sexta-feira, 14 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2640: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (5): Um momento de grande emoção em Gandembel


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > O nosso querido amigo e camarada Zé Teixeira, aqui ao lado da Senhora Ministra dos Combatentes da Liberdade da Pátria, Isabel Buscardini, protagonizou um dos momentos altos do dia: a homenagem a todos os heróis de Gandembel, de um lado (NT) e do outro (PAIGC).


Fotos, vídeo e texto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados


Da Ponte Balana ao antigo aquartelamento de Gandembel é um saltinho (1). A caravana automóvel parou e fez uma visita, demorada, ao que resta - já muito pouco - do aquartelamento construído pelo Idálio Reis e os seus homens-toupeiras da CCAÇ 2317 (2).


Aqui fica o registo do emocionado discurso, neste lugar mítico, do José Teixeira, que foi 1.º Cabo Enfermeiro na CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada ,1968/70), hoje bancário reformado, vivendo em Matosinhos, e que veio de jipe, com mais outros camaradas, atravessando Portugal, a Espanha, Marrocos, a Mauritânia, o Senegal, a Gâmbia e a Guiné-Bissau, para estar aqui hoje, connosco:


"Gandembel... Neste lugar, que para mim foi a referência maior e mais importante que me obrigaram a viver.

"Quero recordar e saudar os camaradas portugueses que, na sua maioria, lutaram nesta terra, de G3 na mão, para salvar a própria vida.

"Recordar e saudar os guineenses que, a meu lado, lutaram convictos que estvam do lado certo da contenda. Quantos deles deram a vida na sua Pátria, pela minha Pátria, Portugal.

"Recordar e saudar a população maravilhosa, alegre e comunicativa, que nos acolheu, na sua terra, nas suas tabancas, nas suas moranças, sempre com um sorriso, com carinho.

" Recordar e lembrar milhares de jovens, de ambas as frentes, que regaram com o seu sangue esta terra, para que dela pudesse surgir uma árvore, a árvore da liberdade.

"Recordar e lembrar as populações, crianças, jovens e menos jovens, anciãos, que foram envolvidos nesta terrível luta de vida ou de morte e nela, inocentemente, muitos perderam a vida.

"Foi aqui em Gandembel que eu senti verdadeiramente o que era a guerra para onde me tinham empurrado. Visitei três vezes este lugar em colunas de reabastecimento oriundas de Buba / Aldeia Formosa, e na recolha da CCAÇ 2317, que fez nascer Gambembel, aqui viveu oito longos meses, para depois abandonar cumprindo estratégias e ordens superiores.

"Eu, aqui bem perto, em Mampatá Forreá, ouvia os estrondos da guerra que aqui se vivia. Gandembel, Guileje, Gadamael, Mejo ou Cacine. Rara era noite ou dia que não havia 'manga di sakalata'. [muito chocolate, porrada]

"De um lado tínhamos os heróis da resistência. Do outro os heróis da persistência. Onde a esperança nunca morria. Se um camaradas era ceifado por uma bala ou estilahço traiçoeiros, logo outro se levantava para continuar a luta.

"Dois povos em luta. A da vossa e da nossa liberddae, vistas de prismas diferentes. Nós, Portugueses, na sua maioria queríamos que os dois anos de Comissão acabassem depressa. Vós queríeis correr-nos daqui para fiora. Estávamos tão perto quanto aos objectivos pessoais e tão longe quanto aos meios para atingirmos esses mesmos objectivos.

"Vocês gritavam do lado de lá da floresta: 'Tugas, ides-vos embora!'...

"Gandembel foi um marco histórico. À capacidade estóica de resistência dos camaradas da CCAÇ 2317, juntava-se a teimosia e persistência de um inimigo que, sentindo a terra como sua, jamais desistiu da luta, que se tornou mais mortífera..

"Trouxe de Portugal uma pequena planta que quero plantar aqui em Gandembel. Quero que simbolize o espíritio de todos os que aqui lutaram. Todos os que aqui derramaram o seu sangue, sem distinção de raça ou cor.

"Quero que simbolize o espírito de paz e fraternidade que todos queremos alimentar. Quero que simbolize a esperança na construção de uma Guiné Bissau melhor. Onde haja pão para todos, saúde para todos, justiça social para todos.

"De mãos dadas, fiquemos um minuto de silêncio Relembremos todos quantos deram op seu sangue nesta terra. Quem tem fé, encomende-os a Deus, Pai e Criador, para que descansem em Paz".


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > Visita, a pé, ao antigo aquartelamento da CCAÇ 2317, construído em escassos meses, entre Abril de 1968 e Janeiro de 1969, abandonado pelas NT e destruído pelos sapadores do PAIGC... Gandembel/Balana era um espinho encravado no Corredor do Povo (para os portugueses, Corredor da Morte)... Na imagem, em primeiro plano, comandante de mar-e-guerra Pedro Lauret...

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > Visita aos restos do aquartelamento da CCAÇ 2317, construído entre Abril de 1968 e Janeiro de 1969... Em primeiro plano o Cor, na situação de reserva, Coutinho e Lima, que em 22 de Maio de 1973 deu ordem para abandonar Guileje, na qualidade de comandante do COP 5...



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > Restos de um abrigo do aquartelamento da CCAÇ 2317, construído com materiais fornecidos pela Engenharia Mulitar, entre Abril de 1968 e Janeiro de 1969...



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > Um pedaço do brazão, em cimento, da CCAÇ 2317, os Dragões Dourados...


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > O Zé Teixeira trouxe de Portugal uma planta que não precisa de terra, alimentando-se do oxigénio... "Quero que simbolize o espírito de paz e fraterbidade que todos queremos alimentar"...

