quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6961: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (11): Tempo presente, tempo de viver

1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 6 de Setembro de 2010:

Caros camarigos editores
Confesso que já não sei em que série cabem este escrito e mais outro que vos hei-de enviar.
Sei que foram suscitados pela publicação dos outros anteriores e por isso talvez coubessem num título 20 ANOS DEPOS DA GUINÉ À PROCURA DE MIM - O TEMPO PRESENTE
Mas como sempre o critério de publicação, se, quando e como, fica ao vosso encargo.

Um abraço forte e camarigo para todos do
Joaquim


DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

O TEMPO PRESENTE (1)

TEMPO DE VIVER

Corre-me o tempo
por entre os dedos da mão.
Solta-se-me a vida,
num sopro,
num suspiro do coração.
Faz-se-me pensamento,
uma qualquer louca ideia,
trazida por um qualquer vento.
Abre-se-me o sorriso,
talhado por machada aguçada,
sobre os meus lábios fechados.
Encontra-me a paz,
num perfeito,
e prolongado abraço,
porque já pude escrever,
o que me foi no coração,
em noites de não saber,
se me feria o bruto aço,
de recordação magoada,
ou a memória esquecida,
do que não queria esquecer.

Mas será que perceberam,
que eu já andei perdido,
à procura do meu nada,
em noites de terrível insónia,
a suar o já suado
medo que me atormentava,
num tão recente passado,
feito de longas esperas,
atrás de árvores deitado,
de alguém que por ali passasse
apenas para ser “acabado”?

Mas será que entenderam,
as horas amargas passadas,
em matas que não conhecia,
e que nada tinham a ver,
com o Pinhal de Leiria?

Mas será que compreenderam
que coisa medonha é a guerra,
que se agarra ao nosso ser,
toma-nos conta da vida,
faz parte do nosso dormir,
chora-nos quando acordados,
e persegue-nos para sempre,
até nos darmos à terra?

Eu sei que é muito difícil
a quem não viveu assim,
perceber o medo entranhado,
vencido pela coragem,
que mais parece loucura,
do que atitude segura,
que nos imprime uma marca,
tão invisível,
mas presente,
que faz os outros pensarem
o que fez tão louca,
esta gente!

Que linguagem é esta,
que brota dos nossos lábios,
incompreensível aos outros.
As palavras são as mesmas,
mas têm um significado
que só nós podemos entender.
E por vezes,
oh, coisa estranha,
vem misturadas com outras,
palavras “arremedadas”,
dum português africano,
precisas para perceber,
aqueles que connosco estiveram,
lá longe, tão longe,
que já não os podemos ver.

Tens que te adaptar,
força-me a vida,
julgando ser fácil esquecer,
aquilo que não quero lembrar.
Ou talvez queira,
sei lá eu bem,
nesta vida em turbilhão,
em que não me reconheço,
perdido na multidão.

Fecho as mãos,
fecho os dedos,
com força,
até doer,
para que o tempo não escape,
ao tempo que ainda tenho,
e que tenho de viver,
pelo menos numa homenagem,
àqueles que “vi” morrer.

Monte Real, 2 de Agosto de 2010
JMA
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6922: Blogoterapia (157): Ai, Timor (J. Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 10 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6842: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (10): Os meus fantasmas

Guiné 63/74 - P6960: Em busca de ... (144): O alferes médico miliciano da CCAÇ 153, Fulacunda, 1961/63 (George Freire)

1. Mensagem do nosso camarada George Freire, que vive nos EUA (e de quem já reproduzidos aqui um notável vídeo dos seus tempos de Guiné, 1961/63):

Data: 10 de Julho de 2010 16:05
Assunto: CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/73)


Caro Luis,


Obrigado pelo interessante e-mail sobre a CCAÇ 153.

Como sabes, embora eu tenha feito parte da organização da companhia em Vila Real com o Cap Curto, (partimos para a Guiné de avião no dia 26 de Maio de 1961), só estive em Fulacunda cerca de 2 ou 3 meses, pois fui promovido a capitão e segui logo para Bissau depois Gabu e depois os últimos 6 meses em Bedanda.

Explorei todas as fotos mas infelizmente ninguem reconheci.

No entanto queria pedir-te um favor. O médico da companhia, (alferes miliciano), cujo nome não me consigo recordar, era um gajo porreiro e criamos uma boa amizade. Seria possível ajudares-me a contactá-lo?

Ele serviu na companhia desde Maio de 1961 a Julho de 1963. Eu deveria saber o seu nome, mas já se passaram 48 anos e a idade não ajuda a memória...

Um abraço,

George Freire

_____________

Nota de L.G.:

(*) Último poste da série > 9 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6959: Em busca de... (143): Pessoal da CCAÇ 153, Fulacunda, 1961/63: João Baptista, Octávio do Couto Sousa, José Teixeira da Silva, José Carreto Curto...

Guiné 63/74 - P6959: Em busca de... (143): Pessoal da CCAÇ 153, Fulacunda, 1961/63: João Baptista, Octávio do Couto Sousa, José Teixeira da Silva, José Carreto Curto...



