sábado, 20 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3655: Estórias do Zé Teixeira (33): Histórias de Natal (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

1. Mensagem de José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, datada de 19 de Dezembro de 2008, com quatro pequenas histórias de Natal e não Natal, nas suas sentidas palavras:

Carlos
Junto o texto sobre o Natal.
José Teixeira




HISTÓRIAS DE NATAL, OU... TALVEZ NÃO

1. Reencontro com a Djuvae

No Natal de 1968 a Djuvae de Mampatá Foreá, prestou-se para ser postal de mensagem de Natal. Não era propriamente uma beleza em termos físicos. Era sim, uma rapariga, perdão, uma bajuda muito alegre e comunicativa. Tenho gravados na memória bons momentos passados juntos, sobretudo ao principio da noite, quando nos juntávamos, eu, ela, a Fátma Ió, a Auá e a Mariema à porta da sua morança. Desde contarmos histórias, cantarem para mim lindas canções fulas e outras brincadeiras, até que surgia o Hamadú, o Sargento do Pelotão de Milícias, o zelador pela segurança da população que acumulava com a função de marabu na pequena Mesquita local. Obrigava-nos a seguir cada um para sua casa ou abrigo sem ruído, estragando assim a festa.

Quando voltei a Mampatá em Março de 2008, esqueci-me de a procurar e não a reconheci, quando se abeirou de mim. Para me obrigar a ir ao caixote mais fundo da minha memória, dirigiu-se-me e com o seu sorriso característico, recordou-me a maneira como eu a cumprimentava naquele tempo da nossa juventude:

- Tissera, bó ka na lembra ! Mama garandi, mama piquena, apalpando os seus próprios seios.

Creio que basta aos camaradas que tiverem a coragem de lerem estes apontamentos, apreciarem a foto junta, para tirarem conclusões.

- Tu és a Djuvae ?

- É mesmo! - Enquanto se pendurava no meu pescoço num fraterno e demorado abraço.

Nesse dia, àquela hora foi Natal para mim.

A Djuvae, em 2008 quis tirar uma fotografia comigo, sentada na minha perna, tal como antigamente


2. Desencontro de Hamadú

O Hamadú, acabada a guerra foi viver para Buba. Procurei-o em 2005, mas não o consegui ver. Estive com uma das filhas e com uma neta. Ele, como sempre, estava na Mesquita a exercer a sua missão de Marabu.

Em 2008 tinha como objectivo, voltar a procurá-lo. Logo em Guiledge, soube que tinha falecido em Dezembro.

Nesse momento não houve Natal.


3. Reencontro com Ádama

Quando voltei a Mampatá, veio ao meu encontro a Ádama, a mãe da nha mindjer, a bebé que me foi apresentada com 42 graus de temperatura e desenganada pelo doctor de Bissau.

Ia morrer, com paludismo agudo, mas eu salvei-a administrando-lhe um anti-palúdico num acto médico que hoje me levaria à prisão. Como prémio foi-me oferecida pela mãe, para nha mindjer.

A menina, hoje mulher, não vive em Mampatá, logo não a pude ver, mas a mãe, essa ajudou-me a recordar alguns dos momentos que mais me marcaram: a sua vinda todas as manhãs com a bebé ao colo, parte mantenhas a Fermero e trazer uma cantara de água fresca que ia buscar à fonte de Ieroel (o local de onde o IN nos atacava ao cair da noite) ou então o pequeno cacho de bananas – tua mindjer parte agua para tu na bibe,ou, parte banana.

Se à noite ao passar pela morança onde viviam não ia dar um beijinho à bebé, logo a mãe me chamava: - Fermero vem parte mantenhas a mindjer di bó . E, quando vindo da Chamarra com destino a Buba, passei por Mampatá, aquela mãe, veio a correr depositar-me nos braços a bebé: - Toma, leva minina, mindjer di bó.

Tão belos momentos, quer no antigamente, quer em Março de 2008 foram Natal para mim.

A Ádama e a Djuvae no dia em que sendo Março, foi Natal para mim


4. O encontro com o filho de Binta Bobo

Também a Binta Bobo, irmã mais nova da Ádama, ainda uma criança, foi mensageira da paz naquele Natal de 1968. Às costas levava nha mindjer, a bebé, filha de sua irmã mais velha a Ádama,

A Binta Bobo (a mais alta)com a bebé. A seu lado, a companheira de brincadeiras, filha mais novas do Hamadú com a maninha às costas

A Binta Bobo, cresceu, fez-se mulher. Em 1974, devia estar uma garota linda! Creio que ainda não tinha casado, mas já estava destinada, ou prometida, ou negociada desde pequenina.

Da relação com um militar português engravidou e teve um filho. Foi repudiada e a sua vida a partir de então não foi nada fácil, até que a morte a veio buscar prematuramente.

Seu filho, procurou-me em 2005 no Saltinho. Queria conhecer o pai. Pensava ele que eu o conhecia, mas não. Quando deixei Mampatá a Binta era uma criança.

O filho da Binta Bobo quer conhecer o pai

Afinal a vida é feita assim de retalhos. Uns são de alegria, afecto, paz e amor. Tudo somado dá origem ao Natal, que se quer todos os dias. Outros, pela sua crueza provocam sofrimento e dor. Então não há Natal.

Que cada um de nós, tenha, nesta quadra em especial, a coragem de construir o Natal e se possível o faça em todos os dias da sua vida, pois Natal é sempre que o HOMEM QUER.

Zé Teixeira
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3651: Estórias do Zé Teixeira (32): Um Pide, um marabu e um balanta de Bula que se converte ao Islamismo (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Guiné 63/74 - P3654: O meu Natal no mato (17): Cufar, 1973, o Cantanhez a ferro e fogo (António Graça de Abreu)


Um exemplar autografado do livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e ÁguiA Pura (Lisboa: Guerra e Paz. 2007. 220 pp)... O autor, António Graça de Abreu , foi Alf Mil, CAOP 1,Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar (1972/74). A dedicatória do nosso amigo e camarada reza assim:

"Ao Luís Graça, camarada, amigo deste nosso tempo por terras da Guiné, ontem, hoje, sempre, a bater ao compasso dos nossos delapidados e ternos e jovens coraçõs, com um forte abraço do António Graça de Abreu. Estoril, Março de 2007"


Extracto das pp. 174-16 (com a devida vénia...)

Cufar, 24 de Dezembro de 1973

Tempo de Natal. Paz na terra aos homens de boa vontade, na Guiné e na guerra.

Fui a Cadique com o meu coronel [, Joaquim Curado Leitão, comandante do CAOP1], de sintex, dez quilómetros descendo o rio Cumbijã.

Os pobres de Cadique, que tiveram dois mortos na terça-feira passada, estão a entrar na engrenagem da loucura. Já houve soldados que se recusaram a sair para o mato. Outros, ou os mesmos, na confusão de uma flagelação, atiraram com uma granada de mão ao tenente-coronel comandante do batalhão (**) que não o atingiu por pura sorte. O tenente-coronel não tem culpa do sofrimento e da morte dos seus homens, limita-se a cumprir ordens, não pode pegar no batalhão e marchar sobre Bissau, ou sobre Lisboa. De resto, entre os muitos oficiais do QP que tenho conhecido, este tenente-coronel é um dos homens mais humanos e sensíveis ao sofrimento dos seus subordinados.

A zona de Cadique é terrível, os guerrilheiros deixaram construir a estrada para Jemberém e agora passam o tempo a dinamitá-la e a emboscar as NT. Sabotaram os sete pontões do trajecto, abriram enormes brechas no asfalto, em vários sítios. Para arranjar a estrada, a tropa de Cadique avança com camionetas carregadas de terra e troncos de árvore. Depois dos primeiros dois quilómetros, começam a ser flagelados. Quem quer caminhar para a morte?

Os dias estão tão bonitos! Frescos, serenos, com pouca humidade, manhãs de sol que abrem os braços para os homens, o fumo a sair das tabancas e a espalhar-se sobre os campos, como em Portugal. A natureza não tem culpa da insensatez, do desvairo da espécie humana.


Cufar, 26 de Dezembro de 1973

Graças ao Natal, umas tantas iguarias rechearam as paredes dos nossos estômagos. Houve bacalhau do bom, frango assado, peru para toda a gente, presunto, bolo-rei, whisky e espumante à discrição, só para oficiais. Fez-se festa, fados, anedotas, bebedeiras a enganar a miséria do nosso dia a dia.

Hoje, 26 de Dezembro, acabou o Natal e, ao almoço, regressamos às cavalas congeladas com batata cozida e, ao jantar, ao fiambre com arroz.

Isto não tem importância, importante é a ofensiva contra os guerrilheiros do PAIGC desencadeada na nossa região com o bonito nome de Estrela Telúrica. Acho que nunca ouvi tanta porrada, tantos rebentamentos, nunca Vi tantos mortos e feridos num tão curto espaço de tempo. E a tragédia vai continuar, a Estrela Telúrica prolongar-se-á por mais uma semana.

Tudo começou em grande, com três companhias de Comandos Africanos, mais os meus amigos da 38º fuzileiros e a tropa de Cadique a avançarem sobre o Cantanhez. O pessoal de Cadique começou logo a levar porrada, um morto, cinco feridos, um deles alferes, com certa gravidade.

Ontem de manhã, dia de Natal, foi a 38ª de Comandos a embrulhar, seis feridos graves, entre eles os meus amigos alferes Domingos e Almeida, hoje foram os Comandos Africanos comandados pelo meu conhecido alferes Marcelino da Mata (***) com dois mortos e quinze feridos. Chegaram com um aspecto deplorável, exaustos, enlameados, cobertos de suor e sangue. Amanhã os mortos e feridos serão talvez os fuzileiros...

