quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13791: Falando de paludismo e outras maleitas (Mário Vitorino Gaspar / Carlos Vinhal)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), com data de 18 de Outubro de 2014:

Tive paludismo, e de que maneira, embora tomasse todas as “pilulas” que nos davam.
Fui salvo pelo Furriel Miliciano Enfermeiro N.º 09309564, José Jorge Fernandes Durães, que tanto procuro. Ninguém conhece o seu paradeiro.

Não me abandonou – julgo ter entrado num tipo estado de coma – visto não me recordar de nada. Tive, segundo me disseram depois, altíssimas febres. O Durães acompanhou-me sempre molhando-me o rosto com aquilo que denominavam água, mas na altura muito me ajudou.

A partir de pouco tempo na Guiné cortei relações com a água porque só me havia criado ralações. Cerveja sim – até um protocolo assinei com a Sagres – e fiz inclusive um contrato. A palavra de ordem era “Sagres Sempre”. Sagres ao pequeno-almoço, almoço, jantar e nos intervalos.

Mas o paludismo concedeu-me uns dias de folga das operações constantes. Terminada a Comissão continuei, durante um certo período, a tomar as ditas “pílulas”, e não foi do Exército que as recebi. A minha mulher trazia-as do Laboratório Farmacêutico onde trabalhava.
Onde quer que estejas Durães, vai um grande abraço!

Tive matacanha por três vezes, e até tenho sinais num pé; fui atacado, mordido e remordido pela formiga dos bagabagas, logo nos primeiros dias de Guiné, encontrava-me no destacamento de Ganturé, só em Julho de 67 fui para Gadamael Porto; atacado em força pelos mosquitos demolidores e caí numa emboscada de abelhas quase no fim da Comissão numa grande Operação que se fez na zona do “corredor da morte”, ou “corredor de Guileje”, que é “gato com o rabo de fora” – algo que existiu mas não oiço falar – comandada em terra pelo então Capitão Cadete.
Sobre estes últimos casos muito tenho para contar, mas como se fala em paludismo…

Julgo que o camarada assinalado pela seta seja Fur Mil Enf Durães

Mário Vitorino Gaspar
Ex-Fur Mil Art MA
CART 1659

************

2. Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA da CART 2732, Mansabá, 1970/72

Também tive paludismo, a primeira vez confirmado pelo Fur Mil Enf da minha Companhia, Luís da Costa Marques, Enfermeiro na vida civil no Hospital de Braga. Foi no dia 8 de Outubro de 1970 (quinta-feira), pela hora de almoço, quando assistia, na qualidade de Sargento de Dia, ao almoço da malta.
De repente, lembro-me de um aumento súbito de temperatura e de um mal-estar geral. Fui directamente para a cama, já não almoçando. Como perdi completamente o apetite, o Marques levou-me umas latas de fruta para a cabeceira da cama para eu ir comendo a fim de evitar ficar ainda mais debilitado. Segundo os meus registos, atingi os 40º de temperatura. Durante uns tempos nem fumar conseguia. Com o tratamento adequado e dois dias e meio de cama tudo se resolveu.

Convém aqui abrir um parênteses para dizer que eu nesta altura ainda não era operacional. Chegado a Mansabá em ABR70, fui destacado para a Secretaria. Como em 05OUT70 (3 dias antes de eu adoecer) tinha morrido o Alf Mil Art MA Armando Couto, vítima de uma mina IN, e o alferes Bento, CMDT do meu pelotão, também atingido pela explosão e evacuado para o HM 241, era necessária a minha ajuda na "feitura da guerra no mato". Estou a lembrar-me que o Fur Mil Gardete Correia, também do meu pelotão, estava de férias na metrópole, pelo que o nosso camarada Fur Mil Fernando Nunes ficou sozinho. Nem a (des)propósito o ataque de paludismo que sofri, que reforço, foi comprovado.

Voltando ao assunto, no sábado recebi a inesperada visita, no quarto, do meu Comandante, Capitão C (lembras-te dele amigo Jorge Picado?), meu inimigo de estimação, que me incentivou a ficar bom porque necessitavam de mim. Fiquei estupefacto, então o "C" veio pessoalmente desejar-me as melhoras!!!
Mas pensando melhor, achei que o que ele foi ver é se eu estava a fingir doença para me baldar a ir para o mato. Aquilo é que me saiu uma peça!!!

No domingo, dia 11OUT70, houve uma homenagem ao malogrado Alf Mil Couto, com missa campal e cerimónia militar. Com algum esforço levantei-me para participar nas cerimónias e, de certeza, na semana seguinte comecei a sair para o mato para alinhar em pequenas operações, montes de colunas, etc.

Tive ainda na Guiné um segundo ataque de paludismo, muito leve, e mais tarde já em casa, e casado, no inverno de 1972, tive as mesmas reacções que combati com as injecções que trouxemos de prevenção, fornecidas pelo Exército Português a quando da desmobilização.

Cabe aqui ainda salientar que tomava religiosamente os comprimidos profiláticos que nos punham junto aos pratos, ao almoço das quintas e domingos. Acabada a refeição, complementava, tentando matar o bicho, neste caso a bicha, com VAT 69 ou White Horse.

Como a água não era de confiança, embora fosse de um furo e bombeada para um depósito, bebia normalmente água Castelo ou Perrier, muita Coca-Cola e outros refrigerantes. Cervejinha sempre às refeições e raras vezes fora delas. Em dias festivos, que eram quando nós queríamos, bebia umas garrafitas Casal Garcia para desenjoar. Moderação, muita, porque a vida iria continuar para além da guerra.

Na foto: Fur Mil Enf Luís Marques, Fur Mil Op Esp Luís Pires e Furs Mil At Ismael Santos e Carlos Vinhal

Mansabá, 11OUT70 - Cerimónia de homenagem ao nosso camarada Alf Mil Art MA José Armando Santos do Couto - Desfile do 3.º Pelotão/CART 2732. À frente o Cabo Corneteiro José Pedro Barge, seguido dos Furs Mil Fernando Nunes, Carlos Vinhal e o resto da malta.

Carlos Vinhal,
ex-Fur Mil Art MA
CART 2732
Mansabá, 1970/72

Guiné 63/74 - P13790: Fotos à procura de... uma legenda (40): Ainda a foto do Jorge Araújo... Xime, almoço de Natal de 1972... (Luís Graça / Sousa de Castro)


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > Almoço de Natal de 1972 > O cmdt do BART 3873, ten cor  António Tiago Martins, mais a esposa, sentados à mesa do comadpo da CART 3494 (à sua direita do ten cor Tiago Martins, o cap mil Luciano Costa). De costas, em primeiro plano, o alf mil Serradas Pereira. (*)

Foto: © Jorge Araújo (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]



Luís Graça [ex-fur mil, CCAÇ 12, Contubnoel e Bambadinca, mai 69 / mar 71; grã-tabanqueiro nº 1, por antiguidade...] (**)


Vê-se que a senhora tem um ar digno.
E um porte sereno.
Está familiarizada com o meio castrense.
É a única mulher num grupo de homens, militares,
numa companhia, em pleno  mato.
Traja à civil.
É a única pessoa civil.
Só me lembro de ter visto uma mulher,  de camuflado,
à parte as enfermeiras paraquedistas:
a Helena,
a mulher do meu camarada, alferes Carlão
do 2º Gr Comb  da CCAÇ 12.
De camuflado, e de sapatos altos, vermelhos,
numa coluna que partia para o Saltinho.
No alto de uma Berliet,
e escoltada pelo capelão, o Puim.

Familiarizada, digo eu...
mas, reparando bem,
com um ar ligeiramente ausente,
entre o doce e o nostálgico,
ouvindo distraidamente pedaços de conversas,
ou talvez pensando na famíla
que deixou na metrópole,
os filhos, ainda a estudar,,,
Ou talvez não,
talvez estivesse apenas compenetrada
do seu papel de esposa do comanddante.

De que falarão os militares,
em seu redor,
oficiais e cavalheiros ?
Ninguém se interroga sobre o fim da guerra,
ali, naquele fim do mundo,
só interessava o dia, a hora, o momento.
É Natal, paz aos homens de boa vontade,
terá brindado o comandante,
Os do mato, esses, não ouvirão, os votos dos tugas.
Ou só ouvirão, mais logo, o trovão do obus,
ao deitar.
Para espantar diabos e irãs,
acocorados no alto dos poilões e bissilões.
Metia respeitinho o obus...

Veio para ficar a guerra,
a guerra dos cem anos,
n inguém diz mas pensa
Vai a camiho dos doze,
primeiro Angola, depois a Índia,
depois a Guiné, depois Moçambique...
E ainda faltará muito para acabar.
Que não acabe, ao menos,
o fiel amigo,
nas próximas festas do Natal e Ano Novo,
daqui a um ano, eem 1973.

Bambadinca está habituada a acolher mulheres,
de militares.
Conheci algumas no meu tempo.
A vida de um comandante de batalhão no TO da Guiné
era dura no tempo de Spínola.
Era preciso mostrar serviço,
ser líder,
ser comandante,
fazer roncos,
ganhar a iniciativa ao IN
que, contrariamente a Deus,
já não está em toda a parte.
Pode-se ganhar a guerra militarmente,
e perdê-la politicamente.
E o que pensará o general,
dando passos à volta no salão grande
do seu palácio.

Não conheci a malta do BART 3873 (1972/74).
Regressei a casa em março de 1971.
Muito menos conheci o ten cor António Tiago Martins,
que nasceu em 1919
e que irá morrrer v in te anos depois
deste almoço de Natal no Xime,
Dizem-me que  a malta do batalhão tinha,
algum apreço e estima por ele.
A esposa parece-me bastante mais nova do que ele;
irá morrer em 2011,
vimte anos depois do marido,
e muito provavelmente com oitentas e tais.
Nesta altura. em Dezembro de 1972, poderia ter 40 e poucos anos.
As mulheres enganam,
as fotos das mulheres ainda mais.

Devia acompanhar o marido nas andanças pelo império,
da Índia a Moçambique,
de Angola à Guiné.
Bambadinca era um pequeno oásis.
O quartel estava bem situado,
num pequeno promontório,
sobranceiro à grande bolanha de Bambadinca.
Só no tempo do BCAÇ 2852 (1968/70)
é que tinha sido atacado,
em 28 de maio de 1969,
um data com algum simbolismo
para os homens e mulheres do Estado Novo.
Depois disso, em junho,
houve (ou terá havido) uma flagelação,
de que não rezam as crónicas,
mas falam os cronistas.
Com a chegada da CCAÇ 12,
em julho de 1969,
o PAIGC não arriscou mais aproximar-se de Bambadinca.
Os fulas defendiam bem o seu chão.

Bambadinca tinha boas instalações
para os sargentos e oficiais.
Não havia falta de géneros.
Não se comia caviar, mas havia leitão.
E carne de vaca com relativa fartura.
E géneros frescos.
A 30 km, por estrada asfaltada
chegava-se a Bafatá,
a 2ª cidade da Guiné,
a princesa do Geba,
onde já havia um cheirinho de civilização:
aeródromo onde aterrava o NordAtlas,
hospital, cinema, piscina, restaurantes,
bom comércio, gentes várias, e até diversão
para os solteiros.
Era sede de concelho e sede do CAOP 2,
o coração do chão fula…
Mais a nordeste ficava Nova Lamego,
também acessível por estrada asfaltada.

O Xime era porto fluvial
e porta de entrada na zona leste.
Quem não passou pelo Xime,
dos militares que foram para o leste ?
Do Xime até Bissau, havia a grande “autoestrada” do Rio Geba.
Em Bissau apanhava-se o barco ou o avião
para casa,
o doce lar,
a verdadeira pátria, mátria, fátria.
Tinha heliporto,, o Xime.
E distava 10/12 km da estrada, nova, asfaltada,
construída pela TECNIL.
A meio do percurso havia o destacamentoo do Rio Udunduma.
um "resort" melhorado no tempo da CART 3494,
Além disso, havia a companhia de milícias do Xime,
espalhada pelo subsetor:
Amedalai, Taibatá, Dembataco, Enxalé,
outros pontos da curta geografia da malta.
E havia 3 obuses 10.5 do 20º Pel Art,
além de um esquadrão de morteiro 81.

O risco de emboscada, no troço Bambadinca-Xime,
era maior, sobretudo na zona de Ponta Coli,
de má memória.
Mas o tenente coronel, por certo,
que não foi no seu jipe
dar um passeio até ao Xime
no dia de Natal,
mais a sua corajosa e dedicada esposa.
Além da escolta, deve ter tido segurança,
montada pela malta da CCAÇ 12 e da CART 3494.

Mesmo assim, tiro o quico ao tenente coronel e à esposa…
A malta da CART 3494 terá gostado
e ter-se-á sentido importante.
Às vezes a arte de comandar também está
nos detalhes,


Sousa de Castro   [ex-1º Cabo Radiotelegrafista,
 CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74;
grã-tabanqueiro nº 2, por ordem de chegada]


No meu tempo, 1972/74, não era só a mulher
do comandante  Tiago Martins
que habitava em Bambadinca,
Havia outras senhoras de oficiais
e creio também de sargentos
que viviam com os maridos.
Quando iamos a Bambadinca ironizavamos com a situação,
era bom olharmos para aquela brancura
no meio de tantos negros.
Naturalmente que a segurança para aquelas deslocações
não era descurada.
Na Ponta-Coli a segurança regressava ao quartel no fim da tarde
e voltava de manhã.
Curiosamente o meu natal de 72 foi passado em Bambadinca
e o de 73 em Mansambo,
 o de 71 foi passado a navegar.
Portanto, para o BART 3873 foram três natais fora.
Tenho uma ou dus fotos do natal em Bambadinca.
Em Mansambo, se a memória não me atraiçoa,
 foi passado nos seus abrigos.
Acho, não havia refeitório,
no Xime sim, havia refeitório,
Acho que era servido dois turnos.
Acho.

____________

Notas do editor:

(*) vd. poste de 10 de outubro de 2014 > Guiné 63/734 - P13715: Fotos à procura de... uma legenda (37): D. Idalina Carvalho Pereira Martins, esposa do cmdt do BART 3873, ten cor Tiago Martins, no almoço de Natal de 1972, no Xime, o quartel do setor L1 mais atacado e flagelado (Jorge Araújo, ex-fur mil, op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)

(**) Último poste da série > 16 de outubro de  2014 > Guiné 63/734 - P13744: Fotos à procura de... uma legenda (39): Um poço à beira da estrada Nova Lamego-Bafatá, maio de 1970... Esta foto do Valdemar Queiroz faz-me recordar o caso de um furriel que na zona de Madina, em certa ocasião, vencido pela sede, oferecia sete contos (!) por um copo de água!... (Domingos Gonçalves, ex-alf mil, CCAÇ 1546, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)

Guiné 63/74 - P13789: Agenda cultural (345): Doclisboa'14: hoje, no Cinema Ideal (Rua do Loreto, Lisboa), o documentário oficial sobre os campos nazis, encomendado em abril de 1945, esquecido durante anos e só agora recuperado na sua versão integral... "Nunca os meus olhos viram nada assim" (António Araújo, historiador)


Cartaz do Doclisboa'14 - 12º Festival Internacional de Cinema >  Um dos melhores festivais de cinema documental do mundo.  Mais uma vez, uma edição de luxo, com caerc de 250 filmes para ver...



German Concentration Camps Factual Survey

1945/2014 / REINO UNIDO / 72’

22 OUT / 22.00, CULTURGEST – GRANDE AUD.

23 OUT / 19.45, CINEMA IDEAL
Rua do Loreto 15-17
1200-241 Lisboa
Telefone: 210998295

1. Sinopse > Um documentário oficial sobre as atrocidades alemãs e os campos de concentração a partir do material filmado por operadores de câmara que acompanharam a libertação da Europa ocupada.

Encomendado em Abril de 1945 pelo Quartel General Supremo da Força Expedicionária Aliada, era para ser o filme mostrado na Alemanha após a queda do terceiro Reich. 

Projecção seguida de debate com David Walsh, do Imperial War Museum, um dos responsáveis pelo restauro do filme. E ainda: Irene Pimentel (Instituto de Historia Contemporânea da FCSH) e Saguenail.. Debate conduzido em inglês, sem tradução". Fonte: Doclisboa'14)

2. O historiador António Araújo escreveu a propósito no "Público":

Os campos nazis: nunca vimos nada assim

António Araújo

22/10/2014 - 07:37


"German Concentrations Camps Factual Survey" é um documentário feito a partir do material filmado pelos Aliados quando libertavam os campos de extermínio. Com supervisão de Hitchcock, pretendia ser "uma lição para a Humanidade". Durante anos, o filme esteve esquecido, tendo agora sido recuperado na sua versão integral. (...)

Nunca os meus olhos viram nada assim. E já estive em muitos campos de concentração pela Europa fora; vi demasiados filmes sobre as atrocidades nazis, tantos milhares de fotografias. Nada se compara a este filme. (...)

No âmbito de um vasto programa de desnazificação da Alemanha, este seria o "filme oficial" que os vencedores iriam mostrar aos que haviam apoiado Hitler. Os seus primeiros minutos, aliás, assemelham-se a uma obra de propaganda feita por Leni Riefenstahl, exibindo a águia esmagadora e multidões na aclamação do seu Führer. German Concentrations Camps é um exercício de represália ou castigo e, sobretudo, um libelo acusatório – não por acaso, as imagens que contém seriam usadas como meio de prova em alguns julgamentos do pós-guerra. A acusação, no entanto, dirige-se não apenas à elite do III Reich mas a um povo inteiro e até, num certo sentido, à Weltanschauung (visão do mundo) germânica. É sintomático que, antes de se revelar o horror dos campos de extermínio, se mostrem paisagens idílicas dos lugares situados nas suas imediações. (.,.)