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > CCAÇ 153 (1961/63) > 

"Após 45 anos ainda identifico o que está de pé ao centro: furriel miliciano João M C Baptista; naturalmente e para os mais distraídos, da figura só o nome restou até ao dia de hoje. Na altura da desmobilização no RI 13 em Julho de 1963, nas costas de uma foto igual à presente, anotei o nome bem como os endereços de todos, nota que há muito teria facilitado a minha tarefa de contacto mas que desapareceu dos meus arquivos. Será que alguém pode ajudar? (...)  

"O Primeiro pelotão era comandado pelo Alferes Virgolino, Furriéis:  Melo (Ericeira), João Baptista (S. Miguel), José Fernandes" (...).



"CCAÇ 153: Desfilando em Vila Real 30/08/1963.  Reconhece-se o seu comandante à frente do porta bandeira"


Vila Real > CCAÇ 153 > "Missa de acção de Graças,  Agosto de 1963".

Fotos (e legendas): © João Baptista / Blogue Fulacunda (2009). Todos os direitos reservados. Cortesia da família.

1. Mensagem de L.G., dirigida a João Baptista, autor do blogue Fulacunda, com intenção de lhe pedir autorização para reproduzir algumas fotos suas e convidá-lo a ingressar na nossa Tabanca Grande:

Data: 9 de Julho de 2010 12:43

Assunto: CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63)

 Meu caro João Baptista [ na foto, à esquerda, na recruta, em Mafra, 1959]:

Tento tentado, em vão, ligar para o seu nº  telefone de casa.  Deixei uma mensagem no "voice mail". Tento agora entrar em contacto consigo por esta via. O meu nome é Luís Graça, sou o fundador e um dos editores do maior blogue sobre a guerra colonial na Guiné.

Quero dar-lhe os parabéns pela sua iniciativa de juntar a rapaziada de Fulacunda, através do seu blogue.

Gostaria de poder falar consigo ao telefone sobre os primeiros tempos da guerra e sobre a acção da vossa CCAÇ 153, no sul da Guiné. Um dos camaradas do nosso blogue é o Carlos Cordeiro, que é professor na Universidade dos Açores, fez a guerra de Angola e teve um irmão, capitão pára-quedista, João Cordeiro, que infelizmente morreu lá, de acidente com pára-quedas, em 1974. Vou pedir ao Carlos, também para o contactar, utilizando o seu telefone e eventualmente a sua morada, que está publicitada no seu sítio, na Net (...).

Espero que esteja bem de saúde. Espero que um dia destes falar um com o outro. O Henrique Cabral, autor do blogue Rumo a Fulacunda, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420 (1965/67), é também membro do nosso blogue.

Veja no nosso blogue referências à CCAÇ 153 (que eu sei tinha poucos açorianos…):

Um abraço. Luís Graça

2. Na mesma data dei conhecimento do teor da mensagem suprea ao nosso camarada Carlos Cordeiro (bem como ao Henrique Cabral):

Carlos: Vê o que podes saber... O blogue Fulacunda está parado desde 14 de Maio de 2009... Gostava de pedir ao João (sargento reformado, açoriano) autorização para publicar um ou duas fotos... E de falar com ele ao telefone. Tento tentado ligar, já quatro ou cinco vezes, para o nº telefone fixo... Ainda viverá no mesmo sítio ?

Um abraço. Desculpa o abuso. Luís

3. Infelizmente, aquilo que eu suspeitava, tinha acontecido: o João Baptista (ex-Fur Mil da CCAÇ 153, açoriano) já havia morrido, nesse ano, de doença prolongada.  Não chegara a realizar o seu sonho, que era a de poder juntar, pela 1ª vez, o pessoal da sua CCAÇ 153, ao fim de quase meio século. Para tanto, fora juntando, desde Agosto de 2006, os "cacos da memória", as fotos amarelecidas, os nomes, os lugares, as datas...

A viúva teve a gentileza de me telefonar para casa. Infelizmente não fui que a atendi, por não estar em casa. Deu o contacto de um amigo e camarada do seu marido, também ele  açoriano (embora residente no Continente, mas passando em S. Miguel uma parte do ano) com quem, aliás,  me pus em contacto e a quem convidei para integrar o blogue.

A viúva autorizou-me igualmente a usar as imagens inseridas no blogue Fulacunda. É minha intenção homenagear o camarada João Baptista (, de seu nome completo, João Manuel Carreiro Baptista), associando o seu nome ao nosso blogue, se para tal tiver o consentimento da família. Os seus esforços para juntar os seus camaradas da CCAÇ 153 devem ser conhecidos e divulgados, sendo credores do  respeito e apreço de todos nós.

Entretanto, dos blogues Fulacunda e Rumo a Fulacunda (este do Henrique Cabral) eu já havia seleccionado dois comentários de gente que pertencera  à CCAÇ 153 e que respondera à chamada do João Baptista, para além de um comentário do próprio:

João Baptista
25 de Agosto de 2006

Esqueci: esqueci datas, esqueci nomes e rostos, esqueci situações agradáveis e desagradáveis. Tentei esconder uma vida estranha e eis que com a ajuda de fotografias desbotadas com 45 anos, sobram os cacos de algo que a nossa memória não apagou: uma dor num dente durante toda a viagem de Lisboa, Leixões, Funchal, Mindelo, Praia e Bissau, 10 dias num barco que se chamava Alfredo da Silva, nome registado numa foto no dia do embarque em Lisboa em Junho de 1961, bem como uma amiga, o Octávio e familiares da sua esposa. Como vou editar esta foto?

Complicada a transição do ar condicionado vivido a bordo para o calor e humidade em terras da Guiné Bissau, onde por artes mágicas desapareceu a dor do dente.

E eis que pela primeira vez ouço falar em Fulacunda: sede de concelho,  com uma rua principal com 200 metros,  onde estavam  implantadas as residências Administrativas, o posto dos correios, uma praça com rotunda e algumas das instalações do futuro quartel da CCAÇ 153.

Julgo que foi nos primeiros dias do mês de Julho de 1961 que eu, incorporado no primeiro pelotão iniciamos a viagem por mato que duraria cerca de 12 horas até Fulacunda . Foi naturalmente a primeira demonstração de força bélica que o indígena de então sentiu, com a passagem de uma coluna militar com cerca de 30 viaturas ligeiras e pesadas, carregadas de material, reboques com água, cozinhas e soldados com as suas fardas amarelas de passeio. As fardas de campanha ou camuflados, só mais tarde foram atribuídos.

Fico por aqui juntando os cacos.  Um abraço

Octávio do Couto Sousa

2 de Outubro de 2008

(...) Caro Henrique: Percorri demoradamente as fotos e respectivas legendas do “Rumo a Fulacunda” ao mesmo tempo que dialogava com o nosso JMCBaptista, iniciador do blog Fulacunda.

(...) A Companhia 153 proveio do RI 13, de Vila Real, com cabos e praças daquelas redondezas, alguns com nomes das suas terras, o Vila Amiens, o Chaves,  etc. Como disse no primeiro escrito, foi uma pena termo-nos separado em Vila Real, terminada a comissão, desejosos todos de partir para as nossas famílias, sem o cuidado de trocar endereços que nestes anos seriam preciosos para nos reencontrarmos. A maioria dos oficiais e sargentos foram mobilizados de outras zonas. No nosso caso e do JMCBaptista,  estávamos já na disponibilidade e a viver nos Açores.

O nosso comandante de companhia foi o Capitão, hoje General, José dos Santos Carreto Curto.

Fomos a única companhia em todo o Sul da Guiné em 1961, com um pelotão em Buba e uma secção em Aldeia Formosa. Tivemos depois um pelotão em Cacine. Estivemos também aquartelados em Cufar numa fábrica de arroz, assim como em Catió, até que tudo se agudizou em termos operacionais. Para Buba chegou uma companhia, a 154, outra para Cacine e por muitas outras localidades foram chegando mais unidades consoante a guerra se intensificava.

As fotos mostram o quartel de Tite onde se instalou o primeiro Batalhão, o 237, ao qual passámos a pertencer como tropa operacional e por questões de organização.

Acompanhámos o primeiro ataque a Tite [, em 23 de Janeiro de 1963,], de Fulacunda sairam reforços nos quais estivemos integrados, visto que o Batalhão, como sede, não estava ainda operacional.

A nossa companhia, a 153,  acabou por ficar toda junta e em várias missões percorremos todo Sul na busca e destruição das casas de mato que o PAIGC proliferava por tudo quanto eram zonas mais ou menos isoladas. (...)

José Teixeira da Silva

2 Janeiro 2009

(...) Prezados amigos e companheiros: há quarenta e sete anos, que procuro por toda a parte deste país, notícias da Companhia de Caçadores, n.º 153/59. Em vão procurei encontrar as moradas dos meus companheiros de 'route' [,estrada,] sem resultado. Tendo como base o nome do nosso Comandante de Companhia – capitão José dos Santos Carreto Curto – vi o seu nome há dois anos, integrado no quartel de Santa Margarida, já com a patente militar de Brigadeiro, pensei em contactá-lo mas não o fiz. Não sei explicar porquê, mas enfim, a verdade é que não dei um passo para o fazer. (...)

4. Na Net também encontrei uma notícia sobre o antigo capitão da CCAÇ 153 (que nunca mais se terá cruzado com os homens  de Fulacunda, depois do regresso a casa, a Vila Real, em Agosto de 1963):

Com a devida vénia, transcrevo do blogue Memória Recente e Antiga, criado e mantido por João José Mendes de Matos (n. Castelo Branco, 1935;  colega de escola e de juventude do futuro Cap José Curto, hoje general, reformado; professor de liceu em Setúbal, reformado) o teor de um recorde de jornal.


Cortesia do Blogue Memória Recente e Antiga > 14 Abril 2008 > Capitão Carreto Curto


Trata-se de uma cópia da publicação, em jornal, da entrevista dada em Bissau, pelo Cap Inf José dos Santos Carreto Curto, em 20 de Março de 1963, a um jornalista da ANI - Agência de Notícias e Informação

O então Cap Inf José Curto, comandante da CCAÇ 153 (Bissau, Fulacunda, Bissau, 27/5/1961 - 24/7/1963), fora dado como morto pela propaganda do PAIGC (ou por boatos propalados através da Rádio Conacri), depois de feito prisioneiro pelo PAIGC, levado para Conacri, julgado em Tribunal Revolucionário e executado... Natural de Castelo Branco, é hoje general na reforma e tem uma brilhante carreira militar.

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Bissau, 20 - Está vivo, está em liberdade, está de óptima saúde, encontra-se presentemente em Bissau e foi entrevistado pelo correspondente da ANI, o capitão José dos Santos Carreto Curto, de quem um comunicado do PAIGC, ou "Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde", organização subversiva com sede em Conakri, disse que fora preso pelos terroristas, os quais o teriam executado, depois de o haverem submetido a "julgamento em tribunal marcial".

Esse comunicado foi oportunamente desmentido, aliás, pelo Serviço de Informação Pública das Forças Armadas.

O comunicado do PAIGC não surpreendeu o oficial.

Declarou o capitão Carreto Curto:

"Poderia pensar-se que o comunicado recentemente difundido pelo PAIGC, com base em Conakri, me teria surpreendido. Não foi, no entanto, esse, o caso".

O Capitão Carreto Curto prosseguiu:

“O conhecimento progressivo que, durante vários meses me foi dado adquirir, no contacto com populações que sofreram o aliciamento dos chamados movimentos de libertação, no contacto com agentes (responsáveis) desses movimentos, que me revelaram as técnicas que usam e em que foram doutrinados, no exame dos comunicados já anteriormente emanados pelo PAIGC, levou-me apenas a aceitar a notícia em questão como 'mais uma'.

'Mais uma' em que os processos se repetem e que têm cabimento perfeito e ajustado no âmbito das técnicas de propaganda destinadas a conseguir determinados objectivos. Estes objectivos que, na sucessão, definem diferentes fases de todo um plano devidamente arquitectado, têm uma importância e interesse, para os quais não pode haver obstáculos ou objecções.”

“A Mentira é evidente”

O sr. Capitão Carreto Curto disse ainda:

“No comunicado em causa não foi obstáculo a inveracidade dos factos nele relatados. Interessava, sim, convencer a opinião pública da existência de um determinado problema e que o público dele tomasse conhecimento. O objectivo foi, assim, atingido. Pergunto a mim mesmo se terá interesse referir factos, narrar acontecimentos, que possam definir toda a verdade e separá-la da mentira do comunicado. No entanto, julgo que a verdade de eu estar vivo é suficiente, visto que o facto não permite dúvidas, nem duplas interpretações. A mentira é evidente.

Resta apenas a realidade do objectivo do comunicado do PAIGC. Serão o juízo e opinião de cada um que lhe vão ou não conferir o valor positivo que o comunicado pretendeu alcançar ou o valor negativo atestado, pela verdade dos factos.” – (ANI)

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Nota de L.G.:

Último poste da série > 6 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6943: Em busca de... (142): 1.º Cabo Dório da CCAÇ 2571, Guiné, 1969/71 (João Manuel Mascarenhas)

Guiné 63/74 - P6958: Algumas fotos de camaradas do BCAÇ 3872 (Manuel Carvalho Passos)

Lisboa > 18 de Dezembro 1971 > Militares do BCAÇ 3872 a bordo do navio Angra do Heroísmo


1. Mensagem de Manuel Carvalho Passos*, ex-Soldado do Pel Rec do BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/73, com data de 4 de Setembro de 2010:

Camaradas
Vamos lá ver se começo a fazer o trabalho de casa, pois também tenho histórias para contar da minha passagem pela Guiné.

Quando no dia 24 de Dezembro de 1971 cheguei a Guiné, juntamente com o BCAÇ 3872, fui logo para Cumeré.
O calor era tanto só queríamos estar debaixo dos chuveiros, e nunca mais me esquecerei daquele espaço dos chuveiros em que o chão era liso e escorregadio.

Fincávamos os pés numa parede e empurrávamos o corpo para a outra parede. O Ivo, o Ferreira, o Silva, o Caramba, o Léo e eu brincávamos como se fôssemos meninos de escola. O nosso amigo Juvenal ainda não estava bem dentro do sistema do PEL REC, mas passado uns dias, já era nosso professor nas mais variadas brincadeiras.
Não era este santo que nos parece agora, nem nós éramos os santinhos que tentamos fazer crer aos nossos filhos, mas camaradas, são essas brincadeiras que hoje, quando nos juntamos nos almoços anuais, são os temas principais das nossas cavaqueiras . São os momentos de brincadeiras e alegria que temos que recordar, para continuarmos a viver sem pesadelos, porque a vida não é fácil.

Tentamos assim dar uma ideia aos nossos amigos e familiares que somos normais, não como ex-combatentes que nos querem e como apanhados pelo stress da guerra, para justificarem as injustiças que nos fazem.

Tanto suor e sangue deram pelo país para hoje serem esquecidos pelos nossos ilustres políticos, mas adiante. Vamos mas é falar de nós que somos os verdadeiros artistas.