No dia seguinte, outra vez Comandos ou quaisquer outros homens lançados para as labaredas da guerra. O IN, confirmados pelas NT, só contou seis mortos, mas é possível que tenha morrido muito mais gente, os Fiats a bombardear e os helicanhões a metralhar não têm tido descanso.

Na pista de Cufar regista-se um movimento de causar calafrios. Hoje temos cá dez helicópteros, dois pequenos bombardeiros T-6, três DOs, dois Nordatlas e o Dakota. A aviação está a voar quase como nos velhos tempos. Os hélis saem daqui numa formação de oito aparelhos, cada um com um grupo constituído por cinco ou seis homens, largam a tropa especial directamente no mato, se necessário os helicanhões dão a protecção necessária disparando sobre as florestas onde se escondem os guerrilheiros, depois regressam a Cufar e ficam aqui à espera que a operação se desenrole. Se há contacto com o IN e se existem feridos, os helicópteros voltam para as evacuações e ao entardecer vão buscar os grupos de combate novamente ao mato.

Ontem, alguns guerrilheiros tentaram alvejar um héli com morteiros, à distância, o que nunca costuma dar resultado.

Sem a aviação este tipo de operações era impossível. Durante estes dias, os pilotos dormem em Cufar e andam relativamente confiantes, há muito tempo que não têm amargos de boca. Os mísseis terra-ar do IN devem estar gripados porque senão, apesar dos cuidados com que se continua a voar, seria muito fácil acertar numa aeronave, com tanto movimento de aviões e hélis pelos céus do sul da Guiné.

Cufar fica a uns quinze, vinte quilómetros da zona onde as operações se desenrolam. Todos os dias, às vezes durante horas seguidas, ouvimos os rebentamentos e os tiros dos embrulhanços, das flagelações. E impressionante o potencial de fogo de parte a parte. Os guerrilheiros montam também emboscadas nos trilhos à entrada das matas onde se situam as suas aldeias. Aí, as NT começam a levar e a dar porrada, e não têm conseguido entrar nas povoações controladas pelo IN.

Natal, sul da Guiné, ano de 1973, operação Estrela Telúrica. Tudo menos paz na terra aos homens de boa vontade.

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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 18 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3550: O meu Natal no Mato (16): Os meus Natais na Guiné (Luís Dias)

(**) Vd. poste de 9 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2167: Breve história da CCAÇ 4540 (Bigene, Cadique e Nhacra, 1972/74) (Vasco Ferreira)

(...) "No dia 22 de Julho de 1973 chegou a Cadique a 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4514/72 que veio render a CCAÇ 4540, Cadique a partir desta altura ficou a constituir Sede de Batalhão, 'O Batalhão do Cantanhez'.

"Foi a 17 de Agosto de 1973 que a CCAÇ 4540/72 disse adeus a Cadique no meio de copiosa chuva, que não quis colaborar na despedida, embarcando a bordo da LDG 'Montante', rumo a Bissau.

"A nossa homenagem aos Gr COMB da CCP 121, que permitiram aos nossos militares a observação do modo de comportamento e da preparação com que a tropa especial pára-quedista foi dotada para este tipo de operações. Muito se aprendeu no convívio estabelecido dentro e fora do Aquartelamento entre os militares de ambas Companhias" (...).

(***) Nota do autor, António Graça de Abreu:

"Sobre o acidentado percurso do alferes Marcelino da Mata, ver a narração pessoal da sua participação nesta guerra em Rui Rodrigues, coord., Os Últimos Guerreiros do Império, Editora Erasmos, Amadora, 1995, pp. 195-213".

Guiné 63/74 - P3653: As Boas Festas da Nossa Tabanca Grande (11) : Pepito e Isabel, do Quelélé com muito amor... e muita esperança



Guiné-Bissau > Bissau > Dezembro de 2008 > AD - Acção para o Desenvolvimento > Pepito e Isabel > Cartão de Boas festas (*) enviados aos amigos Luís Graça e Alice Carneiro e, por extensão, aos demais amigos da Guiné...

"Com os votos de muitas felicidades para 2009 e o repto de um regresso rápido a esta terra para redescobrir locais magníficos e pessoas ímpares, na companhia dos amigos Pepito e Isabel".

Comentário de L.G.:

Como eu costumo dizer, este casal de engenheiros agrónomos, Pepito e Isabel, que largaram tudo para apanhar o comboio da história, passando a viver e a trabalhar na Pátria de um deles, são um verdadeiro case study... (ou se o não são ainda, é por que há muita gente distraída por aí...) .

Graças ao nosso blogue, tornámo-nos amigos. Admiro a sua coragem, a sua dedicação, os seus valores, a sua capacidade de reunir talentos, o seu poder de fazer coisas que mudam a vida das pessoas na Guiné... Foi um privilégio, para mim, para a Alice e para muitos de nós que visitámos a Guiné em Março último, vê-los a interagir no seu meio, a receber como ninguém, a trabalhar com alto profissionalismo... Sempre amáveis, inexcedíveis, acolhedores, simpáticos, hospitaleiros... Um único defeito, que eu poderia apontar ao Pepito se o quisesse ver sentado à minha mesa de Natal: abstémio; em contraparido, perde (ou perdia...) a cabeça por uma travessa de pastéis de Belém... Fora isso, são excelentes conversadores e animadíssimos convivas... Com tantos predicados, quem é que não os quer ter na sua lista dos top ten dos amigos...verdadeiros ?!

Isabel e Pepito: Um abraço para vocês e para toda a grande família da AD... Não vamos deixar que sejam os mais pobres dos guineenses (e dos portugeses) a pagar a malvada da crise ... Que o 2009 traga consigo muitas sementes de esperança.
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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 18 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3649: As Boas Festas da Nossa Tabanca Grande (10): Que o bom Deus vos abençoe (J. Mexia Alves)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3652: Blogoterapia (83): Voltamos a pôr a Ana (e o José...) a sorrir, na nossa fotogaleria (Luís Graça)

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Veio de mais longe, do Fundão, das fraldas da Gardunha, a conduzir, com o seu José ao lado (que pode mas não deve fazer tantos quilómetros ao volante), só para estar com os seus (dele) camaradas da Guiné... Le coeur oblige, mon bijou... E o que tem de ser tem muita força, diz o provérbio: a doença, traiçoeira, que vem trazer negrura às nossas vidas, apreensão aos que nos amam, incerteza aos que nos rodeiam, finitude aos nossos projectos, angústia para o jantar, pesadelos às tantas da madrugada...

Nem um ai nem um ui: a Ana (Mendonça, por casamento) viveu, em silêncio, o seu drama, individual e familiar... No píncaro do Verão... Por uns tempos, o José desapareceu (ou melhor não apareceu, recolheu-se, não se expôs, preparou-se, como nos duros tempos de Mansambo, mobilizou toda a sua energia para fazer face à devastação)....

Como é que a nós, distraídos com as nossas blogarias - tu, Carlos, tu, Virgínio, eu, Luís - , não nos ocorreu que algo estava errado nessa pesada cortina de silêncio, puxada pela mão do TM, um homem com lugar ao sul e que gosta de pensar em voz alta ? ...

Há dias escrevi-lhe:

"Um bj para a tua Ana, que é uma mulher de armas e que já sei que voltou ao trabalho... A vida é dura, José, aqui ou em Mansambo... Mas também pode ser bela, se tiver afecto(s): amor, paixão, amizade, camaradagem, emoção, compaixão, poesia... Diverte-te, se puderes: 'Esta vida são dois dias e o Carnaval são três'... Mas há, pelo menos, uma certeza: 'Quem de novo não morre de velho não escapa'... Uma coisa que a guerra da Guiné não nos deu, foi serenidade... Pelo contrário, trouxe-nos inquietude (que é mais do que inquietação). Em contrapartida, aprendemos a enfrentar a morte e a não temê-la: 'Temer a morte é morrer duas vezes' ... E tu és, para nós todos, um exemplo vivo e corajoso, de como um homem pode sorrir à morte com meia cara ou meio coração, parafraseando o título da narrativa autobiográfica do grande escritor José Rodrigues Miguéis, um lisboeta de Alfama (1901) que morreu longe da Pátria, da Mátria e da Fátria (Manhattan, N.Y., 1980). Que esta tertúlia seja, ao menos para ti, um pouco da Fátria perdida em Mansambo, em Bambadinca e em tantos lugares da Guiné onde sofremos e fomos solidários"...
A Ana, que voltou ao seu JF, acompanha agora com solicitude mas também com a máxima das discrições as nossas blogarias... E há dias surpreendeu-me (e emocionou-me) com o seguinte cartão do JF onde se podia ler:

"Luís Graça: Um beijo agradecido pela simpatia posta na mensagem (de força) enviada através do Torcato e que eu li. Votos de um Feliz Natal extensivo a toda a Família. Ana Lurdes Mendonça"...
Somos, afinal, um blogue de afectos e de histórias, mas também de gente solidária... Por um momento, por uma vez ao menos, senti que valeu a pena esta tontaria de querer juntar o fio das tantas meadas, de inquirir estas tantas vidas que foram/são as nossas (parafraseando o belo título do blogie do Virgínio Briote)... Por um dia senti que também podemos fazer bem a alguém...

Senti que as palavras também podem matar, também pode ferir, também podem destruir; senti que as palavras vêm muito antes das balas, e que são as palavras que nomeiam a morte e a guerra; mas também senti que as palavras, em seu sítio, tamnbém podem dar conforto, animar, dar força... Senti-me feliz por saber que a Ana, que eu mal conheço, passou os testes todos de sobrevivência... e está apta agora para enfrentar o futuro, pronta para o que der e vier...

