quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1481: Tabanca Grande: Carlos Américo Rosa Cardoso, ex-1º Cabo Radiologista (HM 241, 1972/74)

Guiné > Bissau > 1972 > O edifício do Hospital Militar... Os horrores da guerra (os mutilados, os politraumatizados, os feridos graves...) eram ali despejados todos os dias, de helicóptero... O 1º Cabo Radiologista Cardoso mandou-nos documentos fotográficos, inéditos, do fim da linha: restos (macabros) de corpos humanos, restos de camaradas nossos a quem foram amputados braços ou pernas...


Guiné > Bissau > 1972 > A chegada, as primeiras descobertas e emoções...


Guiné > Bissau > 1972 > O primeiro passeio pela cidade...



Guiné > Bissau > 1972 > As primeiras ostras...



O novo membro da nossa tertúlia: Carlos Américo Rosa Cardoso: pertenceu aos Serviços de Saúde Militar, com o posto de 1º Cabo Radiologista. Vive em Lisboa. Trabalhou em artes gráficas. Hoje está reformado. Falei com ele pelo telefone. Dei-lhe as boas vindas... Vamos continuar a falar do inferno do Hospital Militar de Bissau que a maior parte d enós, felizmente, n
ao chegou a conhecer ao vivo... (LG)

Fotos: Carlos Américo Rosa Cardoso (2007). Direitos reservados


1. Mensagem de 29 de Novembro de 2006, enviada pelo ex-1º Cabo Radiologista Cardoso, dos Serviços de Saúde Militar:

Amigo:

Estive no Hospital Militar de Hissau como radiologista de 1972 a 74 e tenho algumas fotos que gostaria que não ficassem no esquecimento. Diga-me como as hei-de mostrar no vosso blogue.
Aguardo notícias

Um abraço
Cardoso

2. Camarada Luís Graça:

Conforme combinado, vão aí as fotos que me pediu. Se as quiser publicar todas ou só algumas, faça o favor. Como lhe disse terei muito prazer em fazer parte da tertúlia e mostrar algumas fotos inéditas.
Sem mais, um abraço

Cardoso, ex- 1º cabo radiologista


3. Apresentação do ex-1º Cabo Radiologista:



Guiné > O Hospital Militar de Bissau: "No meu tempo... Como foi ficando... Como está..."


"O meu Hospital Militar de Bissau:

"Ao navegar pela Internet procurando coisas sobre a Guiné, deparei com este site e achei piada porque acabei por encontrar algo que eu procurava há bastante tempo.

"Felicito ao mesmo empo o camarada Luís Graça por esta brilhante ideia.

"A minha história nada tem de especial: fui para a Guiné em 1972 e estive lá até 1974, como 1º cabo radiologista, em rendição individual.

"Foi neste hospital que fiz o meu serviço militar.

"Ao mesmo tempo aproveito par dizer á rapaziada do hospital que me contacte para ver se conseguimos uns quantos para nos organizarmos e depois aí partirmos - quem sabe ? - um almoço convívio. Telemóvel 939 928 718.

"Um abraço a todos os camaradas. Cardoso RX"

quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1480: Guidaje e Gadamael: os marados da CCAÇ 3518 (A. Marques Lopes / Daniel Matos)

O nosso querido amigo e camarada A. Marques Lopes veio lembrar-me que, sendo coronel DFA, na reforma, já não pode andar fardado, de acordo com as normas... Daí mandar-me uma nova foto, à paisana, que irá figurar na página da nossa tertúlia.

Foto: © A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados.


Mensagem do A. Marques Lopes:

Um amigo meu de longa data, e a quem estou farto de convidar para participar no blogue, mandou-me hoje esta mensagem:

"Olá, estás bom? Tenho tido pouco tempo para entrar no blogue e colaborar. Mas uma notícia (telejornal de 2ª feira, não sei em que canal) chamou a minha atenção: a de se pretender recuperar as ossadas de oito militares que ficaram sepultados em Guidaje, em Maio de 73 (1).

"É um assunto que me é caro, pois fui eu quem os enterrou (quem procedeu às cerimónias militares, sem salvas de tiros para o IN não os contar, por ordem do comandante!). Quatro deles são da minha ex-Companhia (Companhia de Caçadores Independente 3518).
Um abraço".

A companhia dele esteve em Gadamael em 1972/73 , eram Os Marados de Gadamael, mas em Maio de 1973 já estavam em Guidaje. Ele chama-se Daniel Matos e o mail dele é: daniel@lis.sitava.pt .

Se alguém for da companhia dele que o convença a vir falar connosco.

A. Marques Lopes

__________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1453: Ninguém fica para trás: uma nobre missão do nosso camarada ex-paraquedista Manuel Rebocho

Guiné 63/74 - P1479: Questões politicamente (in)correctas (23): O que podemos (ou não) fazer pelo povo guineense (Beja Santos)



Guiné-Bissau > Bijagós > 2007 > Poderá um país soberano viver (quase só) da caridade internacional ? Um pergunta (incómoda e dolorosa) de muitos dos amigos e camaradas da Guiné que fazem parte deste blogue e que não são propriamente um clube de saudosistas, antes pelo contrário gostariam de poder encontrar formas de serem activamenhte solidários para com um povo (irmão) que neste momento sofre, e sofre profundamente.

Fotos: © Jorge Rosmaninho (2007). (Com a devida vénia...). Extraído do seu blogue Africanidades (Vivências, imagens e relatos sobre o grande continente África vista pelos olhos de um branco que, por sinal, é também um portuga do pós-império)

Mensagem de 11 de Janeiro de 2007, enviada pelo nosso camarada Beja Santos:


Caro Luís, caros tertulianos, vou procurar participar na conversação bloguístca face a esta etapa de agressividade e intolerância que se vive de novo na Guiné Bissau. Como somos um fórum, bom seria que apontássemos aonde o blogue pode ir mais longe, contribuindo para a paz e o desenvolvimento do país onde mudámos de mentalidade e aderimos aos ideais de Abril. Estou convencido que virá o dia em que podemos cooperar para a formação de quadros guineenses, ajudando-os nas suas competências e qualificações. Por ora, creio que será um esforço sério aprofundarmos entre todos nós os porquês de uma vida irreconciliável que pode augurar uma tragédia inominável : uma Guiné Bissau inviável, que só resiste ao sabor da caridade internacional. Vosso, Mário Beja Santos



O sofrimento profundo da Guiné-Bissaupor Beja Santos


Trabalhei na Guiné Bissau nos últimos cinco meses de 1991. Portugal subescrevera um protocolo na área do Ambiente e da Defesa do Consumidor, já numa perspectiva de um trabalho conjunto a pensar na Cimeira da Terra, que se realizou no Rio, em 1992. A missão que eu recebi, em Lisboa, era a de apoiar as autoridades guineenses a promover a criação de uma legislação básica e de um serviço público orientado para o fomento de políticas do Estado e do associativismo livre e independente.

Tal missão , e na especificidade da Guiné, obrigou-me a contactar os departamentos governamentais da área económica, agricultura, pescas, saúde, educação e ambiente, pelo menos. Procurei igualmente conhecer os programas das agências das Nações Unidas, das fundações, decorrentes de tratados inter-estados conducentes à melhoria das condições de vida, bem como apurar o que faziam as Organizações Não Governamentais e grupos de interesse público.

Bastou-me um mês para constatar que a Administração Pública estava completamente paralisada, que as autarquias não funcionavam ou eram irrelevantes no que cabe à qualidade de vida, que não havia legislação nem vontade de a preparar, que nos mais altos cargos da Administração não se pretendia beliscar os interesses económicos instalados, claros ou obscuros.

A Bissau onde eu trabalhei desmoronava-se na coesão, na economia clandestina, na divisão entre os ricos do aparelho político e a multidão de sobreviventes. O que procurei fazer foi ouvir a opinião de quem representava o FMI, o Banco Mundial, o PNUD, a FAO, a OMS, os múltiplos programas no terreno, abarcando o saneamento básico, a criação de economia formal, os cuidados de saúde, a formação contínua, por exemplo.

De quase todos os que consultei e auscultei ouvi a mesma opinião: é um partido sem modelo económico, entregue aos altos e baixos do ajustamento estrutural proposto pelo FMI; os programas por mais generosos que sejam, nunca têm continuidade ou qualquer espécie de retorno. Prevalecem os expedientes, decididos e apoiados pela clique presidencial. Não há classe política, não há sentido dos interesses do Estado, os funcionários públicos e os professores não são pagos, enfim, nem na esfera produtiva nem na dos serviços nada funciona.

Este terrível diagnóstico levou-me a propor a criação de um serviço interministerial de defesa do consumidor com um corrdenador permanente, com reuniões mensais de todos os representantes, públicos e privados, com senhas de presença, e com a obrigatoriedade de apresentar um programa bianual de acção a favor de uma melhor cidadania no consumo e responder faseadamente pela sua execução. As autoridades portuguesas comprometiam-se a pagar inteiramente os custos deste funcionamento.

Estes documentos foram assinados pelas autoridades guineense e portuguesa e nunca levados à prática. A única experiência ditosa que trouxe foi na área da comunicação social onde a TV guineense produziu seis programas sobre a problemática do consumo numa óptica de satisfação das necessidades básicas. Depois disso nada mais aconteceu nos domínios do Ambiente e Defesa do Consumidor, continua-se sem leis nem vontade de as executar, os guineenses vivem muito pior depois da guerra e das peripécias político-militares subsequentes.