Amigos, anexo umas foto dos, na altura, periquitos em GALOMARO, a caminho do café do Regala, que se não estou errado, era o nome do café.

Nas próximas histórias o dito café aparecerá mais vezes.

Por hoje fico por aqui.

Sem mais, por agora um grande abraço a todos os camaradas sem excepção.
Manuel Passos

Do lado esquerdo: Passos, Ferreira Silvestre, Sertã, Caramba. Do lado direito: Félix, Furriel Santos, Castro e Sacristão.

Os periquitos: Sertã, Ivo, Passos, Leo, Canário e Amado, a caminho do regado
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6166: Tabanca Grande (212): Manuel Carvalho Passos, Pel Rec Inf/CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/73 (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P6957: Ser solidário (85): Saneamento básico em Bissau: dúvidas de amigos brasileiros


Guiné-Bissau > Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > 1 de Agosto de 2010 > Título da foto: Amindara vai ter água potável; Data da foto: 25 de Junho de 2010; Palavras-chave: Saúde familiar.

"A Associação Tabanca Pequena [de Matosinhos,] Portugal, garantiu o financiamento da construção de um poço de água à tabanca de Amindara, no Parque Nacional de Cantanhez, dotando-o de um sistema de captação solar.



"Era a principal dificuldade da população desta tabanca, que vai passar a dispor de água de boa qualidade para o seu consumo e higiene pessoal, assim como para a rega de legumes durante a época seca.

"De registar que um dos principais sinais da mudança climática na Guiné-Bissau é a rápida baixa do lençol freático nos poços, ou mesmo a sua seca logo no primeiro trimestre do ano. Este tipo de apoios é o mais solicitado pelas populações locais".

Foto (e legenda): Cortesia de AD - Acção para o Desenvolvimento (2010). Todos os direitos reservados

1. Mensagem de Isabel Araújo
Data: 9 de Setembro de 2010 02:00
Assunto: Saneamento básico em Bissau- dúvidas dos Brasil[eiros]


Olá, camarada da Guiné!
Somos brasileiros e estamos participando de um concurso de projeto para uma escola no bairro de São Paulo em  Bissau.
Apesar de muitas buscas por informações sobre as condições sanitárias e a cultura construtiva da região, ainda não encontramos muitas informações.

Pode nos ajudar?
Nas regiões alagadiças (7 metros acima do nível do mar), os terrenos permanecem alagados por toda a estação das chuvas?  O nível da água costuma ser alto?
Qual o tipo de instalação feita para os banheiros, latrinas e chuveiros onde não há rede de esgoto? É comum usarem fossas? De onde puxam água para uso residencial e para onde canalizam os dejetos?
Caso não saiba, conhece alguém da cidade ou do bairro que poderia nos ajudar/informar?
Saudações!
Isabel de Lourdes Araújo
Ligia Almeida Souza
Fernanda Mendes e Silva
Henrique Francesconi Scarabotto

2. Comentário de L.G.:

Cara Isabel, é um prazer podermos comunicar em português e um privilégio fazermos parte de uma cada mais dinâmica e orgulhosa comunidade de falantes da língua a que pertencem escritores de talento, universais, como por exemplo Cecília Meireles, João Ubaldo Ribeiro, Herberto Helder, Mário Cláudio, Mia Couto, José Craveirinha, Eugénio Tavares, Ondjaki, Pepetela...

O seu pedido fica no ar, certamente que haverá na nossa comunidade bloguística que se aproxima já do meio milhar de membros,  gente com saber e  competência (nas áeras da saúde pública, engenharia sanitária, arquitectura, planeamento urbano...) para lhe dar a informações que nos pede. Somos um blogue essencialmente de memórias mas também também de afectos e de solidariedade(s) (*). Desejo-lhe, a si e à sua equipa, boa sorte no concurso. L.G.

PS - Sugiro-lhe que, em Bissau, contacte também os nossos amigos da ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento.
__________

Nota de L.G.:

(*) Último poste desta série > 5 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6939: Ser solidário (84): Sarau cultural para angariação de fundos a favor da Guiné-Bissau (José Teixeira / José Rodrigues)

Guiné 63/74 - P6956: Notas de leitura (147): A Tradição da Resistência na Guiné-Bissau (1879-1959), por Peter Karibe Mendy (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Agosto de 2010:

Queridos amigos,
Era indispensável uma referência ao trabalho do Peter Mendy, a adaptação da sua tese de doutoramento, a despeito de enormidades panfletárias inaceitáveis a um investigador com os seus pergaminhos, é de uma grande importância para se entender a vida intranquila da presença portuguesa até 1936, e depois.

Um abraço do
Mário



A tradição de resistência na Guiné-Bissau
(1879-1959)


Beja Santos

O livro “Colonialismo Português em África: A Tradição de Resistência na Guiné-Bissau (1879-1959)” é uma versão adaptada da tese de doutoramento apresentada por Peter Karibe Mendy na Universidade de Birmingham, Inglaterra (editado pelo INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Bissau, 1994).

