas suas pátrias, procedem-se a cerimónias anuais, com veteranos, filhos, netos, governantes e oposição presentes. Os cemitérios são tratados como os outros, com respeito.

Cemitérios da mesma guerra na Normandia: alemão, aliados e americano

VB
__________

Notas de CV

(*) Vd. último poste de 31 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3824: (Ex)citações (14): Foi bom que a guerra tenha acabado, mas não foi por este país que eu combati (Virgínio Briote)

(**) Vd. último poste desta sérioe, Blogoterapia > 30 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3820: Blogoterapia (87) : O nosso (às vezes, triste) fado... (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P3829: Convite da A25A/RTP: Sessão de apresentação do sítio Guerra Colonial, Academia Militar, Amadora, 4ª feira, dia 4, às 16h


1. Mail do Pedro Lauret, membro do nosso blogue, neste fim de semana:

"Segue convite para a apresentação do site http://www.guerracolonial.org/. Gostaria de o tornar extensivo a toda a nossa tertúlia. Como achas que podemos fazer? Se o quiseres reenviar eu ficaria grato. Aguardo noticias. Um abraço. Pedro Lauret".

O convite chegou-nos, em nome do presidente da Associação 25 de Abril (A25A) e do presidente do Conselho de Administração da Rádio Televisão Portuguesa (RTP), para a sessão de apresentação de: (i) sítio Guerra Colonial (http://www.guerracolonial.org/), da iniciativa da A25A, e em colaboração com a RTP; (ii) página de documentários sobre a Guerra Colonial, alojada no site da RTP (http://www.rtp.pt/).

A sessão terá lugar no Auditório da Academia Militar, na Amadora, na apróxima 4* feira, dia 4 de Fevereiro de 2009, pelas 16.00 horas, e a sua apresentação estará a cargo do Major-General Pedro Pezarat Correia e do Capitão-de-Mar-e-Guerra Pedro Cunha Lauret.

A cerimónia será presidida pelo Ministro da Defesa, sendo anfitrião o Chefe do Estado-Maior do Exército.

Se possível, confirma a tua presença através do Telefone 213 241 420.





2. Comentário de L.G.:

O blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné associa-se a esta iniciativa, convidando todos os membros da nossa Tabanca Grande bem como os demais amigos e camaradas da Guiné, a comparecer na Academia Militar, aquartelamento da Amadora, à supracitada sessão.

Sabemos que a hora não é a mais conveniente para quem ainda trabalha. Mesmo assim, será bom que os ex-combatentes da Guiné, com destaque para a malta do nosso blogue, possam fazer sentir a sua presença.

Eles, os nossos camaradas da Guiné, mais que ninguém, são a memória viva da guerra colonial ou do ultramar. Eles e os camaradas que estiveram nas outras frentes (Angola e Moçambique). Infelizmente, no arquivo da RTP, não há muitas imagens da Guiné (*). Seria curioso saber porquê. Para documentar a guerra da Guiné, vai-se buscar filmes de arquivos estrangeiros, como por exemplo o do Institut National de l'Audiovisuel (INA), francês.

A guerra da Guiné não teve, entre nós, o mesmo impacto mediático da guerra em Angola, no seu início, em 1961. Por exemplo, nenhum operador de câmara, português, civil, da RTP, conseguiu apanhar imagens dramáticas como as da ORTF, que passaram na reportagem sobre a Operação Ostra Amarga (**).

De qualquer modo, com as limitações que apresenta o - mesmo assim vasto e rico - arquivo RTP, no que diz respeito à guerra colonial/ guerra do ultramar, aqueles filmes de documentário, aqueles imagens dos repórteres da RTP, também nos pertencem. E há muito que deveriam estar disponíveis 'on line'...

A RTP cumpre a sua missão de serviço público. Tardiamente, mas cumpre. Nunca é tarde para o fazer. A nós compete-nos também mostrar reconhecimento por esse facto, sem perda da nossa independência, do nosso espírito crítico e da nossa especificidade. Como consta do nosso blogue, não somos historiadores, jornalistas ou investigadores, nem temos nenhuma bandeira. Isso não nos impede de estar gratos pela conjugação de esforços de entidades e de pessoas como, por exemplo, o Pedro Lauret (A25A) e o Joaquim Furtado (RTP), que tornaram possível este site e puseram à nossa disposição um vasto conjunto de recursos que vamos explorar e apreciar, com emoção, sensibilidade e espírito crítico. Haverá naturalmente outros públicos-alvo como os nossos filhos e netos que andam na escola, e a quem deve ser transmitida a memória e a história do nosso país, incluindo a guerra colonial/guerra do ultramar (1961-1974).