Serve este preâmbulo para vos dizer que antes de falarmos no posicionamento da Guiné-Bissau no actual espaço da CEDEAO e do franco CFA como nova moeda, e porque é totalmente inútil questionar se os povos da Guiné estão identificados com o Estado ou pôr novamente em tribunal todas as irresponsabilidades praticadas depois da independência, estou em crer que a Guiné tem severas limitações económicas, se deve reflectir como é que o quadro político, social, económico e cultural se devem reconciliar com o país.

A Guiné dos últimos 30 anos procurou desenvolver-se culpando o colonianismo, lançando-se em programas desmesurados e incompatíveis com o seu grau de riqueza, habituou-se à ajuda externa, trocou o modelo proteccionista rígido por uma liberalização que só satisfez alguns grupos de interesses, continua sem infraestruturas, sem sistema educativo, sem classe de funcionários comprometidos com o interesse público, sem saúde, sem potenciar as suas riquezas agrícolas e piscatórias.

Arrancar um país do marasmo não se faz por golpes de mágica. Tem que haver crença nas instituições, seriedade no seu funcionamento, respeito mútuo nos órgãos de soberania, sentir-se a autoridade responsável no saneamento básico, na protecção do ambiente, na desconcentração dos poderes junto de quem aceita o desafio da desconcentração e ousadia nas mudanças socioculturais travando o tribalismo e fomentando a identidade nacional. A Guiné-Bissau mostrará a confiança interna quando aderir a um Orçamento de Estado.

Arrancar um país do marasmo não se pode confinar à permanente negociação da dívida externa e dos auxílios dos doadores. Um programa de Governo (chame-se de unidade nacional ou não) tem que apostar em receber apoios para melhorar a sua produção nos bens onde está apto, desde o amendoim, passando pelo coconote, a extracção sustentável e exportação de madeiras e, sobretudo a colheita e a exportação do cajú. Os tratados económicos nas pescas deviam prever benefícios na formação dos pescadores e melhoria nos equipamentos da frota pesqueira nacional. Uma boa parte da ajuda externa devia estar afectada a planos de formação conjungando os departamentos da educação e formação profissional. A negociação da estabilização económica devia fazer-se à luz deste quadro de desenvolvimento e obter o consenso de credores e doadores.

Aliás, devia ser aq esta luz que Portugal devia restabelecer a sua cooperação, aprovado o modelo de desenvolvimento suportado pela generalidade dos partidos. Só invertendo o definhamento do Estado, só gerando a participação dos operadores económicos e dos agentes sociais, só negociando com garantias e probidade é que a comunidade internacional pode sentir que não se depende da arbitrariedade da fulanização política e vale a pena apostar numa ajuda e cooperação que esteja para lá da pressão a curto prazo e que perspective no longo prazo a coesão do Estado.

Ao nível da nossa modesta intervenção e pensando em tertulianos como o Paulo Salgado (1), devíamos reflectir para onde deve ir a cooperação portuguesa para além da língua e da formação universitária: a criar verdadeiros empresários e industriais, quadros públicos, pessoal de saúde, agricultores e pescadores. E enquanto blogue podíamos dar o exemplo: criando uma bolsa de estudo para alguém que possa contribuir para trazer mais paz à Guiné.

__________

Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de

11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1421: Crónicas de Bissau (o 'bombolom' do Paulo Salgado) (14): Um final com homenagem a um homem grande, Fernando Sani

13 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1069: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (13): Para quando África ?

Guiné 63/74 - P1478: Unidades de Guileje: Coutinho e Lima, ligado ao princípio e ao fim (Nuno Rubim)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCav 8350 > 1973 > O helicanhão, num recuerdo do nosso camarada Casimiro Carvalho.

Foto: © José Casimiro Carvalho (2006). Direitos reservados.


Mensagem do Nuno Rubim, com data de ontem:

Caro Luís:

Um dia muito produtivo e ... instrutivo, no AHM - Arquivo Histórico Militar (1).

Relativamente às Companhias que estiveram em Guileje verifiquei o seguinte ( ainda há vários aspectos sujeitos a confirmação , até porque não tive oportunidade de consultar todos os processos) :

(i) Afinal e para surpresa minha, ainda sobreviveram documentos oficiais que permitem ter uma ideia bastante aproximada da suas histórias. Mas não existem os relatórios de operações redigidos pelos comandantes, peças essas fundamentais !

(ii) Se a isso juntarmos os testemunhos individuais que têm sido transcritos no teu blogue ( e aqueles que ainda surgirão.. ), já fico muito mais satisfeito, como interessado que sou na nossa história.

(iii) De todas essas unidades a única sobre a qual nada consta é, para minha eterna vergonha, uma das duas que lá comandei, a CCAÇ 1424 ! Mas se se souber o que foi o final da minha 1ª
comissão na Guiné, isso talvez não surpreenda ..., até porque a companhia ainda lá ficou, sendo devolvida ao seu comandante de origem ...

(iv) Embora ainda sob reservas, a história da CCAÇ 3477 (os Gringos de Guileje ), foi a mais completa que me foi dada analisar, detalhada, bem redigida, objectiva, com interessantes pormenores, enfim ... excelente ! A sua redacção foi, sem dúvida, elaborada pelo seu comandante, o Cap Mil Grad Abílio Delgado, ferido em combate em 24 de Julho de 1972.

(v) A 1ª unidade a ir para lá foi um GC [Grupo de Combate9 reforçado da CART 494, em Jan / Fev de 1964. A Companhia estava a instalar o quartel em Gadamael. Só mais tarde é que um grupo da CART 495, em final de Fevereiro, foi reforçar a guarnição até à chegada das primeiras forças da CCAÇ 726, em 31 de Outubro, permanecendo ainda algum tempo em sobreposição.

A CART 494 era comandada pelo então Capitão... Coutinho e Lima, que assim fica para sempre ligado ao início e fim de Guileje (2) ...

Se algum desejar rectificar ou ampliar as informações acima fornecidas agradeço.

Um abraço

Nuno Rubim

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 7 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1408: Vamos salvaguardar a(s) nossa(s) memória(s), apoiando a Liga dos Amigos do Arquivo Histórico Militar (Luís Graça / Nuno Rubim)

Instalações do AHM:

Arquivo Histórico Militar
Largo dos Caminhos de Ferro, 2
1100-105 Lisboa.

COP5 o major de artilharia Alexandre da Costa Coutinho e Lima, comandante do COP 5, na altura da batalha de Guilehe e Gadamael: Vd. posts de

2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)

Reprodução da reportagem "Estamos Cercados por Todos Os Lados", de Serafim Lobato.
Público. Domingo, 28 de Dezembro de 2003.

15 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1431: Guileje: Quem (e quando) construiu os abrigos de cimento armado (Pepito / Nuno Rubim)

Pepito escreveu: (...) "Como vou aí na 3ª semana de Fevereiro [de 2007], gostaria de contactar com o [Coronel] Coutinho Lima, último Comandante do quartel de Guiledje [ou, melhor, do COP 5], elemento determinante do nosso projecto.(...) "

Vd. ainda os posts:

14 de Outubro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1174: Três homens de Guileje: Nuno Rubim, Zé Neto e Pepito (Luís Graça)


15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I)

15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)

12 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P870: Ideias para um diorama do quartel ou quartéis de Guileje (Nuno Rubim)

Guiné 63/74 - P1477: Guileje: CCAÇ 3325 (Alexandre Agra)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 (Jan-Dez. 1971) > Crachá

Foto: © Alexandre Agra (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem de Alexandre Agra:

Amigo e Antigo Combatente,

Bom dia.

Ao fazer uma pesquisa de trabalho fui cair em Guileje!

Agradavelmente surpreendido, começo por dar o meu primeiro contributo para a história de Guileje enviando o crachá da CCAÇ 3325, que lá esteve entre Janeiro e Dezembro de 1971, sucedendo à famosa Companhia dos Magriços de Guileje [, CCAÇ 2617,] e antecedendo a [CCAÇ] 3477 (1). De lá partimos para Nhacra.

Um forte abraço.

Alexandre Agra

2. Comentário de L.G.: Obrigado, Alexandre. O nosso puzzle vai-se compondo. Diz-nos mais coisas da tua unidade e do tempo que vocês passaram em Guileje. Estás, naturalmente, convidado para ingressar na nossa tertúlia, se for esse o teu desejo.

Falei hoje com o ex-enfermeiro da CCAÇ 3325, Vitor Manuel Rodrigues Fernandes - mais conhecido na época como o Fininho. Mora na área da Grande Lisboa e é gráfico. Não conhece o nosso blogue. Não tem Internet em casa. Mas ficou entusiasmado com as notícias que lhe dei a nosso respeito. Costuma reunir-se com a malta da sua unidade todos os anos, e está regularmente com o Coronel Jorge Parracho. Estiveram juntos no verão passado, ele , o Pepito e o Parracho. A história da unidade ainda não está pronta. Dentro de dias vou contactá-lo de novo. Conhece o Alexandre Agra.
__________

Nota de L.G.

(1) As unidades sediadas em Guilele, por ordem cronológica (e respectivo contacto):

CCAÇ 495 (Fev 1964/Jan 1965)
CCAÇ 726 (Out 1964/Jul 1966) (contactos: Teco e Nuno Rubim)
CCAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966) ( contacto: Nuno Rubim )
CCAÇ 1477 (Dez 1966/Jul 1967) (contacto: Cap Rino)
CART 1613 (Jun 1967/Mai 1968) (contacto: Cap Neto)
CCAÇ 2316 (Mai 1968/Jun 1969) (contacto: Cap Vasconcelos)
CART 2410 (Jun 1969/Mar 1970) (contacto: Armindo Batata)
CCAÇ 2617 ( Mar 1970/Fev 1971) > Os Magriços (contacto: Abílio)
CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971) (contacto: Jorge Parracho)
CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972) > Os Gringos de Guileje (contacto: Amaro Munhoz Samúdio)CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) > Os Piratas de Guileje (contacto: José Casimiro Carvalho )


Vd. post de 15 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1431: Guileje: Quem (e quando) construiu os abrigos de cimento armado (Pepito / Nuno Rubim)

Guiné 63/74 - P1476: Pensar em Voz Alta (Torcato Mendonça (4): Mulher tua

Luís Graça

Acabei de ler o que o Vítor Junqueira escreveu, sobre uma Mulher que foi sua na Guiné (1).

