Lourinhã > Praia Vale de Pombas (1) > 2005 > "Um homem e a a sua cruz"... O Picão faleceu no hospital de Leiria no dia 28 de Maio último, de madrugada, tendo o funeral sido em S. Martinho do Porto no dia 29 às 16 horas. Gravemenete ferido num ataque a Catió, com foguetões 122 mm, no 14 de Abril de 1970, nunca mais pôde trabalhar. Não tinha Segurança Social, pelo que o funeral foi às custas da sua pobre família e dos seus amigos... Mais um estória triste e revoltante.
Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados.
1. Mensagem do Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico da CCS / BCAÇ 2930(Catió, 197o/72) (2):
Luís,
Sábado passado, dia 2, o BCAÇ 2930, a que pertenço, realizou mais um encontro anual. O Rocha Pais, que foi enfermeiro do batalhão, pediu-me ajuda com o documento que te mando.
Podemos fazer alguma coisa? O camarada recém falecido ficou gravemente ferido numa brutal ataque com foguetões 122 a Catió em 14 de Abril de 19971. Ficou cheio de estilhaços... e parece que morreu com uma complicação pulmonar, provocada por um deles. Morreu na miséria (foi preciso arranjar dinheiro para o funeral) e deixa a viúva com a quantia que o documento refere. Haverá um processo oficial, perdido algures em qualquer repartição das Forças Armadas, a pedir o apoio a que ele tinha direito.
Se não se conseguir nada a nível oficial, tentarei sensibilizar uma TV qualquer.´É triste, mas terá que ser assim... embora não faça o meu género.
Abraço
Amaral Bernardo.
P.S. - Podes dar a publicidade que entenderes
2. Mensagem enviada pelo Luís Martins Silva , com data de 31 de Maio de 2007, para o Rocha Pais:
Pais:
Lamento ter de informar que não podemos comparecer ao Encontro. A minha sogra ficou internada no hospital de Beja, em observações, pelo que não sabemos o desfecho do assunto. Se puderes ainda avisar que são menos 2, melhor, se tivermos que pagar diz alguma coisa.
Mandou-me hoje uma mensagem a Dª Susete, viúva do Picão. Pede para darmos um abraço a cada um dos nossos companheiros, pois o Picão dizia sempre que gostava de abraçar cada um.
Sei que vais estar só, de nós os três que tivemos no funeral, mas se tiveres hipóteses, fala no assunto e se vires que há condições pede o apoio dos nossos companheiros.
Por mim a única coisa que posso fazer é escrever a seguinte mensagem que depois, se vires que há hipoteses, podes ler para os nossos camaradas.
Amigos ecompanheiros.
Por motivos relacionados com a doença súbita de um familiar, não me é possível estar este ano, presente no nosso convívio. No entanto, não quero deixar de vos saudar a todos e às vossas famílias, desejando que , apesar das contrariedades da vida, consigamos sobreviver mais alguns anos para nos continuarmos a encontrar.
Um dos que nunca esteve connosco nos Encontros, mas que nós lembrávamos bem, era o José Júlio Abreu Picão.
Nunca mais vai estar connosco, apenas em pensamento. Faleceu no hospital de Leiria no dia 28, de madrugada, tendo o funeral sido em S. Martinho do Porto no dia 29 às 16 horas. Estivemos eu, o Pais e o Lisboa. No momento do corpo descer à terra, com a autorização da família e por concordância do Pais e do Lisboa, teci algumas considerações sobre o nosso amigo que nos deixou. Realcei o facto de o Picão ter esperado 37 anos por uma pensão, dado que, tendo sido ferido como sabeis, no 14 de Abril de 1970, nunca mais pôde trabalhar . Não tinha segurança social, pelo que o funeral foi às custas da família (esposa) e dos amigos. Trata-se, como pudémos comprovar, duma familia bastante pobre e carenciada (viviam com a reforma da actual viuva, de 230 euros mensais), ele, a esposa e uma neta que criou desde o nascimento e agora com 13 anos.
Por isso, daqui faço um apelo à nossa generosidade para com aquela senhora, que está a passar por maus momentos, não só espirituais, como materiais. Se assim o entenderem, podem entregar os vossos donativos ao Pais, que lhos fará chegar. Se entenderem fazê-lo directamente, o Pais tem consigo a morada da viúva.
Pedia-me hoje por mensagem, a viúva, que no nosso Encontro eu desse um abraço a cada um de vós, em nome do Picão, pois em vida manifestou esse desejo. Faço-o através desta mensagem. Que Deus nos dê coragem para aguentarmos com mais este embate e outros mais que virão a caminho.
Tal como disse no funeral do Picão, repito-o agora:
ADEUS AMIGO, ATÉ SEMPRE.
Luís Martins Silva
ex-furriel miliciano mecânico auto.
Pais:
li igualmente as mensagens que reencaminhas-te do alferes Santos. Se ele estiver no Encontro dá-lhe um abraço bem forte.
E tu, que és um homem de coragem, ve se consegues sair desse imbróglio.
Recebe um abraço para ti e Rosalina do
Luís e Elsa
3. Comentário do editor do blogue:
Estou fora de Lisboa, com dificuldades de ligação à Net (Eu ladrão me confesso: isto de contar com o ovo no cú da galinha, que é como quem diz, com o sinal da rede sem fios... do vizinho!)...
O Amaral Bernardo telefonou-me há dias a contar este triste caso, acima descrito. Só agora consigo pô-lo no blogue. Não podemos ficar indiferentes a situações como estas que, mais uma vez, nos chocam, envergonham e entristecem.
O nosso blogue abre o seu espaço às sugestões e comentários de todos os camaradas, em geral, e dos camaradas do BCAÇ 2930, em particular. Como demonstrar a nossa solidariedade para com o Picão e a sua família ?
Antes de mais, trata-se de dar um murro na burocracia, no cinismo e na indiferença. Há tempos comentámos aqui um caso semelhante, o de um camarada que morrreu, como um cão, na sua barraca, na Nazaré (3). L.G.
_________
Nota de L.G.:
(1) Vd. Luía Graça > Blogue Fora-Nada... E Vão Dois > Post de 9 de Novembro de 2005 Blogantologia(s) II - (15): O amor em Agosto
(...) Nem vale.
Nem pombas.
Nem praia.
Na Praia do Vale de Pombas,
À maré cheia, à praia-mar,
Há apenas um fio de água doce
Que mantém os cordões umbilicais
Do infinitamente pequeno da vida
Ligados ao infinitamente grande
Dos corpos celestiais.
Vale de Pombas:
Aqui caiu uma chuva de meteoritos.
Um dia hei-de lá levar-te.
(...)
(2) Vd. post de 2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1489: Tertúlia: Formalizo o meu pedido de entrada (Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico, Catió, BCAÇ 2930)
(3) Vd. post de 3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1398: Poema de Natal: Só agora, camarada, te mataram (Jorge Cabral)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário