quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13920: Blogoterapia (263): O Homem entre o Amor e a Guerra (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 13 de Novembro de 2014:

A adolescência é uma fase difícil da vida, em que o homem procura construir uma identidade com bases sólidas que lhe dêem segurança para o futuro. Nesse tempo sofri bastante sobretudo por duas causas: Sendo o tempo de despertar para o amor e para o sexo e eu como a maioria dos rapazes do meu tempo estava mal preparado para enfrentar esse choque originado pela transformação física e psíquica que ocorre. A atração súbita pelo outro sexo vai alterar toda a nossa rotina de vida de conversas, pensamentos e passatempos que vínhamos mantendo com amigos e colegas, sem sobressaltos desde meninos. Até esse despertar as raparigas eram-nos indiferentes pois elas tinham outras brincadeiras e outros interesses.

Pouco habituado a ter conversas com elas e cheio de preconceitos e tabus, fruto da sociedade conservadora, patriarcal, autoritária, religiosa e obediente a todas as regras proclamadas pela Igreja Católica quando senti urgência em me aproximar delas não sabia muito bem como o fazer, pois elas sempre me pareceram pertencer a outro mundo.

Essas paixões platónicas pelas raparigas paralisavam-me e dificultavam-me uma abordagem descontraída sobre esses temas mesmo quando por alguns sinais eu suspeitava que elas estavam à espera duma iniciativa nesse sentido. Cheguei a criar ilusões numa ou outra rapariga com declarações que em tom brincalhão lhes fazia, com todo o à-vontade, pois por essas não sentia atração. Nesse tempo vivi eu e muitos outros, segundo me parece, em silêncio, paixões arrasadoras. Também é verdade que no geral as raparigas, bastante tímidas e reservadas, não davam qualquer ajuda, lançavam uns olhos meigos ou brilhantes que nos incendiavam as noites os dias e era tudo. Nesse tempo vi olhos muito lindos e faiscantes, os olhos das raparigas brilham mais.

Quando me despedi em Vila Real da minha mãe, irmãs e irmãos, que estavam lá a estudar, levei comigo na memória para a Guiné além das lágrimas da minha mãe e dos meus irmãos, uns olhos verdes, duma colega duma irmã minha. Olhos tão verdes e tão lindos como Almeida Garret esse escritor romântico descobriu no vale de Santarém, nas Viagens da Minha Terra.

"Olhos verdes!...

"Joaninha tem os olhos verdes.
"Não se reflete neles a pura luz do céu, como nos olhos azuis.
"Nem o fogo - e o fumo das paixões, como nos pretos.
"Mas o viço do prado, a frescura e animação do bosque a flutuação e a transparência do mar...
"Tudo está naqueles olhos verdes.
"Joaninha, por que tens tu os olhos verdes? " 

Almeida Garrett"

Porém fui para a Guiné, cansado de amores intocáveis e à distância, não quis deixar namorada, correspondente ou madrinha de guerra. Na altura, já numa fase mais racional da minha vida, achei que uma fidelidade tão longa seria demasiado exigente, como longos e exigentes são em amor, envolvimento e carinho os vinte anos de ambos os sexos.

A curiosidade intelectual revela-se no homem pouco depois de começar a falar e acentua-se nos primeiros anos da meninice. É a idade dos porquês, que todos os pais conhecem. Quando chega a adolescência, o homem já com mais conhecimentos e uma inteligência mais desenvolvida, na solidão da sua mente, faz perguntas mais elaboradas e com outro alcance que têm a ver com os mistérios da existência, da morte, da terra do universo etc.

Tantas duvidas tantas perguntas, algumas que se repetem tanto, noite e dia numa intermitência capaz de enlouquecer qualquer ser bem pensante. Até a um termo em que a terra acaba e o mar começa e ficamos sós e pensativos entre a imensidão dos céus que nos cobrem e o abismo do mares profundos que se alargam em horizontes sem fim. Sós perante as perguntas primordiais. PORQUE? PARA QUÊ? É um caminho dialético e difícil, que cria em nós essa ilusão que sendo superiores em inteligência aos outros animais, tão próximos dos deuses que nos criaram, seremos capazes de decifrar os grandes mistérios da vida. No final ficamos perdidos e sós entre esse céu e esse oceano que nos esmagam pela sua imponência e que não nos dão um tratamento diferente do que dão às aves ou aos peixes

Como romeiros pelas estradas de Santiago, chegamos a Compostela levados por essas estradas da terra e da mente já cansados e doridos no corpo e na alma e depois dessa longa caminhada descobrimos que só nos resta a fé para nos salvarmos do vazio a que nos conduziu a nossa longa caminhada. Como num sonho confuso não sabemos se devemos recolher-nos na Catedral de Santiago ou caminhar pelo mar na esperança que algum Deus separe as águas para nos salvar ou que nos deixe dormir em paz sob esse grande lençol de água imenso, tão liquido e aconchegante como o ventre da nossa mãe que nos deu a vida.

