Cobumba - António Eduardo Ferreira - Saída do abrigo
Amigo Carlos Vinhal
Faço votos para que te encontres bem junto dos que te são queridos.
Um abraço
Hoje decidi fazer mais uma pequena viagem ao passado
Ultimamente apareceram uns trabalhos publicados no blogue falando do sítio onde durante algum tempo esteve a minha companhia. Refiro-me a Cobumba, junto ao rio Cumbijã - o que me tem levado a pensar naquilo com que por lá fomos confrontados, e que fez com que eu entenda melhor as dificuldades que a nossa companhia lá teve de enfrentar.
Pessoal novo, por lá, só estavam crianças, algumas que diziam ser oriundas de Bedanda. Os mais velhos eram poucos, estavam por lá todo dia e de lá não saíam. Chegava a acontecer, em alguns dias, aparecerem por ali vários homens mais novos, não sabíamos de onde vinham, que passavam o tempo que lá estavam, a beber numa espécie de taberna que tinha sido feita depois de nós lá termos chegado, cujo dono servia de tradutor quando era necessário falar com alguma população que não conhecia a nossa língua. Quando chegava o fim da tarde iam todos embora, na maioria bêbados. Às vezes acontecia cenas de pancadaria entre eles em que nós agíamos como se nada estivesse a acontecer… era problema deles.
Outra coisa que me deixava algo pensativo era um filho do chefe da tabanca ir todos os dias à escola a Pericuto, que ficava próximo de Cobumba, mas onde nós não íamos. Essa escola só podia ter a ver com o PAIGC. Esse menino que era chamado por Zé, um dia disse-me que aquilo que mais os assustava, antes da nossa tropa ter ido ocupar aquela zona, era o passarinho grande - o avião quando por lá andava a bombardear. Disse-me também que quando andavam na bolanha deitavam-se, só ficavam com um olho fora de água até que o avião fosse embora.
Naquele sítio estava a maioria da formação da nossa companhia, e mais dois pelotões, assim como o pessoal encarregado do morteiro, creio que era calibre 120, e alguns elementos que tinham a seu cargo o canhão sem recuo. Já antes de nós lá termos chegado, existia um abrigo, debaixo de um mangueiro, onde parte da população, durante alguns dias, passava a maior parte o tempo - o que era para nós motivo de preocupação…
A nossa companhia ocupava dois dos três sítios que ficavam a uma distância de cerca de trezentos metros, em linha reta, uns dos outros. Havia mais um grupo de tropa que compunha o triângulo, onde existia população, não sei a que companhia pertenciam, chegaram depois de nós. Apesar de ficar a pouca distância de nós, apenas lá fui dentro uma vez, em que estava de serviço, com a viatura para retirar lixo. Se o tempo de serviço de reforço durante a noite acontecia-nos todos os dias, já o serviço de condução não era assim. Próximo do fim da nossa permanência ali, chegou a ser com um intervalo de cerca de dez dias.
Quando fomos para lá, levámos quatro viaturas, uma acionou uma mina logo no dia que chegamos, com o passar do tempo, foram todas destruídas por minas, sendo possível recuperar só uma delas que depois acabou também por avariar no dia que viemos embora. Por consequência foi necessário cada um transportar as suas coisas às costas para a LDG até ao rio Cumbijã. Ironia do destino, eu estava tão fragilizado que não as conseguia levar, apenas levei a G3, tive de pagar a um elemento da população que tinha sido carregador do PAIGC para as levar - chamava-se Miranda, dizia ter chegado a ir com granadas à cabeça, junto com os guerrilheiros, até ao Xitole.
