Pesquisar neste blogue

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27364: Historiografia da presença portuguesa em África (501): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1946 (59) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
O Governador anunciara na receção que lhe fora feita pelo Conselho de Governo, que iria fazer o plano de ação governativa com a cooperação de muitos, mas trazia um ideário bem talhado, já nele trabalhara em Lisboa: acabar obras públicas em execução, dinamizar outras, contava com o apoio técnico do Gabinete de Urbanização Colonial; impunha-se criar uma política de saúde, fazer escolas, infraestruturas de diferente tipo, estradas, pontes, o maior número possível de caminhos viáveis; e rever a dinamização agrícola. E podemos constatar que se envolveu numa política cultural que não tinha precedentes: o museu, o centro cultural, o boletim cultural, os homens das Letras e das Ciências que virão até à Guiné. Por isso, se entendeu que se deviam citar alguns parágrafos do que ele escreveu em 1946, nunca esconde que tem pouco tempo pela frente, o que é verdade, estará poucos anos na Guiné, pôs em definitivo a colónia no mapa.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1946 (59)


Mário Beja Santos

À semelhança do que acontecera em 1945, repetem-se as autorizações de abertura de linhas de crédito, não se podem fazer omeletes sem ovos; o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa vai estar à venda, o governador aplica-se em planos agrícolas, desde a orizicultura aos apoios à zootecnia; entra em vigor o código da estrada da colónia da Guiné, no final do ano o Boletim Oficial publica o Regulamento dos Serviços de Saúde da Colónia da Guiné, é a Portaria n.º 165, Suplemento ao n.º 52 do Boletim Oficial n.º 21, de 30 de dezembro. Aparecem estabelecidos os serviços centrais, locais, a rede sanitária geral, bem como os estabelecimentos e serviços especiais. Tenha-se atenção ao artigo 41, referente à prestação da assistência:
“A assistência médica, cirúrgica e farmacêutica será sempre gratuita: aos indígenas que não estejam ao serviço de particulares; aos indigentes; ao pessoal missionário; às praças de pré do Exército e da Armada, bem como às pessoas de família exclusivamente a seu cargo; aos internados em estabelecimentos de deficiência; aos presos e detidos nas cadeias, presídios e colónias penais.”
Pelo Diploma legislativo n.º 1:337-A, suplemento ao n.º 52 do Boletim Oficial n.º 23, de 30 de dezembro: têm direito a assistência médica, cirúrgica, obstétrica e estomatológica gratuitas, além daqueles a quem o regulamento de saúde da colónia já as concede, todos os funcionários públicos civis e militarem em ativo serviço, contratados e assalariados e os aposentados e reformados e as suas famílias, quando os proventos do agregado familiar a cuja convivência pertençam, sejam inferiores a 20 mil escudos anuais.

Voltando atrás, ao Boletim Oficial n.º 12, de 25 de março desse ano, o governador encarrega Fausto Duarte, Secretário da Comissão Municipal de Bolama de preparar o anuário da Guiné Portuguesa, deverá entregar o original até ao fim do mês de outubro desse ano, ficando os serviços públicos obrigados a fornecer a este organizador os elementos não confidenciais. No Suplemento ao n.º 41, do Boletim Oficial n.º 16, com data de 16 de outubro, publica-se o decreto n.º 35:686, prende-se com a necessidade de melhorar as condições de vida das Praças reformadas dos extintos quadros coloniais residentes na metrópole, pelo que fica autorizado o governador da colónia da Guiné a abrir créditos especiais.

