Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > Simpósio Internacional de Guiledje > 7 de Março de 2008 > Piquete de dia, prestando homenagem aos grandes Combatentes, já falecidos, da Liberdade da Pátria, junto ao mausoléu de Amílcar Cabral... (LG)
Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados
1. Mensagem do Helder Sousa , ex-Fur Mil de Transmissões TSF (Bissau e Piche 1970/72), que me foi enviada há já algum tempo, ainda antes da minha partida para a Guiné, como participante do Simpósio Internacional de Guileje...
Nota do editor:
Sinto que há uma certa oportunidade editorial em publicar esta mensagem neste momento (1). Espero que isso nos ajude a gerir melhor as nossas emoções e gerar mais e melhores ideias para o futuro... O Hélder Sousa, que vive em Setúbal e que nunca mais voltou à Guiné (nem sei se tem vontade de lá voltar), toca aqui, com sabedoria e serenidade, nalguns pontos sensíveis, em que facilmente nos revemos. Por exemplo, a nossa amizade para com a Guiné e a população guineense pode (e deve) ser mais proactiva, mais solidária ? Seria bom reflectirmos sobre isso... LG
Luís:
Em anexo remeto um pequeno texto que tinha a pretensão de ser o início das histórias que queria enviar para o Blogue.
Como tem o aspecto de ser mais um texto de reflexão do que descritivo, acabei por não o desenvolver e não o utilizar.
Entretanto, ao reler o que lá está, e tendo em conta o Simpósio [Internacional de Guileje] e a viagem de inúmeros camaradas à Guiné e particularmente a Guiledje, decidi partilhá-lo porque me parece que estão lá dois ou três aspectos relevantes e que têm a ver com o momento e a envolvência do evento que irá ocorrer.
Trata-se de avançar com possíveis explicações para o rememorar da guerra em geral e da Guiné em particular, do efeito que o Simpósio pode ter no lançamento de novas e consistentes iniciativas e também do ricochete que toda esta dinâmica e este envolvimento não deixarão de fazer no Blogue.
Um abraço
Hélder Sousa
2. Contributo: Alguns antecendentes,
por Hélder Sousa:
Antes de relatar a minha passagem pela Guiné devo fazer algumas considerações sobre um conjunto de questões e circunstâncias que acho que têm relevância para o enquadramento, tanto mais que alguns desses aspectos são, de vez em quando, abordados no Blogue, nomeadamente as questões da consciência política dos militares nossos contemporâneos e o problema dos refractários e desertores.
Por outro lado há um outro fenómeno que muito me tem interessado. Trata-se da aparente vaga de fundo que a questão da guerra colonial tem conhecido recentemente, nos seus vários aspectos, traumáticos, saudosistas, gloriosos, heróicos, altruístas, generosos, solidários, etc., de que o nosso Blogue (e não só) tem feito eco.
É claro que o efeito Guiné é fortemente aglutinador pois aquele pequeno território teve (tem) o condão de não permitir que quem lá esteve, viveu, lutou e sofreu, lhe seja indiferente. Marcou muito profundamente todos os que por lá passaram, fossem quais fossem as suas circunstâncias, pelo que, mais do que qualquer outro lugar por onde os jovens portugueses foram chamados a cumprir o serviço militar, a Guiné une, e o seu apelo faz com que muitos dos que até aqui optaram pelo silêncio, por tentar esquecer, por evitar falar daquilo que se viveu no nosso vietnamezinho, venham agora relatar em apontamentos autênticos, sofridos, em livros, em memórias, etc., aquilo que finalmente pode constituir o verdadeiro levantamento da História da Campanha da Guiné, no Século XX.
O facto do território ser relativamente pequeno, das acções abrangerem praticamente toda a sua extensão, de ser facilmente do conhecimento geral os problemas, dificuldades, desaires e êxitos, passados em qualquer um desses lugares, principalmente dos mais badalados cujos nomes eram sempre pronunciados com respeito (Morés... Oio... Guileje... Guidaje... Gandembel... Aldeia Formosa... e tantos outros), faz com todos se sintam fraternamente unidos, para além dos limites das suas próprias Unidades, e daí o êxito do nosso Blogue que teve a feliz ideia de criar a Tabanca Grande onde todos podem caber.
Essa é uma das razões pelas quais o Blogue terá que perspectivar, mais cedo ou mais tarde, o sentido que todo este entusiasmo, este querer, esta maneira de dizer presente, irá tomar.
Sabemos que não devemos, não podemos nem queremos imiscuir-nos nas questões internas de outros povos (além disso, temos também muita coisa para fazer por cá, certamente), mas lá que talvez se possa contribuir para dar um novo impulso àquela terra isso certamente também haverá muita vontade, e acho que o famoso Projecto Guiledje poderá ser a porta de entrada para o caminho a percorrer.
