sábado, 27 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22755: Os nossos seres, saberes e lazeres (479): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (26): Uma primeira visita a um parque de poetas em mais de 22 hectares de área verde (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Outubro de 2021:

Queridos amigos,
Não é só a extensão que justifica o conjunto de viagens, é o muito que há para ver, a grande angular que oferece a visão do Tejo enquanto vamos conversando com um grupo de poetas que falam português e que vieram do Brasil, Moçambique ou Angola ou Cabo Verde; e há projetos escultóricos refinados, imaginativos que exigem diferentes leituras, deixa-se para mais tarde as líricas trovadorescas, os poetas do Barroco ou Romântico e todo aquele belo percurso que começa por Camilo Pessanha e Teixeira de Pascoais e finda provisoriamente em António Gedeão e Ruy Belo, tempos virão para novas adições, espaço não falta e grandes escultores muito menos. E há os passeios para mirar espaço tão folgado e vegetação tão frondosa, com muitos ou poucos visitantes a nossa voz interior grita de contente e pede mais, para ver de manhã o que se viu de tarde, em dia ensolarado ou céu plúmbeo, a diversidade também conta e a contemplação até pode ganhar outras cores. É em Oeiras, este rincão de beleza e com poderosas caraterísticas de sustentabilidade.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (26):
Uma primeira visita a um parque de poetas em mais de 22 hectares de área verde


Mário Beja Santos

Inaugurado em 2003, o Parque dos Poetas sito em Oeiras exibe poetas portugueses de várias épocas (mais propriamente desde os poetas trovadorescos até aos do século XX) e poetas dos países de expressão ou cultura portuguesa. O escultor Francisco Simões e os paisagistas Francisco Caldeira Cabral e Elsa Severino responderam pela primeira fase e ao longo desta viagem são muitos os escultores que aqui deixam o seu selo, caso de Álvaro Carneiro, Fernando Conduto, Graça Costa Cabral, João Cutileiro, José Aurélio, Lagoa Henriques ou Pedro Cabrita Reis.
No ano da inauguração, foi publicado o livro O Parque dos Poetas, texto e imagem de José Jorge Letria e André Letria, uma belíssima edição. Logo na abertura, assim nos cativa José Jorge Letria: “O Parque dos Poetas é o lugar/ onde os poetas se juntam,/ no silêncio da pedra a conversar,/ sobre os frutos que a poesia,/ entre sonho e fantasia,/ é sempre capaz de nos dar./ Lá estão eles conversando/ nas alamedas ao luar,/ reinventando os versos/ e os secretos universos/ que de mansinho nos fazem parar/ como se estivessem ali mesmo ao pé de nós/ a escrever e a falar./ O Parque dos Poetas/ é um lugar sem idade/ porque os poetas/ não são novos nem são velhos/ e o seu cartão de identidade/ é o timbre do que escrevem/ para acordar a cidade/ em cada dia que passa/ com o largo gesto criador/ de quem nunca desiste/ de viver em liberdade”.

Estamos pois numa enorme extensão e seria despropositado meter o Rossio na Betesga, é preciso ir e voltar para digerir tanta beleza, percorrer com cuidado e apreciar as esculturas, talvez começar na Praça do Memorial e avançar pela Alameda dos Poetas, ou então olhar à volta o Templo da Poesia, estar ali em meditação sentado junto das fontes zen, tudo de enfiada é que não, são muitos os artistas plásticos, dezenas e dezenas de esculturas, nesse enorme espaço onde cabem equipamentos desportivos, infantis e lúdicos.
E depois vale a pena ir percebendo o faseamento do projeto: a primeira fase (dez hectares) inaugurada em junho de 2003, estão ali vinte poetas-maiores portugueses do século XX; a estes juntaram-se os treze representantes dos trovadores e dos poetas do Renascimento da segunda fase – B, inaugurada em fevereiro de 2013 (7 hectares); e em 2015, 27 esculturas do Barroco ao Romântico e os de países de expressão portuguesa. É por estes últimos que começa a nossa viagem, com a garantia de que há ir e voltar, basta estar atento ao poema de despedida de José Jorge Letria: No Parque dos Poetas,/ com o Tejo lá ao fundo,/ aprende-se que a poesia/ é um modo de estar no mundo,/ umas vezes ligeiro e vago,/ outras grave e profundo,/ pois o mistério da poesia/ assim se pode resumir:/ É o jeito mais antigo/ de dizer o que está para vir,/ sendo um estado de graça/ que envolve quem passa/ e lhe segreda ao ouvido:/ “Ouve bem o que eu te digo/ e talvez o sonho,/ porque nada está perdido,/ volte de novo a fazer sentido”.


Carlos Drummond de Andrade

Poeta frequentemente sarcástico, irónico, cheio de humor, disfarça com isso um lirismo puro e profundo, uma enorme simpatia humana e uma constante e aguda preocupação com o sentido da vida e do homem. Tem horror ao sentimento e ao patético, mas guarda limpidez de sentimento e um agudo sentimento do trágico que comunica com muita discrição e finura. Alguns dos seus poemas alinham-se entre os melhores da Língua Portuguesa.


José Craveirinha

Os seus poemas questionam o registo biográfico em que a figura do pai ganha importância, dando sequência a uma temática aculturativa e fundamental no universo da sua poesia. O seu discurso poético enquadra-se na poesia contemporâneo do período Colonial e também de muita poesia escrita nos últimos 17 anos de vida do país novo que é Moçambique. Poeta comprometido com os destinos do país, é preso e partilha a cela com Malangatana e Rui Nogar, nomes importantes da cultura daquele tempo. Presente em qualquer antologia lusófona, a sua poesia reflete a influência surrealista, mas é marcada pela cultura moçambicana.