Hoje voltamos a pôr a Ana a sorrir, na nossa fotogaleria, como no dia 17 de Maio de 2008... Boas Festas, Ana... Quentes e boas como as castanhas da tua Cova da Beira... Há castanhas na Gardunha ? Por mim, só conhecia as cerejas, que são as melhores do mundo. E o requeijão... Ah! o requeijão do Fundão. Ah!, e o Torcato, o José, o Mendonça, o Viriato (o santo patrono da CART 2339)!... Ah!, e agora a Ana, mulher da vida do José, e nossa camariga (como diria o Tunes ou Mexia).

Hoje aumenta o meu conhecimento (e reconhecimento) da geografia do amor, da amizade, da solidariedade, da humanidade... Escrevam-lhe o nome, no quadro escuro, a giz, onde listamos as nossas mulheres, as nossas companheiras de uma vida, as nossas camarigas: Ana, simplesmente... Um exemplo de tenacidade e de coragem, para todos nós. Temos orgulho em ti, José!... Temos orgulho em ti, Ana.

Deixa-me, José, deixa-me, Ana, oferecer-vos, por fim, este poema do meu modesto poemário... Para ler nos dias de chuva miudinha e de tristeza, quando só apetece colar a cara à vidraça da janela virada para o absurdo da doença, do azar, da morte, com o maciço central da Serra da Estrela a aniquilar-nos... No fim, perceberás, Ana, e tu, José, o sentido do título..

Poemombro ou um ombro amigo

Às vezes a gente pensa
que o mundo vai desabar.
Às vezes a gente julga
que o céu vai cair
em cima das nossas cabeças.

Às vezes a gente deixa de ver.
E de sentir.
E até de pensar.
Às vezes a gente vê que não há luz.
Que estamos num túnel.
Que não há luz ao fundo do túnel.
Que há alguém que te diz:
- É o fim! Acabou-se!
Ou então:
- É bom que esqueças,
desiste,
parte para outra!

Às vezes a gente tem dúvidas.
E pergunta se vale a pena.
Se valeu a pena.
Às vezes a gente até duvida
do amor e da amizade
dos que nos amam e gostam de nós.
Às vezes a coisa parece que está feia.
Às vezes parece que tudo é feio.
Que a coisa está preta e feia.
A vida, o país, o mundo à nossa volta.
Os outros.
O marido ou a mulher.
Os filhos
Os amigos.
Os colegas de trabalho.
Os vizinhos.
Os concidadãos.
Os homens e as mulheres do teu país.
A humanidade,
por fim globalizada.

Às vezes dá-te uma enorme vontade de chorar.
E de parar no caminho.
E de chorar numa pedra do caminho.
Às vezes a gente quer desistir de caminhar.
A gente sente que lhe faltam as forças.
E que já foi longe de mais.
Que não nascemos para caminhantes.
Que já fizemos a nossa parte.
Que já cumprimos o nosso papel.
Que as pernas estão cansadas.
As pernas.
O corpo.
A alma.
Os músculos.
Os ossos.
Que andamos a caminhar há muito tempo.
Que já demos a volta ao mundo,
não sei quantas vezes.

Às vezes a gente apercebe-se
que tem uma enorme vontade de chorar.
Mas que não tem lágrimas para o fazer.
Não tem sequer forças para o fazer.

E é então que nos dá uma raiva danada.
Telúrica.
Fulminante.
Brutal.
Uma raiva de vulcão.
E descobrimos o terrível vulcão que há em nós.
E a gente, de repente,
dá de novo à chave de ignição.
... E retoma o caminho.

Querida amiga,
querido amigo:
Eu sei que não podemos competir com os vulcões.
Que só explodem de mil em mil anos.
Ou de cem mil em cem mil, tanto faz.
E que são uma força bruta da natureza.
Brutal.
Fulminante.
Telúrica.
Mas temos o direito de explodir.
De dizer o que nos vai na alma.
Temos o direito ao nosso vulcão.
Tu tens direito ao teu vulcão.
Tens direito mesmo ao teu vulcãozinho.
O direito de mostrar o que te dói
no corpo e na alma.
De chorar.
De chorar de raiva.
Ou mesmo baixinho.

A única diferença,
além da escala de tempo,
é que os vulcões não têm uma ombro amigo.
Para chorar.
Para encostar a cabeça e chorar.
No dia dos teus anos,
Ou em qualquer outro dia da semana.
Em qualquer outro dia do ano.
Sempre que te apetecer.
Sempre que te der raiva de chorar.

Se os/as amigos/as têm algum préstimo
é justamente para saber ouvir.
Ouvir, escutar, entender
mais do que falar,
analisar
ou compreender.
Para estar contigo.
Simplesmente para estar
ao pé de ti.
Ou para te segredar ao ouvido
qualquer coisa que te faça sorrir.
Ao ouvido, baixinho.
E sobretudo para te oferecer
o ombro amigo.
Pode até ter pouco préstimo
mas sempre é mais macio e quente
do que a pedra do caminho.

Foto, poema e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3651: Estórias do Zé Teixeira (32): Um Pide, um marabu e um balanta de Bula que se converte ao Islamismo (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

1. Mensagem de José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, com data de 16 de Dezembro de 2008

Carlos
Boa noite
Junto texto sobre uma história de conversão ao Islamismo.
Fraternal abraço
José Teixeira


Há dias tive o grato prazer de conhecer um guineense que se encontra em Portugal a cursar Psicologia.

Reportando-se à sua origem balanta, contou-me a história da conversão da sua família ao Islamismo, que nada teria de interesse se a política do Estado português de então não tivesse uma interferência directa no assunto.

Seus pais eram naturais dos arredores de Bula, onde possuíam uma lala que exploravam, sendo sustento de toda a família.

Em meados da década de 50 o seu pai contraiu a tuberculose, pelo que tiveram de vir para Bissau, com o objectivo de tentar a cura, o que conseguiu.

Recuperado da doença, a família pensou em voltar para Bula, onde tinham a lala sua base de sustentação. Entretanto deram-se os acontecimentos no Cais do Pdjiguiti. Na sequência deste acontecimento e numa tentativa de exploração a seu favor, o PAIGC, dinamizou toda uma campanha de mobilização em Bissau, notando-se uma fuga de africanos para o mato e alistagem no Partido.

A reacção do Governo português não se fez esperar, tendo decretado que quem estivesse interessado em ausentar-se de Bissau para o interior da Província tinha de se fazer portador de um salvo conduto emitido pela autoridade civil mais próxima da sua residência, caso contrário, se fosse encontrado pelas autoridades civis ou militares seria detido e considerado inimigo da Pátria, com as consequências que não são difíceis de adivinhar.

O pai do meu amigo, deslocou-se ao Posto civil mais próximo, nos arredores de Bissau a requisitar o salvo conduto para se poder deslocar para a sua terra. Um Cipaio seu vizinho, apercebeu-se da situação e foi a sua casa discretamente avisá-lo para não ir buscar o salvo conduto, dado que a Pide, logo de seguida o iria prender, como estava a fazer com todos os que tomavam esta iniciativa.

Face a este conselho, o pai do meu amigo, não foi levantar o salvo conduto no dia previsto e manteve-se por Bissau, mais uns tempos.

Passados uns dias, apareceu no lugar onde morava um agente da Pide a perguntar por ele. Dirigiu-se a um marabu(*) que se encontrava sentado à sombra de um mangueiro e tendo a seu lado o pai do meu amigo, pois eram vizinhos.

Claro que ao ouvir o seu nome, ficou assustado, mas o marabu com toda a calma informou que conhecendo toda a população local, tal nome não lhe dizia nada. Disse mesmo:
- Este aqui é meu filho e chama-se XPTO - um nome afecto à sua família para não criar suspeitas.

O Pide lá se foi embora, continuando a sua pesquisa, presumindo com certeza que o indivíduo que procurava se tinha ausentado para o mato, dado que nunca mais apareceu por aquelas bandas.

Comovido pela atitude do marabu que o salvou da prisão, dedicou-lhe uma amizade profunda tendo-se convertido ao Islão com toda a sua família.

A vida continuou, apareceram mais filhos, aos quais foram dados nomes próprios e sobrenomes da família do marabu. Um deles hoje é padre católico.

(*) Muçulmano que dirige as orações nas Mesquitas e da formação catequética das crianças. Pessoa querida pela postura na vida e pelo respeito que merece face ao posto que ocupa na religião, tal como os nossos padres das Igrejas Cristãs.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3559: Estórias do Zé Teixeira (30): Aquele Minuto (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P3650: O meu Natal no Mato (16): Os meus Natais na Guiné (Luís Dias)

1. Mensagem de Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, com data de 16 de Dezembro de 2008:

Caros Editores

Incluso um pequeno texto sobre os meus Natais na Guiné, caso o entendam publicar.

E aproveitando a época natalícia quero desejar aos Editores e respectivas famílias um óptimo Natal e um Feliz Ano Novo.

Um abraço
Luís Dias



2. Natais na Guiné

O início da nossa comissão na Guiné não poderia ter data tão manifestamente importante para todos aqueles que sentem a época natalícia. A CCAÇ 3491, integrada no BCAÇ 3872, chegou a Bissau a 24 de Dezembro de 1971, na véspera do primeiro de três Natais que iríamos passar naquele território.