Eu, pelo menos, estarei lá, no anfiteatro da Academia Militar, na Amadora, às 16h em ponto, para ver e ouvir. A cerimónia terá, seguramente, boa cobertura televisiva, pelo menos por parte da RTP (daí a hora, um pouco estranha, que consta do convite). Até 4ª feira.

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. a página de Multimédia do sítio Guerra Colonial (que, de resto, apresenta de deficiências na reprodução do som, há filmes que ainda não estão disponóveis, e que portanto ainda está em fase de edição e de afinação):

Galeria Multimédia

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Portugal e a ONU - Caso Angola
Guerra e Sociedade - Resistências
Do ímpasse ao litígio - A ONU e Portugal
Política de Defesa - A Viragem
Oposição - Convicções e hesitações
Igreja Católica - Colaboração e resistência
Envolvimento politico dos militares - O Movimento dos Capitães
O 25 de Abril e o fim do Império

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Moçambique - Teatro de Operações

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Quartéis - Capelas Imperfeitas
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Feridas de Guerra - Mortos, feridos e prisioneiros
Feridas de Guerra, Deficientes

» Cerimoniais

O Embarque
O 10 de Junho

Vd também poste de 4 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3701: Blogues da Nossa Blogosfera (12): Portal Guerra Colonial, da A25A (Pedro Lauret)

(**) Sobre a Operação Ostra Amarga, vd. postes de:

8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2249: Vídeos da guerra (2): Uma das raras cenas de combate, filmadas ao vivo (ORTF, 1969, c. 14 m) (Luís Graça / Virgínio Briote)

8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2250: Vídeos da guerra (3): Bastidores da Op Ostra Amarga ou Op Paris Match (Bula, 18Out1969) (Virgínio Briote / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P3828: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (1): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 1-2

Capa da revista mensal, editada em francês, PAIGC Actualités (dedicado à vida e à luta na Guiné e Cabo Verde), nº 54, Outubro de 1973. Título (em cima): "Reunida a 24 de Setembro, na região do Boé, a 1ª Assembleia Nacional Popular da história do nosso povo proclamou às 8h55 GMT o Estado da Guiné-Bissau".

A capa traz em grande plano a imagem de Amílcar Cabral, "o líder muito amado do nosso povo", que foi proclamado "fundador da Nação", tendo passado o dia do seu nascimento (12 de Setembro) a ser feriado nacional.

Imagens da cerimónia de proclamação da independência no Boé. Legenda (em cima): "O comandante João Bernardo Vieira, membro do Secretariado Permanente do nosso Partido, foi eleito Presidente da Assembleia Nacional Popular (ANP)".


Legenda: "Depois de ter pronunciado as palavras históricas que consagraram o nascimento do nosso Estado, o Presidente da ANP recebeu, de um destacamento das nossas Forças Armadas Revolucionárias do Povo, a bandeira nacional do novo Estado: é constituída por três bandas, de superfícies iguais, sendo uma vermela disposta verticalmente e com uma estrela negra nela afixada. As outras duas bandas estão dispostas horizontalmente, a superior de cor amarela e a inferior de cor verde".

Artigos 28, 29 e 30 da Constituição da República da Guiné-Bissau, relativos à Assembleia Nacional Popular (ANP).


Lista dos restantes deputados eleitos para a presidência da ANP. Entre eles, uma mulher, felizmente ainda hoje viva, Carmen Pereira, uma referência moral do PAIGC e uma lenda viva da luta de libertação, que alguns de nós, portugueses, tivemos o privilégio de conhecer pessoalmente em Bissau, por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje (1-7 de Março de 2008).

Tradução do francês: L.G.

Imagens: © Magalhães Ribeiro / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.

1. O nosso camarada Eduardo Magalhães Ribeiro (o pira de Mansoa, como ele gosta de se chamar) tem-nos enviado alguns documentos digitalizados, respeitantes ao PAIGC. Ele tem espírito de coleccionador e gosta de partilhar com os seus camaradas as coisas interessantes que tem no seu espólio, relativas à Guiné e à guerra que lá travámos.

Vamos começar por apresentar as duas primeiras páginas da revista, em francês, PAIGC - Actualités, nº 54, de Outubro de 1973, e que foi dedicada à proclamação da República da Guiné-Bissau, na região do Boé.

O Magalhães Ribeiro, que trabalha da EDP - Porto, tem desde Etembro de 2008 um blogue > Coisas do MR , dedicado a Operações Especiais / Rangers de Portugal / Guerra do Ultramar.