Manuel Bandeira

Representante do modernismo, a sua escrita poética evidencia o verso livre e a abolição de qualquer barreira formal ou temática. Muitos o consideram o maior poeta do modernismo brasileiro, e é certamente um dos maiores da literatura nacional. Fundamentalmente lírico tem agudíssima sensibilidade, principalmente diante da vida. A doença foi a sua companheira e a sua musa, bem como a morte. Dotado de uma extraordinária versatilidade, ensaiou, com êxito, todos os tipos de ritmo e todas as técnicas, experimentando até o concretismo.

Alda Lara

A sua intervenção reflete a mulher, a africana e sobretudo a angolana que ama as suas gentes e a sua terra onde sempre ansiou regressar. Ao longo da sua breve existência, dedicou-se fundamentalmente à poesia, concentrando-se principalmente na experiência angolana e remetendo para uma leitura de Angola que privilegia as alegorias da Liberdade, do Amor, da Justiça, num retrato da condição humana em toda a sua ambiguidade e complexidade.

Vasco Cabral

Sem obra literária anterior, Vasco Cabral surge com o livro “A Luta é a minha Primavera – Poemas”, 1981, que reúne 59 textos escritos entre 1951 e 1974, ordenados cronologicamente em cada uma das secções do livro, espelho do seu ideário nacionalista africano. Fez parte da escola neorrealista do seu tempo. A solidariedade, a fraternidade, o amor, a dor, a alegria, a esperança, a liberdade, a poesia da vida, são alguns dos campos semânticos do roteiro poético de Vasco Cabral.

Jorge Barbosa

A sua obra “Arquipélago (1935)” figura como um marco da modernidade, cabo-verdiana, rompendo com a dependência dos modelos metropolitanos e antecipa em meses o aparecimento da revista Claridade, da qual foi um dos fundadores. A poesia de Barbosa, telúrica e social, traz à luz do dia os problemas do arquipélago e do cabo-verdiano anónimo/irmão: a seca, a fome, a morte por inanição, a emigração, o isolamento, a insalubridade. Em suma, a sua poesia é uma radiografia do drama social do homem cabo-verdiano.

O Tejo que se avista deste rincão dos poetas lusófonos
Alda do Espírito Santo

A sua poesia está ligada a movimentos de cidadania ativa e intervenção política, tendo ocupado vários cargos de relevo, como ministra e deputada. É autora da letra do Hino Nacional de São Tomé e Príncipe. A sua poesia é de matriz nacionalista, de denúncia da situação colonial, exalta as figuras-símbolos da resistência nacional: o contratado queimando vida nas roças de cacau e café, o contratado desenraizado, o angular e sobretudo a Mulher, símbolo da Terra e da Mãe. Considerada uma das maiores poetisas africanas, foi figura importante do movimento da Negritude de língua portuguesa.

Fernando Sylvan

Escritor de origem timorense, a sua poesia tem duas componentes distintas: a de referência timorense com uma estilística entre modernista e panfletária e a de referência genérica e autobiográfica. Desenvolve um conceito dinâmico de Pátria, colocando-o na dependência de um exercício de pensamento, cidadania e fraternidade que lhe permitia reclamar da colonização e do racismo europeus.

Santos Ferreira – Adé

Popularizado como Adé, nascido e falecido em Macau, dedicou grande parte da sua vida à divulgação do dialeto macaense, sendo autor de vasta bibliografia e de récitas, peças de teatro, operetas, etc., que também ensaiava e dirigia. Grande parte da sua atividade esteve também ligada ao desporto.

Por esta ponte vamos para outro belíssimo espaço do Parque dos Poetas, há ir e voltar

Desenho de André Letria

(continua)
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Notas do editor

Vd. poste de 20 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22734: Os nossos seres, saberes e lazeres (477): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (18) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 22 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22739: Os nossos seres, saberes e lazeres (478): Guerra e Desporto, um artigo de Alexandre Silveira publicado no Jornal Fayal Spor Club, enviado a partir da Mata dos Madeiros (José Câmara, ex-Fur Mil Inf)

3 comentários:

Antº Rosinha disse...

Se todos os autarcas de Lisboa e Vale do Tejo tivessem dedicado tanta área geográfica da sua autarquia à poesia como fez Isaltino de Morais, em área maravilhosa para arranha-ceus sobre o Tejo e oceano, seria a maior maravilha do mundo a extensão de terra da margem norte do Tejo que vai de Cascais a Santarém.

Valdemar Silva disse...

Rosinha, tens muita razão.
Mas os opositores do Isaltino dizem que aquilo passa por ser uma forma disfarçada de especulação daqueles terrenos tudo pago por uma grande imobiliária sem pressa.
Já não estaremos cá para ver.

Abraço e saúde
Valdemar Queiroz

Antº Rosinha disse...

Valdemar, se há negociata por traz disto, e quem sou eu para duvidar, eu que vi ao vivo tanta corrupção na minha profissão nos poucos anos que trabalhei em obras em Portugal, neste Portugal das "amplas liberdades" para tanto gatuno,

mas quero dizer que se a encosta ribeirinha que vai de Cascais a Santarém, que eu só conheci aos meus 60 anos de idade, se fosse tratada com todo o respeito pela sua natureza como foram tratados aqueles hectares onde está o parque dos poetas, penso que só as encostas do Douro suplantariam o espetáculo que aquilo seria.

Aquelas encostas da margem direita do Tejo, aonde ainda não entraram os empreiteiros gananciosos e sem escrúpulos e as Câmaras gulosas à cata de muitos IMI´s estão lá algumas ainda virgens, para provar o que eu digo.