Confesso que, só depois de ler este texto lindo, compreendi o Vitor Junqueira. Estava enganado. Pensava que ele era diferente… nunca lho disse. Li coisas que ele escreveu e não gostei. Hoje emocionei-me, estou emocionado e turva-se a visão das teclas.

Sabes, senti algo do meu passado a vir, a instalar-se aqui e agora, junto de mim… Nem só de África, sei lá.. Tantas vidas!

É tarde, não quero escrever mais… deixo-me embalar no que, após a leitura, senti…Obrigado Vítor… Não se julgue ninguém de modo precipitado… Uma desculpa.

Um abraço para os dois do,

Torcato Mendonça
Fundão

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação (Vitor Junqueira)

Guiné 63/74 - P1475: Histórias de Vitor Junqueira (7): A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação

Guiné > Região do Cacheu > Biambe > Bajuda Papel, cristianizada > Uma homenagem à beleza da mulher guineense... Um "verdadeiro monumento ao amor", escreve o Vitor Junqueiro, neste post, a propósito da sua Fanta Faldé....

Série de postais ilustrados do tempo da Guiné Portuguesa, s/d nem editor... Colecção do nosso amigo e camarada José Casimiro Carvalho, outro tuga enfeitiçado... (ex-fur mil op esp, CCav 8350, Guileje e Gadamael, 1973/74)


Foto: © José Casimiro Carvalho (2006). Direitos reservados.

Texto do Vitor Junqueira, ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), médico, residente em Pombal, membro da nossa tertúlia (1). Enviado em 17 de Janeiro de 2007.

Comentário (prévio) de L.G.:

(i) Amigos e camaradas: o que vão ler, é um dos mais belos textos que um homem pode escrever sobre uma mulher em tempo de guerra. O estilo é puro e duro, o título enganador... Há uma tremenda ternura subliminar que me emocionou, e que só pode honrar o homem, o médico e o português que é o Vitor Junqueiro. É um texto que nos honra a todos. É uma homenagem a todas as Fantas Baldés da Guiné que climatizaram os nossos pesadelos, e que dormiram connosco na cama...

(ii) É um texto corajoso, escrito na primeira pessoa do singular, sem máscaras, sem defesas, que muitos de nós gostariam de ter escrito. É um escrito da maturidade, um escrito que revela uma grande nobreza de alma, sensibilidade e humanidade...

(iii) É um post que definitivamente vai figurar na antologia dos melhores posts do nosso blogue...

(LG)
__________


Luís,

Mantenhas p'ra bó.

Como as promessas se fazem para cumprir, aqui vai um pedaço de prosa da minha lavra que gostaria de ver publicado no Blogue.

Assim como aquele texto que te enviei ontem, já tarde (2). Se for possível e quando for possível. E caso não seja, agradeço que me dês conhecimento.

Saudações cordiais,
Vitor Junqueira

A minha puta ...
por Vitor Junqueira

1. Reflexão:

Toda a gente tem a sua puta. Que nem sempre é a doce puta-amante. Na maioria das vezes é uma bem amarga puta de vida, ou uma puta de sorte ...

Não sendo um expert em matéria de putedo, tenho sobre este assunto algumas ideias próprias, nem sempre consensuais com a moral e os bons costumes prevalecentes na família portuga. Começo por dar conta de um facto: Há muita gente que, com a maior naturalidade, visiona no leitor de DVD ou televisor da sua sala, filmes contendo cenas raiando o mais puro hard core, e no entanto, se numa conversa de circunstância o tema descamba para o lado das meninas, lá vem o inevitável e embaraçoso constrangimento. Tal como proclamava o nosso bem conhecido cónego Remédios, “não havia nechechidade” ... também estes benzetas não se coíbem de grunhir moengas contra estas sem-vergonhices. Repudio os seus argumentos bacocos, moralistas e reaccionários, quase sempre eivados de indisfarçável hipocrisia.

Afinal, todos sabemos que as putas como as cadeias existem, porque existem homens e mulheres. Reconheço contudo que entre nós, este continua a ser um tema meio tabu, com conotações geralmente negativas. Veja-se, a título de exemplo, algumas designações aplicadas às principais linhagens de putas:

Entre as plebeias, assumem posição de relevo as putas do c... São uma estirpe comum que pode desabrochar virtualmente no seio de qualquer honrada família. Porém, o grosso do efectivo é constituído pelas putas reles, putas manhosas e putas rafeiras. Há quem se refira a uma variante urbana particularmente desqualificada, como putéfia de merda, também conhecida como gatinha do Cacém. Não possuindo forçosamente qualquer vínculo nobiliárquico, as reais putas, cuja patrona-mor até foi por mero acaso uma conhecida princesa, são intocáveis, quase sagradas aos olhos dos milhões de putas sérias que por aí andam e com quem dormimos habitualmente!

As putarronas têm experiência, têm estatuto e acima de tudo possuem bons amigos. Sabidonas, cuidado com elas! As minhas preferidas são as refinadas putas. São o que são e não enganam ninguém. Distinguem-se pelo seu elevado grau de profissionalismo. Fora deste elenco, ficam as putas finas. Como dizia uma comadre minha tentando defender a honra da filha: são tão putas quanto as outras, mas sabem escrever à máquina! Têm carreira própria e à pala de umas cambalhotas com peixe graúdo, tornam-se alpinistas. Olhem em redor, e vejam até onde algumas conseguiram trepar!...

Por mim, rejeito qualquer expressão ou atitude classicista ou discriminatória em relação a um grupo profissional tão antigo quanto a humanidade. Que, por sinal, até tem merecido a atenção de alguns dos maiores pensadores e poetas que a humanidade já produziu. Como argumento final e para não me esticar em demasia, direi apenas que dentro de cada um de nós, existe certamente uma putinha adormecida.

Isto não significa que não fique deveras chateado se algum chifrudo me apelidar injustamente, de filho da puta. E se o mandassem para a puta que o pariu, como é que o meu prezado amigo reagiria? Como eu, mal. Pois é, paradoxos ...

2. Vamos à estória:

Era eu um chavaleco de merda na casa dos vinte e poucos anos, quando conheci na Guiné uma refinada puta. Tão puta, que suspeito que tenha nascido já sem cabaço. Ou se o teve, foi por pouco tempo! Não era uma puta comum. Esta veio ao mundo por uma causa, com uma missão. Tinha o seu código de honra e levava-o muito a sério: À sua beira, ninguém deveria padecer à míngua de sexo, ainda que estivesse teso!

A Fanta Baldé era uma mandinga retinta, grande, de feições fortes quase viris, voz meiga e riso espalhafatoso. Nunca soube qual era a sua idade, mas julgo que seria idêntica à minha. Ouvi-a dizer que nasceu lá para os lados de Binta, e por lá se manteve até ter peso suficiente para um tuga lhe fazer um mulatinho, o Mário. Já a criança era nascida quando à cata de melhores oportunidades de negócio montou estaminé num tugúrio em Farim.

Aí, acolheu no aconchego do seu corpo torrentes de esperma, em troca dos pesos que tanta falta lhe faziam para criar o seu rebento. Mais tarde, acabou por atravessar o Cacheu vindo a fixar residência em Saliquinhedim (K3), dedicando-se à prestação de serviços em regime de exclusividade aos Barões da CCAÇ 2753 (1).

Foi aí que nos encontrámos pela primeira vez e, desde logo, uma forte antipatia nasceu entre nós. Armado em cão com pulgas, eu via naquela mulher uma fonte de complicações. Já imaginava o mais do que provável abandalhamento da Companhia com quebra na disciplina e, sabe-se lá, a possibilidade da prática de actos de rebelião na hora de sair para o mato. Assim como a exploração, a favor do IN, de fontes de informação às quais tinham acesso privilegiado os nossos militares, seus clientes, sobre os quais possuía notório ascendente. O que, diga-se, representava uma enorme e inaceitável desvantagem estratégica das nossas forças face às tropas do PAIGC.

O tempo veio a demonstrar que era apenas uma mulher e mãe. Uma boa mãe. Como nenhum daqueles temores se concretizou, acabámos por nos tornar amigos íntimos. Demasiado até, tendo em conta as marciais regras do decoro e bons exemplos!

Mas ela assim quis, e quando a mulher quer, Deus ordena. E foi assim que moenga aconteceu:

Como assíduo frequentador da tabanca, situada arames meios com as instalações militares, procurava na convivialidade com a população local o alento para o stressante dia a dia dos golpes de mão, das colunas, patrulhamentos, emboscadas, em suma, da vida em estado de guerra. Sentados no chão ou estendidos sobre esteiras, gozando a frescura relativa da tarde sob a ramagem frondosa das mangueiras, a modorra tomava conta dos corpos enquanto a neura se apoderava das mentes. Entediados por meses de permanência naquele buraco do fim do mundo, amarfanhados pela saudade dos familiares e amigos que tinham ficado na metrópole, aquelas eram as tardes mais longas de todas as tardes, como no poema do Ary dos Santos (3).