Poder-se-ia dizer que, volvidas tantas décadas, o filme acusa as marcas do tempo e a erosão dos excessos da "indústria do Holocausto". Puro engano. A força expressiva de "German Concentration Camps Factual Survey" permanece intocada, mesmo que já tenhamos estado em campos de concentração ou visto milhares de imagens dos crimes do nazismo. Comparadas com estas imagens – imagens apesar de tudo – muitos dos filmes sobre a Solução Final tornam-se grotescos, quase caricatos. Nunca os nossos olhos viram nada assim.

Guiné 63/74 - P13788: Da Suécia com saudade (39): A estrela de David, os Torquemada de Burgos, os marranos de Belmonte... Olhares desde a Lapónia...(Joseph Belo)



Espanha > Burgos > Catedral > Foto de Beja Santos, com a rosácea em forma de estrela de David, devidamente sinalizada pelo Joseph Belo.




Joseph Belo
1. Mensagem do nosso camarada e amigo, régulo da Tabanca da Lapónia, Joseph Belo:

[ Recorde-se: o José Belo foi alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70; cap inf ref, é jurista, vive Suécia há 4 décadas, e onde formou família; ontem tinha  um blogue, http://laplandkeywest.blogspot.pt/, mas hoje não sei onde pára...].




Data: 22 de Outubro de 2014 às 23:25
Assunto: Olhares desde a Lapónia... (*)
Tomas de Torquemada (1420-1498),
o grande inquisidor.
Cortesia de Wikipedia

Uma Estrela de David, näo täo discretamente esculpida, na rosácea
principal da Catedral de Burgos (Foto do poste de Beja Santos) (**)

Quantos Torquemadas a teräo olhado... sem ver?

"Quando nesta casa entrar, nem pau,nem pedra vou adorar" (Oracäo Marrana de Belmonte,, nteriormente pronunciada aquando das obrigatórias visitas a Igrejas na Páscoa...). (***)

Irónicas curiosidades medievas.

Um abraço.

Joseph

___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 10 de agosto de  2013 > Guiné 63/74 - P11925: Da Suécia com saudade (38): O que é feito de vocês, velhos camaradas e amigos ? (José Belo)


Samuel Schwarz (1880-1953),
pai da nossa decana
Clara Schwarz (n. 1915)
e avô materno do  Pepito
(1949-2014)
(***) Aqui vai a oração completa, tal como foi recolhida pelo avô do nosso saudoso Pepito (1949-2014), por volta da década de 1920, em Belmonte, entre a comunidade cripto-judaica local:

"Apêndice I - Orações dos cristãos-novos

Orações quotidianas (...)

70 - Ao entrar numa igreja

Nesta casa entro,
não adoro nem o pau nem a pedra,
só a Deus que em tudo governa" (...)

In: SCHWARZ, Samuel - Os cristãos-novos em Portugal no séc. XX.  Lisboa: Edições Cotovia, 2010, pp. 91, 93 e 147. [1ª  edição, 1925]

Guiné 63/74 - P13787: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (12): Em meados de 1962, seis meses antes do início oficial da guerra, já a região de Quínara está "a ferro e fogo", a avaliar por um comunicado de 30/6/1962, assinado pelo comandante do PAIGC Rui Djassi (nome de guerra, Faicam)

1. Transcrição de documento disponível no portal Casa Comum, da autoria de Rui Djassi [nome de guerra  Faincam] ( 1938-1974], com 3 folhas

Casa Comum

Instituição: Fundação Mário Soares

Pasta: 04620.104.055

Título: Comunicados [Zona 8] [Clicar aqui para ampliar]
Assunto: Comunicados assinados por Rui Djassi (Faincam): destruição de pontes e comunicações na região de Empada, ataque a agentes da PIDE, prisão de professores catequistas (entre os quais Bernardo Mango), ataque das tropas portuguesas à tabanca de Caur e à população.

Data: Quarta, 27 de Junho de 1962 - Quarta, 4 de Julho de 1962

Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência 1960-1962 (interna). Documentos anexos a 04620.104.054.

Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Tipo Documental: Documentos

Direitos:
A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

Fonte:

Arquivo Amílcar Cabral
05.Organização Militar
Comunicados


Citação:
(1962-1962), "Comunicados [Zona 8]", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40585 (2014-10-23)


2. Transcrição, fixação de texto e revisão por L.G.: 

[Folha 1/3]

30/6/1962

Da ultima hora -  Empada

Destruiram pontes no dia 27-28, cortaram fios em grande quantidade. Há dificuldade [de] comunicação para vários pontos, entre os quais Bissira-Empada, Empada- Pam- Tchuma, Sacunda -Aidará.

No dia 28 [do corrente mês, junho de 1962] foi morto um comerciante europeu que está [estava] ao serviço da PIDE.

Na mesma noite meteram fogo na casa do Anso Mara [sic], também agente da PIDE.

Todos os professores catequistas daquela área foram presos sem motivo de justificação. Eis os nomes: Domingos Lopes; Mário Soares; Avelino Mendes Loes; Bernardo Mango, e mais alguns camaradas. E mais agradecia mandar relogio para José Sanhá.

a) [Rui] Djassi (FAINCAM)

 [Filha 2/3]

Informação


Dia 30 de junho – Metralharam um homem de raça balanta, que se encontrava preso, com uma rajada de 10 tiros, só porque [se] levantou para fazer necessidade.


Dia 3 de julho – Em Madina de Baixo atiraram sobre um pobre homem, que andava no campo a lavrar, [e ] que logo foi morto.


Dia 4 de julho – Na madrugada, a tropa portuguesa invadiu a tabanca de Caur onde começaram a fazer fogo sobre a população. Foi morto um elemento do Partido, de nome Iaiá Camará, vários feridos e 16 prisões.



O povo já está em revolta, porque os colonialistas declararam já guerra contra o povo. 

[Folha 3/3] 

E estes juraram de que se a tropa repetir, vão morrer todos mas têm que defender[-se].

Agora em todas as tabancas homens e mulheres estão preparados para qualquer contratempo.
 

Por aqui termino esperando da sua resposta e palavra de ordem o mais rápido possível.

Djassi (Faincam)


Informação do bijagós  [sic]–

O Pereira está insuportável lá. Gastou todas as balas dele e dos camaradas. Atira sobre macacos, gazelas, etc. Anda sempre na bebedeira. Vendeu a roupa dos camaradas que tinham ido para serviço nas outras ilhas

Para lhe substituir, recusou. Portanto, mandei-lhe chamar para voltar, porque com ele não posso trabalhar. Quanto aos outros, estão a trabalhar bem.


3. Comentário de L.G.:

Contrariamente a outros documentos do Arquivo, ele  está redigido com letra bem legível, boa caligrafia e em português quase perfeito. Recorde-se que o Rui Djassi [, nome de guerra, Faincam],fazia parte da segunda leva de militantes do PAIGC que foram enviados para a China,  no 2.º semestre de 1960, para formação político-militar como futuros comandantes.

Rui Djassi fazia parte destes 10 futuros destacados dirigentes do PAIGC, hoje todos desaparecidos, uns em combate outros na "voragem da revolução" (com exceção de Manuel Saturnino da Costa, irmão de Vitorino Costa)… Aqui vão, mais uma vez  os seus nomes, por ordem alfabética: 

(i) Constantino dos Santos Teixeira (“Tchutchu Axon”);

(ii) Francisco Mendes (“Tchico Tê”) (1939-1978);

oficialmente terá morrido de acidente na estrada Bafatá-Bambadinca; mas também há ainda suspeitas de  assassinato, em 7/6/1978;  foi primeiro ministro e chefe de Estado:

(iii) Domingos Ramos (morto, em combate, em Madina do Boé, em 11 de Novembro de 1966);

 tem nome de rua em Bissau; foi camarada do nosso Mário Dias no  1º curso de sargentos milicianos  (CSM) realizado na Guiné, em 1959;

(iv) Hilário Rodrigues “Loló”:

comissário político, morreu em 1968, num bombardeamento da FAP, no Enxalé;

(v) João Bernardo “Nino” Vieira, nome de guerra, Marga (1939-2009)

natural de Bissau; ex-Presidente da República;

(vi) Manuel Saturnino da Costa:

será 1º ministro entre 1994 e 1997, num dos piores governos do PAIGC,  na opinião do nosso saudoso Pepito (1949-2014); ainda é vivo;

(vii) Pedro Ramos:

fuzilado em 1977, às ordens de ‘Nino’ Vieira, ao que parece, no âmbito do chamado "caso 17 de Outubro"; era irmão do Domingos Ramos;

(viii) Rui Djassi:

comandante da base de Gampará, na aregião de Quínara, morreu em 1964, por afogamento na sequência de um ataque das tropas portuguesas); tem  nome de rua em Bissau;

(ix) Osvaldo Vieira (1938-1974):

morreu, por doença, em 1974, num hospital da ex-URSS, e com a terrível suspeita de ter estar implicado na conjura contra Amílcar Cabral; ironicamente repousam os dois, lado a lado, na Amura; era também conhecido como "Ambrósio Djassi" (nome de guerra); tem nome de rua em Bissau; o aeroporto internacional também ostenta o seu nome;

(x) Vitorino Costa:

morto, numa emboscada em meados  de 1962, antes do início oficial da guerra, por um grupo da CCAÇ 153 / BCAÇ 237, comandado pelo Cap Inf José Curto; era irmão de Manuel Saturnino da Costa: e terá sido o primeiro revés de Amílcar Cabral, no plano militar); tem nome de rua em Bissau;

Neste comunicado acima transcrito, o Rui Djassi parece sobretudo querer "mostrar serviço" ao secretário geral do Partido que está em Conacri. Mesmo com a habitual imprecisão factual (em relação a topónimos, nomes de pessoas, datas, circunstâncias,  etc.) fica.-se com a ideia (grosseira) de que terá sido  na região de Quínara, e em especial Empada,  que se acendeu o rastilho que infelizmente daria origem a uma guerra estúpida e inútil, que poderia ter sido evitada por ambas as partes.