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > Um voluntário sobe a uma árvore para prender a planta do Zé Teixeira...



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > Restos do aquartelamento da CCAÇ 2317, construído entre Abril de 1968 e Janeiro de 1969... Por aqui passou um pára-quedista, com o nome de guerra TIGRE... Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > Local onde estava o pau da bandeira, no meio da parada (?)... Restos de munições: 1 granada de RPG-7, metralhadora pesada Brownning, espingarda automática G-3, provenientes do Núcleo Museológico de Guiledje...


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > As explicações do Pepito... Sob a liderança da AD - Acção para o Desenvolvimento, tem sido feitas escavações em antigos aquartelamentos militares portugueses do sul da Guiné, tais como Guileje e Gandembel...

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > Vista do perímetro do antigo aquartelamento da CCAÇ 2317 (Abril de 1968-Janeiro de 1969)... Em menos de 40 anos, a natureza voltou a exercer os seus direitos sobre as construções (efémeros) dos homens... Mas grande parte do recinto foi capinado e limpo...

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > O antigo paiol, subterrâeno, da CCAÇ 2317... Depois do abandono do aquartelamento, em finais de Janeiro de 1969, Gandembel foi ocupado pelos guerrilheiros do PAIGC e as suas instalações destruídas por equipas de sapadores.


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > O antigo espaldão do morteiro pesado 81... O PAIGC usava o 120...


O Idálio Reis e os esquecidos mas heróicos sobreviventes de Gandembel/Balana mereciam esta (pequena) homenagem dos seus seus camaradas e amigos, portugueses. Mas também, através do gesto e das palavras do Zé Teixeira, prestar homenagem à persistência, à determinação, ao génio organizativo, à vontade de vencer e à coragem dos combatentes do PAIGC que pagaram um alto preço pela conquista de Gandembel/Balana, posição abandonada pelos portugueses em Janeiro de 1969.

Gandembel/Balana (1968/69) será, doravante, recordada como a mais silenciosa, prolongada e feroz batalha de toda a guerra, que envolveu diversas forças, incluindo tropas pára-quedistas. Foi um cerco prolongado que, do lado do PAIGC, preparou o caminho para a ofensiva, em Maio/Junho de 1973, contra Guidaje, Guileje e Gadamael...

O Idálio contou os ataques e flagelações neste curto tempo (para ele, um eternidade!) em que os homens-toupeira da CCAÇ 2317 construiram Gandembel/Balana, de raíz, com pás e picas, e defenderam-na, com unhas e dentes: nada mais, nada menos do que 372 ataques e flagelações, em menos de nove meses!...

De uma perspectiva sócio-antropológica da guerra colonial, Gandembel personifica a Síndroma do Estado de Sítio… Gandembel, Madina do Boé (que bem poderia ter sido a nossa batalha de Dien-Bien-Phu, Vietname, 1954), Guileje, Mansambo, Guidaje e tantos outros campos fortificados (a expressão é do PAIGC) foram, de facto, um verdadeiro Suplício de Sísifo para os combatentes portugueses.

O nosso blogue tem feito o que pode e o que deve para a dar conhecer a batalha de Gadembel e o suplício de Sísifo que foi a sua defesa, por parte das nossas tropas. Publicou nomeadamente um texto memorialístico, extenso, de grande riqueza humana, sociológica e historiográfica, escrito por uma homem dotado de excepcional capacidade de observação e de análise, mas também de serenidade e humanidade (que não mistura a razão e coração), o nosso camarada Idálio Reis, e que foi acompanhado de surpreendentes imagens que falavam por si. E irá recordar, no Simpósio Internacional de Guiledje, no dia próximo dia 5, os heróicos defensores portugueses de Gandembel...

Tínhamos prometido que, um dia, quando fôssemos à Guiné, tínhamos a obrigação de lá pôr uma flor, em Gandembel ou em Balana, aí onde tantos homens, de um lado e de outro, sofreram e morreram. A promessa foi cumprida por um de nós, o Zé Teixeira. E todos os restantes elementos da comitiva, guineenses, portugueses, cubanos e outros, que se deslocavam para Guileje, quiseram associar-se a este momento mágico e único, a este gesto de grande humanidade e sensibilidade.

Dali, de Gandembel/Balana, mandámos em pensamento um forte e comovido abraço para o Idálio Reis e para os demais homens-toupeira, os homens de nervos de aço, da CCAÇ 2317, onde quer que eles estivessem, neste dia 1 de Março de 2008, às 11h30. E ao meio dia partimos para o famoso corredor de Guiledje, corredor da morte, para uns, corredor da libertação, para outros... Será o tema da nossa próxima crónica.

Luís Graça


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Notas de L.G.:

(1) Vd. postes anteriores, no âmbito da nossa participação no Simpósio Internacional de Guileje:

8 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2618: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (1): Regresso a Bissau, quatro décadas depois...

9 de Março de 2008> Guiné 63/74 - P2620: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (2): O Hino de Gandembel, recriado pelos Furkuntunda

9 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2621: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (3): Pequeno-almoço no Saltinho, a caminho do Cantanhez

11 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2625: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (4): Na Ponte Balana, com Malan Biai, da RTP África


(2) Vd. postes de:

16 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá

9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo

12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel

2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras

9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel

23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço

21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28

8 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968

19 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques

18 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2117: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (10): O terror das colunas no corredor da morte (Gandembel, Guileje)

10 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)

18 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2276: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) - Anexo I: Destacamento da Ponte Balana

18 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2277: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) - Anexo II: Gandembel/Balana, Março de 2007 (Pepito)

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