A noite, porém, metamorfoseava aquele escafundó num pedacinho de paraíso. No tabancal, quase não havia homens, pois estavam praticamente todos exilados nos pelotões da milícia de Binta e Bigene. Deles, só se sabia quando apareciam para gozar uns dias de férias e esvaziar os sacos da saudade! Talvez por isso, os lusos eram muito bem recebidos. As esposas e namoradas, carentes como se compreende, lá se amanhavam com os nossos bacanos. Mas também as mães, primas, amigas ou irmãs que nos lavavam os camuflados, o pescoço e a alma em troca de quase nada.

Depois do jantar, que era geralmente servido ao lusco-fusco, distribuíam-se as armas aos putos que tinham a seu cargo a auto-defesa da tabanca. Eram na sua maioria adolescentes, a quem os nossos antecessores tinham ensinado o manejo da G3 e do morteiro. Recolhiam as armas da mão da tropa ao fim da tarde e entregavam-nas pela manhã do dia seguinte. E sempre souberam dar conta do recado.

Quanto a nós, magníficos representantes do marialvismo nacional, uma vez montada a segurança, o objectivo passava a ser bajudame e cada um se safava como podia. No terreiro da aldeia, localizado no centro de um aglomerado de 20 ou 30 moranças, ardia uma fogueira alimentada com lenha que todos ajudavam a recolher e transportar. Espantava os mosquitos, aquecia e alegrava o ambiente. Ao seu redor, apertavam-se os nossos à molhada com os indígenas.

Havia lugar para todos e todos tinham o seu lugar. Lado a lado, brancos e pretos, fulas e mandingas, homens, mulheres grandes, jovens adultos e crianças, escutavam interessados o relato feito por alguém, que em tom jocoso, dramatizava o acontecimento social ou peripécia desse dia. Via de regra, havia sempre uma vítima, alvo de dura chacota. Que ninguém levava a mal.

Às tantas, um ritmo de batuque, cantoria e risos de mulher enchiam o ar fresco da noite com cheiro a África. Para tanto, bastava que alguém desse início a um som com as palmas. E logo as palmas de muitas mãos acompanhavam aquele ritmo. Qualquer velha lata ou cabaceira, primorosamente percutidas por mãos experientes ou improvisadas baquetas, produzia uma música a que os corpos não resistiam, e recusando o controlo da vontade, gingavam ao ritmo da batida. Para o centro da roda, saltava então uma mulher, depois outra e outra. Curvadas para a frente, muitas vezes com os pequenitos na costa, batiam o chão, forte e compassadamente, com os pés nus. E logo a pequenada toda, as bajudas, honradas mães de família e outras menos honradas, toda a gente participava naquela dança quase frenética em que os cânticos entoados por conhecedores transformavam num ritual cataléptico que podia durar horas, e só terminava quando os corpos trémulos e suados pediam descanso, ou o quadro que fornecia luz à tabanca era desligado. Na esteira ficavam apenas os coxos e o mija na escada, moi, eu!

O convívio continuava então, mais terno, mais íntimo, com a cumplicidade da escuridão traída por esquivos reflexos das labaredas moribundas. Numa dessas noites, quando a maioria do pessoal já havia recolhido a penates, a Fanta aproximou-se de mim, risonha, e num crioulo palpitante disse-me:
- Zunqueira (tinha problemas com a dicção do meu nome), preciso falar contigo.
- Então fala, diz o que é que queres, respondi.
- Zunqueira, aquilo que tenho para te dizer ... tem de ser em minha casa. Vem por favor - disse ela. Disse-o como se fosse uma ordem, e num passo ligeiro e silencioso, pôs-se a caminhar à minha frente.

Fiquei intrigado, receoso mesmo. Ocorreu-me que quisesse pedir qualquer coisa para o filhote. Ou estaria ela a tramar alguma armadilha, a mando do IN? Mas, dado que noblesse oblige ..., senti-me impelido a seguir-lhe a silhueta através do labirinto de moranças, àquela hora escuro e deserto. Chegados à sua porta, no extremo oposto da tabanca quase junto ao arame farpado, accionou a taramela que garantia a segurança da sua espartana habitação.
- Vem, disse em voz ciciada, afastando-se para me deixar passar.

Instintivamente agarrei a coronha da [pistola] walter que levava escondida no bolso do dólmen. Contudo, o seu sorriso descomprometido tranquilizou-me. Entrei.

A casa tinha apenas uma divisão com chão de terra batida. Do lado esquerdo, arrumado à parede, um leito de ferro sobre o qual um colchão de espuma coberto com uma colcha cor de rosa impecavelmente limpa, sem uma ruga. Um pequeno caixote servia de mesa de cabeceira e evidenciava a singeleza do local. Em cima dele, um luxo, um candeeiro a petróleo cuja luz subiu. Pude então destrinçar junto à parede oposta um camita de madeira onde dormia placidamente o pequeno Mário. Esta visão acabou com os meus receios, senti-me completamente descontraído.

No pouco espaço disponível entre as duas camas, a Fanta volta-se para mim e apontando com o queixo para o pequenito, apoiou o indicador sobre os lábios em sinal de silêncio. Ostentava um sorriso enigmático a que luz velada do candeeiro realçava o brilho dos olhos e a brancura dos dentes. Acheia-a diferente, parecia uma garota.

Num gesto rápido fecha a porta, e sem uma palavra aproxima-se mais. Sinto-lhe o hálito, as formas e o calor do corpo. Delicadamente, como a pedir licença, envolve-me com os braços e aproxima a sua boca da minha. Um beijo rápido, carregado de promessas que me deixa paralisado. Balbucio uns nãos pouco convictos que só servem para reforçar o ímpeto com que se atira à tarefa de me despojar da farda e das botas. Sinto as suas mãos percorrerem-me o corpo à procura de fechos e botões enquanto me vai tocando com os lábios.

Sei que estou arrumado. Cheio de princípios e convicções, já não disponho de forças nem vontade para bater em retirada. Vejo-a pegar no cinturão carregado de artilharia, que atira sem cerimónias para cima das roupas caídas no chão. Troça despudoradamente:
- Zunqueira, para que andas com isto? Se eu quisesse fazer-te mal de que é que estas coisas te serviriam?

Xeque-mate, sem discussão! Num abrir e fechar de olhos, está nua. À volta dos quadris, um cordão de cheirinho, realça-lhe a feminilidade. Trata-se de uma enfiada de pequenas bagas escuras colhidas no mato que libertam uma oleosidade perfumada. Afasta a colcha e estende-se sobre o lençol branco. O contraste com a cor do seu corpo tem um efeito estonteante. E que corpo, Senhor! Que coxas, que mamas! Fico ali, ridículo, confuso, convulso, com tusa, em três pernas.

Aí, ela estendeu-me a mão e num convite cheio de sensualidade, puxou-me para junto de si. Acaricio-lhe a pele macia e aveludada com que a natureza brindou as mulheres negras. Percorro-lhe a pentelheira de um crespo sedoso, perfeitamente recortada, na busca dos recantos mais secretos daquele verdadeiro monumento ao amor. Claramente excitada, o seu corpo procura o meu que, tomado por uma espécie de frenesim, já só pede os finalmente.

A Fanta porém, conhecedora do seu ofício e com o saber fazer que o profissionalismo confere, com a docilidade e delicadeza que lhe eram próprias, lá foi tomando conta das operações. Controlando-me os gestos e moderando o impulso, ensina-me a beber repetidamente da cantarinha.

Alta madrugada, enrosca-se, envolve-me, retém-me o mais que pode. Faço-a entender que o meu regresso ao aquartelamento é imperioso. Submissa cede, e acompanhando-me à porta sussurra:
- Zunqueira, logo espero por ti.
- Não sei Fanta. Vou precisar de descansar porque o dia vai ser duro - respondi de forma evasiva para não criar falsas expectativas.

E abalei, ciente de que aquele só poderia ter sido deslize único que de forma alguma poderia repetir-se. À vista da sentinela, passo pela suprema humilhação de ter que me identificar:
-Quem vem lá faz alto! - diz o cabrão, perdido de gozo!

Sorrateiramente, para não acordar o camarada com quem partilhava o quarto, enfiei-me debaixo do mosquiteiro. Adormeci que nem uma pedra a pensar que aquela (volto a citar o Ary):

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram... Aquela e as seguintes. Porque durante mais de um ano, foram poucas as noites em que não dormi entre as pernas da Fanta. O caso assumiu foros de escândalo. O alferes Junqueira que alguns consideravam o homem mais disciplinado e disciplinador da Companhia, caíra de joelhos numa rendição incondicional, vencido pelo feitiço de uma mulher ... pública. Inacreditável. Ela deu-lhe alguma mezinha a beber, diziam uns, ou o caso tem mistério afirmavam outros. Nada disso, garanto eu. O que houve foi uma luta desigual. De um lado, os atributos físicos e a juventude de uma mulher simples, extremamente doce e feminina na cama. Do outro, a fraqueza da carne, bem rija na altura.

A Fanta nunca frequentou a escola mas possuía uma notável sabedoria de experiência feita. Acho que era sábia. Tinha tiradas de índole filosófica que me deixavam de cara à banda. Com ela aprendi bastante. Sobre a vida, o mundo e as pessoas. E o sexo, já agora! Fiquei a saber, por exemplo, que até as coisas têm alma, podendo continuar a existir mesmo depois de materialmente terem desaparecido!