Desembarcámos do navio Angra do Heroísmo, no Cais de Pidjiquiti, fardados de camuflado e com um calor e humidade que o colavam à nossa pele e ouvindo as bocas de periquito vai para o mato, dos estivadores negros e de quem assistia aos primeiros passos daqueles jovens em terras de África, saídos poucos dias antes da Metrópole e roubados ao sossego das suas vidas. Seguimos em viaturas civis para o Cumeré, onde o Batalhão ficaria instalado para o IAO e passaria aquela primeira noite.

Lembro-me de jantarmos bacalhau, de termos estado a ouvir o cantor Marco Paulo ao vivo (também esteve na Guiné) e quando já estava no quarto com os meus camaradas, por volta das 22/23 horas, fomos surpreendidos com disparos de artilharia ou de outras armas pesadas, que do quartel batiam a zona, em virtude de um flagelação inimiga a um destacamento próximo.

A correria para uma espécie de valas que existiam envolta da parada do quartel, ou para debaixo das camas, foi geral, pois todos pensávamos que estávamos a sofrer um ataque do IN. Foi o primeiro de muitos sustos e com alguns feridos ligeiros à mistura, porque nessa espécie de valas, onde alguns procuraram esconder-se, existiam muitas garrafas de cerveja partidas que cortaram muitos incautos.

Ficámos logo a saber que mesmo perto de Bissau, a pressão do IN podia fazer-se sentir – a guerra estava logo ali – e, meses mais tarde, aquando da passagem pela capital da Guiné a caminho de Lisboa para umas merecidas férias, assisti da messe de oficiais a um ataque a Jabadá, que se situava do outro lado do Rio Geba, quase em frente à principal cidade do CTIG.

Foi um Natal estranho, diferente, sem a companhia da família, imaginando que eles estavam todos juntos em casa dos meus pais. Senti bastante os milhares de quilómetros que nos separavam. Foi triste! Sei também que os meus familiares sofreram com a minha partida e com a minha falta à mesa de Natal e que os meus pais tiveram que ter o apoio, felizmente sempre presente, do meu tio Armando e da minha tia Bernardete. Este foi o primeiro Natal na Guiné, mas não seria o último.

Em Dezembro de 1972, depois de ter frequentado o Estágio das Unidades Africanas em Bolama e S. João, sob o Comando do então Major Coutinho e Lima, pessoa que me pareceu um excelente militar e um excelente ser humano, consegui regressar à minha Companhia, a tempo de passar o Natal com o meu pessoal, no nosso Dulombi. O poder contar-lhes as minhas aventuras durante o estágio, onde sofremos um ataque do PAIGC, a 13 de Dezembro (comandado pelo actual presidente da Guiné-Bissau, Nino Vieira, com recurso a canhões sem recuo e morteiros pesados e contando com o apoio de militares cubanos) e como decorrera o restante estágio. Foi a festa possível, com cânticos e algumas lágrimas de saudade. Estávamos também em alerta, dado que no princípio desse mês o IN atacara fortemente a sede do batalhão (Galomaro). Comemos o famoso bacalhau liofilizado, mas com a esperança – por sinal errada – que seria o último que passaríamos na Guiné e que em 1973 estaríamos no seio das nossas famílias.

No ano seguinte o meu Grupo de Combate, depois de ter estado uma temporada em apoio ao Batalhão de Piche, passou a prestar apoio ao Batalhão de Nova Lamego, tendo passado ainda por Pirada. Soubemos, entretanto, que não obstante a comissão ter terminado em Outubro, só seríamos substituídos em 1974. Víamos camaradas que tinham vindo em rendição individual e com menos tempo do que nós partirem e nós nada. Esta situação, aliada ao problema dos mísseis terra-ar que tornavam as evacuações dos feridos em combate no mato bastante difíceis, tinham proporcionado um abaixamento do moral das nossas tropas, implicando um trabalho psicológico acrescido para os graduados, para que a disciplina e as regras de segurança, em especial em operações, se mantivessem em elevado grau de eficiência.

Um Natal nestas condições, com o sonho desfeito de voltarmos a casa no tempo previsto, com 24 meses de Guiné já cumpridos e estando fora da Companhia, foram difíceis de gerir e de digerir e os sentimentos que lavravam entre todos nós, eram um misto de revolta e de raiva. Lembro-me que, após a ceia de Natal em Nova Lamego, o Grupo de Combate, pela meia-noite, foi para o mato, substituir outros camaradas que estavam desde o fim da tarde emboscados, para que eles pudessem também vir comer a ceia. Ali ficámos a fazer segurança até ao alvorecer, cada um a pensar, com certeza, na importância de mais um Natal afastado da sua terra, da sua família, dos entes queridos.

Foi efectivamente o último, mas regressámos vivos e voltámos a comemorar estas datas com as nossas famílias e amigos. Outros, infelizmente, não tiveram a mesma sorte, porque a boa estrela perderam, numa qualquer picada, trilho, vala, ou bolanha, nas terras da Guiné.

Digo-vos caros camaradas que desde esses tempos passei a ver o Natal com outro olhar… com outro sentimento.

Aproveito a oportunidade para desejar a todos aqueles que nos lêem, em especial aos amigos e camaradas da Tabanca Grande e aos elementos da CCAÇ 3491, um Bom Natal e um Ano Novo Próspero, extensivo às respectivas famílias e que a Boa Estrela nos guie.

Luís Dias
_______________

Notas de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3636: O meu Natal no mato (15): Salsichas com arroz na messe de Sargentos, na Consoada de 1968... (Jorge Teixeira)

Vd. último poste de Luís Dias, de 8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3037: Os nossos regressos (8): E vieram todos. Luís Dias.

Guiné 63/74 - P3649: As Boas Festas da Nossa Tabanca Grande (10): Que o bom Deus vos abençoe (J. Mexia Alves)

(Re)lembrando as noites frias de Dezembro, no Xitole, no Udunduma, no Mato Cão, em Mansoa...
Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem (natalícia) (*) do Joaquim Mexia Alves:


«E o amor de Deus manifestou-se desta forma
no meio de nós:
Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito,
para que, por Ele, tenhamos a vida.»
1 Jo 4,9

Meus camarigos:

Podemos viver o Natal de muitas maneiras,
mas a verdade é que o Natal existe
porque se comemora, ou melhor, se faz memorial
do Nascimento de Cristo,
Filho de Deus,
no meio dos homens,
como Homem igual a nós em tudo,
excepto no pecado.

Podemos acreditar,
ou até não acreditar,
mas quer queiramos quer não,
todos entendemos o Natal
como uma festa da família
e como festa da família
que é uma festa de amor.

Sem medo das palavras,
hoje em dia tão mal utilizadas,
é isso que agora vos quero deixar
... o amor!

O amor a vós
e a todos os homens de boa vontade,
e até àqueles que não têm boa vontade.

O amor aos que nos combateram
e aos que connosco combateram.

O amor aos que concordam connosco
e o amor aos que de nós discordam.

O amor aos que nos perdoam
e àqueles a quem nós perdoamos,
àqueles a quem pedimos perdão
e até àqueles que não nos conseguem perdoar
e aos que temos dificuldades de perdoar.

O amor a todos sem excepção,
porque só assim se pode entender o Natal.

Neste Natal desejo sobretudo a todos vós,
homens de rija têmpera
que souberam combater,
que souberam abraçar,
que souberam viver a amizade
daqueles que entregam a própria vida pela vida dos outros,
que saibamos dar testemunho
de solidariedade,
de fraternidade,
de entreajuda,
neste mundo egoísta
que se fecha cada vez mais em si próprio.

Que o bom Deus em quem acredito
com toda a força do meu ser,
vos abençoe
na paz,
na alegria,
na abundância de vida.

Abraço muito amigo, muito camarigo, do
Joaquim Mexia Alves,
ex-Alf Mil Op Esp
CART 3492/BART 3873 (Xitole / Ponte dos Fulas),
Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão)e CCAÇ 15 (Mansoa) (1971/73)



Fixação do texto: L.G.



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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 18 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3645: As Boas-Festas da Nossa Tabanca Grande (9): Cartões de Natal de Sousa de Castro, António Santos e Mário Fitas

Guiné 63/74 - P3648: Pensar em Voz Alta (Torcato Mendonça) (18): Guileje ainda é cedo, Saiegh 18/12/78: foi há trinta anos...


MEMÓRIAS ou PENSAR em VOZ ALTA


Torcato Mendonça



1 - Não sei ao certo se “Penso em Voz Alta” ou o faça só para mim.

Pensar só para mim foi um recalcamento de anos. Um esconder, um calar uma parte do meu passado, tão curto e tão intensamente vivido.
Uma Memória, uma velha, cada vez a ficar mais velha recordação da passagem pela guerra da Guiné.
E porquê? Para quê tentar esconder ou recalcar essa memória que, em nada envergonha essa parte, enquanto jovem, do meu passado. Pelo contrário.
Por isso:

Hoje, pela manhã abri o Blogue e li ao rolar do rato. Apareceu Peniche e o “Cerro do Cão”. Parei a pensar um pouco, somente um pouco. Afazeres e compromissos vários, obrigaram-me a sair. Não me impediram de pensar.

Agora, com a noite fria a bater lá fora gelando esta Cova entre serras, recolhi ao lar e reli o texto. Mais calmamente e, curiosamente ou nem por isso, identifico-me com que lá foi escrito.
Senti essa maneira de pensar e recordar o passado, certo passado comum a tantos homens. Não só no apelo á memória e a torná-la presente, mas também o encontro com velhos companheiros ou camaradas, daquela parte comum de vida. Depois conviver novamente em recordação desse passado e, aos poucos, sentir a alegria do encontro, do convívio.
Só que há um custo: Há sempre um custo. A este chama-se despedida, afastamento e até para o ano ou para a próxima, que se quer logo ali.
Mas vale a pena. Não sou muito assíduo destes encontros. A minha vida corrida …! Prefiro contudo justificar, até porque o sinto com a frase ”Dói-nos muito comparar o que somos e o que fazemos com o que fomos e o que fizemos”…

2 – Parece que não, talvez seja pensar pelo absurdo, para mim claro, mas podemos entroncar o que atrás foi dito com a sondagem sobre o abandono de Guileje.