Mas nada melhor que pôr Sarmento Rodrigues no discurso direto. Numa mensagem enviada à Revista da Marinha, no seu número dedicado ao V Centenário da Descoberta da Guiné, com data de 31 de janeiro de 1946, escreve o seguinte:
“Falar na Guiné Portuguesa é dizer aos portugueses que não a conheçam que a dois passos de Lisboa todos poderiam encontrar a mais pitoresca, a mais variada, a mais prometedora das terras portuguesas de África.
Na verdade, em nenhuma outra parte do Império se poderia encontrar uma tal profusão de raças, de crenças, de costumes, de trajos, do que na Guiné. Desde os Felupes, bravios, honestos e sóbrios, aos Balantas, ladrões sentimentais, trabalhadores, foliões e bêbados; aos Bijagós cheios de pitoresco; e aos Fulas e Mandingas que trazem consigo as vestes, tradições e traços do mundo árabe; desde as idílicas várzeas onde se criam milhares de toneladas de arroz, aos milhões de palmeiras emaranhadas que dão à paisagem aspetos de beleza incomparável; das montanhas de amendoim que se erguem em toda a parte na época das colheitas, à labuta incansável dos transportes fluviais; da saia de malha de canais e rios que recortam o litoral e sulcam as terras, às numerosas ilhas e às solidões continentais do Gabu; das chuvas diluvianas, aos calores ardentes e às frescas brisas do fim do ano; das mulheres airosas e homens ativos…”


Aquando da exposição que fez, na 2.ª Conferência de Administradores, em 4 de dezembro, revela de novo a fibra do seu caráter:
“Nós não queremos obras de violência. O que for feito sê-lo-á sob uma ideia de justiça e de consistência. Nunca será demais pôr em relevo os transcendentes benefícios que os trabalhos já feitos dos ouriques de Bissau, Cacheu e Mansoa trouxeram à Guiné.
Valorização das terras, combate à miséria e à vadiagem, moralização da mentalidade dos indígenas – paralelamente à demonstração que o Governo faz da sua verdadeiramente paternal atitude, que não envolver prepotência e não exclui a firmeza.
Nós não viemos cá para passar a vida e deixar uma herança que nos sirva de escárnio. Por isso, temos de pôr completamente de parte a ideia de enganar para agradar. Agrade-se, mas com provas evidentes de trabalho feito. Não só feito, como bem feito.
Já por vezes tenho dito que ao chegar à Guiné me pareceu que tudo ruía em redor de mim. Era uma pressão em parte exata – porque os prédios caíam ou exigiam demolição: as secretarias de Canchungo e S. Domingos, a igreja de Farim, a ponte de Bubaque, etc., etc. – dizia, impressão em parte exata, mas também influência pelo grande trabalho de obras inacabadas, umas pela sequência natural dos trabalhos e pelas dificuldades da guerra, outras abandonadas, não se sabe porquê. Esforcei-me por descobrir as feridas primeiro, curá-las depois.
Nada de estatísticas rosadamente falsas, nem problemas a que se volte a cara para não os não resolver. É preciso que tudo seja são e posto à luz clara do dia.”


Discursando sobre o papel que cabe ao Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, dirá o seguinte:
“Este Centro, de âmbito ilimitado, desprende-se da luta de interesses económicos, tão dominante nesta época e nesta terra, para marcar a existência, e também a superioridade, do espiritual.
As suas diretrizes estão traçadas. Mas desejaria especialmente referir-me a um aspeto particular, de importância primária. É ao superior interesse que espero que lhes mereça o estudo do que diga respeito aos valores indígenas, das suas artes primitivas, das suas línguas, costumes e tradições, de tudo que possa registar uma existência, uma personalidade que o tempo fatalmente destruirá. O Boletim Cultural, cujo terceiro número acaba de chegar, é uma prova, e bem eloquente, do que há de valores dispersos pela província. A Guiné Portuguesa deixou de estar isolada no Sudão, na África, no Globo. Entrou em comunhão com o Mundo Português.”


E despeço-me com as palavras que ele enviou ao Jornal da Marinha Mercante para o seu número comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné:
“Não é ela (a Guiné) ainda o que poderá vir a ser. Sofre de vários males, que espero do tempo e do juízo dos homens ver sarados. Ainda persiste, em apreciável escala, a miragem dos negócios simples e rápidos. É uma sobrevivência dos tempos ingratos em que o colono era cercado de inimigos, fruto do clima e das gentes rebeldes.
Não devemos deixar de frisar que não é pequena, podendo mesmo considerar-se das mais valiosas dentro das nossas colónias, a iniciativa de trabalho dos indígenas.”