A minha santa mãe, durante muito tempo pensei que era a melhor do mundo, já tarde apercebi-me que as mães dos outros também eram as melhores. Mãe que me ensinou a rezar e que tinha uma crença religiosa mais sólida do que as largas paredes da igreja da paróquia não me conseguiu transmitir essas verdades.

Nunca consegui resolver essa equação tão difícil que reside entre o mistério da vida e da morte. Nascemos do nada? Morremos para voltar a esse nada?

Revi recentemente num canal de televisão as batalhas cruéis que se desenrolaram tanto na 1.ª como na 2.ª Guerra Mundial, em que milhões de jovens, dum lado e do outro do conflito, foram empurrados para uma morte certa, como se fossem carne para canhão.

Pensando no mistério da vida da morte, eu, um não crente, apiedado por tantos mortos, tão jovens e transbordantes de energia e entusiasmo, sou quase levado a crer, como alguns muçulmanos, que eram esperados nos céus por 30 virgens

No final das guerras há sempre conversações para restabelecer a paz e dividir as riquezas das nações, com prejuízo naturalmente para os beligerantes derrotados. Depois do renascimento, do século da luzes, do aufklarung alemão, depois da Revolução Francesa e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, porque é que os países não discutiram as formas de evitar essas guerras terríveis em que o homem deixa de ser um ser humano civilizado para passar a ser a besta do Apocalipse. Desde a 2.ª Guerra Mundial até hoje, os setenta anos já passados, são muito pouco tempo em termos históricos para haver uma alteração de mentalidade do homem.

Na opinião de outros não há cultura, tratados ou proclamações de direitos que curem o homem do seu instinto guerreiro e destrutivo, pois esse instinto reside na parte mais antiga e funda do seu cérebro que a razão não consegue dominar. São tempos terríveis em que o homem se transforma na fera que terá sido nos primórdios da sua existência, e semeia a morte e destruição à sua volta.

A harmonia do universo, essa verdade proclamada por alguns teólogos e filósofos, no que concerne ao planeta Terra, é desmentida pelo espectáculo de devastação, destruição e morticínio que aconteceram um pouco por toda a Terra nas duas últimas grandes guerras. As guerras são uma constante histórica de todas as civilizações se fizermos um estudo do passado do homem.

A Bíblia, que é uma história da humanidade, segundo alguns bastante fantasiada, que usa muito a parábola, ainda antes de Jesus Cristo, que foi um mestre no uso dessa figura de estilo, conta a morte de Abel por seu irmão Caim por ciumes, quando a terra imensa, ainda era só deles. Se quisermos ser pessimistas e olhar para a História pelo seu lado mais negro, chegaremos à conclusão que o homem é o mais bruto e selvagem de todos os animais, pois as guerras por toda a terra têm-se sucedido a um ritmo impressionante.

Será a guerra inevitável? Iremos morrer todos numa 3.ª guerra mundial?

Está provado que o homem tem aprendido pouco com a História e estão sempre a surgir loucos destruidores e sedentos de sangue.

Segundo alguns, na idade moderna os políticos que declararam as guerras e os generais que as comandaram, no geral ficavam sempre protegidos na comodidade dos seus luxuosos gabinetes na retaguarda, o que terá provocado um maior número de mortos. Esses generais e políticos davam aguardente, rum ou zurrapa aos soldados para mais alegremente morrerem por uma pátria, por uma bandeira, onde eles afinal não passavam de escravos ao serviço dos grandes senhores.

A minha homenagem a todos esses jovens condenados e sacrificados, dentre eles aos 7000 portugueses que morreram na Flandres na 1.ª Guerra Mundial.

"Nos campos da Flandres crescem papoilas
Entre as cruzes que, fila a fila,
Marcam o nosso lugar; e no céu
As cotovias, ainda corajosamente a cantar, voam
Escassas, fazendo-se ouvir entre as armas abaixo.

Nós somos os Mortos.
Há poucos dias atrás
Vivíamos, sentíamos o amanhecer, éramos amados; agora repousamos
Nos campos da Flandres.

Tomem a nossa guerra com o inimigo
A vós entregamos, das nossas mãos moribundas,
A tocha; que seja vossa, para que a mantenhais ao alto.
Se traírdes a nossa fé, dos que morremos,
Jamais dormiremos, ainda que cresçam papoilas
Nos campos da Flandres."

