quarta-feira, 3 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14694: Os nossos seres, saberes e lazeres (97): Tomar à la minuta (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 4 de Maio de 2015:

Queridos amigos,
Junto mais alguns retalhos alusivos à magnífica cidade de Tomar.
A fatia de leão vai para o Convento de Cristo e depois para a Igreja dos Templários, chamam-na Santa Maria dos Olivais.
Não querendo cansar-vos, informo que a viagem não acaba tão cedo, porque há matas e arvoredos, há o Nabão, há monumentos soltos que nos prendem a atenção, há detalhes de edifícios que são assombrosos, há casas de pasto onde apetece estar, para além do bom comer, há arte, há natureza e acima de tudo a calma peculiar desta cidade que já foi fabril em terrenos de lezíria.

Um abraço do
Mário


Tomar à la minuta (2)

Beja Santos


O passeio é mesmo despretensioso, qual Salomé a dançar em frente a Herodes, procuro cativar o leitor para os múltiplos atrativos da cidade do Nabão. Já se falou no Museu dos Fósforos, percorreu-se a Igreja da Misericórdia, aqui fica o seu belo teto de caixotão, tão severo como a arte da Contra-Reforma que D. João III impôs lá em cima no Convento, bem perto da Charola Templária, subimos ao castelo e deu-se conta de que a deambulação tem sempre melhores resultados quando se pode contar com guia fiável. O Paço está arruinado, corre-se o risco de olhar para aquilo como boi para palácio. Há que descodificar, ler sinais esfumados, veja-se este fresco que não sabemos interpretar.


Um desses orgulhos efémeros dos fotógrafos amadores tem a ver com os ocasos da sorte, veja-se este céu turquesa, a quase transparência das pedras e o fresco a exigir um comentário, uma contextualização. Por aqui andou quem comandou a Ordem de Cristo, muitos cavaleiros templários e por aqui passam os visitantes ansiosos de contemplar a charola renovada. No fim deste texto, indica-se um link onde o leitor mais interessado encontrará matéria para refletir sobre o futuro deste edifício ímpar, foi sempre um encontro de culturas, é compreensível que continue assim, com muitos acertos e boas intervenções pelo caminho.


É a janela mais bonita que há em Portugal, chamada do capítulo por corresponder à claridade por ela pode entrar para iluminar a Sala do Capítulo, dele se avista, num ângulo espetacular a entrada da charola, D. Manuel I deve ter feito deste espaço um dos acometimentos da sua magnificência, não se poupou a gastos para ser cantado na posteridade, deve ter um entusiasmo muito sui generis, e acertou, ninguém lhe leva à palma, toda a janela é esplendorosa bem como os motivos ornamentais que a cercam.


Não é por acaso que os apaixonados pelo esoterismo, pela cabala e pelos mistérios demiúrgicos aqui vêm buscar sinais de um transcendente que um dia se decifrará mais além das investigações da pujança do estilo manuelino. A guia falou-nos da apoteose entre o mundo terreno e o do altíssimo, aqui bem espelhados pelo génio do cinzel, e o mais curioso de tudo é que as dezenas de visitantes olhavam para isto tudo com estupefação, não é só o inesperado, é o delírio caligráfico e, como é óbvio, haver aqui enigmas que permitem que cada um tenha a sua verdade.


Passa-se pelo claustro de D. João III, anda-se pelos corredores conventuais, encontra-se uma cela monástica com a porta aberta. E estamos frente a frente com o delírio manuelino, o cordame marítimo, os elementos náuticos, o céu e a terra, a ascensão até Cristo. É uma pena o líquen amarelecer a pedra, nem quero imaginar a despesa para pôr a pedra ao tempo do século XVI. Há felizmente na cela um assento em pedra para ficar a meditar sobre certas grandezas deste Portugal, este arroubos de uma vontade indómita que certamente foram tidos em conta quando Fernando Pessoa escreveu a Mensagem.