Esta época continua mal conhecida e pior documentada, em grande parte também por falta de testemunhos dos militares portugueses que atuaram na região, ainda em missões mais paramilitares do que militares (como foi o caso do cap inf José Curto). na medida  em que se estava ainda na fase preliminar da "guerra subversiva".

Recorde-se que a guerra só começa oficialmente com o ataque a Tite, em 23 de janeiro de 1963. E como descreve o nosso  Zé Martins, "nessa madrugada em que se deu o combate de Tite tombou o primeiro militar português, desconhecendo-se se por causa do fogo inimigo ou fogo amigo, sendo ele Veríssimo Godinho Ramos, Soldado Condutor Auto Rodas nº 834/59, do Batalhão de Caçadores nº 237, mobilizado no Regimento de Infantaria nº 6, no Porto, solteiro, filho de Joaquim Ramos e Ricardina Joaquim Godinho, natural da freguesia de Vale de Cavalos e concelho de Chamusca. Faleceu no dia 23 de Janeiro de 1963 durante o ataque a Tite, vitima de ferimentos em combate, Foi inumado no Cemitério de Vale de Cavalos." (...)

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quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13786: Agenda cultural (344): Apresentação do livro "Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau - Um Roteiro" de Francisco Henriques da Silva e Mário Beja Santos, dia 29 de Outubro de 2014, pelas 15h00, no Palácio da Independência em Lisboa (Manuel Barão da Cunha)

Apresentação do livro "Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau - Um Roteiro" de Francisco Henriques da Silva e Mário Beja Santos, dia 29 de Outubro de 2014, pelas 15h00, no Palácio da Independência, Largo de S. Domingos, 11, em Lisboa.

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13784: Agenda cultural (343): Curso livre TODA A CHINA, no Museu do Oriente, Lisboa, todos os sábados, das 10h00 às 13h00, de 26/10 a 20/12/2014, ministrado pelo ilustre sinólogo e nosso camarada António Graça de Abreu

Guiné 53/74 - P13785: Ser solidário (170): SOS, Ébola!... Cooperação Portugal- Guiné-Bissau... Hospital Militar de Bissau vai ter equipas de saúde portuguesas na prevenção e combate a eventuais casos de doença por vírus ébola

Ébola: Portugal ergue base de retaguarda no Hospital Militar de Bissau

A Bola,

Redação
19 out 2014


Portugal deverá montar uma base de retaguarda para prevenção e combate ao vírus ébola no Hospital Militar de Bissau, anunciou Valentina Mendes, ministra da Saúde da Guiné-Bissau.

«Portugal vai criar uma base no Hospital Militar. É lá que serão instalados os equipamentos e o pessoal médico que vem para Bissau», explicou a titular da pasta.

A base portuguesa irá complementar o centro de tratamento e isolamento para casos confirmados de ébola no Hospital Simão Mendes, principal unidade de saúde pública do país.

De acordo com Valentina Mendes, o executivo guineense «vai redigir uma carta endereçada ao Governo português, detalhando a cooperação desejada e, entretanto, esboçada com Francisco George (Diretor-Geral de Saúde de Portugal), e Paulo Campos» (presidente do Instituto Nacional de Emergência Médica de Portugal), durante um encontro, na sexta-feira, em Bissau.

A carta será entregue em mão por Valentina Mendes ao executivo português durante a visita que vai efetuar a Portugal, ao lado do primeiro-ministro guineense Domingos Simões Pereira, no final do mês.

A governante espera que, em novembro, seja possível receber
 as primeiras equipas médicas portuguesas em Bissau.

Apesar de os dois países (Senegal e Guiné-Conacri) com que faz fronteira já terem sido afetados pelo vírus ébola, a Guiné-Bissau continua livre da ameaça mortal.

Desde meados de agosto que a Guiné-Bissau fechou as fronteiras com a vizinha Conacri, apesar das queixas de comerciantes e da população fronteiriça, para prevenir a entrada de pessoas infetadas.

[Reproduzido com a devida vénia...]


(...) Em face do surto de Ébola na África Ocidental, a Organização Mundial da Saúde decretou o  estado de emergência de Saúde Pública de âmbito internacional, por o mesmo constituir um  “evento extraordinário” e um risco de Saúde Pública para outros Estados, por as consequências  de eventual agravamento da propagação internacional da doença poderem ter sérias  implicações face às características do vírus e por uma resposta internacional coordenada ser  essencial para controlar a epidemia e a sua disseminação. Dada a probabilidade de importação  de casos e a probabilidade de ocorrência de casos secundários, importa estabelecer uma  estrutura que coordene a resposta à Doença por Vírus Ébola, a nível nacional, a fim de serem
desenhadas e desenvolvidas as medidas necessárias para contenção do vírus e para a resposta a
uma eventual situação de contágio em território nacional. (...) 


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Nota do editor:

Último poste da série  20 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13770: Ser solidário (169): SOS, Ébola!... Campanha da ONG Ajuda Amiga: envio de um contentor em finais de janeiro de 2015; e ações de informação e prevenção, em colaboração com o Ministério da Saúde e a ONG AD... Todos os apoios serão bem vindos (Carlos Fortunato, diretor da AJuda Amiga, ex-fur mil trms, CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71)

Guiné 63/74 - P13784: Agenda cultural (343): Curso livre TODA A CHINA, no Museu do Oriente, Lisboa, todos os sábados, das 10h00 às 13h00, de 26/10 a 20/12/2014, ministrado pelo ilustre sinólogo e nosso camarada António Graça de Abreu


Texto e imagens: © António Graça de Abreu  (2014). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem que recebemos do nosso camarada e amigo António Graça de Abreu, com pedido de divulgação entre os amigos e camaradas da Guiné e demais leitores do nosso blogue:

António Graça de Abreu
abreuchina@netcabo.pt

Estoril, 12 de Outubro de 2014

Meus caros amigos
Iniciar-se-á a 25 de Outubro mais um Curso sob minha orientação no Museu do Oriente. Envio-vos a introdução e o sumário das duas primeiras aulas do Curso. Tinha todo o gosto em ter-vos comigo, ou aos vossos amigos, nesses nove sábados que se aproximam, na fascinante viagem de descoberta e encontro com TODA A CHINA.

No site da Fundação/Museu do Oriente encontrarão todas as necessárias informações [Clicar aqui].

Conto convosco, ou com os vossos amigos.

Toda a amizade do

António Graça de Abreu



2. Lisboa > Museu do Oriente > Curso TODA A CHINA 

25 de Outubro de 2014 a 20 de Dezembro de 2014
Doutor António Graça de Abreu

Introdução

“Os anos vão passando. E, com o passar dos anos, a não ser a China, tudo na terra passa.” [Eça de Queirós (1845-1900), Os Maias, cap. XVIII ]


Quando se fala ou se escreve sobre a China prevalece amiúde a ideia de que nos referimos a uma entidade única, o velho Império do Meio, uniforme, consolidado e consensual. Nem sempre será assim. A China, com 9,6 milhões de quilómetros quadrados é um vasto território – tem o tamanho da Europa –, com incontáveis diferenças de natureza económica e social, diferenças entre Norte e Sul, entre Leste e Oeste, entre as zonas costeiras e o interior, diferenças climáticas e de fixação humana, desde as imensas planícies de terras férteis cortadas por canais e rios, aos desertos e majestosas montanhas.

 A China é um país multi-étnico (55 minorias nacionais) com usos e costumes diversos, com vivências, trajes, comidas, cores e cheiros díspares, eivados de mistérios e fascínios. Prevalecem os han, os chineses propriamente ditos, 95% da população da China, com oito dialectos principais.

Nos nove módulos deste curso, de tudo isto iremos falar, e ver, nas excelentes fotografias de António Graça de Abreu (mais algumas da net, não muitas…), resultado de trinta e sete anos de jornadas que se estenderam rigorosamente a toda a China, viagens completas por todo o mundo chinês que António Graça de Abreu concluiu em Setembro de 2013 e tem continuado a fazer, já com mais duas viagens à China neste ano de 2014.