Quando a vi, á esquerda da página do Blogue disse para mim:
- É prematura. Devia esperar-se um pouco mais. Possivelmente não terei razão. Possivelmente há pessoas com ideias já formadas. Possivelmente há…só que a mim ainda me faltam documentos de análise. O livro pode ser uma ajuda.

Quando foi público o telefone do Coronel Coutinho e Lima entrei em contacto com ele. Falei com a esposa e posteriormente o Coronel ligou-me. Depois da apresentação enviava-me o livro. Espero por isso. Preciso de o ler. Necessito conhecer, a versão de quem decidiu abandonar um aquartelamento.

Sempre me questionei sobre tão melindrosa tomada de decisão. Não tenho opinião formada. Fui treinado para vencer. A divisa do Capitão Comando Zacarias Saiegh, assassinado em 18 de Dezembro de 1978, era “Matar ou Morrer”.
Pode haver quem não apoie ou concorde. Pode haver quem concorde. Pode haver…na guerra elimina-se o inimigo, abate-se…e não se mata.
Só que fomos treinados para morrer se necessário, para cumprir e fazer cumprir ordens.
Só que dar ordens não é fácil. Em jogo estão a vida de homens. O erro, a ordem indevida pode provocar a morte de quem comandamos. E o inverso?

Fui um simples oficial subalterno, um soldado, do Senhor Marechal António de Spínola, Brigadeiro e depois General enquanto estive na Guiné. Respeitei-o e respeito a sua memória. Por ora é suficiente.
Conheço o Senhor Coronel Alexandre Coutinho e Lima. Respeito-o. Nada mais adianto. Não tenho o direito, legitimidade e os conhecimentos para opinar. Qualquer juízo será pessoal e só a ele o diria. Vou ler o livro.
Acrescentar algo mais é dispensável. Seria pretensioso de minha parte.

3 – Parei aqui, jantei e passado tempo voltei ao blogue.

Espanto meu Os Guias. Falavam deles, de guias que no meu tempo foram (os que me guiaram) amigos, camaradas. Outros, antigos combatentes do PAIGC, depois das missões eram entregues a quem de direito…agora leio, releio e…foi aqui escrito que eram abatidos alguns…Aguiar (não da Beira – de malvadez)?! Quando, onde e porquê trazer isso á colação?
Porquê?
Lembrei-me do tal “Sítio de Afectos”, do tal lugar, sitio, site ou o que lhe queiram chamar, onde, velhos combatentes, escrevem, desabafam, contam estórias dentro de regras (X dez) definidas. Divergem, convergem – convivem.
De quando em vez um pequeno desvio. Lógico, normal e, até, salutar. Não mais que um desvio, um pequeno desvio…Aguiar, ainda por cima pior que isso…Aguiar só da Beira (vou ver o mapa), fiquei, geograficamente, confuso.

4 – Ainda o Cherno Rachide.

É uma figura incontornável da Guiné.
O Poder dele, talvez, quem sabe, era tal que os 82, os 122 e eteceteras se desviavam de Quebo e quedavam-se por outro lado…quem sabe? Quem sabe…malhas que o Império teceu…

5 – De facto sinto a “velhice”.

Mas o Apocalipse Now, A Dança das Valquírias, a loucura…ficam…marcam-me, dizem-me que o soldado Português, com Viras e Fados, era melhor combatente.
Lá, cá, na solidão, na alegria ou tristeza, gosto de música clássica em alto som. Precisava dela agora. Fico-me pelo “ Oceano Pacifico “ na R.F.M.
__________

Notas de vb:

1. Torcato Mendonça, ex-Alf Mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69

2. Último artigo da série em

Guiné 63/74 - P3647: Banco do Afecto contra a Solidão (3): Regueirão, a Avenida da Desesperança. (Jorge Cabral)

Mensagem do Jorge Cabral

Amigos

Envio apontamento para a nova série, mas principalmente Votos de Bom Natal.
E que a Solidariedade nos ilumine a todos, e nos faça entender que não somos Nós e os Outros, mas somos todos Nós.

Abraços Grandes
Jorge Cabral

Os Meus Amigos do Regueirão dos Anjos

Jorge Cabral


Quase não é uma rua, o Regueirão. Beco comprido à ilharga do Banco, não aparece em nenhum Roteiro Turístico. É porém local de muitos sem-abrigo. Talvez um dia venha a mudar de nome. Por mim proponho – Avenida da Desesperança.

Aí encontro quatro Amigos. Um é grande e moldavo, outro negro de Angola, o terceiro velho e gasto e ainda uma mulher para compor o naipe.

São todos ex, ex-tudo e nunca falam do passado.

Quem foram? Não pergunto, mas descobri que o velho esteve na Guiné. Pela tatuagem, claro. Imagino-o lá. Padeiro em Buba, maqueiro em Piche, atirador no Xitole, o mato, o quartel, o perigo, as bebedeiras, a jogatana, as bajudas...

Como foi o regresso? Quando e porquê se terá ele perdido? Uma mulher? Um crime?
Talvez apenas a chatice da rotina o tenha feito berrar um ipiranga e embarcar sem rota...

Vivem aqui os quatro, entre cartões, cobertores, plásticos. Comem o que lhes trazem as carrinhas benfeitoras. O preto arruma carros. A mulher canta salmos e os outros esperam, sabe-se lá o quê? E bebem, bebem sempre, mas já não se embriagam.
Ontem levei castanhas. Assaram-nas na rua.
- Vai um trago, patrão?
- É do bom, Senhor Engenheiro!

Não bebo há anos, mas emborquei da garrafa, pois então.
- Bela pomada, amigos, sim senhor...
__________

Notas de vb:

1. Artigos da série em

15 de Dezembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3630: Banco do Afecto contra a Solidão (2): Ajuda ao João Santos, ex-combatente em Moçambique, que vive num contentor (Mário Fitas)

2. Último artigo do Jorge Cabral em:

4 de Dezembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3562: Banco do Afecto contra a Solidão (1): A última comissão do Coronel (Jorge Cabral)

Guiné 63/74 - P3646: Ser solidário (25): E se eu fosse o Pai Natal ? Mensagens de e para os guineenses da diáspora e não só...(Luís Graça)

Guiné-Bissau > Arquipélago dos Bijagós > 2007 > Uma foto, retirada (com a devida vénia...) do blogue Africanidades, do andarilho Jorge Rosmaninho ("jornalista, independentista, alentejano"...), membro da nossa Tabanca Grande (paga as quotas em géneros...).

O poste é de 31 de Janeiro de 2007 e tem por título Sempre Bijagós... Uma aventura pelas estradas e picadas de África que chegou ao fim - com muita pena de quem o seguia ao longe... Sim, chegou ao fim da linha, em 4 de Agosto de 2008... Entretanto, vale a pena transcrever três parágrafos onde o Jorge deixou expressa a sua gratidão à Mãe África, um belíssimo Último obrigado, dedicado simbolicamente à Mãe Ema:

"As plantas dos meus pés são de geografia fácil e as costas pouco exigentes. Vou a qualquer lado e durmo em qualquer cama. Até no chão, a mais espaçosa de todas. No entanto, nesta vida de andarilho há uma coisa que não se dispensa nunca: alguém que trate de nós.

"Quanto vale chegar a um lugar desconhecido, depois de umas valentes horas de estrada, e ter uma cama feita com uma rede mosquiteira branca a protegê-la, um balde de água limpa para tomar banho e uma vela para iluminar os fantasmas da noite? Muito. Se juntarmos a isto uma mamã perguntando-nos se preferimos peixe ou carne para o jantar… Talvez só o céu seja melhor! (...)

"A mãe Emma serve-me de metáfora às mães que têm tratado de mim nestes muitos quilómetros de estradas e picadas africanas. E foram muitas. A todas elas, muito obrigado. Obrigado em especial às minhas três mães de verdade, as de sangue, paixão e coração, que me criaram e criam com beijos e papas de leite, muitas vezes enviados por telefone ou apenas pelas correntes de ar que se passeiam por aí vagabundas – como eu – e me acompanham para onde quer que vá: Ana, Adelaide e Cláudia".


O penúltimo poste que ele publicou, em 3 de Agosto de 2008, no seu blogue (cinco anos, 300 mil visitas...) foi curiosamente um texto do Pepito (A sombra do Pau Torto), retirado do nosso blogue: 31 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3101: História de vida (13): Desistir é perder, recomeçar é vencer (Carlos Schwarz, 'Pepito', para os amigos)


Até à próxima encruzilhada, Jorge!
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Este período das festas de Natal e Ano Novo, não é o melhor para blogar, para comunicar através da blogosfera: há demasiado ruído, há demasiada saturação de um certo tipo de mensagens (por exemplo, pedidos de ajuda, manifestações de solidariedade, exibição da caridade dos ricos...).

Acabei de fazer uma limpeza à minha caixa de correio, profissional, relativamente ao ano de 2008, e fui deparar com meia dúzia de mensagens que li na devida altura mas que não reencaminhei para a caixa de correio do nosso blogue. Seleccionei algumas, vindas sobretudo de guineenses (que vivem na Guiné ou na diáspora, por exemplo no Brasil), e que me pedem coisas, sobretudo informação sobre as mais diversas coisas (desde direito a pensão de sangue a mapas e bibliografias)...