A ideia principal que o estudioso desenvolve na sua tese é de que a luta armada empreendida no país entre 1963 e 1974 deve ser interpretada como a culminação de uma longa tradição de resistência dos povos da Guiné. Os portugueses encontraram uma oposição feroz entre os africanos pelo que procuraram estabelecer relações amigáveis com alguns desses povos. Com altos e baixos no relacionamento, com base em compromissos sempre instáveis, construíram-se fortes em Cacheu e Bissau, mais tarde as bases comerciais ampliaram-se até ao Sul e ao centro da Guiné. Recorreram, não poucas vezes, ao uso de alianças de etnias contra outras. Os colonos brancos não tinham saúde para estar muito tempo expostos ao clima duríssimo da Guiné pelo que precisaram da colaboração dos cabo-verdianos, regra geral bem preparados em termos culturais.

Peter Mendy começa por fazer uma introdução sobre a tradição de resistência ao domínio colonial na África negra e a curiosidade, em muitos casos, é da cronologia dos acontecimentos (rebeliões, resistências, revolta das elites, greves...) coincidir com os diferentes territórios coloniais. Em seguida apresenta os povos e sociedades da Guiné e o povo de Cabo Verde, distinguindo os dois processos de colonização e destacando a questão fundamental do mestiço culto de Cabo Verde.

Entrando propriamente dos antecedentes da resistência na Guiné, descreve o estabelecimento da capitania de Cacheu, os presídios de Farim e Ziguinchor, a fortificação de Bissau (sobretudo ao tempo da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, acontecimentos que ocorrem fundamentalmente entre os séculos XVI e XVIII.

Que toda esta presença era frágil e contingente atesta o chamado desastre de Bolor ocorrido em 1878, um massacre perpetrado pelos Felupes. Em 1879 a Guiné separa-se de Cabo Verde e devido aos ditames da Conferência de Berlim (1884 – 1885) Portugal foi obrigado a proceder à ocupação efectiva das suas colónias. É este o período melhor documentado da resistência dos povos da Guiné. A região do Geba vai estar no centro dos primeiros grandes incidentes. Os povos da região, sobretudo os biafadas puseram a região a ferro e fogo e cortaram a navegação, com trágicas consequências para a economia da colónia. Em 1886, a 12 de Maio, é assinado o tratado Luso-Francês pelo qual a França passou a controlar o território a Norte do Rio Cacheu e a Sul do Rio Cacine. É nesta fase que as autoridades de Bolama fazem e desfazem alianças e para aplicar correctivos ou punir insubordinações recrutam numerosas forças de auxiliares fulas e mandingas. O autor enumera as diferentes campanhas punitivas com resultados sempre precários ou por vezes gravemente desfavoráveis para Portugal.

A situação muda substancialmente com as campanhas de pacificação ou de conquista militar. De 1913 a 1915, o capitão Teixeira Pinto com o apoio de Abdul Injai consolida posições em Mansoa e no Oio, depois reprime os manjacos, os cancanhas, os balantas e os papéis. Contribuiu para o sucesso o uso de armamento moderno e a total incapacidade dos resistentes constituírem uma frente unida. A segunda campanha de pacificação irá centrar-se nos Bijagós entre 1917 e 1936. Foi assim que terminou a resistência armada ao colonialismo português que pôde passar a aplicar uma nova doutrina: lógica de missão civilizadora, definição do indigenato (até com a legalização do trabalho forçado), criação de figuras como os civilizados, os assimilados e os indígenas. É nesta época que começam a preponderar os funcionários coloniais cabo-verdianos, muitas vezes mais escolarizados que os brancos e por vezes dotados de uma brutal mentalidade racista.

E estamos chegados a uma nova fase colonial, de ascensão nacionalista, com um novo quadro económico, um compromisso entre a exploração dirigida por escassas empresas e o apoio das autoridades gentílicas. Tratou-se de uma economia colonial limitada ao descasco do arroz, extracção de óleos de amendoim e palma, produção de sabões e madeiras. Entrara-se num patamar de contestação aos impostos, ao trabalho forçado, ao serviço militar e é nesse contexto que vai emergir a subversão e a contestação directa cujo expoente mais chocante é dado pelo massacre do Pidjiquiti. É nesse contexto que muito provavelmente se poderá analisar a adesão de grandes grupos populacionais à luta armada, sobretudo o que se passou no Sul da Guiné, logo em 1963. Os insurrectos eram os mesmos de sempre, camponeses tratados como bestas de carga. Ao tempo em que eclodiu a luta, os manjacos tal como os Felupes preferiram a neutralidade e os fulas e mandingas puseram-se do lado português. Mas isso são questões que já não cabem no historial da resistência, com base na história de longa duração.
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Nota de CV:

Vd. poste de 8 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6950: Notas de leitura (146): A Questão de Bolama, de António dos Mártires Lopes (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6955: Memória dos lugares (98): Xitole e Ponte Carmona sobre o Rio Corubal, Abril de 2010 (Eduardo Campos)


1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, enviou-nos, em 30 de Agosto, mais uma mensagem narrando-nos mais alguns pormenores da sua recente viagem à Guiné.