Avizinhava-se o final da comissão. Havia uma data prevista para a rendição, com entrega das instalações a uma Companhia de periquitos. Por maior sigilo que se quisesse guardar quanto a estas movimentações, o segredo era invariavelmente quebrado como se sabe. No entanto, talvez por dever, mas certamente por cobardia, eu nada disse à mulher com quem tinha literalmente vivido nos últimos meses. Mas ela sabia de tudo havia tempo, mas nunca tocou no assunto. No dia da partida, pouco depois do sol nascer, estava eu ainda deitado quando bateu à porta, pedindo licença para entrar. Levantou o mosquiteiro e sentou-se a meu lado. Estávamos sós. Voltou-se para mim e sorriu, ao mesmo tempo que as lágrimas lhe corriam pela face.
- Zunqueira, tu ias embora sem te despedires de mim!? - O tom era de mágoa e tristeza.

Senti-me um verme. Gaguejei sem saber o que dizer, mas lá arranjei arte para arquitectar umas mentirolas:
- Estás maluca Fanta, vou lá embora agora ...

Bem, eu devia meter dó, porque foi isso que li nos seus olhos. Limpou as lágrimas e passando-me para a mão um pequeno embrulho, foi dizendo:
- Zunqueira, quero que leves esta lembrança. É coisa pouca, mas acho que vais gostar.

Fiquei siderado. Pela atenção e carinho que não merecia. Pelo remorso. Desfiz o embrulho e retirei uma lanterna eléctrica daquelas de tipo espalmado, com uma grande pilha rectangular, dentro de uma caixa metálica cor de tijolo. Devia tê-la mandado vir de Bissau, com a devida antecedência. Muito tempo antes, eu tinha deixado escapar que, ao regressar todas as madrugadas ao quartel, tinha alguma dificuldade em orientar-me por entre as tabancas (moranças) na noites mais escuras.

Durante todo o tempo em que dormi com a Fanta, ela nunca me pediu nada, nunca aceitou nada. A não ser algumas latas de leite condensado Néstlé, meia dúzia talvez, que lhe levei para o filho ainda bebé. Terá vivido julgo eu, de economias, porque durante esse período se absteve completamente do negócio. Se aquele pequeno objecto valia uma fortuna para uma população que praticamente não tinha acesso ao dinheiro, para ela então, teria sido uma autêntica extravagância.
- Fanta, eu não posso aceitar. Desculpa, mas não posso mesmo. Na casa onde compraste, talvez te possam fazer a troca por qualquer coisa útil para o teu filho, insisti.

Dei-lhe a entender que se por um lado, aceitar o presente me deixava embaraçado, por outro, aquilo era um desperdício... dinheiro perdido.

Cada cavadela, cada minhoca, como se vê. A emenda estava a sair pior que o soneto. Nesse momento a expressão da Fanta tornou-se séria e fixando-me nos olhos, retorquiu:
- Sabes, Zunqueira, só se perde e deixa completamente de ter valor, aquilo que consumimos para satisfazer o nosso egoísmo. O que oferecemos ou partilhamos com os outros, existirá para sempre. Porque mesmo depois de já se ter transformado em pó, continuará a existir na cabeça e no coração daqueles de quem um dia gostámos.

Não voltei a encontrar a Fanta. Confesso que durante muito tempo, após a passagem à disponibilidade, continuava a lembrar-me dela, com saudade. Tive vontade de regressar à Guiné para a visitar, saber se precisava de alguma coisa. Encontrei sempre desculpas para não o fazer.
Aproveito agora para comunicar a quem possa interessar que a Fanta Baldé faleceu em Julho de 2005 no Bairro Militar, em Bissau.

Como diz o povo na sua bondade: Paz à sua alma e que a terra lhe seja leve.

Quanto ao filho Mário, estive com ele há uns três anos. Era então um jovem robusto de trinta e quatro anos de idade, pouco dado ao trabalho, casado, com um filho pequeno. A vida não lhe corria nada bem, pois uma espécie de Bar-Discoteca que geria em Farim, havia falido uns sete ou oito meses antes.

Descobri entretanto que o pai é um ex-militar de uma Companhia que chegou a Binta por volta de 1969/1970, de nome Mário Figueiredo. Originário da zona de Mangualde, encontrava-se na altura (2003), emigrado no Reino Unido.

Dedico esta narrativa absolutamente naïve, ao estilo de conto da revista Maria, à memória da Fanta. Com este despretensioso texto, pretendo também homenagear todas as Putas do mundo, muito em particular aquelas que conhecemos enquanto combatentes na guerra colonial.

Mulheres anónimas, a quem a sociedade continua a aplicar o labéu de fáceis, franquearam-nos a alma enquanto nos vendiam corpo. Foram amigas e confidentes discretas. Ofereceram-nos o colo ou simplesmente um ombro sereno que nos ajudou a apaziguar a torturante saudade de esposas, namoradas e, porque não admiti-lo, até das mães. Não posso prová-lo, mas estou convicto de que, sem o seu oportuno apoio, alguns teriam sucumbido àqueles tempos difíceis e não seriam os cidadãos equilibrados e válidos que são hoje.

Vitor Junqueira

Pombal, 17 de janeiro de 2007
____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. postes da série de:

18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1083: Histórias de Vitor Junqueira (1): Os Barões da açoriana CCAÇ 2753 (Madina Fula, Bironque, K3, 1970/72)
e
Guiné 63/74 - P1084: Histórias de Vitor Junqueira (2): O guerrilheiro desconhecido que foi 'capturado' no K3 por um básico da CCAÇ 2753

23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1110: Histórias de Vitor Junqueira (3): Do Bironque ao K3 ou as andanças da açoriana CCAÇ 2753 pela região de Farim

27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74: P1215: Histórias de Vitor Junqueira (4): Irmãos de sangue, suor e lágrimas

31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1224: Histórias de Vitor Junqueira (5): Não ao politicamente correcto

5 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1403: Histórias de Vitor Junqueira (6): A açoriana CCAÇ 2753: uma família, uma unidade feita à medida

(2) Vd. alguns dos post anteriores:

11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

7 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1255: Dicas para o viajante e o turista (1): A experiência e o saber do Vitor Junqueira

(3) Vd. post de 17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1439: Questões politicamente (in)correctas (19): Os rambos só existem no cinema (Vitor Junqueira)

(4) Extracto de: Estrela da tarde,de Ary dos Santos

Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia

Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!


In:
José Carlos Ary dos Santos > As palavras das cantigas (organização, coordenação e notas de Ruben de Carvalho). Lisboa: Editorial Avante. 1989, p.58.

terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1474: O capelão Mário Oliveira, de Catió, que ia a Bedanda (Mário Bravo)

1. Mensagem do Mário Bravo, médico

Luís Graça

Acabei de falar com o Bernardo Amaral, o meu colega, que me acabou com as dúvidas acerca do tipo que está na fotografia e que se chama Mário Oliveira (1). É mesmo o tal capelão que ia a Bedanda [, CCAÇ 6], mas estava estacionado em Catió [, CCS/BCAÇ 2930].

Digo-te que já gastei muitos minutos a ver e ler o blogue. Ontem, falei com um amigo meu da Figueira da Foz e que esteve em Jabadá e, como lhe dei o endereço, lá foi matar saudades.

Aproveito a ocasião para te dizer que o meu número de TM é 936259162, que está ao teu dispor e daqueles que entenderem fazer contacto.

Cumprimenta

Mário Bravo

_____________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1469: Bedanda, manga de saudade ou uma dupla sinistra, o padre e o médico (Mário Bravo, CCAÇ 6)

Guiné 63/74 - P1473: Álbum das glórias (6): A 'dolce vita' de Bolama (Joaquim Mexia Alves, CART 3492)

Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Bolama > Bolama > CART 3492 > 1972 > "No jeep. Da frente para trás: Alf Canas, Alf Novais, Alf Lima (Secretaria?), Alf Rodrigues (meu camarada de curso, também que era da CCS e veio depois para o Xitole, por troca com o Alf Gonçalves Dias se não me engano), Alf Martins (CART 3493, Mansambo) e eu".


Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Bolama > Bolama > 1972 > CART 3492 > "Eu e o Furriel Nunes, do 4º pelotão, se não me engano"



Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Bolama > Bolama > 1972 > CART 3492 > "Num jipe à porta do Hotel Turismo".

Fotos e legendas: © Joaquim Mexia Alves (2006). Direitos reservados.

Álbum do Joaquim Mexia Alves, ex-alferes miliciano de operações especiais, que de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973 passou por três unidades no TO da Guiné (1):

(i) pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas),
(ii) antes de ingressar no Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão)
(iii) e depois na CCAÇ 15 (Mansoa ).

A CART 3492 pertencia ao BART 3873.
__________

Nota de L.G.

(1) Vd. posts de:

5 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1401: Com a CART 3492, em Bolama, no Reino dos Bijagós (Joaquim Mexia Alves)

12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P1472: Sobrevivente do BCAÇ 2885 (Mansoa e Mansabá) (César Dias)

Apelo do César Dias (a quem saudamos e a quem convidamos para se juntar a nós):

Sou um dos sobreviventes do Batalhão de Caçadores 2885.

Estivemos no sector de Mansoa e Mansabá desde Maio de 1969 a Março de 1971.

Sei que os restos dos Batalhões de Caçadores eram extintos quando regressavam, mas será que as pessoas desapareceram todas? Até hoje não tive qualquer contacto.

Deixo o meu contacto para o caso de aparecer alguém que ainda se lembre por onde passámos.

Como todos, tenho algum material fotográfico mas ainda não está digitalizado.

César Vieira Dias
Ex Furriel Miliciano Sapador
BCAÇ 2885
RI 15

______

Nota de L.G.:

(1) Referências ao BCAÇ 2885 > vd. seguintes posts do nosso camarada Carlos Vinhal:

25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLI: A madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

(...) "Como se tratava de uma Companhia independente ficámos dependentes administrativa e operacionalmente ao BCAÇ 2885, sediado em Mansoa. Os Oficiais, Sargentos, Cabos e Soldados especialistas eram todos continentais. Os madeirenses, homens de comprovada bravura, eram aquilo que poderíamos chamar a carne para canhão. A verdade é que muitos deles foram feridos em combate mais de uma vez e nunca viraram a cara à luta. Verdadeiros heróis anónimos, embora alguns reconhecidos e louvados até pelo General e Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné" (...)