Notícia da visita à Guiné do Subsecretário de Estado das Colónias
Sarmento Rodrigues na Ilha Roxa com as autoridades locais
Em Bubaque com o régulo Gen-Gen
Bolama, cerimónia do Juramento de Bandeira
Encontrei há dias o Dr. João Loureiro, responsável pela publicação do acervo dos bilhetes-postais de todo o Império, devo-lhe a atenção pessoal por me ter oferecido livros da Guiné, já referenciado no nosso blogue. Deu-me notícia das ofertas que está a fazer à Sociedade de Geografia de Lisboa e lembrou-me que entregara um livrinho feito por um juiz natural do Estado da Índia que estivera em Bissau, devia-se-lhe a planta da Praça de S. José de Bissau, é o desenho original, depois republicado em inúmeras edições de outros autores. Mordido pela curiosidade, pedi para ler a obra e fotografar a planta original, é esta.

(Continua)

_____________

Nota do editor

Último post da série de 22 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27341: Historiografia da presença portuguesa em África (501): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, finais de 1945 (58) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Quem foi Rui de Sá Carneiro (1899-1963) ?

(...) Ruy de Sá Carneiro, engenheiro, político e colonialista, nasceu em Lisboa, a 26 de Julho de 1899, e morreu, na mesma cidade, a 25 de Abril de 1963. Depois dos estudos secundários, inscreveu-se no curso de Engenharia Civil, do Instituto Superior Técnico, no ano de 1916, que concluiu em 1921. Em 1922, partiu para Angola onde fora colocado no quadro de Obras Públicas e Minas, tendo desempenhado várias funções nesse organismo oficial, ente as quais destacaremos as de chefe da Repartição Técnica de Hidráulica, director dos Serviços de Indústria e Minas e director das Obras Públicas, a partir de 1928.
A par das actividades técnicas e profissionais, desempenharia nesta possessão da África Ocidental outras funções, algumas delas de carácter político. Assim, começaria por ser o representante em 1926 do Governo português junto da empresa encarregue da reconstrução do caminho-de-ferro de Luanda. Depois foi ainda vogal do Conselho Legislativo, vogal do Conselho Superior de Estatística, delegado de Angola em 1936 à Conferência Económica do Império, presidente da delegação do Império Colonial Português às Conferências de Telecomunicações realizadas no Egipto em 1938. Acabada a sua missão em Angola, regressou em 1936 à Metrópole, tendo nessa altura sido colocado como chefe interino da Repartição de Obras Públicas, Portos e Viação da Direcção Geral do Fomento, do ministério das Colónias, cargo que assumiria em 1939. Nesse mesmo ano foi nomeado secretário geral do mesmo Ministério, função que acumularia com o de director-geral do Fomento Colonial.
A ascensão político-profissional de Sá Carneiro seria coroada com a designação a 27 de Janeiro de 1943 para o lugar de subsecretário-de-Estado das Colónias, alto cargo que desempenharia até Julho de 1950. Depois da saída deste lugar, ainda exerceria outras funções relevantes no ministério das Colónias, nomeadamente a coordenação dos projectos de construção do Palácio e Museu do Ultramar, entre 1952 e 1955; a chefia da delegação portuguesa às negociações com a Grã-Bretanha, a propósito das fronteiras de Angola e Moçambique com os territórios da Federação das Rodésias e Niassalândia, que culminariam com o acordo diplomático assinado entre os dois países em Lisboa, a 18 de Novembro de 1954; a representação como vogal na Junta de Missões Geográficas e de Investigação do Ultramar; a presidência da Comissão de Nutrição do Ultramar. Nas edições da Agência Geral das Colónias publicou vários artigos e um livro, em 1947, sobre as Comemorações Centenárias da Guiné.(...)
In: Garcia, José Luís Lima - Ideologia e propaganda colonial no Estado Novo: da Agência Geral das Colónias à Agência Geral do Ultramar: 1924 - 1974, Faculdade de Letras - Universidade de Coimbra, 2011, pp. 743-744. Disponível em formato pdf
https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/20029/1/Tese-AGC-Lima%20Garcia.pdf