Xitole e Ponte Carmona - Abril 2010
Camaradas,

Depois de umas férias aí vão mais algumas fotos da minha viagem à Guiné.

No Xitole não foi possível tirar fotos pois é quartel das F.A.G. (Forças Armadas da Guiné).

O José Rodrigues, que tinha cumprido a sua comissão no Xitole, conhecia a poucos quilómetros desta localidade, o que resta de uma ponte de nome Carmona e, através de uma picada bem dura, na qual até troncos tivemos de deslocar (para ser possível a progressão), conseguimos chegar lá e passar à “descoberta” da mesma.

Chegados à margem do rio Corubal encontramos a dita ponte, que segundo informações (contraditórias), foi construída nos anos 30 e, mais tarde, destruída pelas NT.

A ponte é muito bonita e as fotos que anexo não mostram a beleza dos seus arcos.














Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Telegrafista da CCAÇ 4540
Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. também sobre a Ponte Carmona o poste de:
Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P6954: Parabéns a você (149): Nossa amiga tertuliana Filomena Sampaio (Editores)

Estamos aqui, neste dia 9 de Setembro de 2010, a festejar o aniversário da nossa amiga tertuliana Filomena Sampaio*, esposa do nosso camarada Manuel Castro Sampaio, ex-1.º Cabo TRMS que pertenceu à CCS/BCAÇ 3832 (Mansoa, 1971/73), infelizmente falecido, não há muitos anos.

Manuel Sampaio nunca fez parte da nossa Tabanca Grande, mas em compensação temos o grato prazer de ter connosco, desde Maio de 2009, a sua companheira de jornada.

Como a vida tem que continuar apesar dos momentos trágicos, infelizmente inerentes, desejamos à nossa amiga Filomena o melhor dia de anos possível, junto das suas filhotas, e demais familiares e amigos.

Como vai continuar a participar com os seus comentários sempre oportunos e neutros, sem a paixão própria de quem viveu os momentos menos bons daquela guerra, marcamos desde já encontro para os próximos anos.
Cada dia que passa, o número de amigos que aqui tem aumentará, sendo maior o carinho e a consideração que lhe dedicaremos.


Cara Filomena, receba um enorme abraço dos homens e mulheres que compõem a tertúlia do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, e votos de uma longa vida cheia de saúde.

Os Editores
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6688: In Memoriam (47): Manuel Castro Sampaio, ex-1.º Cabo de Transmissões da CCS/BCAÇ 3832, Mansoa, 1971/73 (Filomena Sampaio)

Vd. último poste da série de 5 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6936: Parabéns a você (148): José Marcelino Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5 (Os Editores)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6953: Estórias avulsas (41): A captura do incaracterístico guerrilheiro Malan Mané, no decurso da Op Nada Consta (Salvador Nogueira)



A Guiné "by air"... Um privilégio que não era para todos... O custo/hora de um helicóptero era equivalente ao vencimento (mensal) de dois alferes milicianos, cerca de 15 contos, no princípio de 1969... Foto do ex-Fur Mil Ap Inf Arlindo Teixeira Roda (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) que deve ter apanhado uma boleia até Bissau...

Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


A. O nosso leitor SNog [Salvador Nogueiera,], no seu "auto-exílio" na província, é avesso a publicidade, e raramente me autoriza a publicar as mensagens que trocamos há já uns bons tempos (*). 

Em 30 de Julho de 2009, veio à baila a Op Nada Consta, em que ele participou como oficial pára-quedista do BCP 12, quando passou pelo TO da Guiné, em 1969. Mandou-me então a narrativa da captura do "incaracterístico" roqueteiro Malan Mané, que haveria mais tarde de ser ferido ao meu lado, na Op Pato Rufia, em 7 de Setembro de 1969... Nessa altura o SNog não me autorizou a sua divulgação, por razões que só ele conhece, e que entende não explicitar (nem eu sequer lhas perguntei).

Mais recentemente (7 de Julho de 2010) o SNog terá mudado de ideias, ao escrever-me o seguinte, depois de me dar o nega a um pedido de publicação de uma outra mensagem dele (com referência ao seu CV militar):

"Para publicar havia de ser a minha narrativa da captura do Malan Mané - mais circunstanciada!, lembras-te do croquis que te enviei? - mas só se alguém aparecesse de novo a divagar sobre o assunto de longe e a sonhar alto. Houve até um poeta que descrevia o piloto a soprar a mata com o rotor do héli e a gritar para avisar a tropa - azar, era eu... e li. E agora?- de que havia uns gajos emboscados... Há gente que nunca mais faz dezassete anos" (...).

Meu caro SNog (só nos conhecemos por mail...) está na altura de desencantar a tua narrativa, agora que alguém quis ressuscitar o pobre do Malan Mané (o Torcato Mendonça jura que o viu vivo, em Bissau, uns meses depois de ter quase morrido lá para os lados do Poindon, na região do Xime)... Entende isto como um pequeno contributo teu para alimentar a nosso projecto (partilhado) de reconstituição das memórias da guerra de África. Como dizem os economistas da nossa praça, não há almoços... nem blogues grátis. De resto, estavas-me a dever essa história (*)... Ela aqui vai, com um Alfa Bravo do Luís.