18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

(...) "Em 11 de Novembro de 1970 a CART 2732 deixou de pertencer ao BCAÇ 2885, passando a estar integrada no Comando Operacional n.º 6, reactivado pela necessidade da construção da estrada Mansabá-Farim. O COP6 ficou instalado em Mansabá e a CART apoiou, fornecendo todos os meios logísticos necessários à sua operacionalidade (...).

segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1471: O tenente miliciano capelão Mário Oliveira, Catió. BCAÇ 2930 (Amaral Bernardo)



Guiné > Região de Tombali > CCAÇ 6 > Regresso do Cap Ayala Botto, de férias: é o primeiro, sentado à direita; o Alf Mil Médico Amaral Bernardo está de de pé junto ao Seco, em traje tradicional.



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > A saída do obus 14, de noite.
Fotos: © Amaral Bernardo (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do Amaral Bernardo (José Maria Ferreira do Amaral Bernardo, Professor Catedrático Convidado no ICBAS - Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Responsável do Departamento de Ensino Pré Graduado do HGSA - Hospital Geral de Santo António, Porto; ex-alf mil médico, BCAÇ 2930, Catió, 197o/72) (1)


Luís:

Só um esclareciment: O Mário de Oliveira que está com o Mario Bravo (2) não tem nada a ver com o Padre Mário de Oliveira da Lixa. É o capelão da CCS do BCAÇ 2930, sediada em Catió, sede do batalhão, a que ambos pertencemos:

(i) embarque no Carvalho de Araujo, que ardeu no caminho,

(ii) chegada a Bissau em 4 de Dezembro de 1970;

(iii) e regresso em 14 de Outubro de 1972.


O Mário de Oliveira é meu afilhado de casamento! (3).
O Mario Bravo foi-me render a Bedanda (onde estive 13 meses com o capitão Ayala Botto, que cumprimento). Fiz também Guileje com o famosíssimo Cap Parracho que cumprimento também, e Gadamael com o Cap Silva, das Operações Especiais, a quem tive que passar a certidão de óbito por morte em combate, e que recordo com muita saudade (Gadamael era o pior buraco do sul; a companhia que então lá estava teve que ser evacuada para Bissau por minha recomendação).

Só voltei a ver o Mário Bravo há dias, aqui no hospital onde trabalho e lhe dei um abraço e o endereço do blogue.

Vou parar aqui...

Abraço

Amaral Bernardo


P.S. - Os obuses de Guileje são 11.4 e os famosíssimos de Bedanda 14: eram 3. Inconfundíveis (4)

2. Comentário de L.G.: O Prof Amaral Bernardo telefonou-me hoje de manhã, a dizer-me que me ia mandar este mail e estas duas fotos. Aproveitei para o convidar, formalmente, a fazer parte do nosso blogue. Sei que é um velho amigo do Paulo Salgado e um apaixonado pela Guiné e pelo seu povo. Há mais de uma década que faz cooperação na área da saúde. Não precisaria de nenhum destes pergaminhos para ser cooptado para a nossa tertúlia. Bastava o facto de ter sido nosso camarada de armas e ter passado por sítios míticos do sul da Guiné, aqui constantemente evocados. O Amaral Bernardo está em casa, entre amigos e camaradas.
Quanto ao esclarecimento sobre a identidade do tenente miliciano capelão Mário Oliveira, fica tudo esclarecido. Eu tinha ontem enviado um mail, à nossa tertúlia, em tom de brincadeira, nestes termos:
Amigos & camaradas: Vejam se descobrem este sósia do verdadeiro Padre Mário de Oliveira, nosso querido tertuliano... Espero que o Mário Bravo, que é ortopedista, não tenha trocado os pés pelas mãos...
Naturalmente que, tal como as Marias, há mais Mários na terra. O Mário Oliveira, que em tempos foi sacerdote e capelão militar, em Catió, no BCAÇ 2930, será também bem vindo, se se quiser juntar a nós... com a benção do padrinho.
Com três médicos (Vitor Junqueira, Mário Bravo e Amaral Bernardo) e dois capelões militares (os Mário Oliveira), já não haveria guerra que nos metesse medo... (LG)
_______________


Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 12 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1363: Questões politicamente (in)correctas (13): Combatentes e desertores não cabem no mesmo saco (Amaral Bernardo)

(2) Vd. post de 28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1469: Bedanda, manga de saudade ou uma dupla sinistra, o padre e o médico (Mário Bravo, CCAÇ 6)

(3) Também recebi mais dois emails, confirmando a identidade do ex-capelão:

Carlos Ayala Botto: Caro amigo, se não estou em erro, a foto que me enviou é do capelão do Batalhão de Catió, cujo nome não me recordo. Um abraço. Carlos Ayala Botto

Rui Santos: É mesmo o Tenente Miliciano Capelão Mário Oliveira, do BCAÇ 2930, Catió, 1970-1972. Pelos vistos, dois capelães com o mesmo nome! Rui Santos.

(4) O nosso especialista em artilharia, o coronel na reforma, Nuno Rubim, diz que o 11.4 é uma peça (de artilharia) e o 14 é que é o obus... Eu confesso que não consigo distingui-los... Sobre a artilharia em Bedanda e Guileje, vd. posts anteriores:

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1443: Contributo para a história da construção do aquartelamento de Guileje (José Barros Rocha, CART 2410, Os Dráculas, 1969/70)

15 de Janeiro de 2007 >Guiné 6/74 - P1434: Artilharia em Guileje: a peça 11.4 e o obus 14 (Nuno Rubim)

6 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1407: Tertúlia: apresenta-se o Coronel de Cavalaria Carlos Ayala Botto, ajudante de campo do General Spínola

8 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1159: Álbum fotográfico (Hugo Moura Ferreira) (2): Bedanda, ontem (CCAÇ 6, 1970) e hoje

6 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1155: Álbum fotográfico (Hugo Moura Ferreira) (1): Bedanda, CCAÇ 6, 1970: O Obus 14 contra o foguete Katiusha

Guiné 63/74 - P1470: Questões politicamente (in)correctas (22): O Império que fomos nós (Paulo Raposo)

Guiné > Região do Oio >Mansoa > CCAÇ 2405 > 1968 > O Alf Mil Raposo com um milícia local.

Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados.



Dois comentários recentes do Paulo Raposo a posts do nosso blogue, e que se enquadram - tratando-se de opiniões - na série Questões politicamente (in)correctas (1):


1. Comentário ao post de A. Marques Lopes (2):


Olha, Luís:

Há alguns assuntos no blogue que são muito sérios e têm sido tratados com ligeireza e também para branqueamento.

TODOS nós fizemos a guerra que nos foi imposta, não fomos a casa de ninguém para a roubar.

Foi o menino, filho de pai rico, chamado Kennedy , que começou a deselvolver o terrorismo em África contra nós e depois os russos foram atrás. Os mesmos americanos que estão a levar nos cornos no Iraque.

Isto da treta da independência e da resistência é como o Pai Natal. Estamos todos na miséria. A guerra foi feita por nós, os relatórios eram feitos por nós, a recolha de elementos era feita por nós, Sargentos, Alferes e Capitães.

Quantas mentiras lá colocámos, desde a carga da companhia, como o vagomestre e sargento a mamar à conta da comida que roubava da boca dos soldados, etc., etc. Acima daqueles postos só despachavam o que lhes punham à frente.

Atribuir culpas disto e daquilo ao Adamastor não tem pernas para andar. Temos de encarar estes assuntos com frontalidade.

Com mais independência ou com menos independência, se estivessemos todos unidos debaixo de uma mesma bandeira viviamos que nem uns nababos.

Assim cá e lá a miséria e total. Agora os militares vão ficar sem subsídios, é uma vergonha. Não podem ser mais humilhados pelos nossos políticos charlatões.

Mas Sócrates quando vai de férias para o Brasil, é à valente. O Comandante Alpoim teve tomates para ir buscar os nossos a Conakry. Este feito se fosse com americanos ou israelitas já tinha vários filmes.

Isto de menosprezar o que é nosso é próprio da mediocridade reinante. Onde está a nossa auto-estima?

O Império que somos nós, talvez em muito relatórios os mortos deveriam ser mencionados ou pelas unidades, ou pela 2ª Rep ou pelo hospital ou por outro caramelo qualquer. Se não constam é triste, pois é um Herói que ficou esquecido mas foi culpa do desleixo tipo à portuguesa.

Não havia intencionalidade, era à portuguesa. Agora quando os putos da GNR nos mandam saír do carrro, dizem logo Levante as mãos e abra as pernas. Isto é Hollywood, não é nosso.

Olha, é um desabafo. Estamos velhos e nos perguntamos qual o futuro de nossos netos. Vão pedir emprego aos chineses. Estes sim vão sugar em África, como nunca se viu.

Um abraço amigo do

Raposo


2. Mensagem de 13 de Janeiro de 2007, comentando um post do António Rosinha (3):

Olá, rapaz, li o teu texto e continuo a achar que a verdade ainda vai ser contada sobre a nossa guerra de África.

Quem nos fez guerra em África foi o menino, filho de pai rico, chamado Kennedy. Os russos foram atrás, ainda estou para saber porquê e para quê.

Depois faz-se um 25 de abril e, passados já vão 30 anos, ninguém está feliz e quem se vai banquetear com África vão ser os chineses.

