terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3832: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (7): Bula - Dias de calmaria

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 26 de Janeiro de 2009:

Cá vai mais um capitulo de Viagens... a relembrar mais um pouco das minhas vivências e da história da 2791-FORÇA.

Um abraço
Luis Faria


Bula – Dias de calmaria

Passada a Operação Doninha Parda os GComb da 2791 entraram numa espécie de rotina, se assim devo chamar, fazendo protecção às colunas de viaturas civis na estrada João Landim-S.Vicente, patrulhamentos seguidos de emboscadas diurnas e nocturnas, algumas acções de observação, policiamento e busca na Vila e também serviço ao aquartelamento (que me lembre nunca fiz um!). Os pontos base de emboscadas diárias eram os chamados km10 - km6 - km4 - km2, onde o grau de periculosidade era decrescente. Quando me calhava, processava-se assim: de manhã saíamos nos unimogues (404?) em direcção a S.Vicente, dávamos a volta no largo junto ao rio e no regresso deixávamos pessoal no K10, recolhíamos o que lá estava e assim sucessivamente.

Nestas andanças sempre ocupei o lugar do morto, semi-sentado nas costas do banco com a G3 apoiada no parabrisas e com o pé direito no guardalamas, pronto a fazer fogo e a saltar. Procedia assim, porque sentia que mais facilmente podia detectar uma emboscada (ângulo de visão periférico melhor) e reagir, para além de julgar dar mais confiança ao condutor que se podia concentrar na condução.

Numa das vezes estava na viatura pronto para a saída, e o Comandante Ten Cor Andrade (a quem demos a alcunha de cabeça torta ou dez para o meio-dia, por andar sempre com a cabeça inclinada sobre o ombro direito) ao ver-me obrigou-me a ir para o banco, com o velho argumento de que um graduado fazia mais falta. Claro que foi só até sair da vista! Creio aliás que outros graduados da Companhia procediam de modo idêntico. Era contra as normas? Pois era mas nós também éramos diferentes!!! Éramos uma Companhia de Tropa Macaca/Caga e Tosse, mas diferente. E por sermos diferentes fomos usados e abusados.

Durante estas patrulhas e emboscadas que duravam 24/36 horas presenciei situações que de certo modo cortavam a monotonia pela negativa ou pela positiva. No K2, zona não minada, os terrenos laterais eram lavrados, com alguma vegetação arbustiva, algumas palmeiras e ajuntamentos de árvores de médio porte. Diariamente via–se população nas suas andanças e um dia reparo num nativo que do outro lado da estrada trepa a uma palmeira como um gato. Nunca tal tinha visto… fiquei maravilhado e não desviava os olhos dele. Chegou ao topo num ápice e passados uns minutos, vejo-o cair e estatelar-se no chão! É evacuado, não recordo a sorte dele. Pelos vistos tinha dado de caras com uma cobra cuspideira e segundo me informaram, quando isso acontecia, preferiam deixar-se cair a serem atacados pois teriam mais probabilidades de sobrevivencia!?

De outra vez no k6, zona perigosa de passagem IN, estou no lado Leste da estrada empoleirado numa cabaceira (embondeiro?) a vigiar a orla da mata. Ouço um restolhar, ponho-me à defesa e vejo um grupo de macacos, julgo que saguis, adultos e jovens brincalhões, avançar pelo capinzal fazendo aquela restolhada. Pena não ter máquina fotográfica à mão. Chegados à berma da estrada, o grupo parou e o que seria chefe espreitou para um e outro lado e atravessou a correr. Chegado ao outro lado voltou a espreitar e logo de seguida os que tinham ficado à espera, começando pelos pequenos, atravessaram também de corrida e em fila indiana. Também nunca tinha visto e achei uma delícia!

Por falar nestas cabaceiras, um dia talvez o mesmo dos macacos, resolvi partir um cabaço ao meio para ver como era o interior e para que serviria. Se bem pensei, melhor o fiz. Peguei nela e zás... na coxa com força! F… ia partindo o femur, era rija p´ra c… nunca mais experimentei e fiquei até hoje sem saber qual a utilidade daquela árvore para além de proporcionar um óptimo abrigo!!!