John McCrae

Um abraço a todos
Francisco Baptista
____________

Nota do editor

Último poste da série de 7 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13582: Blogoterapia (262): Algo de estranho e sinistro (Amado Juvenal, ex-1.º Cabo Cond Auto do BCAÇ 3872)

3 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Olá Francico Batista, li e gostei.
Abordas, como dizes no titulo, um leque de temas que, ao fim e ao cabo se entroncam num - a guerra e a participação do jovem nela. São jovens com juventudes interrompidas, maltratadas ou destroçadas e, mais, jovens que nunca mais serão a continuidade do que seriam sem a estupida guerra.
Sãao temas qe deviam aaqui ser mais debatidos. Já se tem falado (escrito) sobre o tema - O Homem entre o Amor e aguerra...mas nunca será demais debater, analisar etc.
Vidas, tantas vidas...como diz o VB.
Fiquei a matutar e ainda não me saiu esse passado dentro dos parammetros que colocastes...Abraço,T.

Luís Graça disse...

Francisco: Eramos meninos e moços quando saímos da casa dos nossos pais… Hoje as coisas mudaram radicalmente. O “home leaving” é mais tardio (, porque se estuda até tarde, e a inserção no mercado mais dramática…) e, em muitos casos (por motivo de divórcio, desemprego, perda casa, doença, etc.) os filhos estão a voltar a casa dos pais (e a ser sustentados por eles e até pelos avós…).

Só alguns dados:

Quando éramos adolescentes (1960), nasciam c. 214 mil crianças em Portugal (continental…). Apeans 9,5 em cada 100 nascaim fora do casamento… E divórcios, meu menino, já havia, mas era 1 em cada 100…

Agora que somos Sexas, em 2013, nasceram menos de 83 mil (!), 47,6 em cada 100 fora do casamento… E 7 em cada 10 casamemtos acabaram en divórcio…

Fonte: Pordata

http://www.pordata.pt/Portugal/Quadro+Resumo/Portugal-4733

Provavelmente nunca houve uma geração, como a nossa, a pssar por tantas mudanças, em todos os domínios: militar, político, social, cultural, legislativa, comportamental, moral, ético, sexual…

Tudo isto para reforçar a tua reflexação wsobre os nossos “usos e costumes” e manifestar-te o meu apreço…

Duas pequenas correções:

(i) a Bíblia, para mim (e respeito quem pemsa o contrário...), é um extraordinário documento, antes de mais literário, património da humanidade; para milhões de homens e mulheres, é um livro sagrado, mas não é nem pode ser o “livro da humanidade”… Tem uma base étnica e etnocêntrica (o povo judeu). E, claro, é uma das duas colunas em que assenta a nossa civilização ocidental… É a coluna judaico-cristã, a outra é a coluna helénica, ou greco-românica… Afinal, somos filhos do mediterrâneo…

(ii) Quantos aos nossos mortos na Flandres, na I Grande Guerra, confirma, não fooram, felizmente, 7 mil, sim à volta de 1700… No total, com os mortos em Angola e Moçambique, é possível ter-se chegado aos 7 mil… Um tragédia, de qualquer modo…

Um abraço fraterno. Luis

Anónimo disse...



Torcato Mendonça agradeço-te muito o teu comentário simpático que aliás não é o primeiro.
Agradeço também ao Luís Graça, um atento comandante do blogue que me chamou a atenção para algumas incorreções do texto.
Concordo com o elogio que fazes da Biblia e do que dizes `cerca dela. Não é por acaso que continua a ser o livro mais lido do mundo
Mas não deixa de ser também uma história da humanidade.
Todas as religiões dão aos seus crentes uma explicação das origens e do destino do homem. Essa explicação é a historia da humanidade e do seu futuro, é o antes e o depois, em que deve acreditar e que lhe darão segurança e confiança para enfrentar a sua curta vida e a eternidade
A explicação biblica sobre a origem do homem, através da criação por Deus de Adão e Eva, já terá até sido abandonada por muitos crentes, tal como outras verdades, instituidas como dogmas por alguns padres e bispos. Ao falar em Abel e Caim, e digo que segundo alguns é uma história fantasiada, falo numa intrepertação que não sendo de todo real procura ser entendida por muitos séculos e muitos crentes que nem ler sabiam
A Biblia como todos sabemos é um livro sagrado do judeismo, do cristianismo e os islamistas também foram lá beber e buscar inspiração. Importante também é o livro sagrado dos nossos pais e de tantos familiares e amigos nossos.
Sobre o erro, realmente disparatado dos 7 000 mortos portugueses na Flandres, peço desculpa.
Ainda recentemente li o livro de Isabel Pestana Marques, "Das Trincheiras Com Saudade" que fala sobre a participação do contingente português na 1ª Guerra Mundial e o número de mortos, realmente seria esse de que tu falas. Recentemente, quando escrevi o poste, ouvi na televisão, em qualquer programa de história que seriam 7 000. Vai daí, je, sem qualquer rigor histórico ou intrepertativo, chapei com esses milhares no blogue.
Obrigado camarada,preciso de mais reflexão e também da tua ajuda.

UM grande abraço

Francisco Baptista