sábado, 22 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13927: Ser solidário (174): Vamos ajudar o nosso camarada João Maximiano, que encontrei em Leiria, ex-sold cond auto da CCAÇ 3490 (Saltinho), que continua a sofrer com as recordações da terrível emboscada de que foi vítima no Quirafo, em 17/4/1972... (Juvenal Amado, ex-1º cabo cond auto, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)

1. Mensagem do Juvenal Amado [ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74],  com data de 7 do corrente:

Venho a chegar de Leiria onde dei uma vista de olhos pelo Fórum Leiria e acabei por encontrar um camarada do Saltinho [, CCAÇ 3490,]  dos que caiu na emboscada do Quirafo [, em 17 de abril de 1972].

Era o condutor da segunda viatura e também fiquei a saber que o condutor da GMC que caiu mesmo dentro da área de morte [, vd.fotos abaixo],  é aqui de Reguengos de Porto de Mós.

Mas o camarada [João] Maximiano, o que eu encontrei,  está a sofrer de stress pós-traumático e não consegue dormir e passa a vida nos médicos. Quando ele lhes diz que esteve na Guiné e lhes conta os pesadelos, eles tem uma atitude de muita compreensão, mas dão-lhe a entender que pouco ou nada podem fazer.

Agora a pergunta que urge... há malta do blogue que sabe onde se deve ele dirigir? Como proceder?

Olha eu tenho o nº de telemóvel dele e fiquei de lhe telefonar entretanto. Gostava de lhe dizer alguma coisa que o confortasse,  se isso for possível.

Um abraço.
Juvenal.


2. Resposta no mesmo dia, do nosso editor L.G.:

A Associação Apoiar dá ajuda, gratuita, à malta com problemas de stresse pós-traumático de guerra, ou vítimas de stresse de guerra... O problema é que fica em Lisboa... É sempre a mesma história, ou cada vez pior, com a litoralização do país...

Tens aqui o contacto [, telemóvel e emaill.] do Mário Gaspar, que foi cofundador e diretor da Apoiar... (publicou agora o livro "O Corredor da Morte", deves-te lembrar dele do nosso último encontro em Monte Real...).

Aquele abraço.
Luís


3. Nova mensagem do Juvenal Amado, com data de ontem:

Caro Luís, Carlos e demais camaradas da Tabanca Grande

Há dias encontrei o João [Maximiano] que foi condutor da companhia do Saltinho.

Falamos um bocado onde ele me confidenciou que estava com problemas de saúde. Acabou por acrescentar que a sua saúde hoje era reflexo de ter caído na emboscada do Quirafo,   pois era ele o condutor da segunda viatura.

O tempo não deu para falarmos,  como eu gostaria, mas mesmo assim fiquei com a impressão que os distúrbios de que padece são ao nível de stress pós-traumático,  o que não será para admirar.

Mas eu não sou médico nem técnico dessa área e, após informação do Luís Graça,  acabei por encaminhar para associação Apoiar e para a Liga dos Combatentes em Leiria.

Este é mais um caso de alguém que, passados tantos anos, passa sofrer com as recordações.

Também fiquei a saber que o condutor da primeira viatura vive em Reguengos do Fetal, que é aqui perto de Fátima. Vou tentar juntar os dois,  pois por mais que se fale daquilo,  é sempre pela boca de quem lá chegou depois.

Outra noticia que me deu foi que a companhia [, a CCAÇ 3490,] se reúne todos anos.

Um abraço.
Juvenal





Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Picada de Quirafo > Fevereiro de 2005 > Restos da GMC da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), que transportava um grupo de combate reforçado, comandado pelo alf mil Armandino, e que sofreu uma das mais terríveis emboscadas de que houve memória na guerra da Guiné (1963/74)... 

Foram utilizados LGFog e Canhão s/r. Houve 11 militares mortos, 1 desaparecido... Houve ainda 5 milícias mortos mais um número indeterminado de baixas, entre os civis, afectos à construção da picada Quirafo-Foz do Cantoro. A brutal violência da emboscada ainda era visível, em fevereiro de 2005, mais de três décadas, nas imagens dramáticas obtidas pelo Paulo Santiago e seu filho João, na viagem de todas as emoções que eles fizeram à Guiné-Bissau.

