1. Mensagem de Arménio Santos, ex-Fur Mil de Rec Inf, Aldeia Formosa, 1968/70, com data de 3 de Novembro de 2009:
Senhor Luís Graça
Permito-me enviar-lhe duas fotos e alguns dados relativos à minha condição de ex-combatente da Guiné, esperando que correspondam à V/praxe, e candidato a entrar no V/blogue.
A recomendação é do Prof. Jorge Cabral, da Universidade Lusófona.
Um abraço
Arménio Santos
Arménio Santos - Apresentação
Foi Furriel Miliciano, especializado em Informações e Acção Psicológica, destacado em Aldeia Formosa – Quebo, entre Outubro de 1968 e Novembro de 1970.
Esteve em rendição individual e, como responsável pelo SIM - Serviço de Informações Militares, trabalhou com os, então, Major Carlos Azeredo, Tenente Coronel Carlos Hipólito e os Majores Pezarat Correia e Mexia Leitão.
Fez a recruta na EPC – Santarém, em Julho de 1967 e a Especialidade em Reconhecimento e Informações no CISMI, em Tavira, Setembro de 1968.
Bancário, do BPA e do Millennium BCP, foi presidente do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas.
Hoje é Deputado na Assembleia da República, pelo PSD, e Secretário-Geral dos TSD – Trabalhadores Social Democratas.
Reside em Oeiras.
Email: armeniosantosnaguine@gmail.com
Uma história
Aldeia Formosa era um aquartelamento onde se concentravam muitos efectivos militares. Primeiro era o COSAF – Comando Operacional do Sector de Aldeia Formosa e depois passou a sede de Batalhão, tinha várias unidades de milícias nativas e era placa giratória de tropas especiais envolvidas em operações na zona de Guilege – Gadamael – Salancaur Sul.
Havia, portanto, muitos militares.
O rancho nem sempre era famoso. Pelo contrário. E quando havia oportunidade para fazer um churrasco, especialmente furtivo, para além de se variar do prato habitual, era uma oportunidade fantástica para confraternizar, esquecer os riscos e o isolamento em que se vivia e partilhar pedaços da vida pessoal e familiar de cada um.
Só que, o churrasco nem sempre era conseguido pelas melhores vias. Algumas vezes lá ia uma vitela, um porco ou um cabrito à “revelia” do dono. O que era furtado tinha outro gosto.
Num desses casos, o Cherno Rachid, o chefe religioso dos Fulas, cuja influência ultrapassava as fronteiras da Guiné-Bissau e era reconhecida desde a Gâmbia à Costa do Marfim, com quem eu trabalhava estreitamente mercê da minha função, e com o qual as tropas portuguesas tinham as melhores relações, mandou o Bubacar Jaló chamar-me que desejava falar comigo.
Pensei que se tratava de mais um dos muitos contactos que tínhamos sobre as actividades do IN ou sobre os problemas na Tabanca.
Quando cheguei percebi logo que o assunto teria de ser outro. O Cherno Rachid não estava sozinho, como era normal naqueles casos de trabalho, estava rodeado por um grupo de “Homens Grandes” e uma bajuda. Bastante bonita, por acaso.
Que assunto pretendia tratar o Cherno Rachid? Simplesmente que eu resolvesse o problema de um dos “Homens Grandes” presentes, que tinha ficado sem uma vitela no dia anterior e que tinha sido comida no quartel.
Que provas tinha o “Homem Grande”?
A bajuda foi a fonte da informação, ingenuamente. Era lavadeira do Delfim, que era dos lados de Matosinhos, a quem ele dera um enorme pedaço de vitela, para ela e para a família, e a quem se vangloriara da sua façanha.
A bajuda tentou dizer alguma coisa, mas os olhos do Cherno e dos outros mantiveram-na no silêncio, tal como eu também não a questionei. Ela estava ali porque o marido, um dos “Homens Grandes” presentes, também tinha comido do naco de carne que o Delfim deu à bajuda. Só que - e aqui é que está o problema - a vitela que o Delfim tinha desviado era, nem mais nem menos, do “Homem Grande” da sua lavadeira.