Os heróis do 25 de abril bem podem limpar as mãos á parede. Nunca como agora os militares foram tão humilhados. De Badajoz até Lisboa é só auto estrada.

Todos os quartéis de Elvas, Extremoz e Vendas Novas para lá caminha, vai tudo fechar.

O apelo à virilidade acabou, por hoje aqui me fico.

Um abraço do

Paulo Lage Raposo
Alf Mil Inf
B. Caç 2852
C. Caç 2405
Guiné 68/70
Tel 266898240
Herdade da Ameira
7050 Montemor O Novo

___________

Notas de L.G.




domingo, 28 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1469: Bedanda, manga de saudade ou uma dupla sinistra, o padre e o médico (Mário Bravo, CCAÇ 6)

Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971/72> O Alf Mil Médico, Mário Bravo, à direita; e o Tenente Miliciano Capelão Mário Oliveira.

Fotos: © Mário Bravo (2007). Direitos reservados


Mensagem do Mário Bravo (1):

Meu Caro Luis Graça

Já reparaste que estou muito entusiasmado com esta ideia do blogue e das recordações da malta da Guiné.

Como te havia prometido, procurei fotos e eis que encontro uma que me parece muito interessante. A do Mário Oliveira. Pode ser que ele veja esta imagem, se publicada no teu saturado blogue.

O camarada que está do lado esquerdo da imagem, é o Padre Mário Oliveira ( tenente). Mas que dupla sinistra – o padre e o médico. Gostava de saber deste Mário Oliveira, pois encontrei-o há uns anos e não soube mais nada dele.

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1467: Bem vindo a Guileje, Doutor (Mário Bravo)

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1466: Mário Bravo, médico de Guileje (Amaro Munhoz Samúdio)

23 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1457: Tertúlia: Apresenta-se o Alf Mil Médico Mário Bravo, CCAÇ 6, Bedanda (1971/72)

(2) É de todo improvável tratar-se do Padre Mário de Oliveira, o nosso Padre Mário, membro da nossa tertúlia, e que pretenceu ao BCAÇ (Mansoa, 1967/68). O Alf Mil Capelão, Mário de Oliveira - que virá a ser conhecido mais tarde como o Parde Mário da Lixa - recebeu ordem de expulsão da Guiné em 8 de Março de 1968.

Vd. posts:

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1002: Um novo recruta, Aires Ferreira (BCAÇ 1912, CCAÇ 1686, Mansoa, 1967/69)

27 de Junho de 2005 > Guiné 60/71 - LXXXV: Antologia (5): Capelão Militar em Mansoa (Padre Mário da Lixa)

14 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCL: Capelão militar por quatro meses em Mansoa (Padre Mário da Lixa)

17 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXV: Foi em plena guerra colonial que nasci de novo (Padre Mário de Oliveira )

Guiné 63/74 - P1468: Mortos que o Império teceu e não contabilizou (A. Marques Lopes)




Guiné-Conacri > Conacri > Instalações do PAIGC > 1970 > Prisioneiros portugueses, fotografados pelo fotógrafo húngaro Bara István (nascido em 1942). Legenda em húngaro: "Bara István: Portugál foglyok a PAIGC börtönében, Guinea Bissau, 1970". A avaliar pela sua fotogaleria, o Bara István - oriundo de um país da Europa de Leste, com um regime comunista na época - teve um acesso privilegiado à guerrilha do PAIGC. São raras as fotos dos nossos camaradas em cativeiro, até à sua libetação em 22 de Novembro de 1970, na sequência da Operação Mar Verde. Estamos gratos a este conhecido grande fotógrafo magiar pelas imagens sobre a guerra colonial na Guiné-Bissau que disponibilizou na sua página.
Será que alguém, dos nossos amigos e camaradas, é capaz de reconhecer estes rostos ? Boa parte deles faziam parte da CART 1690 (Geba, 1967/69), a que pertenceu o nosso camarada A. Marques Lopes, ex-alf mil e hoje coronel, DFA, na reforma.

Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria (com a devida vénia / with our best wishes...)


Texto do A. Marques Lopes:

O nosso camarada tertuliano José Martins tem sido, de facto, um escavador persistente (e pertinente, sem dúvida) da nossa história na Guiné. Extremamente úteis e elucidativas as informações que nos trouxe sobre Madina do Boé, as condecorações e a lista daqueles que tombaram nos chãos guineenses (1). Mas, e já lhe transmiti isto pessoalmente, nesta lista de mortos na guerra da Guiné há omissões, várias, com certeza. E eu só posso falar daquelas que conheço, mas são exemplo, os da CART 1690.

Nesta companhia foram dados como "desaparecidos em campanha" o alferes Fernando da Costa Fernandes, o soldado Agostinho Francisco da Câmara e o soldado António Domingos Gomes. Sabemos que "desaparecido" era o termo para designar, também, aqueles cujos corpos não se recuperavam, e podemos aceitar que assim fosse, dado que até podiam ter ficado no terreno, mas feridos. Mas, muito tempo depois, e acabada a guerra, regressados a casa muitos desertores e alguns que se passaram para o outro lado (sem estar a pôr em causa as suas razões), os nomes destes homens deviam constar da lista dos mortos em combate na Guiné, porque assim sucedeu de facto.

O alferes Fernando da Costa Fernandes morreu em Sinchã Jobel em 19 de Dezembro de 1967, durante a Operação Invisível. Diz quem fez o relatório desta operação (2):

"Começou também nessa altura o IN a fazer fogo com o Mort 82, com que abateu o alferes miliciano Fernandes; verifiquei que nessa altura já o Destacamento B tinha as seguintes baixas: Alferes Miliciano Fernandes, 1º Cabo Sousa, da CART 1742, e que estava a fazer fogo com a Metralhadora Ligeira MG-42, soldado Metropolitano Fragata e um soldado milícia que não consegui identificar, além de vários feridos. Procurei trazer o alferes miliciano Fernandes para a rectaguarda e quando o puxava pelos pés, fui surpreendido por um grupo IN, que corriam em direcção aos furriéis milicianos Marcelo e Vaz e em minha direcção gritando que nos iriam apanhar vivos.

"Note-se que neste grupo IN avistei elementos brancos os quais usavam o cabelo bastante compridos (a cobrir as orelhas), facto também confirmado pelos já citados furriéis milicianos. Devido a tal tive que abandonar o corpo do alferes Miliciano Fernandes e retirar."

Mas morreu também nesta operação o soldado Vito da Silva Gonçalves, que foi dado como "morto em combate", porque o corpo foi recuperado. Mas também não vem nessa lista! E porque é que não foi dado como "desaparecido em campanha" o soldado Metropolitano Fragata, o Manuel Fragata Francisco, que também ficou nesta operação?

É uma história das teias que o império tecia. Eu conto: ele foi crivado com uma roquetada nessa operação, mas vivo, e os guerrilheiros do PAIGC levaram-no numa maca, atravessando a mata do Oio, o rio Mansoa e o rio Cacheu, até ao hospital que servia o PAIGC em Ziguinchor, no Senegal, onde, coincidência, foi tratado pelo doutor Pádua (actualmente no Hospital Pulido Valente, em Lisboa), que se tinha passado para o outro lado. A PIDE sabia disso, claro. Parece lógico que se pense que teriam feito o mesmo com o alferes Fernandes se ele tivesse ficado vivo. Mas foi muito claro que estava morto.

O soldado Agostinho Francisco da Câmara (e não Camará...) morreu também em Sinchã Jobel em 16 de Outubro de 1967, aquando da Operação Imparável (3). O mesmo relator disse assim:

"O nosso bazuqueiro (passe o termo) Soldado Agostinho Camará que estava a fazer um fogo certeiro, foi atingido mortalmente (note-se que este L.G.F. era o único que estava a fazer fogo). Foi o Soldado enfermeiro Alipio Parreira que se encontrava próximo e que estava a fazer fogo com a ML MG-42 (para a qual o referido soldado se oferecera como voluntário) pegar no LGF e continuar a fazer fogo com ele. Nesta altura tive que pegar na MG-42 e fazer fogo com ela. Logo a seguir tive que me dirigir à rectaguarda a fim de falar com o PCV que me chamava. Quando regressei à frente verifiquei o já referido soldado enfermeiro recomeçara a fazer fogo com a ML MG-42 que passado mais alguns momentos ficou impossibilitado de fazer fogo devido a uma avaria, ao mesmo tempo que o soldado enfermeiro e o municiador eram feridos por estilhaços."

"Atingido mortalmente" não quererá dizer que ficou morto?... Com essa expressão a língua portuguesa não cometeu nenhuma traição. Ele morreu lá, de facto. Mas o relatório desta operação diz mais à frente:

"Ainda foram abatidos a tiro de G-3 2 elementos IN um destes pretendia agarrar o Soldado Armindo Correia Paulino". E o soldado Armindo Correia Paulino também lá ficou. Mas há dúvidas se ficou morto ou vivo: há quem diga que foi agarrado e há quem diga que morreu. De qualquer modo foi considerado como "retido pelo IN", mas não foi libertado. Por isso, vou falar dele mais à frente.

O soldado António Domingos Gomes era um guineense de Bissau, do "recrutamento da Província", portanto, e era o guarda-costas do capitão da CART 1690 [, Manuel C.C. Guimarães] . Sei que morreu às 8 horas do dia 21 de Agosto de 1967 na picada de Geba para Banjara. Ficou feito em bocados por uma mina anticarro, espalhado pelas árvores e pela mata. Eu e o meu guarda-costas, o Lamine Turé, ficámos feridos e o capitão, que quiz ir comigo nesse dia, também ficou muito ferido. Na esperança de ainda o salvar, fui rapidamente para Bafatá, onde havia o médico do batalhão. O Domingos Gomes lá ficou espalhado nas bermas da picada, e o capitão acabou por morrer. Não há relatório da ocorrência, por razões óbvias, mas eu vi e dei testemunho disso, assim como os que me acompanhavam. O Domingos Gomes morreu. Parece brincadeira de muito mau gosto, mas deram-no como "desaparecido em campanha".