A publicação dessas mensagens seleccionadas, espero que ainda seja útil e vá a tempo. Conto com a boa vontade e o jeito solidário dos amigos e camaradas da Guiné que fazem parte da nossa Tabanca Grande. Mas também de muitos outros que não dão a cara (nem têm que dar) e que nos visitam regularmente. Este é também um blogue de afectos e de gente solidária (*)... Só tenho pena é de não poder ser, por enquanto, o Pai Natal da Guiné...

[ Mas eu fosse o Pai Natal, de verdade ? Se nós fôssemos o Pai Natal, de verdade ? Vá, digam lá, amigos e camaradas da Guiné, o que gostariam de poder fazer para tornar mais felizes os nossos amigos guineenses, homens, mulheres e crianças ? O que deixariam este ano no saco do Pai Natal nas tabancas da Guiné, em Bissau, nos Bijagós, em Catió, em Bafatá, no Cachungo, em Bambadinca, no Gabu ?] ... LG

1. Mensagem de 4 de Dezembro último, enviada por Ecylasaluy Moreira Borges

Assunto - Informações sobre Gabú

Boa noite Dr. Luís Graça,

Sou guineense e socióloga, no momento eu estou no Brasil terminando o mestrado em estudos étnicos e africanos, o meu tema é: será que o casamento precoce tem uma influência na gravidez das jovens islâmicas (fulas e mandingas) em Gabú, mais só que estou com muitas dificuldades em conseguir material, queria saber se o senhor poderia me indicar algumas referências bibliográficas.

Atenciosamente,

1. 1. Comentário de L.G.:

Cara amiga e confrade, era pressuposto o INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa , de Bissau, ter algum acervo documental sobre o problema do casamento precoce e a gravidez na adolescência entre a comunidade islamizada da região do Gabu... Mas nós sabemos o que aconteceu ao INEP e ao seu centro de documentação, na sequência da guerra civil de 1998... (Foi uma tragédia imensa: para além das vidas que se perderam, a Guiné-Bissau fiquei igualmente amputada de um importante património cultural, parte do seu acervo documental que representa a sua memória e a sua identidade)...

Fora da Guiné-Bissau, talvez possa procurar nas bibliotecas de instituições universitárias portuguesas (para além das brasileiras...) onde há cursos de sociologia e antropologia tais como o ISCTE - Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, a FCSH/UNL - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa ou o ISCSP/UTL - Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa... Dê também um salto ao portal Memória de África, uma biblioteca virtual gerida pela Fundação Portugal-África, ligada à Universidade de Aveiro.

É, para já, a ajuda de emergência que lhe posso dar... Com tempo, posso pedir uma pesquisa bibliográfica sobre este temática. Tenha um bom Natal e boa continuação dos seus estudos, aí no Brasil, grande país da lusofonia...

2. Mensagem de 1 de Dezembro último, enviada por Eliude Maria da Silva

Oi Luís Graça:

Sou brasileira e tive conhecimento deste preciossímo site ainda este ano quando pesquisava sobre a vida de Florence Nighitngale na Universidade em que estudo. Seu site [Luís Graça, sociólogo: Saúde e Trabalho] foi-me muito útil e desde aquela ocasião tenho perdido horas a pesquisar por este valiosissímo acervo.

Recentemente conheci dois estudantes guineenses que fazem faculdade aqui em Florianópolis (UFSC) e, por uma questão de curiosidade, sadia, decidi-me a pesquisar sobre sua terra natal, a impressionante Guiné-Bissau. O que encontrei na internet não foi muita coisa, exeção a seu site que enriqueceu-me em conhecimento atravês do acervo fotográfico sobre este país.

Por estar cursando Enfermagem, interessei-me pelo Hospital Simões Lopes ou Simões Mendes, não me recordo agora muito bem o nome. Gostaria então, se possível fosse você enviar-me ou até mesmo indicar-me sites, leituras ou literaturas sobre este hospital e sobre Guiné-Bissau, bem como sua capital Guiné.

Qual a situação de Guiné (capital) hoje? É a mesma que as imagens de 1996,1998 e 2001 mostram em seu site, isto é, devastada, arruinada, abandonada? Como vivem os guineenses?

Pergunto isto porquê percebo que este dois estudantes guineenses quando falam dizem que nós, brasileiros, não conhecemos a realidade do país deles, isto é, não é só pobreza ou muita pobreza mas é um país muito bom para morar-se. É isto mesmo? Eles dizem que somos influenciados pelo negativismo que a grande mídia televisa joga em nossas mentes aqui no Brasil, não permitindo-nos pensar e ver a boa realidade de Guiné-Bissau.

Agradeço muitíssimo se puderes me ajudar e mais uma vez parabenizo-o pelo maravilhoso sítio.

Abraço fraterno
Eliude.

2.1. Comentário de L.G.:

Querida Eliude (mas que nome maravilhoso!):

Para além da minha página pessoal, que você já conhece, tenho também este blogue que se chama Luís Graça & Camaradas da Guiné... É hoje um blogue colectivo com contributos de muitas centenas de homens (e de algumas mulheres) que conheceram a a antiga colónia portuguesa da Guiné, na África Ocidental (hoje, Guiné-Bissau, país independente mas um dos mais pobres do mundo)... E conheceram-na na pior altura para se fazer turismo: quando há guerra...

A guerra da Guiné foi o nosso Vietname e durou cerca de 11 anos (1963/74). Somos, quase todos, veteranos dessa guerra... Claro, temos laços afectivos que nos prendem àquela terra e às suas gentes maravilhosas... Mas o nosso core business não é a Guiné-Bissau actual, os seus problemas de desenvolvimento (político, social, cultural e económico...).

Preferiria que foi um guineense a responder-lhe, a responder à sua pergunta. "Qual a situação de Guiné hoje? É a mesma que as imagens de 1996,1998 e 2001 mostram em seu site, isto é, devastada, arruinada, abandonada? Como vivem os guineenses?"...

Já pedi a uma dos nossos amigos, guineense, para lhe responder. Aguardo que o Prof Doutor Leopoldo Amado, neste momento a trabalhar na Universidade de Cabo Verde, me mande a(s) sua(s) resposta(s) à(s) sua(s) pergunta(s)... Eu poderia responder-lhe, não prefiro não o afzer em público: umas das nossas 10 regras de ouro é justamente a da "não-intromissão, por parte dos portugueses, na vida política interna da actual República da Guiné-Bissau (um jovem país em construção), salvaguardando sempre o direito de opinião de cada um de nós, como seres livres e cidadãos (portugueses, europeus e do mundo)"...

Apareça, será sempre bem vinda...


3. Mensagem de 14 de Outubro último, enviada por José Geraldo Freitas da Silva

Assunto - Quantitativo das FFAA portuguesas durante a guerra do Ultramar.

Prezado Senhor:

Sou brasileiro de Belém do Pará e estudioso de conflitos ocorridos na Africa, em particular a guerra do Ultramar. Assim, gostaria de saber qual o quantitativo das forças portuguesas (Exército, Marinha e Aeronáutica) empenhadas durante o conflito.

att,
José Geraldo Freitas Silva
(silgeraldo@gmail.com)

3.1. Comentário de L.G.:

Meu caro José: Boa pergunta. Não tenho aqui a resposta na ponta dos dedos, mas posso sugerir-lhe que consulte o sítio (como se diz aqui, em Portugal)Guerra Colonial 1961-1974, criado recentemente pela A25A- Associação 25 de Abril. Uma verdadeira enciclopédia sobre a guerra provavelmente mais longa do Séc. XX, travada por um pequeno país europeu, a milhares de quilómetros de distância, em África, em três frentes (Guiné, Angola e Moçambique).

Boas pesquisas, boas leituras.


4. Mensagem de Iaia Djamanca, com data de 9 de Outubro último:
Ao iniciar gostaria de poder agradecer do fundo do meu coração por este magnífico trabalho da Vossa excelência, Senhor Luís Graça, sociólogo do trabalho e da saúde, doutorado em saúde pública, professor na Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa, em Lisboa.

Fiquei impressionada com este brilhante trabalho que me facilitou num simples pesquisa que tava fazendo na minha faculdade aqui no Rio de Janeiro (Brasil) com os colegas brasileiros que queriam tanto conhecer algo da minha terra e o nosso crioulo. Finalmente consegui encontrar dentre muitas que eram do crioulo de Cabo-Verde, o seu trabalho.

Gostei muito e peço a Deus que apareça milhares de trabalhos como o seu para a Guiné - Bissau.

Obrigado pelo trabalho...

De: Iaia Djamanca
Estudante de Biblioteconomia na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

4.1. Comentário de L.G.:

Querida Iaia (um nome feminino bem guineense, bem lindo):

Fico encantado com as suas palavras. Mas dispenso o... Excelência. Trate-me apenas por Luís, um amigo da sua terra e do seu povo mas que, infelizmente, não fala fluentemente o crioulo... Espero que volte depressa à sua terra e que tenha ocasião de aplicar as suas novas competências no domínio das ciências da documentação. O seu país precisa de si. Um beijinho.



5. Mensagem de 28 de Setembro de 2008, enviada por Adulai Gomes Rodrigues

Caro amigo Luis Graça!

Sou natural das ilhas Bijagós - ilha de Sogá, estou muito interessado pelas histórias de outrora que escreve relactivamente à guerra colonial na Guiné. Mas o mais relevante para mim é sobre as ilhas Bijagós, de formas que sempre lhe peço apoio no sentido de me ter como o seu menino. Estou a tentar escrever um livro de histórias sobre as ilhas Bijagós, mas tenho muitas dificuldades, sejam materiais assim como técnicas e morais, pelo que preciso muito do seu contributo.