Numa súmula que se pretende concisa e abrangente, temos agora o seu testemunho que irá ser partilhado, comentado, discutido com os participantes do curso. Semana após semana iremos visitar todas as 22 províncias chinesas, as cinco regiões autónomas (Tibete, Xinjiang, Ningxia, Guangxi e Mongólia Interior), os quatro municípios centrais (Pequim, Tianjin, Xangai e Chongqing), mais Macau, Hong Kong e Taiwan, a Formosa.

A proposta é abrir caminhos para um possível conhecimento da China, viajando com o olhar, as sensibilidades, os entendimentos pela História, a civilização, a cultura, as mentalidades, os quotidianos, passado e presente das gentes do mundo chinês, povo imenso ora habitando as grandes cidades ora espalhado por aldeias perdidas nos confins do Império. 

Em cada semana a viagem estender-se-á por três ou quatro províncias, por regiões autónomas, ao encontro do diferente e do único, ao encontro das gentes do mundo chinês, das realidades duras e difíceis de um povo imenso, da imponência da paisagem. Tudo acompanhado por textos escritos, referentes a cada uma das províncias, regiões ou lugares visitados, da pena de António Graça de Abreu. Para fruir e tentar compreender. Porque, como nos diz o grande sinólogo belga Simon Leys (1925-):

“C’est seulement quand nous considérons la Chine que nous pouvons enfin prendre une plus exacte mesure de notre propre identité et que nous commençons à percevoir quelle part de notre héritage relève de l’humanité universelle, et quelle part ne fait que refléter de simples idiosyncrasies indo-européenes. La Chine est cet Autre fondamental sans le rencontre duquel l’Occident ne saurait devenir vraiment conscient des contours et des limites de son Moi culturel.”[ Simon Leys ( 1925?- )]

E também, porque como recordava há cem anos atrás o francês Vítor Segalen (1878-1919), outro grande mestre no desvendar dos entendimentos do mundo chinês:

“A viagem à China é uma viagem ao fundo do conhecimento de nós próprios”

Programa [duas primeiras sessões]

25 de Outubro de 2014

1. Os quatros municípios centrais. Pequim 北京, Tianjin 天津, Xangai 上 海e Chongqing 重庆

1.1.- Pequim, cidade do poder, da política, capital do Império.

1.2.- Tianjin, um dos motores da indústria e economia chinesas.

1.3.- Xangai, a megacidade, original, única, diferente. História e quotidianos.

1.4.- Chongqing, a maior metrópole (30 milhões de habitantes) da China.


1 de Novembro de 2014

2. A singular Manchúria. Províncias de Heilongjiang 黑龙江, Jilin 吉林, Liaoning 辽宁, mais a província de Hebei 河北

2.1.- As terras “siberianas” do nordeste. Harbin, a fascinante cidade “russa”.

2.2.- Japoneses na Manchúria. O estranho reino de Manchukuo.

2.3.- Matérias-primas, indústria, o celeiro agrícola da China do norte.

2.4.- Relações e fronteiras com a Coreia do Norte.

2.5.- Changchun e Shenyang, as falsas primaveras. Quotidianos, prazeres e desprazeres por terras manchus.

2.6.- Chengde, barroquismos, templos, embaixadas e fantasias.

2.7.- Rio Amarelo e Grande Muralha da China. Importância na História da China.


3. Informação adicional

Local e contactos: 

Museu do Oriente
Avenida Brasília, Doca de Alcântara (Norte)
1350-352 Lisboa

Telefone: 213 585 200
E-mail: info@foriente.pt
Data e horas:
de 25 de Outubro de 2014 a 20 de Dezembro de 2014
Sala Beijing do Museu do Oriente, 4º. Piso, 
todos os sábados, 

Guiné 63/74 - P13783: In Memoriam (201): Manuel Simões (Bolama, 1941-Jugudul, 2014): amava a sua terra como ninguém tinha especial carinho pelos balantas, era uma figura muito popular, e de grande generosidade (Manuel Amante, Praia, Cabo Verde)


Manuel Simões (Bolama, 17/5/1941- Jugudul, 21/10/2014). Cortesia de Manuel Amante



1. Mensagem do Manuel Amante da Rosa [, foto à esquerda]:

Data: 22 de Outubro de 2014 às 07:46

Assunto: Manuel Simões (1941-2014)

Meu Caro Luís:

Só agora posso responder-te.

O Manuel Simões, meu primo, nasceu em Bolama, em 17 de Maio de 1941 (*). O Pai, o velho Manuel Simoes, empresário conhecido de Bolama e do sul da Guiné, era originário de Moimenta da Serra, Portugal onde faleceu nos finais dos anos sessenta.

O filho Manuel estudou alguns anos no Colégio Moderno, ao tempo do pai do Dr. Mário Soares, como interno, mais o irmão Januário, após o que retornaram à Guiné para ajudar o pai nas casas comerciais que tinha no sul da Guiné e Bijags (Darsalame, Empada, Bolama e Embana na ilha das Galinhas).

Ambos os irmãos distinguiram-se no desporto, no futebol, tanto como jogadores como dirigentes desportivos.

Com o início da guerra o Manuel Simoes, mais conhecido por Manelito, recolheu, como muitos, a Bissau e dedicou-se ao transporte fluvial. Cumpriu parte do serviço militar obrigatório. Fez parte do primeiro curso de Sargentos Milicianos, dado na Guiné, nos inícios de sessenta. Foi desmobilizado após o assassinato do irmão [, Januário Simões, em Empada, c. 1962].

Foi dirigente do Ténis Clube de Bissau durante muitos anos. Seu clube de eleição. Enveredou pela indústria da destilaria da cana de açúcar, em Jugudul, após o fim da guerra.

Era pessoa muito conhecida, de trato fácil e popular por toda a Guiné. Sempre generoso durante toda a sua vida. Ajudou muita gente sem nunca fazer disso nenhum alarde. A porta sempre aberta para amigos e carenciados.

Amava a Guiné como ninguém e identificava-se plenamente com tudo o que dissesse respeito a os hábitos e costumes da sua terra amada.

Conhecia bem toda a Guiné, especialmente a região e etnia Balanta. Região onde passou os últimos anos da sua vida e que sempre o acolheu com muito carinho.

Recebe um forte Abraço.

Manuel

Enviado do meu iPad
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Nota do editor:

Último poste da série >  21 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13779: In Memoriam (200): Manuel Simões (c. 1939 - 2014), um português de Bolama, que foi a Conacri ao funeral de Amílcar Cabral, e que andou na escola com 'Nino' Vieira, e que recebia, em Jugudul, de braços abertos, os seus amigos, fossem de Cabo Verde, fossem de Portugal (Manuel Amante / A. Marques Lopes / Xico Allen / António Camilo / José Teixeira)é 

Guiné 63/74 - P13782: Os nossos médicos (84): Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (14): Onde se fala de doenças sexualmente transmissíveis (con destaque para a blenorragia) mas também de perturbações psíquicas como a depressão e o stresse pós-traumático de guerra




Guiné > Zona leste > Setor L5 (Galomaro) > c. 1973 > BCAÇ 3872 (1072/74) > A camimnho de Cancolim e posto médico de Cancolim.


Fotos do álbum do ex-alf mil médico Rui Vieira Coelho, disponíveis na página do grupo (fechado) do Facebook Galomaro, destino e passagem (Criado em 23/3/2011, e editado pelo Rui Vieira Coelho, tem já cerca de 90 membros, pretendendo "convergir pelo trato afectivo todos os ex-militares que permaneceram em Galomaro, na Guiné-Bissau, ou por lá passaram em trânsito").


Fotos (e legenda): © Rui Vieira Coelho (2014). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]


1. Quartz e última parte do texto de Rui Vieira Coelho, desta vez correspondendo a uma "sugestão", minha,  de 17 do corrente, para nos falar das doenças sexualmente transmíssíveis:


Rui, estou encantado com a tua "frescura" de memória... É verdade que "só esquece a quem não sabe"... Mas há aqui uma riqueza de informação médico-sanitária, que só agora consegui reunir, a parrtir de uma fonte autorizada (que é um médico com o teu saber, sensibilidade e experiência)...

É um testemunho muito importante da tua parte, para esta série "Os nossos médicos"... Também não é por acaso que tu, para além de médico do batalhão, não ficavas fechado no quartel, e foste subdelegado de saúde do Cossé (, regulado donde provinha uma parte dos meus soldados, fulas, da CCAÇ 12, constituída em 1969)...