Penso, embora não tenha exacta certeza, disseram-me que há já legislação que regulariza estas situações de corpos que não foram recuperados. Não entendo é porque os seus nomes não constam ainda nas listas dos mortos durante a guerra, aquelas fontes que o José Martins pesquisou.

Esta é uma situação gritante. Mas há outra, que é a dos prisioneiros feitos pelo PAIGC, os tais "retidos pelo IN" (4), e que morreram no cativeiro na Guiné-Conakry. É o caso do soldado Luís dos Santos Marques, do soldado João da Costa Sousa, do soldado Manuel José Machado da Silva e, talvez, do soldado Armindo Correia Paulino.

Estes dados tirei-os de um documento que falava dos prisioneiros libertados aquando da Operação Mar Verde:

- o soldado Luís dos Santos Marques, da CART 1690, aprisionado em Cantacunda em 11 de Abril de 1968, "não compareceu entre os libertados", dado como "morto no cativeiro", dizia. E está confirmado pelos seus companheiros de prisão. Segundo uns, morreu de malária; ou, segundo o major piloto-aviador António Lourenço Sousa Lobato, depois de levar uma tareia dos seus carcereiros;

- o soldado João da Costa Sousa, da CART1690, para onde fora em rendição individual a 19 de Agosto de 1967, e também aprisionado em Cantacunda em 11 de Abril de 1968, também "não compareceu entre os libertados", não havendo mais indicações;

- o soldado Manuel José Machado da Silva, não sei de que companhia era (sei só os que eram da CART 1690), também "não compareceu entre os libertados", e é dado como "morto no cativeiro";

- o soldado Armindo Correia Paulino, da CART1690: é o tal que há dúvidas se morreu ou foi aprisionado em Sinchã Jobel; como foi dado como "retido pelo IN", o seu nome consta como "não compareceu entre os libertados".

Quer dizer que há dois sobre os quais se tem a certeza que morreram prisioneiros. Porque não constam os seus nomes na tal lista? Inadmissível também. Não há razão.

O João da Costa Sousa e o Armindo Correia Paulino mereciam um cuidado para se saber, então, o realmente sucedeu com eles. Nem os seus companheiros de prisão sabem deles, porque alguns não estavam no mesmo sítio aquando da operação do comandante Alpoim Calvão. Mas não "se passaram", com certeza (não me parece, por exemplo, que a "história" do Armindo Paulino durante a Operação Inquietar II lhe desse hipótese disso) (5). Dos prisioneiros de Conakry houve um que "se passou" e foi para a rádio Argel, eu sei: foi o soldado Francisco Gomes da Silva, da CART 1690, e também aprisionado em Cantacunda.

Claro que na tal lista constam os "por doença" e os "por acidente". Devem estar nela, mas não está certo que não estejam os "desaparecidos em campanha", mortos com certeza, e os que "não compareceram entre os libertados", mortos no cativeiro com certeza.

Claro que, também injustamente, não consta os seus nomes no monumento em Belém. E, já agora que se fala dos cemitérios nos locais da guerra, há que lembrar que quer o alferes Fernandes, quer o Agostinho Câmara e, talvez, o Armindo Paulino terão os seus corpos "sepultados" no poço que o ex-guerrilheiro Darami me disse que era para onde atiravam os mortos que ficavam dos ataques à base de Sinchã Jobel (6).


Abraços
A. Marques Lopes

__________

Notas de L.G.:

(1) Lista disponível, em formato pdf, no sítio do António Pires > Moçambique - Guerra Colonial > José da Silva Marcelino Martins > Militares que Tombaram em Campanha (1961-1974) > Guiné

(2) Vd. post de 5 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLV: Sinchã Jobel VII(A. Marques Lopes)

(3) Vd. post de 3 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XL: Sinchã Jobel IV, V e VI (A. Marques Lopes)

(5) Vd. post de 7 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLIX: Samba Culo II (A. Marques Lopes)

(...) "E o que nunca mais esquecerei na minha vida: quando atacámos a base, uma jovem dos seus 18 anos ficou com a barriga aberta por uma rajada de G3. E mais (coisas terríveis desta guerra!): o Bigodes, o Armindo F. Paulino (que foi, depois, feito prisioneiro pelo PAIGC e que acabou por morrer em Conakri), quis saltar para cima dela. Tive que lhe bater. Esta é uma situação que nunca me sai do pensamento... e da minha consciência. Tinham muitos livros em português, que era o que estavam a ensinar aos alunos (miúdos ou graúdos?). Trouxemos também (imaginem!) uns paramentos completos de um padre católico! Lembranças que se me pegaram para toda a vida" (...) (7).
(6) Vd. post de 16 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXIII: Do Porto a Bissau (17): Finalmente entrámos em Sinchã Jobel (A. Marques Lopes)

(7) Vd. post de 29 Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXX: A professora de Samba Culo (A. Marques Lopes)

(...) "Tenho de partir, de voltar a Portugal. Gostei muito de falar contigo, tinha mesmo necessidade de o fazer, já que, naquele dia em que nos encontrámos pela primeira vez, só eu te disse “firma lá!” e tu não me disseste nada. Percebo que nem me quizesses ouvir... E nunca mais dormi descansado até agora. (...)

"Quero pedir-te uma última coisa, que desculpes aquele meu soldado que tentou violar-te quando estavas agonizante. Conseguiste ver ainda que não o deixei fazer isso. Perdoa-lhe, era bom rapaz, um camponês minhoto que para aqui foi lançado e, sabes, é fácil perder a cabeça numa guerra de inimigos fabricados. Talvez o encontres por aí, o teu camarada Gazela matou-o em Jobel e o corpo dele por cá ficou. Deve andar, como tu, no meio desta floresta do Oio. Fala com ele agora". (...)

Guiné 63/74 - P1467: Bem vindo a Guileje, Doutor (Mário Bravo)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1972 > O Alf Mil Médico Mário Bavo, que pertenceu à CCAÇ 6 (Bedanda, 971/72) ia também regularmente a Guileje, prestara assistência médica aos respectivos militares e população . Ironicamente, esta a mensagem de boas vindas - Boa viagem - com que as visitas eram recebidas...
Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1972 > O Mário Bravo na porta de armas


Fotos: © Mário Bravo (2007). Direitos reservados


Mensagem do Mário Bravo, ex-Alf Mil Médico, CCAÇ 6 (Bedanda, 1971/72) é hoje médico ortopedista, no Porto, e um dos mais recentes membros da nossa tertúlia (1).

Caro Luís:

O Samúdio também me mandou essa foto (2), que muito apreciei. Eu também tenho algumas dos tempos que que passei por lá. Habitualmente estava em Bedanda e ia de modo regular fazer serviço a Guileje, Gadamael Porto e Cacine. Passei esporadicamente por Catió e fui uma só vez a Cufar.Vou fazer uma pesquisa das minhas fotos e aos poucos vou-te enviando, com o objectivo de vir a identificar mais malta.

Depois de sair do sul da Guiné, fui para Teixeira Pinto onde permaneci até ao fim da comissão. Também estive algum tempo em Bissau, no Hospital Militar, onde me ensinaram a arrancar dentes. Com esta especialização, lá foi este teu amigo dar cabo dos dentes ao pessoal ( salvo seja).

Na zona de Teixeira Pinto, fui algumas vezes a Bachile, Cacheu, Carenque e Batucar. Digo-te estes nomes, pois assim poderás publicar no teu blogue e há-de haver tipos que se lembrem de me escrever.

Falei ao telefone com o Ayala Botto (3), que se lembrava de mim e ficou feliz pelo meu contacto. Este coronel foi muito útil para mim, no fim da comissão, pois ajudou-me no regresso à metrópole. Os tais gestos de pessoa que se estimam, independentemente das suas posições ou cargos. Porque existe o que se chama solidariedade.

__________


Notas de L.G.:

(1)Vd. post de 23 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1457: Tertúlia: Apresenta-se o Alf Mil Médico Mário Bravo, CCAÇ 6, Bedanda (1971/72)

(2) Vd. post de 27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1466: Mário Bravo, médico de Guileje (Amaro Munhoz Samúdio)

(3) Vd. post de 6 de Janeiro de 2007 Guiné 63/74 - P1407: Tertúlia: apresenta-se o Coronel de Cavalaria Carlos Ayala Botto, ajudante de campo do General Spínola

sábado, 27 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1466: Mário Bravo, médico de Guileje (Amaro Munhoz Samúdio)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (Novembro de 1971/ Dezembro de 1972) > O Alf Mil Médico Mário Bavo (1)- ao meio, na foto - esteve na CCAÇ 6 em Bedanda, mas também ia regularmente a Guileje, no tempo do Samúdio (1º cabo enfermeiro, o primeiro à esquerda).

Foto: © Amaro Samúdio (2006). Direitos reservados


Caro Luís Graça:

O Mário Bravo era o médico que ia regularmente a Guileje.

Um abraço

Amaro Munhoz Samúdio (2)

__________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 23 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1457: Tertúlia: Apresenta-se o Alf Mil Médico Mário Bravo, CCAÇ 6, Bedanda (1971/72)

(2) Vd. post de 10 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1162: Guileje: CCAÇ 3477, os Gringos Açorianos (Amaro Munhoz Samúdio)