Fotos: © Paulo e João Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]

4. Poema de Juvenal Amado:

João Maximiano, sobrevivente do Quirafo 1972 (**)

A Paz não está ao alcance de todos.
Devagar,
Insidiosamente,
As recordações são viscosas,
Enleiam-se em ti.
És devorado sem saber,
Revives pela milionésima vez,
As tripas contorcem-se.
João, ali está a curva fatídica,
Violência que esperou por ti há hora marcada,
Foste poupado, para seres esmagado agora,
Saídas ensurdecedoras, impactos cavos e subterrâneos,
Martelo de dois tons,
Temores há muito esquecidos,
Regressam todas as noites.
Sem ser convidados.
Os fantasmas relembram medos passados.
Não tens defesa contra a guerra
Que te visita 40 anos passados.
Não há G3 que te valha.
O terror, esse, é real 
E povoa-te o sono,
Acordas mas não te livras do pesadelo,
Antidepressivos são hoje a tua ração de combate.
Regressaste, passaste pelos corpos dos teus camaradas,
Não os reconheceste,
Eles visitam-te agora, 
Persiste o odor acre e a dor.
Ficaram sempre jovens, 
Com a farda com que embarcaram.
Estás refém da memória que te esmaga,
Foste para a guerra 
E na verdade nunca regressaste dela.
Quem te escolheu o caminho?
A Paz nunca ficará ao teu alcance.
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 17 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9763: In Memoriam (117): Recordando o dia 17 de Abril de 1972 e a trágica emboscada de Quirafo (Juvenal Amado)

Ainda sobre a emboscada de Quirafo, entre outros, vd. postes do Paulo Santiago:

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)

26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

5 comentários:

Luís Graça disse...

Juvenal:

É um gesto de grandeza e de solidariedade, da tua parte. O teu poema é muito forte, cala fundo na malta...

Vamos ver se, através também do SNS, é possivel o tratamento adequado... Há um programa que começa com o médico de família!... Há, pelo menos enquadramento legal.

Eu próprio já escrevi sobre isso num recente editorial da Revista Portuguesa de Saúde Pública:

(...) Só em 2000 foi criada “a rede nacional de apoio aos militares e ex-militares portugueses portadores de perturbação psicológica crónica resultante da exposição a factores traumáticos de stress durante a vida militar” (D. L. nº 50/2000, e 7 de Abril), rede essa que é constituída pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, no Sistema de Saúde Militar e pelas organizações não governamentais com as quais sejam celebrados protocolos.

No entanto, esta rede tem sido acusada de ter um funcionamento demasiado burocrático. Igualmente o Serviço Nacional de Saúde é alvo de críticas pelas dificuldades de resposta, rápida e eficaz, a estes casos de Perturbação Pós Stress Traumático (de acordo com a terminologia portuguesa consensualizada). E muitas dos potenciais beneficiários da rede desconhecem a sua existência.

Há associações da sociedade civil como a Apoiar que fazem acompanhamento gratuito (clínico, médico e social) às vítimas de Stress Pós-Traumático de Guerra, necessitando apenas que o interessado peça ao seu médico de família o Mode 1 devidamente preenchido e assinado por ele, de acordo com o disposto na Circular Normativa nº 11/DSPSM, de 13/08/2001, da Direcção Geral de Saúde... Esta circular é dirigida aos técnicos dos serviços de saúde e destinada a divulgar os impressos para admissão na rede e a clarificar os procedimentos a ter na elaboração dos processos clínicos. (...) (*)


Mas a Liga dos Combatentes (, em Lisboa,) também tem pessoal especializado (psicólogos, psiquiatras...).

Desgraçadamente, parece-me que ninguéma leva a sério este problema de saúde, grave, que atinge ex-combatentes e famílias... Nós próprios temos dificuldade, por pudor, por medo, por preconceito, de o aborar aqui no blogue...

Há um livro ainda recente (2010) que me chegou às mãos (, através da ENSP/UNL), e que vou recensear aqui no blogue:

Carlos Anunciaação - Coping e stress traumático em combatentes. Lisboa: Liga dos Comnbatentes, 2010, 175 pp.

O Carlos Anunciação é ofcial do exército, psicólogo clínico, faz parte (ou fazia, em 2010) do Núcleo de Stress do Serviço de Psiquiatria do Hospital Militar. Também dá apoio à Liga dos Combatentes.