Sem querer abusar da tua paciência, diz-me mais coisas:

(i) Então, e quando a rapaziada aparecia com o vulgaríssimo "esquentamento" ou blenorragia (, na tropa não se falava caro) ? Eu sei que a malta se desenrascava melhor com o enfermeiro, já que a doença era sempre vista como "vergonhosa" à luz da nossa cultura judaico.cristã... Eventualmente havia outros problemas de doenças sexualmente transmissíveis mas já existia a "bala mágica", o antibiótico, a penicilina, coisa que não existia em Cabo Verde, no Mindelo, no tempo do meu pai (1941/43), e onde a sífilis era um problema sério...

ii) E os problemas do foro psíquico, depressões, perturbações emocionais, surtos psicóticos, parassuicídios, automutilações...? A população à tua guarda era pequena, mas de risco...

(iii) Sei que tu eras um jovem médico, provavelmente ainda com pouca experiência clínica... Galomaro (e por extensão a Guiné) foi uma escola para ti ? Temos ouvido mais os cirurgiões, que faziam "milagres", nomeadamente no HM 241, em Bissau..


Rui Vieira Coelho, médico reformado, ex-alf mil médico BCAÇ 3872 e BCAÇ 4518 (Galomaro, 1973/74, e subdelegado de saúde da zona de Galomaro-Cossé [, foto à direita, em 1973, no Saltinho]] (*). Texto enviado em 20 do corrente:



2. Em relação a doenças de transmissão sexual, já falei de Pediculus Pubicus, Piolho do Púbis, ou vulgo Chato em português vernáculo.

A situação mais frequente era a blenorragia, com a sintomatologia habitual com dificuldade de micção, ardência uretral e supuração em que o seu agente era a Neisseria Gonorreia. A terapêutica á base de Penicilina resultou sempre eficazmente nesta patologia.

Por vezes aparecia uma ulceração na glande peniana o que pressupunha de imediato o diagnóstico de uma sífilis com a sua lesão primária (cancro duro) e que era imediatamente tratado com Penicilina Benzatinica 1200000( 1 milhão e duzentas mil unidades ) em injecção intra-muscular por semana durante 3 semanas seguidas.

Por vezes associada a estas situações apareciam as prostatites que na maioria dos casos tratavam-se de infestações por múltiplos agentes, como Neisseria, Estreptococos, Clamydia Trachomatis, Echerichia Cólica. etc, etc.

O Cancro Mole ou vulgo Mulas produzido pelo Bacilo Ducrey era pouco frequente na zona onde estava inserido

O Herpes genital já era mais frequente e com uma certa regularidade com irritação balano-prepucial, prurido e com rasgadas e escoriações. Na altura tínhamos a tintura de iodo ,e a solução álcool iodada (ardia até de mais)-. Tinha uma característica recidivante e não havia terapêutica como hoje em dia com o Aciclovir.

Da parte do pessoal não havia,  como dizes, uma grande reserva em relação ao Médico, no encobrimento da patologia sexualmente transmitida, isto no que me dizia respeito. Fui sempre aberto a todas as situações e nunca manifestei qualquer desagrado ou dei qualquer sentido pecaminoso a uma necessidade quasi fisiológica e de escape e de desanuviamento do pessoal militar tão novo.

Confiavam em mim e no segredo profissional a que estava subordinado, servindo de intermediário válido entre eles e o comando e sempre que necessitavam de aconselhamento.

O medo e em alguns a ansiedade permanente levavam por vezes a depressões, quase todas de carácter reactivo, á situação de guerra por que passavam, que se agravava exponencialmente, com mortos e ou feridos como resultado de ataques, com a falta de notícias dos familiares ou dos amigos, doenças e stress por antecipação. O sentido de perigo constante fazia com que entre camaradas a amizade e a solidariedade fossem a melhor terapêutica para um bom equilíbrio emocional, não obstante o stress pós traumático de guerra seja uma realidade.

Não é por acaso que o pessoal militar que passou pela Guiné, tem um sentido tão gregário,  é uma solidariedade por vezes sem limites, veja-se a quantidades de Tabancas existentes em Portugal . E também não é por acaso que nestas "Tabancas",  apesar de tudo o que sofreram,  se crie um desejo de ajudar "onde estivemos", e  é por essa gente que é no fundo humana como nós, com ideias e culturas tão diferentes,mas com um desejo enorme de não ter fome, de ter cuidados de saúde, de aprender, de ter esperança no futuro.

Também não é por acaso que se formam ONG ,a partir das "Tabancas" e no fundo o " Encontro de um Caminho " solidário, é por vezes uma Terapêutica Comportamental para o Stress pós traumático de que muitos foram e são vítimas, mas encontram um sentido,  é um objectivo de real importância para as suas vidas,que se sobrepõem aos factores negativos do psico-drrama que a querra lhes trouxe. Tudo serve como catarse para uma Integração plena e o readquirir de uma auto-eEstima perdida por todos nós, uns mais que outros.

O suicídio existia como solução final para pôr cobro a todos os problemas que uma guerra de guerrilhas trazia, nos deprimidos, pelo isolamento, pela solidão, pelo temor e medo constante, pela incerteza, pelo reviver de situações de emboscadas, de explosões, de mortos e feridos que com ele conviveram de perto, por exaustão e perda de fé fosse no que fosse.

Quanto a auto-mutilações,na Guiné enquanto estive no mato não tive conhecimento de nenhuma. Já na metrópole foram-me referidas algumas como secções de dedos do gatilho para não serem mobilizados para o Ultramar.

Espero ter respondido a tudo o que pediste e envio-te um Grande Alfa Bravo

Rui Vieira Coelho
Enviado do meu iPad
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 19 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13759: Os nossos médicos (83): Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (15): Todos (ou quase todos) apanhámos o pé de atleta, a flor do Congo, onicomicoses, chatos, matacanhas... Mas o que me preocupa hoje, como amigo daquele povo, é a doença por vírus Ébola... Vamos ajudar a ONGD "Ajuda Amiga" a mandar um contentor suplementar no 1º trimestre de 2015, com sabão, sabonetes e lixívia!... NIB: 0036 0133 991 000 251 3826

Guiné 63/74 - P13781: Aqui prós meus botões (Nelson Herbert, VOA - Voice of America)

1. Em mensagem do dia 9 de Outubro de 2014, o nosso amigo guineense, Nelson Herbert(*), que vive nos EUA, onde trabalha na VOA - Voice of America, Voz da América, enviou-nos este seu texto que intitulou de:

Aqui prós meus botões

Ainda na fase de digitalização de alguns documentos do meu espolio pessoal de todos estes anos de jornalismo, alguns bem confidenciais, outros nem tanto, e num misto de perspicácia e de curiosidade, não é que a mente fugaz impele-me para uma tentativa de desconstrução de um recalcitrado "sofisma" que por sinal tem servido de argumento uno e justificativo aos males vividos nas casernas militares bissau-guineenses?

Refiro-me pois a natureza não republicana das Forças Armadas e aos efeitos do Narcotráfico!
E explico-me!

Da análise de alguns dos OGE (Orçamento Geral do Estado) das ultimas décadas, ressalta à vista desarmada o quão substancial foi sendo, com a independência do país, o incremento da dotação orçamental, destinada às Forcas Armadas e às Forcas de Segurança, isto sem que para o efeito, tal investimento resultasse na modernização de 'pora" alguma nos dois sectores siameses! E estamos aqui a falar de um país que se limitou durante todos estes anos, a investir numa tropa que se entretinha, guerreando-se consigo próprio!

Folheio o folder" de documentos e os olhos se me arregalam perante os montantes em causa!
Compenetro-me na análise de alguns relatórios e documentos da Dinfomil, a contra-inteligência militar guineense, e deparo-me com um cortejo de casos flagrantes de corrupção, detectados, investigados, submetidos à consideração das tutelas e dos governos, denúncias que entretanto resultaram impunes.

Dos contratos de compra e venda da sucata militar, a munições obsoletas ou simplesmente condenadas à caducidade, para que delas rendessem "trocos", a carga de implicação de tais práticas na oneração das finanças públicas e no próprio desguarnecimento dos paióis militares, experiência de má memória - entenda-se pelo caso do tráfico de armas para os rebeldes independentistas do Casamance, qual rastilho para a Guerra Civil de 1998/99, a surripiada de bens e géneros alimentícios das cantinas militares, aos contratos fictícios de fornecimento aos quartéis, com a intendência militar a provar o seu primor na arte da "contabilidade criativa".

Enfim, a "sorte" das inspeções e relatórios produzidos a propósito, foi caindo invariavelmente num "balaio furado", por promíscuas conveniências de uns tantos governantes, com destaque para alguns dos ministros do sector (por sinal bem identificados) ou de chefias militares superiores e intermédias, useiros e vezeiros na arte da rapinagem.

Enfim um historial de "camuflagem" e de impunidade face ao antro de corrupção em que se transformara as instituições castrenses bissau-guineenses, com reflexos na anarquia que lhe é hoje peculiar, maleitas que entretanto para gáudio da impunidade, o Narcotráfico nas casernas e a natureza não republicana das FAA em boa hora prontificaram a perfilhar!