Postas as coisas neste pé, falei com o Delfim.
Não havia outra coisa a fazer senão remediar o que ele e os seus amigos fizeram. O Delfim não negou e pagaram o triplo do valor normal da vitela, para exemplo.
O Cherno Rachid esteve presente quando acompanhei o Delfim a sua casa, para ele entregar o dinheiro ao dono da vitela.
Esse sentido de justiça foi registado pelo chefe religioso, o Delfim não gostou de pagar aquilo que já considerava uma “conquista”, mas, por mais estranho que pareça, ficou amigo do “Homem Grande” a quem desviara a vitela e ainda mais amigo ficou da sua bajuda lavadeira.
Só a mim o Delfim passou a chamar-me o “turra branco”. Mas também por pouco tempo. Umas cervejas e a camaradagem trouxeram ao de cima os traços de amizade que só num ambiente daqueles são cimentados.
2. Comentário de CV:
Caro camarada Arménio Santos
Em nome da tertúlia e em particular dos editores do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, estou a receber-te na nossa caserna virtual.
Cumpriste as rigorosas formalidades para ingresso, as fotos da praxe e a jóia, uma pequena história para apresentação.
Dizes que és amigo do nosso camarada Jorge Cabral. Por si só essa qualidade acarreta uma grande responsabilidade. Se não conheces, aconselho-te a ler todas as (mais de cinquenta) Estórias Cabralianas de sua autoria, publicadas no nosso blogue, para teres a percepção do que foi o outro lado da guerra, coisa que poucos de nós ou ninguém conhecia, porque Jorge Cabral só há um. Quem tem um amigo assim, não precisa de muitos mais.
Deves ter reparado que por aqui, pela Tabanca Grande, andamos perfeitamente à vontade. Nada de senhores, você para aqui, doutor para acolá. Porquê? Porque somos verdadeiros camaradas, daqueles que pisaram o mesmo chão barrento, alagado e minado; que beberam a mesma água salobra; que comeram o mesmo peixe da bolanha; que transpiraram aquele suor pegajoso e foram mordidos por aquela imensidão de mosquitos. Que mais poderemos ter em comum? Aquela amizade que nos torna naquilo que define esta palavra só nossa, camarigos. O nosso camarada e amigo Mexia Alves inventou esta palavra para definir o laço que nos une em volta de um passado comum e inesquecível.
Suponho que saberás que o fim último do nosso Blogue é criar um espólio de histórias e fotografias da nossa experiência enquanto combatentes da Guiné. Trocamos ideias, concordantes ou não, respeitando as diferenças, sejam elas de opinião, religião, política e outras.
Respeitamos a soberania da Guiné-Bissau não interferindo de modo nenhum na sua política interna, desejando sempre o melhor para aquele povo irmão, tão sofredor.
Porque somos bem recebidos quando lá vamos, por gente comum e autoridades, desejamos a todos, que o país saia o mais rapidamente possível daquela situação.
Caro Arménio, a tua actividade não permitirá muito tempo disponível para colaborares connosco, mas faz um esforço e não deixes que outros contem as tuas histórias. É uma variante de serviço público, este blogue. Repara no número de visitas. Somos muitos e... bons.
Em nome da tertúlia e dos editores, envio-te um abraço de boas-vindas.
O teu camarada
Carlos Vinhal
__________
Notas de CV:
Vd. último poste da série de 1 de Novembro de 2009 > Guné 63/74 - P5188: Tabanca Grande (184): Belmiro Tavares, ex-Alf Mil, CCAÇ 675 (Binta, 1964/65)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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9 comentários:
Caro Arménio Santos
Bem vindo a esta comunidade tertuliana que ,para alem de todo o resto, é uma comunidade "Camariga".
Quanto ao abastecimento de frescos fora do circuito,nunca tivemos problemas já que só apanhavamos(compravamos por bom preço)animais "doentes" ou que porventura apareciam pela noite a querer "assaltar "o aquartelamento e na escuridão eram confundidos com "turras". Isso é outra estória.
Um abraço
Luis Faria
Caro Arménio Santos
Em nome dos Morcegos de Mampatá e em meu nome pessoal te saudo pela tua adesão à nossa Tabanca Grande.