Estava no K2 ou 4, quando um soldado, Cancêlo de seu nome, me chama e diz que parece haver uma mina na zona em que iamos emboscar. Dirijo-me para o sítio, vejo a terra com aspecto disfarçado de ter sido remexida, mando afastar o pessoal, pego na minha faca e com os cuidados inerentes começo a picar como mandavam as regras. Encontro a dita mina que era… uma lata de coca-cola e ainda por cima vazia. Trabalho feito, não era mina, ainda bem! Só que pelos vistos o pessoal ria-se à socapa já que, só há pouco tempo o soube, tinham sido eles a plantar a mina! Deste episódio de há 37 anos, não me recordava e foi-me contado por ele, Cancelo à altura apontador de morteiro 60, valente e ainda hoje boa praça com quem me encontro várias vezes ao ano em cerimónias que juntam uma dúzia de Forças e a quem tambem já pedi contributos para a Historia da CCaç 2791 (Força), mas sem resultados até hoje.

Houve também situações tensas em que durante a noite pedíamos à rapaziada da Artilharia batimento de zona pelos obuses, já que não se via nada e pressentíamos a passagem de guerrilheiros. Dávamos as coordenadas e íamos para as bermas da estrada, com a certeza de que aí não nos cairia em cima nenhuma granada, pois os batimentos eram de proximidade. Poucos minutos depois, ouvia a saída, depois o silvo e o rebentamento com o seu clarão. Era espectacular e por vezes apetecia-me pedir mais tiros só para sentir o espectáculo!

Nas acções de vigilância e policiamento, digamos assim, a Bula, fui conhecendo melhor os meandros da povoação e sentindo os sítios de provável acolhimento do IN, com uma ou outra corrida e inspecção a moranças, mas sempre sem resultados. Estas acções fi-las a nível de GComb pois havia o risco de intercepção de grupos IN vindos das matas de P.Matar, Uasse. Às vezes emboscava na zona do cemitério, um dos trilhos de entrada e onde houve contactos, não com o meus rapazes.

E assim ia passando os dias, entremeados com umas voltas pela povoação, bebendo uns copos, comendo uns petiscos, dedilhando umas músicas e fazendo umas cerimónias com o pessoal.

Bula > Faria e baga-baga

Bula > Tasca do Silva(?) > Faria, Urbano e Barros

Bula > Tasca do Silva(?) > Fontinha, Faria e Chaves

Bula > Mercado

Bula > Faria no quarto

Bula > Quartel > Alexandre(?), Castro, Augusto e Faria

Fotos e legendas: © Luís Faria (2009). Direitos reservados.


Um abraço a todos
Luis Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3694: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (6): Objectivo: Choquemone, 17NOV70

2 comentários:

Anónimo disse...

É bom relembrar.Parabens.Continua a deliciar-me com as tuas lembranças.Por vezes, meto uma colherada e dou-te uma ajuda com algus episodios que já transcrevi.Prometo mais.Era bom que mobilizassemos mais antigos camaradas, não só da 2791, como da 2789 e da 2790.O Matos também tem tido boa produção.Falta alguém que o faça da 2789.E porque não da CCS?

Um grande abrtaço.

JORGE FONTINHA

Anónimo disse...

Mais uma vez gostei.
Referes-te ao teu posicionamento no Unimog quando das deslocações, explicando porquê e à "advertência" do "dez para o meio-dia" de que devias seguir no banco, presumo que era no da caixa, uma vez que "um graduado fazia mais falta". Tem piada que não me lembro de me terem ensinado onde eu, como Cap, me devia posicionar nos Unimog, ao efectuar as colunas. Nas muitas escoltas que fiz às colunas entre Mansoa e Mansabá, sempre me posicionei ao lado do condutor, de pé, mas não com o pé no guardalamas. Por instinto o fazia, ora virado para a frente ou para a rectaguarda, para melhor controlar o posicionamento das viaturas civis de forma a menter a ligação da coluna. Nunca me passou pela cabeça que assim estaria mais exposto a ir "desta para melhor". Para mim, a suceder isso, não era pela posição que ocupasse, mas sim por embarcar naqueles "passeios", a que não me tinha candidatado.
Confirmo ser verdade que os nativos, quando no cimo das palmeiras detectavam uma cobra, não sei se era cuspideira, preferiam partir-se todo atirando-se cá para baixo. Vi muitos inválidos em Mansoa por esses motivos.
Abraço
Jorge Picado