Na sua mensagem aos editores, ele escreveu:

"Anexo o 2º panfleto desdobrável, emitido pelo PAIGC, com o nº 54 com data de Outubro de 1973, que penso ter sido dos mais importantes, que o mesmo parttido africano publicou durante o período da guerra. Este diz respeito à declaração do Estado da Guiné-Bissau e é formado por 8 páginas. Um abraço amigo do Pira de Mansoa, M.R.".

A divulgação, no nosso blogue, deste material (que no passado as NT consideravam como "propaganda do IN"), tem apenas um intuito informativo, documental, historiográfico e cultural. São documentos que interessam aos nossos dois povos, que partilham uma história e uma língua.

Alguns dos nossos camaradas que nessa época estavam na Guiné deram-se conta do acontecimento (a proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau, por parte do PAIGC) e das suas eventuais implicações, diplomáticas, políticas e militares. Sempre bem informado, o António Graça de Abreu, que era Alf Mil do CAOP1, escreveu o seguinte apontamento do seu diário, na véspera de ir de férias à Metrópole, pela terceira (e última vez):

"Cufar, 26 de Setembro de 1974: O PAIGC declarou ontem a independência. Por aqui nada mudou a não ser que agora, oficialmente, somos nós portugueses quem está a ocupar a pátria deles"... (In Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura. Lisboa: Guerra & Paz. 2007. p. 149).

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3827: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (4): Nhamo, nano... / Direita, esquerda...





1. Continuação da publicação do Dicionário Fula/Português, organizado pelo nosso camarada Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav MA da CCAV 2749/BCAV 2922 (Piche, 1970/72).

IV arte da lista de vocábulos em dialecto fula (e respectiva tradução em português) (*), recolhidos em resultado de conversas com o seu amigo Cherno Al Hadj Mamangari, que vivia em Cambor, a nordeste de Piche. Como já foi dito, o título Al Hadj é dado ao crente muçulmano, depois de regressar da sua peregrinação a Meca.


2. Comentário de Carlos Silva (ex-Fur Mil, Caç 2548/BCaç 2879, Farim, 1969/71, advogado de muitos guineenses da diáspora, residente em Massamá, animador do sítio Guerra da Guiné 63/74 por Carlos Silva:


Acabo de ler o o Post 3785 sobre o Dicionário Fula/Portugês (*).

Devo dizer que ainda comecei a fazer um trabalho desses com a colaboração dos nossos amigos fulas da diáspora e outros que me são próximos, ainda dediquei muitas horas ao assunto, mas cheguei à conclusão que, não sendo especialista em linguísta, não valia a pena prosseguir com o trabalho, pois as dificuldades são muitas, na medida em que cerca 30 ou 40 amigos contactados e com boa vontade de me ensinarem a sua língua mãe fula, pois até me ofereceram livros com tradução Fula/Francês do Senegal, mesmo assim não consegui, porque cada um pronuncia e escreve a palavra de modo diferente.

Passei horas a trocar impressões com eles sobre essa diferença, então lá me explicavam, que há várias famílias de fulas, conforme sabemos, e que as pronúncias eram diferentes também, tal como aqui em Portugal entre alfacinhas, tripeiros, alentejanos e algarvios.

No entanto, e correspondendo ao teu apelo [, Luís, ] aqui vai um mini dicionário Fula/Português, em Word elaborado por mim, com a colaboração dos tais meus/nossos amigos, através do qual já podes ver algumas diferenças com as palavras do blogue. Nhonhaludá - Nháluda e muitas outras palavras.

Com um abraço

Carlos Silva

3. Comentário de L.G.:

Obrigado, Carlos. O teu minidicionário fula / português será publicado oportunamente. Ainda falta publicar a 5ª e última parte desta série. Concordo contigo que isto é tarefa para especialistas. Mas o esforço de camaradas como o Luís Borrega, o Carlos Silva e outros deve e pode merecer o nosso apreço e o nosso aplauso... Admito que esta recolha, feita por um não-especialista, possa ser útil a alguém (um falante da língua portuguesa que queira comunicar com outro falante da língua fula ou vice-versa)... LG

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Nota de L.G.

(*) Vd. postes anteriores desta série:

24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3785: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (1): Nafinda, nháluda, naquirda... Bom dia, boa tarde, boa noite...

24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3786: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (2): Gô, Didi, Tati, Nai, Joi.../ Um, Dois, Três, Quatro, Cinco...

26 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3798: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (3): Jungo, neuréjungo, ondo... / Braço, mão, dedo, ...