Sou teu contemporaneo no Quebo e vivi os tempos da construção da Estrada nova Buba-Ald.Formosa como tu.
Cruzámo-nos de certeza em Aldeia ou na messe de Sargentos nesse tempo.
Venham daí as tuas memórias e junta-te ao Pelotão da ZA, que todos não somos demais para escrever a História desses tempos.
Um abraço
Mário Pinto
Caro Arménio
Bem vindo à Tabanca Grande.
Fico satisfeito pela tua entrada, porque todos somos poucos para que esta tertulia continue e possamos transmitir aos que se nos vão seguir, a verdadeira história daquele tempo.
Além do mais parece que, a partir deste momento, temos UM REPRESENTANTE NA ASSEMBLEIA DA REPUBLICA.
Um abraço
Conheço-te há tantos anos ( dos jornais e da tv) e, só agora, sei que percorreste, mais cedo que eu, os mesmos caminhos.Estive em Mampatá em 72/74.A chegada de um novo tabanqueiro é sempre recebida com muita satisfação mas quando é gente que calcou aqueles caminhos entre Buba e Aldeia, Mampatá e Nhacobá, a satisfação é redobrada.
Conta as tuas estórias.
CARO ARMÉNIO SANTOS,
UM ABRAÇO DE BOAS VINDAS AO EX-COMBATENTE BEM COMO AO POLÍTICO QUE PODERÁ ABRIR A PORTA DESEJADA
PARA SE CONSEGUIR,FINALMENTE, RESPONSABILIZAR QUEM DE DIREITO PELA MISÉRIA QUE VEMOS NAS RUAS, RELATIVAMENTE AOS EX-COMBATENTES...
Camarada Arménio Santos
Gostava se saber a tua opinião sobre a falta de respeito dos políticos (quase todos?),e principalmente dos governantes, pelos ex-combatentes, veteranos de guerra, e já agora também sobre o recente SEP que antes se chamava CEP.
Bem Vindo à Tabanca Grande
Um abraço
...e como diz o Manuel Maia, deixa a porta aberta da AR. Para arejar, digo eu.
cumprim/jteix-veterano de guerra
ex-Furriel Milº Art
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É com agrado que constato que também foste antigo combatente na Guiné.Conheço-te há anos de outras lutas, todavia essas das nossas actividades sindicais, primeiro dos bancários em geral e posteriormente ao nível da Organização que ao longo dos anos tão bém tens liderado e espero que por mais alguns mandatos.
1º, um abraço de amizade do companheiro dessas lides, 2º e não menos importante, um bem vindo a esta tertúlia deste camarada de armas destas lides do blogue que com muita honra detenho, já algum espaço.Convido-de a contares as tuas Estórias.As "minhas poderás procura-las em "ESTÓRIAS DO JORGE FONTINHA".
Teu amigo de Longa data e daqui da Régua, aquele abraço, do
Jorge Alexandre Ventura Fontinha
Caro Américo Santos,
Bem vindo à nossa Tabanca.
Aldeia Formosa foi uma das nossas casas para além do CISMI e também do BCP.
Parabéns pelo testemunho deixado.
Um abraço,
Fernando Costa
Caro Arménio Santos
Com que então turra branco!
A seguir dirigente sindical ao mais alto nível e ainda político na Assembleia da Républica!
Nao há dúvida que o Delfim manjou-te bem! Tinha de ser ou não fosse ele de Matosinhos.
Agora, fora de brincadeiras estamos mesmo a precisar de um político ou um grupo de políticos, que se atreva a defender os nossos direitos e pincipalmente a nossa honra de "ESPOLIADOS DO ULTRAMAR".
Porque a seguir ao espólio, quando regressamos o governo de então não se preocupou mais connosco e ode agora está-nos a querer apagar, pagando-nos uma esmola anual que de redução em redução está quase a desaparecer.
Um grande abraço para todos do camarigo
ADRIANO MOREIRA - EX-FUR. MIL. ENF.
CART. 2412 - BIJENE,BINTA,GUIDAGE E
BARRO. 1968/70
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