Nelson Herbert
USA
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13762: Viajando numa estrada em guerra (Nelson Herbert, VOA - Voice of America)

Guiné 63/74 - P13780: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (13): Em Castela-e-Leão, para me prostrar em duas catedrais assombrosas

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Outubro de 2014:

Queridos amigos,
A magnificência destas catedrais não faz perder de vista como a nossa história tem aqui as suas raízes, há que regressar para visitar Segóvia e Ávila, Salamanca e Valhadolid.
As catedrais de Burgos e Leão são muitíssimo diferentes, Burgos é o fausto extremo, a opulência com marcas de muito bom gosto; León é o somatório de um espaço airoso que aloja quilómetros de vitrais, estão entre os mais belos da humanidade.
Senti-me compensado e decidido a regressar aos solos dos avós de Portugal.

Um abraço do
Mário


Biblioteca em férias (13) 

Em Castela-e-Leão, para me prostrar em duas catedrais assombrosas

Beja Santos

Sai-se de Logroño, já não há mais o Ebro, depois de Miranda de Ebro, vamos a caminho da região mais extensa da União Europeia, Castela e León, um pouco maior que Portugal, aqui o Douro pontifica, pela via ferroviária avistam-se cordilheiras ao fundo, aos poucos a vegetação torna-se rala, sigo para Burgos, mas depois do que li e das imagens que vi iria com igual vontade até Ávila, Salamanca, Segóvia ou Valhadolid, referências incontornáveis da nossa História, por aqui andaram reis e príncipes e diplomatas portugueses a fazer tratados ou a preparar casamentos. Paciência, tudo tem o seu tempo. Aqui começou a Espanha, aqui houve as capitais que antecederam a Madrid, aqui se erguem as inconfundíveis e gigantescas catedrais de Burgos e León, móbil desta visita. Zamora já conhecia, quando fui visitar a Miranda do Douro o Abel Rodrigues, da CCAÇ 12, com quem convivi e fiz estima em Bambadinca, levou-me a Zamora expressamente para visitar a catedral e as faustosas tapeçarias flamengas. A estação ferroviária fica a alguma distância de Burgos, impôs-se uma viagem de táxi, arrumei os pertences e ala que se faz tarde, a partir de agora a cidade está por minha conta, amanhã de manhã, por inteiro, será a visita da catedral. Começo pelo passeio de Espolón, virei à esquerda depois de passar pelo monumento ao Cid, cujos restos mortais e os de Jimena, estão debaixo da fabulosa abóbada da catedral. E paro no Arco de Santa Maria, vou aproveitar a última luz para ficar com a sua imagem.


Dizem os livros que é o arco mais bonito da cidade, encerra um salão de exposições e um museu de farmácia. No seu interior, que contém excelente artesanato e estuques mudéjares, esteve instalado o Concelho de Burgos até ao século XVIII. E parti para a catedral, àquela hora começava um concerto na Plaza Mayor, fui pelas ruas laterais, as paredes gigantescas da catedral estão à mostra, já sei que amanhã vou entrar pela Porta Real ou do Perdão, com o seu magnífico frontão, um conjunto flanqueado por altas torres que terminam em agulhas finas. Estou embasbacado, é pesado e leve, é denso e diáfano, é desmesurado e íntimo.


Desculpem a imagem atabalhoada, cortei uma das agulhas, trata-se de uma porta lateral, não é a Porta Real, não posso perder tempo, está cada vez mais escuro, vou circundar a ver se apanho uma outra boa imagem.


O templo religioso, Património da Humanidade desde 1984, é simétrico, ao longo dos séculos evolui-se do gótico para o plateresco, enxertaram-se capelas, abriram-se e fecharam-se portas. Gostei muito desta torre, confrontada com património urbano civil, não sei porquê lembrei-me da Sé de Braga, associação disparatada, não faz mal, esta imponência a caminho dos céus será a última imagem do dia. Mas não foi, vi ali ao pé uma fonte, devia ter matado a sede a muito peregrino, ao longo dos séculos, ainda estamos na rota para Santiago, gosto muito da rusticidade das figuras:


Esta fonte poligonal atraiu-me pela conjugação feliz com o tardo-gótico como pano de fundo. Não há turistas, a esta hora devem estar a encaminhar-se para os comedouros, aqui pontifica a morcela de arroz, também estou interessado em prová-la.


Venho com o tempo contado, há ainda que tomar um táxi até à estação, o comboio para Leão parte às 13h30, antes de entrar pela Porta Real cirandei e captei este ângulo das torres, são imponentes de onde quer que se avistem. E agora vou encafuar-me no tesouro mais valioso de Burgos.


Não fosse eu um tosco fotógrafo amador e teria captado esta extraordinária cúpula, um dos pontos fundamentais da visita. Se acaso o leitor acreditar no que lhe digo é certo e seguro que numa das suas próximas saídas virá até aqui. Por fora, já se viu que este maciço é flanqueado por altas torres, por dentro este edifício gótico tem por base a cruz latina, de nave transversal e três longitudinais e dezanove capelas, um cadeiral soberbo que tem o grave senão de cortar a perspetiva ao viandante que se posiciona na entrada e que supõe que toda aquela majestade só ganharia com o absoluto desafogo, são assim as coisas da ostentação. É pena não poder registar imagens, esta velha câmara tem o flash proibido. Já me deliciei com o “Papa-moscas”, personagens do mecanismo de relojoaria, depois entrei no golfão dos sepulcros, retábulos, dentro e fora das capelas, sentei-me extasiado na capela do Contestável, dedicada a Pedro Fernández de Velasco, Condestável de Castela, detive-me na Escadaria Dourada e bem estiquei o pescoço para ver se não perdia detalhe da abóbada com a estrela de oito bicos, filigrana em pedra nunca vi assim. Está na hora de partir, saí zonzo de tanto esplendor e antes de rumar para o hotel apanhei esta igreja ali ao lado, parece que íamos ter cerimónia:


Lembrou-me uma igreja italiana que vi em Florença, mas o que me impressionou foi estar ali bem pertinho da catedral e ter esta escadaria boa para penitentes, apropriada para quem vai pedir perdão. Adeus Burgos, hasta la próxima…


Não guardei impressão da viagem, seguramente que dormitei, tal o peso das emoções. Sei muito bem que saí da estação de Leão e encaminhei-me para o objetivo por uma avenida monumental, era uma tarde aprazível, a temperatura tem vindo ligeiramente a arrefecer. Fiz ao auto na Casa de Botines, ela aqui está, obra modernista do genial Antonio Gaudí, felizmente que não vinha distraído e sabia da existência desta joia arquitetónica. Desculpem a imagem não estar bem centrada, não há muito a esperar deste fotógrafo remendão, mas confessem que o Gaudí está sempre a pregar partidas.


Quando se fala da catedral de Leão a primeira referência vai para os 1800 metros quadrados, só tem rival com Chartres, perto de Paris. É uma injustiça não elogiar a sumptuosa fachada, aquelas torres que encimam as três entradas, uma delas corta a respiração, é um rendilhado de pedra, não sei porquê ocorreu-me pensar no Pórtico da Glória, em Compostela, os fiéis ficam pequeninos com o arrojo destes escopos e cinzéis que bordaram a entada principal. Felizmente que não há dezanove capelas para visitar, como em Burgos, só os vitrais dão imenso trabalho, sai-se daqui com a alma atestada, vou tirar as últimas fotografias, e despedir-me de Leão e da sua catedral, foi visita de médico.


Surpreende as tonalidades da pedra, o perceber-se sem qualquer dificuldade que há aqui diferentes intervenções ao longo dos séculos, deve ser um mistério bem guardado como esta grandiosidade de pedra, que terá custado uma fortuna na época foi feita em tempo recorde, coisa da fé dos homens. E antes de virar as costas a esta construção tão delicada e à imersão no banho de vitrais, não resisti a mais um pormenor escultórico desta faustosa entrada da catedral:


Simulei que tinha dons para regressar ao passado, supus que era assim que o crente medieval olhava a bíblia de pedra e entrava reconfortado no tempo. Mesmo que tenha suposto erradamente, esta obra-prima é um documento de fé empolgante. E digo adeus a Leão, sigo para a província de Lugo, vou até Monforte de Lemos, e de lá parto para Vigo. Depois conto.
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13738: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (12): Viagens pelo Norte de Espanha: Em Logroño, e já a pensar nas catedrais de Burgos e León

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13779: In Memoriam (200): Manuel Simões (1941 - 2014), um português de Bolama, que foi a Conacri ao funeral de Amílcar Cabral, e que andou na escola com 'Nino' Vieira, e que recebia, em Jugudul, de braços abertos, os seus amigos, fossem de Cabo Verde, fossem de Portugal (Manuel Amante / A. Marques Lopes / Xico Allen / António Camilo / José Teixeira)


Guiné-Bissau > Região do Oio (Mansoa) > Jugudul > Abril de 2006 > Recebendo os amigos portugueses, Xico Allen, A. Marques Lopes & companhia. O Manuel Simões, aqui à direita, fazendo as honras da casa. O almoço foi leitão,,, à moda de Jugudul. (À esquerda, de perfil, o A. Marques Lopes).