Entrando agora nas questões mais pessoais devo dizer que, quando fui para a tropa, já a guerra ia com os anos suficientes para que várias fornadas de jovens tivessem passado por lá, já se conheciam bem os efeitos que isso ia fazendo nas famílias, já tinha passado o entusiasmo com que alguns responderam ao apelo de para Angola, já, e em força!... Por altura do Verão de 1969, quando ingressei em Santarém para o 1º Ciclo do CSM, a palavra Guiné era pronunciada com toda a reverência e era sinónimo de local de grande sofrimento e de temor por parte das famílias.
Em Santarém, na minha recruta, a preparação parecia ser feita de modo orientado para a actuação na Guiné, disso mesmo os oficiais que nos instruíam faziam alarde, quando passávamos o tempo enfiados nos charcos à beira-Tejo da Quinta das Ómnias, nos lameiros e mesmo nos paúis, sempre nos iam dizendo que era para não estranharmos quando chegássemos à Guiné, que seria certamente o nosso destino mais provável. Neste aspecto devo confessar que, do ponto de vista militar, psicológico e preparatório, e mesmo operacional, quem fez a 3ª incorporação de 69 do CSM em Santarém teve uma preparação bastante mais adequada do que sei que foi ministrada noutros locais e em outras ocasiões.
3. Comentário de L.G.:
Tens faro de sociólogo, camarada!... De facto, como interpretar esta tendência, esta aparente vaga de fundo, como tu lhe chamas ? Será que a Guiné passou a estar na moda ? Redescobrimos a Guiné, 500 anos depois ou 50 anos depois ? Passámos da guinefobia (com a guerra colonial ou guerra do ultramar) para a guinefilia (com o desencanto dos guineenses, e de nós próprios, com os últimos trinta anos da Guiné-Bissau como país independente) ? Guinefilia ou paixão serôdia, extemporânea, quiçá patológica... ? O que leva alguns de nós a voltar à Guiné, uma, duas, três e até mais vezes ?
Eu tenho a minha teoria, mas não quero estragar o efeito surpresa, não quero, com a minha opinião, enviesar o debate, não quero que me interpretem como sendo politicamente correcto, cinzentão, asséptico... Não quero muito simplesmente ser ideólogo de coisa nenhum... Não quero sobretudo desencantar os que nutrem pela Guiné e pelo seu povo uma genuína amizade, uma grande compaixão, a par de uma crescente preocupação pelo seu futuro como país independente, respeitável e respeitado, no seio das Nações...
Continuo, de resto, a fazer votos para que a nossa Tabanca Grande seja isso mesmo: uma aldeia suficientemente grande, onde todos nós (ou quase todos nós) possamos caber e sentirmo-nos relativamente confortáveis, na presença uns com os outros... Como aconteceu na semana de 29/2 a 7/3/2008, em Bissau e em Iemberém (um verdadeiro oásis no deserto!), a umas largas dezenas de portugueses e outros estrangeiros convidados por guineenses... Ao terceiro dia, e antes do galo cantar, eu já estava a lembrar ao Pepito:
- Há um provérbio português que diz Ao fim de três dias, o peixe e o hóspede fedem... E há outro que acrescenta, mais sibilamente: Duas alegrias os hóspedes nos dão: quando chegam e quando se vão...
Pois os nossos amigos guineenses, que têm um elevado sentido da hospitalidade africana, quase ficaram ofendidos... Mas eu sei que a AD, a ONG do Pepito que arcou com a principal responsabilidade da organização do Simpósio, praticamente ficou paralizada, nas últimas semanas, com a mobilização total dos seus quadros, colaboradores e funcionários e a sua afectação ao planeamento, organização e realização do Simpósio...
Agora é a altura de fazer o balanço e voltar à normalidade. Para uns e para outros... Da nossa parte, ficam responsabilidades acrescidas... Para alguns, quiçá mais pessismistas e agoirentos, não é bom libertar as abelhas selvagens no mato: podem cair-nos em cima... Ou, continuando a falar em termos metafóricos, senhores ex-combatentes, não brinquem com o fogo, não abram a caixa de Pandora, que os mortos estão enterrados, as feridas saradas e os vivos já arrumaram... as botas...
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. postes anteriores:
12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2626: Fórum Guileje (1): E Cameconde ? Cabedu ? E a nossa Marinha ? (Manuel Lema Santos / Jorge Teixeira / Virgínio Briote)
12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2628: Fórum Guileje (2): Nunca uma guerra foi feita de uma só batalha (Mário Fitas)
13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2629: Fórum Guileje (3): A Marinha esteve como peixe dentro de água no CTIG, e teve um papel logístico fundamental (Pedro Lauret)
14 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2638: Fórum Guileje (4): Minas aquáticas em Bedanda (Ayala Botto)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
É na pluralidade, na diversidade do relato das vivências que,penso eu, se encontrará a verdadeira realidade por "nós vivida como Povo" e se projectarão essas, verdadeiras, memórias no futuro. Ao menos as dos últimos cinquenta anos...Li e reflecti sobre o texto do H. de Sousa e agora sobre o do Mário Dias. Merecem mais que um comentário...para ambos e para todos um ob e abraços. TM-A amizade tem q ser RECÍPROCA...
Enviar um comentário