terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3835: Apontamentos sobre Guileje e Gadamael (Manuel Reis) (2): Resposta aos comentários no P3788

Mensagem de Manuel Reis, com data de 2 de Fevereiro de 2008:

Apontamentos de Guileje e Gadamel, 1973 (P3788, Manuel Reis, Ex-Alf Mil CCAV 8350).

Caro Luís:
Sinto-me na obrigação de vir a terreno para fazer uns breves comentários aos comentários que foram feitos à minha mensagem (P 3788*), na sua maioria feitos por anónimos.


1. Manuel Peredo:
O teu comentário tem razão de ser, não fui devidamente preciso: A impossibilidade de saída refere-se à saída da vala, quando pretendiam efectuar qualquer missão. Partilhava a mesma vala. Foram muitas as vezes em que saíram da vala e foram de imediato alvejados, o que vos obrigava a voltar à vala. Após algumas tentativas frustradas acabavam por sair do aquartelamento e cumprir a missão.

Ao dizeres que se estava melhor na mata do que no aquartelamento, estás a referir-te à dificuldade de movimentação dentro do aquartelamento. Concordo contigo em parte, pois não esqueço os camaradas mortos na mata, a 500 metros do arame farpado. Aliás a vós se deveu a recuperação destes corpos, chegaram pouco tempo depois da emboscada se ter desencadeado. Eu sei lá, onde se estava melhor!


2. António da Graça Abreu
Não me parece importante dizer o nome do novo Comandante do COP 5 e não sou eu que irei colocar em causa a sua bravura e muito menos a sua competência profissional. Não me compete julgar ou emitir juízos de valor. O que eu disse e repito, são factos: A partir do dia 2 de Junho até meados de Julho, altura em que a C CAV 8350 saiu de Gadamael, nunca mais foi visto. Isto no momento mais crítico de Gadamael e em que mais precisávamos dele. Dizes que tinha terminado a Comissão e eu só posso dizer: Pura coincidência e azar nosso.

Respeito a tua opinião, mas em 1973 o PAIGC tinha uma força militar superior à nossa. Possuía armamento já bastante sofisticado, carros de combate e até aviões que aguardavam a preparação de pilotos na URSS (informação carecida de confirmação). E não era por acaso que existia um plano de contracção do dispositivo das NT!

Não sei se Nino era ou não um homem de más previsões. Era e é um militar de convicções, com virtudes e defeitos como todos nós. Não deixa de ser lógica a previsão que ele faz sobre uma hipotética retirada, aliás isto está devidamente explicada na minha mensagem. Outra vez, não!

A transformação da guerra de guerrilha noutro tipo de guerra, por parte do PAIGC, era uma ideia que quase todos os Oficiais do Quadro partilhavam e expuseram publicamente. Porquê tanto espanto?

Nesta guerra não se pode falar em vitórias e derrotas. Todas as guerras de libertação (e foram muitas) tiveram sucesso, independentemente dos seus opositores serem a França, Inglaterra, Alemanha, Holanda, Espanha e Itália. No nosso caso se alguém foi vencido, esse foi o regime político de Lisboa. Mas não é este o tema de debate do nosso Blogue!


3. Anónimo 1
Importa aqui clarificar os meios humanos utilizados nos reabastecimentos: Dois grupos de combate, um grupo de milícias, um pelotão de Artilharia e um grupo de combate de ajuda a cargas e descargas, tanto do lado de Guileje como de Gadamael. O grupo restante ficava de serviço ao aquartelamento e tinha como funções a limpeza do aquartelamento, o fornecimento de água, apoio à cozinha e a segurança nocturna.

Acresce um outro pormenor: Em Guileje ninguém se podia dar ao luxo de sair do aquartelamento sem sair com dois grupos de combate e meia dúzia de milícias, incluindo um guia.

Coutinho e Lima explica, no seu livro, a situação das obras e a necessidade de efectuar o reabastecimento. Na época das chuvas, que se estava a iniciar, Guilege ficava completamente isolado e tornava-se indispensável, para a nossa sobrevivência durante a referida época, efectuar com urgência o reabastecimento tanto em armamento como em géneros alimentícios.

Este foi o factor determinante para uma menor actividade operacional, no que aos patrulhamentos e vigilância diz respeito. Apesar disso ainda recordo um patrulhamento que fiz na picada de Gandembel e outros camaradas também se envolveram noutro tipo de vigilância e/ou patrulhamento.