Tem havido intervenções no convento, esta que vos mostro é bem feliz, patenteia a sobriedade com harmonia, gosta-se do equilíbrio da escala, sente-se que tudo resultou bem, nas dimensões, na entrada de luz, no contraste entre alvenaria e a pedra trabalhada.


Houve hesitação: passear à volta do Aqueduto de Pegões ou mostrar ao leitor um outro local de mística, a igreja onde os cavaleiros templários iam rezar antes de partir para Jerusalém. Optou-se pela igreja, aqui o número oito é uma constante: o oito como sinónimo do infinito com oito degraus, oito colunas, sempre o número oito para decifrar. Temos aqui um túmulo riquíssimo, o surpreendente é que é do bispo do Funchal, mas que nunca chegou a essa diocese.


Eis Nossa Senhora do Leite, no altar-mor, deram-lhe o lugar preponderante. Faltou ao fotógrafo mestria para evidenciar que o Menino amarinha o peito da mãe, à cata do seio. Tenho pena de não estar sensível a todos estes sinais religiosos que emanam desta igreja dos templários. Atenho-me a certos pormenores, que me enchem de contentamento, uns como preservação de memória e outros como sinais da antiguidade de Tomar. Ora vejam.




Alinho aqui três imagens: sinal de que temos túmulo em pleno interior da igreja, entre os bancos onde se celebra o culto; uma capela lateral deparou-se uma imagem um pouco exótica, a santa com dois meninos, aqui precisávamos de um intérprete, um dos meninos tem a cabeça coroada; e a cor desta abside é esplendorosa, é do melhor tardo-gótico que conheço.


Sai-se da igreja e temos esta torre, parece mesmo uma torre de atalaia, domina tudo à volta, ou muito me engano ou temos aqui uma porta visigótica, quando os templários chegaram a Tomar já havia bastante história. A meu lado, alguém questionou: não será mesmo árabe? As dúvidas pairavam no ar, um dia destes vou estudar a preceito o que houve antes daqui chegar o cristianismo da Ordem do Templo.


Ficamos hoje por aqui. Fascinou-me esta nesga de céu com nuvens em movimento, o castelo ao fundo, a mata à esquerda e no primeiro plano os vestígios da vida urbana que se adensam centenas de metros à frente. Tenho muita satisfação em mostrar mais coisas ao leitor, outras dimensões da arte, registos dentro do casco histórico, e por aí adiante. Até breve. E não se esqueçam de abrir este link e mergulhar no passado, presente e futuro do Convento de Cristo: http://z3950.crb.ucp.pt/Biblioteca/mathesis/Mat18/Mathesis18_177.pdf
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14669: Os nossos seres, saberes e lazeres (96): Tomar à la minuta (1) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

José Marcelino Martins disse...

Em Tomar, antes da Ordem do Templo houve, necessariamente e dada a proximidade a Leiria, povos celtas e iberos, dos quais descendem os Lusitanos.
Terá havido romanos seguido dos suevos, que trouxeram os Vândalos e Alanos.
Os visigodos chegaram e instalaram-se a sul do Tejo, mas rapidamente ocuparam toda a península ibérica, até que os mouros os foram empurrando para norte, e ficaram circunscritos ás Astúrias.
Depois ....
«Pelágio transforma este território no Reino das Astúrias, em 718, que durou até ao ano de 925, formado por cristão hispanos-godos e lusitanos-suevos, que se acantonaram nas serranias a Norte e Noroeste da península.
Gradualmente, a partir das Astúrias, foram sendo criados novos reinos cristãos, cujo movimento ficou conhecido como Reconquista Cristã.»
Como recompensa da ajuda dada pelos Templários ás conquistas de D. Afonso Henriques, este doou a cidade aos frades-militares, na pessoa de Gualdim Pais.

[Informação retirada do texto "A Cidade e as Guerras" de José Martins, em organização]