Como é a primeira vez espero a resposta para mais um contacto.

Muito obrigado.

Adulai Gomes Rodrigues
Natural das ilhas Bijagós - Sogá, tabanca de Eticoba
Estudante de Economia na Universidade Amilcar Cabral em Bissau
Assistente pesquisador no Projecto de Saúde de Bandim.
Celular: (+245) 667 27 88 ou 722 56 61

5.1. Comentário de L.G.:


Meu caríssimo Adulai:

Não sei a sua idade, mas eu pela minha parte devo ter a idade do seu pai... A guerra colonial acabou em 1974 (terá acabado mesmo em 1974 ?) e eu regressei da Guiné em Março de 1971... Só lá voltei em Março... de 2008. Muito tempo... Infelizmente não conheci nem conheço hoje as ilhas (que me dizem maravilhosas...) do seu arquipélago... Posso adoptá-lo como 'meu menino', quero ajudá-lo, mas sinceramente não sei muito bem como... O mais simples é perguntar-lhe se ainda precisa da minha ajuda e como posso eu ajudá-lo... Em que ponto está o seu livro ?


Entretanto, há outros membros do nosso blogue que conhecem os Bijagós e provavelemente até a sua ilha (Sogá) e a sua tabanca (Eticoba)... Vamos contar com a sua (deles) ajuda e interesse... Mantenhas.
_________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 9 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3428: Ser solidário (24): Em marcha a expedição de ajuda humanitária de 2009 (José Moreira / Pepito / Carlos Silva / Xico Allen)

Guiné 63/74 - P3645: As Boas-Festas da Nossa Tabanca Grande (9): Cartões de Natal de Sousa de Castro, António Santos e Mário Fitas

Mensagens de Natal de Sousa de Castro, António Santos e Mário Fitas, com votos de Boas-Festas, chegados até nós, destinados à Tabanca Grande.

1. Do nosso camarada Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo1972/74, tertuliano n.º 2 do nosso Blogue, recebemos este postal:


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2. Do nosso camarada António Santos, Ex-Sold Trms do Pel Mort 4574/72, Nova Lamego, 1972/74, um original da época:



Embora mais velhos, (gastos), o espírito continua novo, por isso fui buscar à mala este postal de Natal de outras eras, na altura pouco havia a cores, hoje é uma fartura.

Enfim, Bom natal para o Batalhão da tabanca grande, não esquecendo os familiares, e que 2009, não traga mais nenhum crash económico pois os que temos já nos chegam e além disso não somos políticos nem banqueiros, digo eu, simplesmente estivemos na Guiné o que fez de nós amigos para todo o sempre.


A. Santos
SPM 2558
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3. Ainda do nosso camarada Mário Fitas, ex- Fur Mil da CCaç 763, Cufar, 1965/66, este postal bem bonito:


Para Toda a Tabanca Grande Feliz Natal e um 2009 com o melhor que desejais Um abraço do tamanho do Cumbijã
Mário Fitas
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3643: As Boas Festas da Nossa Tabanca Grande (8): Vitor Barata, em nome dos Especialistas da BA12 (Bissalanca, 1965/74)

Guiné 63/74 - P3644: Tabanca Grande (105): António Gomes da Cunha, Radiotelegrafista da CART 1613, "Os Lenços Verdes" (Teixeira Pinto e Guileje, 1966/68)

1. Mensagem de António Gomes da Cunha, Radiotelegrafista da CART 1613, Os Lenços Verdes, Teixeira Pinto e Guileje, 1966/68, com data de 16 de Dezembro de 2008:

Amigo Luís Graça

Sou António Gomes da Cunha, Radiotelegrafista da CART 1613, Os Lenços Verdes, que durante 11 meses permaneceu em Guileje.

Companhia do Sargento/Capitão Neto entretanto falecido, que tão explicitamente relatou os roncos e feitos da nossa malta. Ainda hoje me custa lembrar esse tempo sem deixar cair uma lágrima pelo sofrimento que ali passámos e acima de tudo pelos camaradas que ali perderam a vida para nada.

Além da nossa passagem por Guileje, logo que chegámos à Guiné fomos fazer IAO para S. João de Bolama, durante dois meses e depois ficámos seis meses como força de intervenção às ordens do Comando-Chefe das Forças Armadas, logicamente que sempre que saíamos de heli ou de barco, éramos largados no meio do barulho. Passámos 30 dias na mata do Jolmete e na semana Santa de 1967, onde fizemos o nosso primeiro ronco, ao destruír um acampamento turra. Matámos manga deles e prendemos 18 pessoas e apreendemos vário material. Nos dias que se seguiram tínhamos festa à noite com permanentes ataques.

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O 2º sargento Neto, que fazia as funções de 1º sargento da companhia, fotogrado junto a um abrigo e à viatura blindada Fox.

Foto: ©
Zé Neto / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados .

Fomos por diversas vezes condecorados com medalhas de guerra a nível de Companhia e deixámos em Teixeira Pinto o nome dos Lenços Verdes bem gravados no Batalhão que ali permanecia na altura, como nas próprias populações, porque impusemos respeito aos turras da zona. Deixámos lá 5 irmãos de armas que recordo todos os dias.

Guileje/Mejo, eram zonas onde nos habituámos a viver todo o dia ao som das armas pesadas e um local onde diariamente se morria para ir buscar géneros e água a Gadamael. Todos aqueles que por lá passaram e tiveram a sorte, como eu, de regressar a casa, podemos considerar-nos as pessoas mais ricas do mundo.

Deixo aqui um abraço amigo a todos os companheiros da Guiné.
Com um abraço do
António Gomes da Cunha
(Malhado de Braga)
CArt 1613 – BArt 1896


2. Comentário de CV

Caro António Gomes da Cunha, bem-vindo ao nosso Blogue. Qualquer militar da CART 1613, do nosso querido Zé Neto, é sempre bem recebido na nossa Tabanca Grande.

Considera-te membro deste grupo de velhos ex-combatentes da Guiné, que mais não querem se não dar a conhecer as suas experiências e contar as histórias vividas no TO daquela pequena parcela de território africano.

Manda-nos as tuas fotos da praxe (uma do tempo de Guiné e outra actual) e conta-nos mais sobre a tua vivência naquele martirizado Guileje. Tens a responsabilidade de continuar a obra do saudoso Cap Zé Neto, que infelizmente nos deixou já há mais de uma ano (*). Não te esqueças que as tuas fotos de Guileje e não só, também serão importantes para o espólio do nosso Blogue (e do futuro Museu de Guileje, que os guineenses estão a construir, com a nossa ajuda).

Esperamos breves notícias tuas. Até lá, recebe um abraço da nossa malta e votos de um bom Natal e um novo Ano cheio de saúde.

Carlos Vinhal
Co-Editor
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2898: Efemérides (8): O Cap Zé Neto deixou-nos há um ano (Carlos Vinhal)

Vd. último poste desta série> 12 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3610: Tabanca Grande (104): António Paulo Bastos, 1.º Cabo do Pel Caç 953 (Teixeira Pinto e Farim, 1964/66)

Guiné 63/74 - P3643: As Boas Festas da Nossa Tabanca Grande (8): Vitor Barata, em nome dos Especialistas da BA12 (Bissalanca, 1965/74)



1. Mensagem do Victor Barata, criador e editor do blogue dos Especialistas da BA12, Guiné 1965/74:

Ilustres Companheiros!

Em nome da Tertúlia LINHA DA FRENTE, Especialistas da Base Aérea nº12, quero expressar muitos sinceros votos de Boas-Festas a TODOS os Companheiros que tão dignamente tem colaborado para que a TABANCA GRANDE seja a EXCELÊNCIA dos Blogues referentes ao passado na Guerra da Guiné.

Como os últimos são sempre os primeiros,para vocês, LUÍS, CARLOS e BRIOTE, obrigado por nos manterem vivos neste TO.

Victor Barata

2. Comentário de L.G.:

Adorei o teu/vosso cartão. Obrigado. O especialista da BA12, que esteve em Bissalanca, de 1965 a 1974, é de facto um Zé Especial, muito especial... No TO da Guiné, fez das tripas coração, da penúria imaginação e da crise oportunidade. Aguentámos uma guerra, com poucos meios e para mais obsoletos. Isto era válido para os três ramos das Forças Armadas. Graças ao teu blogue, ficamos tambem a conhecer melhor o que foi Bissalanca e o vosso espírito de corpo, solidariedade e camaradagem. E mais: tu, Victor, fizeste a ponte que faltava entre a malta do ar e a malta de terra... É também como o nosso um blogue de histórias e de afectos.

Não sei quem é o autor do Zé , mas é seguramente um tipo criativo e bem humorado. Fico, pessoalmente, muito satisfeito que o teu blogue já esteja em velocidade de cruzeiro e se tenha criado um tertúlia, com um nome muito apropriado, Linha da Frente...

Durante a minha comissão, de meados de 1969 a Março de 1971, não tive muitos contactos, personalizados, com o Zé Especial, contrariamente ao meu camarada Humberto Reis (igualmente da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) que tinha amigos em Bissalanca... Mas deixa-me fazer minhas as palavras, de admiração, reconhecimento e camaradagem, que o Virgínio Briote, meu querido co-editor e administrador (e grande operacional dos anos de brasa de 1965/66) , escreveu ontem, no teu blogue:

Caro Vítor,

Ver e reparar aeronaves abatidas ou furadas não foi nada de excepcional para os valorosos especialistas da nossa BA12 que, rapidamente, as punham de novo operacionais. Vezes e vezes, ao longo dos anos que durou a guerra, os nossos especialistas se depararam com situações idênticas, algumas com consequências muito mais graves. Para mim foi importante, jovem maçarico, ir num DO à procura das NT, ainda envolvidas na conquista de Canjambari e sair dali vivo, sem saber como, num Dornier todo furado. A categoria do piloto e a calma que aparentava e transmitia transformou o acontecimento num simples episódio, que, no fim, até deu para rir, ao ver o capelão do BCav 490 com as calças todas borradas. Daí o meu interesse em saber do que é feito do excelente piloto.