De Novembro/Dezembro de 1972 até inícios de Maio de 1973 a actividade operacional era idêntica à das Companhias anteriores. Nesse período de tempo tivemos a colaboração, embora fugaz, dos grupos do Marcelino da Mata e do capitão Ramos, grupos meticulosamente preparados para a guerrilha.

Não tivemos qualquer emboscada no reabastecimento até 18 de Maio, tal como tu. A única, coincide com o início dos ataques a Guileje a 18 de Maio. Limitámo-nos a levantar e/ou rebentar umas minas anti-pessoal e anti-carro. Fazíamos o mesmo que tu: Armadilhar, reconhecer e emboscar e para que saibas até uma emboscada montámos no mítico corredor de Guileje. Infrutífera, é um facto, mas estivemos lá. Outra actividade, bastante arriscada foi o reconhecimento do local onde se projectava construir um novo aquartelamento (Quebo). A restante actividade de patrulhamento e segurança já a conheces, julgo que estiveste lá.

Durante a noite, quando o vento soprava de leste e se ouviam viaturas junto à fronteira, os obuses 11,4 despejavam sempre uma dúzia de granadas. Era um tiro no escuro, como dizia o Pinto dos Santos (Ex-Alf Mil Art), já falecido. De uma dessas flagelações fomos informados da destruição de duas viaturas e de dois mortos do PAIGC.


4. Anónimo 2
Guileje caiu porque não cumpriu a sua missão”, afirmas. Esta é a tua opinião e vale o que vale. Para todos nós, que lá vivemos, trabalhámos e sofremos, temos a consciência tranquila do dever cumprido. Todos nós estamos, como sempre estivemos ao lado do nosso Comandante Coutinho e Lima. Não é um homem só, como julgas. Deu sempre a cara, nunca se acobardou como tu no anonimato.

Deitaram-se a dormir e quando acordaram tinham o PAIGC a querer tomar o pequeno almoço”, dizes, no dizer do Comandante. Isto é provocatório, cheira a bafio, lembra outros tempos. Mais palavras para quê?

Não fiques por aí, vem, dá a cara.


5. Um abraço amigo para o Jorge Picado, Manuel Peredo, Colaço, José Dinis, Jorge Cabral, Joaquim Mexia Alves e António Graça Abreu. Todos com a sua opinião, sem se esconderem no anonimato, contribuíram para um melhor esclarecimento da situação de Guilege e Gadamael.

Para ti, amigo Luís, deixo a liberdade não publicares o que consideres menos próprio.

Um abraço
Manuel Reis
Ex-Alf Mil
CCAV 8350
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3788: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (1): Depoimento de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)

Vd. primeiro poste da série de 30 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3818: Apontamentos sobre Guileje e Gadamael (Manuel Reis) (1): Gadamael, eu te amo, eu te odeio

7 comentários:

Anónimo disse...

Caros Amigos fazem de Guilege o centro do mundo como que em vàrios outros Pomtos da Guiné nada se Passa-se.Leia com Atençao e respeitem a Opinao dos Outros. é melhor virarem a Pagina começa a ser um insulto para os nossos colegas que là foram Assasinados pelo Paigc.Hà muitos para vendem os seus livros vao até rebaixarem o nosso Pais. piche 68/70 Bart2857

Anónimo disse...

Agradeço o abraço, retribuo. Delicio-me com a cortesia como respondes aos comentários com a tua verdade vivida, continua a esclarecer nos, porque há e haverá sempre alguém a agradecer.
Um abraço amigo Colaço

Anónimo disse...

Meu caro Reis
Dizes: "Não me compete julgar ou emitir juízos de valor."
Depois afirmas:"Em 1973 o PAIGC tinha uma força militar superior à nossa. Possuía armamento já bastante sofisticado, carros de combate e até aviões."(a confirmar)
A Guiné 1973/74 não era só Guileje e Gadamael. Eu sei que estiveste lá e sofreste barbaridades.
Recordo-te, no filme da Diana Andringa que passou recentemente na RTP 1, as palavras de um velho

Anónimo disse...