Um abraço forte. LG
____________

(*) Vd. poste de 6 DE AGOSTO DE 2012
Guiné 63/74 - P10232: Recortes de imprensa (55): Os 50 anos da guerra colonial, a saúde publica e a lusofonia (Editorial, Revista Portugal de Saúde Pública, 2011; 29(1): 1-2) (Luís Graça)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2012/08/guine-6374-p10232-recortes-de-imprensa.html

Luís Graça disse...

Para conhecimento dos nossos leitores... LG

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O Stress de Guerra

DEFINIÇÃO
DE STRESS DE GUERRA

A principal característica da Perturbação Pós – Stress Traumático de Guerra é o desenvolvimento de sintomas particulares que surgem em situações psicologicamente perturbadoras, exteriores à experiência humana dita “normal”, neste caso em contexto de guerra.


(Faça o download do estudo do Dr. Afonso de Albuquerque no panfleto acerca da PPST)

Segundo Albuquerque e Lopes (1997), existem vários factores que levam ao Stress de Guerra, sendo eles: a morte de um camarada, logo de seguida pela exposição ao combate e ao ferimento de um camarada, sendo considerado o factor de stress com mais predominância; o assassinato, tortura, violação e destruição de aldeias é a mais frequente na guerra, onde o “inimigo” é toda a população civil, desde crianças a mulheres grávidas; ferido em combate; a sede e fome e o isolamento, entre outros.
Evolução Histórica da Perturbação Pós – Stress Traumático de Guerra

O conceito de Perturbação Pós – Stress Traumático de Guerra surgiu, após a Guerra do Vietname (1959-1975) e a Guerra Colonial (1961 - 1974). Em todas estas situações traumáticas o surgimento do distúrbio encontra-se relacionado com um acontecimento stressor.

Em 1976, o Vietnam Veterans Working Group (VVWG) propõe um diagnóstico, referenciado como “Catastrophic Stress Disorder”, designando como um fenómeno que afecta não só os veteranos do Vietname, mas também aqueles que estiveram sujeitos a um acontecimento que saísse fora da experiência humana dita “normal”.
Assim, os VVWG reuniram mais de cem histórias de veteranos do Vietname, de civis com problemas no local de trabalho, vítimas de desastre e sobreviventes de campos de concentração.

Em 1980, no “Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders” (DSM – III), surge pela primeira vez a designação do conceito de Perturbação Pós – Stress Traumático mantida até hoje apesar de algumas alterações.

Fonte: Associação Apoiar

http://sites.apoiar-stressdeguerra.com/o-stress-de-guerra

Anónimo disse...

J. Pardete

22 nov 2014 14:28

A Associação dos Combatentes do Ultramar, actualmente com sede em Tondela, tabém tem um Serviço Médico para os Combatentes.
Alfa Bravo
Pardete.

Anónimo disse...

Caros Camaradas

O SINDROME PÓS-TRAUMÁTICO DE GUERRA é transversal a todos os combatentes..tudo depende da personalidade de cada um.

O mesmo acontecimento (traumático) não é igual para todos.

Há hoje, felizmente, algum apoio não só médico como social.

O problema é o designado nexo de causalidade.. é necessário provar que os sintomas são mesmo resultantes do traumatismo, e aqui entra a burocracia..provas testemunhais..documentos militares..etc.

Infelizmente também existem oportunistas que pelo simples facto de terem sido mobilizados aparecem, quais "chicos espertos", a tentar passar-se por traumatizados..e são estes os principais inimigos dos que o são verdadeiramente.

Quero realçar que mesmo depois de se iniciar tratamento médico, psicanalítico ou outro, este sindrome não tem cura, poderá isso sim haver diminuição dos sintomas.
É uma cruz que todos carregaremos até ao fim dos nossos dias.

Julgo que para muitos algum apoio social, se tiverem necessidade disso, será bem-vindo.

Quanto a comentários de ordem politica de alguns camaradas apenas quero recordar-lhes que sempre foi assim..do mesmo se queixaram os combatentes da 1ª guerra mundial.

Um alfa bravo

C.Martins

Anónimo disse...

PS

Os médicos de família têm apenas um papel burocrático, que é encaminhar o doente para o psiquiatra ou psicólogo.

Infelizmente a esmagadora maioria dos médicos não está preparada para este tipo de patologia, não só porque nas faculdades apenas se aflora o tema como a própria literatura médica sobre este assunto é escassa e a que há é quase toda proveniente dos E.U.A.,onde se faz alguma investigação.

C.Martins