Tive cerca de 21 meses de actividade operacional. Golpes de mão, heliportagens de assalto, helitransportes para a fronteira Norte (Barro, Bigene, Sitató-Cuntima e outras). Sempre o apoio da FA foi decisivo e constatei sempre o elevado nível do pessoal da BA 12, até por contraste com as forças do Exército. E fui testemunha do vosso trabalho, ao manterem operacionais as aeronaves que levavam a vida aos 'mortos' que viviam dentro dos arames farpados. Evacuações, transportes, correio, alimentos, eram da vossa responsabilidade. Honra vos seja feita. Cumpriram muito bem o que a Pátria de então vos pedia.

A honra é minha, caro Vítor, ao ver o 'Tantas Vidas' anexado ao blogue dos nossos especialistas da BA 12.

Um abraço para ti e para todo os Camaradas da BA 12.

Quanto às festas que se avizinham, meu caro Victor e meu Zé, que sejam como as castanhas: quentes e boas! (*) LG
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior desta série:

16 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3631: As Boas-Festas da Nossa Tabanca Grande (7): Votos de: R.Silva/V.Condeço/P.Neves/ V.Garcia/P.Raposo/A.Paiva/S.Fernandes

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3642: Historiografia da presença portuguesa em África (13): A exótica Bissau do Séc. XVII e o papel de D. Frei Vitoriano Portuense (Beja Santos)

Uma Bissau exótica tirada da lenda e do romance,
segundo um livro extraordinário do Almirante Teixeira da Mota

por Beja Santos (*)

Teixeira da Mota, seguramente o mais importante dos historiadores da Guiné colonial, procurou em As Viagens do Bispo D. Frei Vitoriano Portuense à Guiné contribuir para o conhecimento de Bissau e dos Papéis, um verdadeiro acontecimento cientifico, já que tão pouco se sabia e sabe sobre a sua história até ao século XIX (Biblioteca da Expansão Portuguesa, Direcção de Luís de Albuquerque, Publicações Alfa, Lisboa, 1989).

É um relato fascinante pelo conjunto de registos recolhidos e que têm sobretudo a ver com as últimas décadas do século XVII, período delicado já que os missionários espanhóis estavam a ser substituídos a seguir à Restauração por missionários portugueses. O estudo do Teixeira da Mota envolve a acção missionária, a luta contra os franceses, as alterações nas relações entre os Portugueses e os Papéis, as saborosas descrições de Bissau e da sua fortaleza e o espantoso relato do baptismo do Rei de Bissau, Bacampolo-Có ou D. Pedro.

É lastimável que a nossa cooperação cultural com a Guiné-Bissau não permita uma boa divulgação destes títulos, imprescindíveis para o conhecimento da colonização portuguesa. É hoje um dado aceite que a nossa acção missionária na Guiné foi tímida, descontínua, nunca esteva à altura de superar a força do Islão ou de se ter transformado num esteio cultural.

A mortandade entre os missionários era enorme, sobretudo por causa do clima. Os negociantes das praças e presídios não acatavam muito os missionários, sobretudo quando estes contestavam contra a escravatura.

As viagens do Bispo D. Frei Vitoriano Portuense foram, a vários títulos, um grande acontecimento. Bispo de Cabo Verde, viajou até à Guiné de forma ousada, procurou todos os apoios para fundar igrejas e fazer acolher missionários. Sabia que os Papéis e os Manjacos eram então bastante receptivos à presença portuguesa. O porto de Bissau, reconhecido por todos, estava bem localizado para servir de base de partida e de apoio da navegação costeira e fluvial.

Foi assim que nasceu à volta de Bissau a classe dos grumetes, os aculturados que aceitavam os princípios do cristianismo e que se revelaram indispensáveis para a sua irradiação. Recordo-me que os meus soldados falavam dos cristãos de Geba como aqueles que praticavam o cristianismo, que falavam o português, que trajavam à europeia e que apoiavam a própria administração colonial. Os cabos Domingos Silva, Benjamim Lopes da Costa e José Pereira, do Pel Caç Nat 52, vinham indiscutivelmente desta linhagem.

Os relatos comentados por Teixeira da Mota deixam bem claro como o povo e o porto de Bissau era um dos mais importantes núcleos da presença portuguesa e cristã na Guiné: por ali passaram os primeiros jesuítas, como o Pe. Manuel Álvares, em 1607, que deixou um informação muito rica sobre os Papéis; por Bissau passou o franciscano Fr. André de Faro, em 1663 e a seguir vários capuchinhos espanhóis, e contemporâneos da sua presença temos a actividade comercial dos franceses em Bissau, estes, mais que os Ingleses e Holandeses procuraram liderar o negócio da escravatura para abastecer as Antilhas francesas.

Com a Restauração, constitui-se a capitania de Bissau para protecção do rio Grande (hoje o rio Geba) que ficou numa fortaleza custeada pela Companhia de Cacheu e Cabo Verde. O bispo efectuou a sua primeira viagem à Guiné em 1694, tendo visitado Bissau, Geba, Cacheu, Farim, Xime e Boloura, registando um número de cristãos existentes, várias centenas.

O filho do rei de Bissau é enviado para Lisboa, aqui é baptizado com toda a pompa, tratado como um príncipe pelo rei D. Pedro II. O relato do baptismo é uma peça literária, mas pertence a outro autor. D. Frei Vitoriano Portuense volta à Guiné em 1696. Já tinha falecido Manuel de Portugal, o filho do rei de Bissau, o próprio rei tinha adoecido gravemente e queria ser baptizado. Bacampolo-Có pede antes de morrer que queria ser sepultado em terra de cristãos e pedia par não matarem os seus escravos.

O relato do bispo de Cabo Verde é de uma grande importância pelas expectativas que abre para a acção missionaria, confere grane importância ás relações estabelecidas com vários reis que aceitam converter-se ao cristianismo.

Teixeira da Mota chama depois à atenção para a presença dos franceses em Bissau, as visitas efectuadas por alguns viajantes franceses, o manifesto antiesclavagista dos últimos capuchinhos espanhóis de Bissau e atribui grande valor aos relatos dos jesuítas que tentaram implantar-se na região, sem êxito.

Depois do estudo propriamente dito, Teixeira da Mota publica a tradução dos seguintes textos: A ilha de Bissau segundo o Padre Manuel Álvares; Relato da primeira viagem do Bispo D. Fr. Vitoriano Portuense à Guiné (1694); A primeira viagem do Bispo D. Fr. Vitoriano Portuense à Guiné e o baptismo em Lisboa de D. Manuel de Portugal, filho do rei de Bissau, segundo o opúsculo de 1695; relato do baptismo de D. Pedro, rei de Bissau, e do começo da segunda viagem à Guiné do Bispo D. Fr. Vitoriano Portuense (1696); A Ilha de Bissau na relação da viagem de La Courbe (1686-1687); O manifesto antiesclavagista dos capuchinhos espanhóis de Bissau de 1686.

Só duas ou três pinceladas sobre a qualidade e importância dos textos. O padre Manuel Álvares refere-se à Ilha de Bissau do seguinte modo:

“A terra é sadia, gracioso o sítio e aprazível por causa do vário arvoredo e abundância de água, que tem a ilha suficiente quantidade dela. È benemérita esta de todos, por a terem aqui os passageiros como estalagem ou quinta de refresco, onde as embarcações se provêm de aguada e mais necessário para o cumprimento da viagem, que o tem a terra, sendo abundantíssima do vários mantimentos, como arroz, funde, feijão, inhame, abóboras, muito vinho”.

Escreve D. Fr. Vitoriano Portuense em 1694:

“É este gentio de Bissau bem inclinado; Tem grande pretensão para a cristandade. O que a chegou a receber não tornou mais a recalcitrar, o que não se acha em outras nações. O cabo daquela povoação trouxe a ser cristãos todos os seus parentes, e, não querendo a vir ser sua mãe, dizendo que era velha, tinha mais de 70 anos, respondendo o filho que, se ela não viesse, tornaria a vestir a pele e a ser gentio, convenceu a mãe e a trouxe consigo, e eu a crismei nesta visita”.

Da viagem de D. Fr. Vitoriano Portuense de 1696 dirigida ao rei de Portugal:

“ De tudo o que tenho referido pode V. Majestade conhecer a boa disposição em que está esta seara, por se colherem dela muito copiosos frutos, para o que é necessário venham trabalhadores, e sobretudo um bispo caritativo e zeloso, como já em outra ocasião disse a V. Majestade e agora o torno a repetir, por quanto o bispo da ilha de Santiago não pode, ainda que queira, cultivar esta nova vinha. E considerando eu a grande necessidade que têm estas pobres almas de quem lhes reparta o pão da doutrina cristã, peço a V. Majestade, com todo o rendimento, me maça mercê aceitar a saída do bispo de Santiago, para que vindo, não bispo, mas missionário, para estas partes, nelas passe o que me resta da vida”.

Comprei este livro numa loja da Worten por 2.99€.

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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste de 12 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3607: Historiografia da Presença Portuguesa (13): Cónego Marcelino Marques de Barros (1844-1928) (Beja Santos)