Outra das coisas que por lá aconteceram, que algumas vezes me ocorre à memória, tem a ver com uma menina elegante e muito bem vestida que certo dia lá apareceu, não ficamos a saber de onde tinha vindo, acompanhada por vários meninos, com uma galinha para vender, coisa que nunca tinha acontecido, nem voltou a acontecer. Galinha essa que alguns condutores lhe compramos. Isto aconteceu da parte da manhã, durante a tarde, nesse mesmo dia, fomos flagelados à distância, três vezes. Quando começou o ataque, estava o nosso camarada, o condutor Cruz, dentro da vala a começar a fritar a galinha. Toca a recolher para o abrigo, como era normal. Quando supúnhamos que a flagelação tinha terminado, voltamos a sair, pouco depois voltaram a atacar e nós recolhemos uma vez mais. Quando imaginávamos que a festa tinha acabado, aconteceu o terceiro ataque. Foi então que o Cruz, depois de sair do abrigo disse:
- Agora, voltem a atacar ou não, enquanto não fritar a galinha não volto mais para o abrigo.
Mas ao fim do terceiro ataque, naquele dia, as coisas acalmaram.
Foram estes alguns dos momentos que lá passámos, não falando nos mais dramáticos que aconteceram, que foram muitos, mas esses é melhor procurar esquecer.
António Eduardo Ferreira
____________
Nota do editor
Último poste da série de 4 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23587: (Ex)citações (414): Um "presente envenenado": a minha transferência da CCAÇ 1621 para a CCAÇ 6, em 1/7/1967, em substituição do alferes miliciano acusado de roubar o arroz às "mulheres do mato" (Hugo Moura Ferreira)
Outra das coisas que por lá aconteceram, que algumas vezes me ocorre à memória, tem a ver com uma menina elegante e muito bem vestida que certo dia lá apareceu, não ficamos a saber de onde tinha vindo, acompanhada por vários meninos, com uma galinha para vender, coisa que nunca tinha acontecido, nem voltou a acontecer. Galinha essa que alguns condutores lhe compramos. Isto aconteceu da parte da manhã, durante a tarde, nesse mesmo dia, fomos flagelados à distância, três vezes. Quando começou o ataque, estava o nosso camarada, o condutor Cruz, dentro da vala a começar a fritar a galinha. Toca a recolher para o abrigo, como era normal. Quando supúnhamos que a flagelação tinha terminado, voltamos a sair, pouco depois voltaram a atacar e nós recolhemos uma vez mais. Quando imaginávamos que a festa tinha acabado, aconteceu o terceiro ataque. Foi então que o Cruz, depois de sair do abrigo disse:
- Agora, voltem a atacar ou não, enquanto não fritar a galinha não volto mais para o abrigo.
Mas ao fim do terceiro ataque, naquele dia, as coisas acalmaram.
Foram estes alguns dos momentos que lá passámos, não falando nos mais dramáticos que aconteceram, que foram muitos, mas esses é melhor procurar esquecer.
António Eduardo Ferreira
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Nota do editor
Último poste da série de 4 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23587: (Ex)citações (414): Um "presente envenenado": a minha transferência da CCAÇ 1621 para a CCAÇ 6, em 1/7/1967, em substituição do alferes miliciano acusado de roubar o arroz às "mulheres do mato" (Hugo Moura Ferreira)
3 comentários:
Eduardo Ferreira, és sempre bem vindo!... Bravo sobrevivente de Mansambo e de Cobumba (e mais recentemente de uma neoplasia!), é muito oportuna a tua mensagem.
Quem aqui poderá falar de Cobumba ? Tu estiveste lá em 1973/74... O Antonio Duarte, da tua companhia, outro membro da Tabaca Grande, esse foi para a CCAÇ 12, ficou no leste... Vou-te pedir que continues a partilhar as tuas memórias de Cobumba, mesmo as mais dolorosas... Se não as partilhares, irão contigo para a cova... É para isso que criámos e mantemos este blogue. Obrigado. Luís Graça
Eduardo Ferreira, o que é feito do vosso comandante, o cap mil Manuel Cruz ? Apareceu-nos no início do blogue, em meados de 2005. É membro da Tabanca Grande, mas tem apenas duas referências. Na altura trabalhava em Sines, como engenheiro, numa multinacional. Tem aparecido nos vossos convívios ?
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/Manuel%20Cruz
Luís, o nosso comandante, o capitão Cruz, apenas o voltei a ver uma vez num dos nossos convívios. O que há já muito tempo não tem acontecido entre nosso pessoal...
António Eduardo Ferreira
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