Foto: © Inês Allen (2006). Todos os direitos reservados


Guiné-Bissau > Região do Oio (Mansoa) > Jugudul > Abril de 2006 > O leitão da região do Oio, feito à moda de Jugudul, em casa do Mauel  Simões (aqui de pé, a presidir à mesa), não ficava atrás, bem pelo contrário, do letão à moda da Bairrada. Foi comer e chorar por mais, garantiu o A. Marques Lopes. À direita, em primeiro plano, o jovem Hugo Costa, filho do Albano Costa, de Guifões, Matosinhos. Na comitiva do Porto (um jipe!) também ia a Inês Allen, filha do Xico Allen (que não aparece nestas fotos).

Foto: © Inês Allen (2006). Todos os direitos reservados


Guiné-Bissau > Região do Oio (Mansoa) > Jugudul > Abril de 2006 > O A. Marques Lopes, de pé, mais elementos do grupo do Porto, sentados (onde reconheço o Armindo Pereira e o Manuel Costa), em casa do Manuel Simões.

Foto: © Inês Allen (2006). Todos os direitos reservbados



 Guiné-Bissau > Região do Oio (Mansoa) > Jugudul > Abril de 2006 > O antigo aquartalemento das NT, em Jugudul, cujas instalações foram cedidas, a seguir à independência, ao Manuel Simões, guineense branco de Bolama, para a sua fábrica de aguardente de cana. O Manuel conhecia o 'Nino' Vieira do tempo da escola, presumindo-se que fossem mais ou menos da mesma  idade.


Foto: © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Telefonou-me, esta manhã, da Praia, Cabo Vrede, o nosso camarada Manuel Amante da Rosa, dando a triste notícia de que o seu primo Manuel Simões, de Jugudul, tinha acabado de morrer. 

As notícias tristes espalham-se depressa.  Mas, assim, de chofre, eu não estava a ver quem era o Manuel Simões. Nem reconheci de imediato a voz do Manuel Amante da Rosa que conhecera pessoalmente em Lisboa, uns anos antes, e com, quem já não falava há muito tempo aoa telefone.

O Manuel Amante disse-me que o Manuel Simões era irmão do Januário (se bem percebi. ao telemóvel) e que era conhecido da malta do blogue. Também tinha barcos, tal como pai do Manuel Amante e trabalhou para a tropa durante a guerra. Pedi-lhe para fazer uma pequena notícia, e com uma resenha biográfica. Mas depois, de repente, lembrei-me dele: o Xico Allen, o A. Marques Lopes, a Inês Allen, o Hugo Costa e outros camaradas e amigos tinham estado em abril de 2006 a comer leitão na casa dele... Temos um poste publicado pelo A. Marques Lopes sobre esse memorável visita da malta do Porto a Jugudul (*).

Sei muito pouco sobre o Manuel Simões, para além, daquilo que foi publicado no blogue... Mas é mais um amigo, lusoguineense,  que desaparece. Um resistente. Um português, ou um descendente de portugueses das sete partidas. Entrei em contacto com alguns camaradas que eram visita da sua casa, pedindo-lhes que escrevessem qualquer cois mais para completar as minhas notas, e fazer um In Memoriam...  Sabemso que nasceu em Bolama em 1941.

De qualquer modo e qualquer que fosse a sua crença, e a crença dos seus amigo, só espero que Deus, Alá e os Bons Irãs o guardem em paz. LG

PS - Num outro poste, mais recente (2013), do José Teixeira, eu já tinha encontrado outra referência ao Manuel Simões:


(...) "A pista de Amedalae, ou a estrada transformada em pista de aviação para descarga da malfadada droga, o Matu Cão, do Alfero Cabral, a Ponte dos Fulas, ou o Sr. Manuel Simões. do Jugudul, o senhor que geria a empresa, à qual o exército português fretava os barcos para levar os mantimentos às suas tropas no interior. Amigo do Amílcar Cabral, a cujo funeral foi, transportando a bandeira do clube onde ambos eram associados e não foi preso quando regressou a Bissau. No fim da guerra comprou ao 'Nino' Vieira o quartel do Jugudul e montou um alambique de aguardente de cana". (...) (**)



2. Mensagem, de resposta ao meu apelo, enviada pelo José Teixeira [, foto à direita], às 13h41


Paz à sua alma.

A história que escrevi, sobre a sua ida ao funeral do Amílcar Cabral, foi-me contada pelo próprio Manuel em 2011, quando estive em casa dele, com os meus filhos. Voltei lá o ano passado e notei-o muito acabado e com problemas de saúde, mas como enquanto há vida há esperança...

Conheci-o em 2005, quando voltei à Guiné e, a partir desse primeiro encontro, sempre que fui à Guiné, passava pela casa dele para conversar um pouco

Era um homem extremamente simpático e sabia acolher muito bem. Sempre alegre e bem disposto. Tinha sempre uma história para contar, sobre a vida dele e da família. Antes da guerra, ele, o pai e um irmão comerciavam arroz das bolanhas do sul. O pai e o irmão foram mortos logo nos primeiros tempos de guerra, segundo consta, pelo PAIGC, ficando ele com o negócio.

Como tinham vários barcos, começou a negociar com as Forças Armadas Portuguesas no transporte de mantimentos paras tropas do interior. Era uma pessoa importante no eixo militar pelos serviços que prestava e dava-se bem com todos, tendo naturalmente muitos amigos ligados ao PAIGC, o que não escondia.

Sobre a compra do quartel de Jugudul, eis o que ele mesmo me disse: quando acabou a guerra, telefonou ao 'Nino' Vieira, seu conhecido desde os tempos de escola, e mostrou interesse em comprar o quartel de Jugudul, o que o Nino aceitou, transformando-o numa destilaria.

Em 2013, quando estive com ele, disse-me que tinha encerrado o fabrico de aguardente, devido à abertura de uma destilaria em molde modernos nos arredores de Bissau com produção a custos mais baixos, o que estava a arruinar os fabricantes antigos.

Um bom amigo, cuja morte lamento

Paz à sua alma.

José Teixeira


3. Comentário de LG:

Falei ao telefone com o A. Marques Lopes e o Xico Allen. O Xico era amigo do Manuel Simões, já  de longa data. Ele e o António Camilo,  que ainda há tempos tinha falado com ele ao telefone. O Camilo tinha um jipe, em Jugudul, à guarda do Simões. Ele ter-lhe-á dito, ainda recentemente,  que era preciso as mudar velas do jipe. O Simões tinha ido a Dakar fazer uma intervenção cirúrgica, regressou a casa e parecia estar a recuperar bem. A criada encontrou-o morto esta manhã. O Xico já sabia da notícia através do Camilo.

Obrigado a todos os seus amigos que quiseram compartilhar connosco, através do nosso blogue, estes elementso que ajudam a conhecer melhor um homem e um patrício que viveu toda a sua vida na Guiné, segundo creio. Dele pode dizer-se que foi (é) mais um dos fabulosos portugueses, ou descendente dos portugueses das sete partidas... Parte agora definitivamente para a última viagem,
aquela que já não tem retorno. Espero que o barqueiro de Caronte seja gentil com ele.

Obrigado, Xico Allen, A. Marques Lopes e Zé Teixeira (mas também Manuel Amante, seu prima e António Camilo, visita frequente da sua casa), pela vossa partilha de memórias e de afetos, O Manuel Simões, que andou na escola com o 'Nino' Vieira, era dlois anos mais novo. Morreu hoje aos 73 anos. (***)

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Notas do editor:


(...) vou acabar com uma coisa alegre: uma grande almoçarada (um leitãozinho!!) que o nosso amigo Manuel Simões nos ofereceu nas instalações da sua destilaria de aguardente de cana. Ele é o homem grande branco que eu indico nas fotografias tiradas pela Inês. É um guineense branco, nascido em Bolama, companheiro do Pepito e do Lúcio Soares, também nascidos em Bolama. Foi, mais novo, jogador de futebol e chegou a dirigir o clube Balantas.

Dedica-se à aguardente de cana, mas tem também uma ponta [herdade] onde explora caju. Após a independência conseguiu que lhe cedessem o aquartelamento de Jugudul para a sua fábrica de aguardente, deixando apenas uma parte destas instalações para ser montado um posto da polícia de viação lá do sítio... que ainda não existe.

É um amigo sempre de braços abertos, acolhedor, como vêem. Vale a pena visitá-lo. (...)



(**) Vd. poste de 1 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11661: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (3): No antigo corrredor da morte: Gandembel, Balana, Mejo, Guileje ... E as novas tabancas do Cantanhez: Amindara, Faro Sadjuma, Iemberém... E as crianças a correr atrás de nós: Poooorto! Poooorto! (Leia-se: Portugueses, Portugal)


(***) Último poste da série > 6 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13697: In Memoriam (199): Lisboa, Cemitério dos Olivais: a última homenagem ao comandante Alpoim Calvão (1937-2014) (Vídeo de José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)... Missa do7º dia, hoje, às 19h15, na igreja paroquial de Cascais