Continuo,
velho combatente do PAIGC.
"Os tugas tinham a força, nós tínhamos a razão. Por isso perderam".
Tu continuas a acreditar que o PAIGC tinha a força.
Os tugas somos todos nós, portugueses.
Um abraço,
António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Camaradas e senhor José.
Os vossos textos e os comentários que geram, identificam bem a diferença de ombridade de uns e de outro.
Constata-se que os primeiros, por via da experiência, dos seus conhecimentos, estudos, deduções, entram no blogue com respeito pelos restantes, mesmo considerando a diferença dos seus pontos de vista, fazendo-o com a generosidade de quem apenas se preocupa em ajudar ao esclarecimento das diferentes acções e políticas naquele período da Guiné.
Ninguém está a mais, em princípio. No entanto, o senhor não parece perceber como é mais fácil o relacionamento com camaradagem, em vez das incursões terroristas que vem evidenciando.
Para os primeiros vai um abraço fraterno.
José Dinis

Anónimo disse...

Eu compreendo que os autores da retirada de Guilege procurem justificá-la. Mas já não aceito a rispidez com que são tratados os discordantes.
De qualquer modo são sempre omissos a comentar o que no seu livro, diz Coutinho e Lima, comandante da retirada:
"a partir de 30 de Abr 73 foi solicitada e autorizada ... a redução da actividade operacional da CCav 8350 no sentido de o esforço principal ser orientado para as obras do aquartelamento, que estavam atrasadíssimas; ... só em Abril de 1973 foi autorizada a realização de algumas obras, ou seja, passados mais de 3 meses.
A redução da actividade, ao mínimo, permitiu ao Inimigo fazer os reconhecimentos à vontade e instalar o seu dispositivo sem grandes perturbações o que não teria acontecido se a actividade operacional decorresse no ritmo normal".
As causas estão expliacadas neste texto e é a partir delas e só delas que podem ser analisadas as consequências. Fique pois o Manuel Reis com a sua e o fardo de pertencer à única subunidade que retirou de um aquartelamento.
João Mendes

Luís Graça disse...

O Manuel Reis mandou-me a seguinte mensagem, com data de 10 de Fevereiro:

Caro Luís:

Segue o esclarecimento solicitado, com algum atraso, pelo camarada [João] Mendes (*):

A implicação das obras na reduzida actividade operacional.

O livro de Coutinho e Lima nas páginas de 29 a 32, citando fontes oficiais, é explícito.

A actividade operacional semanal de 21 de Jan 73 a 6 de Maio de 73, no COP5 (não é só Guileje) é considerada "ajustada à sua missão", exceptuando a actividade nocturna em alguns períodos semanais. A partir de 6 de Maio é imperioso fazer o reabastecimento de víveres e armamento, dada a aproximação da época das chuvas. As obras,nessa data, já estavam em andamento e superiormente autorizadas, p.32.

É normal que a outra actividade operacional seja reduzida.(Isto já foi dito e explicado)

Em Gadamael, onde eu estive até meados de Julho [de 1973], assisti ao seguinte: "De 23 a 31 de Maio duas Companhias se Quadrícula" empenharam-se em patrulhamentos diários, com o novo Comandante do COP5 a obrigar-nos a esforços violentos. A partir do dia 31 de Maio foi o caos e a tragédia.

Porque não questionas esta situação?

Porque não questionas as razões do tão elevadao número de mortos nos primeiros dias, para os quais as 13 urnas, que dias antes chegaram de Bissau, foram insufientes, sendo necessário utilizar os bidons de combustível vazios e calafetá-los?

Porque não questionas as razões da macabra emboscada, junto ao arame farpado, que levou 5 dos nossos camaradas?

Porque não questionas a razão da debandada, quase geral?

Porque não questionas o Plano de Evacuação de Gadamel, que chegou a ser posto em execucação?

Sabias que Gadamael se não caiu deve-o ao Batalhão de Paraquedistas [BCP 12] ?

Podes ter uma certeza: Eu ficarei na minha. Mas não constituirá para mim e para a minha Unidade qualquer espécie de "fardo" que teremos de carregar pela vida fora. Outros o terão de fazer!

Para mim bastam-me os sintomas traumáticos das batalhas de Guileje e Gadamael. Os camaradas mortos em Gileje e Gadamael também terei de os transportar comigo para sempre. Eram camaradas meus e morreram a meu lado.

Não pretendo justificar nada. Se há vezes sou agressivo, como dizes, mais não faço do que responder à letra. Foi o que fiz agora.

Um abraço
Manuel Reis
__________

Nota de L.G.:

(*) João Mendes, que não faz parte da lista dos membros da nossa Tabnaca Grande, fez um comentário como "anónimo" ao poste do Manuel Reis. Não temos qualquer contacto dele, nem muito menos endereço de e-mail. Espero que eu nos volte a ler e tome conhecimento da resposta do Manuel Reis.