B. Estórias avulsas (***) > A captura do incaracterístico Malan Mané,

narrativa de SNog


1 - A história da captura do incaracterístico, até falarem tanto dele, Malan Mané... tratou-se de um guerrilheiro esfarrapado que escolheu, em vez de fazer o disparo, levantar-se com as mãos no ar da posição em que se encontrava, atrás de um RPG2 com o cão armado e que à voz ‘anda cá, pá!’ se aproximou apavorado. Era também um de três ou quatro (?), dos quais o terceiro terá fugido.

O do RPG2, este de quem se fala, ocupava a posição mais internada na mata, no extremo da linha de emboscados; do seguinte só encontrámos a cama de capim e o da extremidade mais próxima da orla, atrás de uma Degtyarev RPD, foi abatido.

Do terceiro elemento, nesta ordem, estranhamente não me lembro – não foi capturado nem abatido; terá também fugido ou ‘sonhei-o’ pois fui inspeccionar a instalação deles e creio ter visto 4 camas... adiante! Será todavia o único detalhe com algum significado que tenho consciência de olvidar. O capturado foi ainda interrogado imediatamente, no local, retardando o avanço.

No desencadear da acção, a minha equipa foi a primeira a ser colocada e avançou, a dar espaço no trilho, após a segunda colocação, a da equipa do Sarg Sofio; terá sido aproximadamente à aterragem do terceiro helicóptero que se deu o episódio que descrevo.

Se considerarmos os cerca de cinco metros entre cada homem instalado e sabendo que o Sofio se aproximou de mim para coordenação, estariamos então a uns 25 ou 30 metros da orla, segundo o esquema seguinte que,




por si só, corrige várias divagações que por aí se têm lido acerca do incidente (**).

2. (A propósito de Mamadu Indjai). O chefe de bi-grupo Sanpunhe –assim identificado pelo Malan Mané - apareceu juntamente com outro guerrilheiro perante mim no decorrer da operação, numa ocasião em que mandei parar e fui investigar um palpite dentro do mato, à nossa direita; uns vinte ou trinta metros fora do trilho apareceram dois elementos que vinham ao mesmo e que deram connosco – o Sanpunhe foi abatido cara-a-cara por disparos que fiz e/ou pelo disparo do RPG7 do homem que me acompanhava; o segundo guerrilheiro pisgou-se... (***)

Resultados: herdei uma pulseira que ainda tenho e uma Kalashnikov com que fiz toda a operação da Guiné. Compreenda-se... era difícil resistir ao ronco, apesar de então já ter estado em Angola e em Moçambique.


Texto e infogravura: Salvador Nogueira (2009). Todos os direitos reservados


[ Fixação / revisão de texto / título: L.G.]
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 14 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5464: O Nosso Livro de Visitas (74): O blogue não deve ser a Praça da Figueira (Salvador Nogueira, BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1969)

(**) Vd. poste de 7 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6948: A minha CCAÇ 12 (6): Agosto de 1969: As desventuras de Malan Mané e de Mamadu Indjai... (Luís Graça)

(***) Recorde-se que a Op Nada Consta foi uma operação conjunta do COP 7 (Bafatá), da CART 2339 (Mansambo, Subsector do Sector L1), da CCAÇ 12 e do Pel Caç Nat 53 (subunidades de intervenção ao serviço do Comando do BCAÇ 2852, 1968/70, sediado em Bambadinca).

No sítio do BCP 12 (comandado do pelo Ten Cor PQ Fausto Pereira Marques, de 4 de Junho de 1968 a 5 de Dezembro de 1969), pode ler-se o seguinte sobre a sua actividade operacional no TO da Guiné:


(...) A actividade operacional do BCP 12 ao longo da sua permanência na Guiné foi intensa, conduzindo a resultados reveladores da sua aptidão para combate.

Nos primeiros anos os Pára-quedistas foram empregues fundamentalmente em operações independentes no âmbito da Força Aérea, a qual tinha meios próprios de reconhecimento, ataque ao solo e transporte das suas forças Pára-quedistas.

Os grupos de combate eram normalmente empregues em operações que exigiam grande mobilidade e rapidez de actuação. Quando um grupo de guerrilheiros era detectado ou actuava contra aquartelamentos das unidades do Exército, as forças Pára-quedistas eram colocadas no terreno, através de helicópteros, ou noutros casos, dada a geografia própria da Guiné, através de lanchas da Armada. As forças Pára-quedistas eram usadas por períodos de tempo limitado mas de grande empenhamento.

Para além de operações independentes no âmbito da FAP, os Páras participaram também em operações conjuntas com forças do Exército ou da Armada. Destas destaca-se a operação PARAFUZO, efectuada na ilha de Caiar em Março de 1967, com forças dos Destacamentos de Fuzileiros Especiais nº 4 e 7. Da acção resultou a captura de 20 elementos inimigos.

A partir de meados de 1968 e com o General António Spínola como novo Comandante-Chefe na Guiné, o modo de emprego dos Pára-quedistas foi alterado.

As Companhias [121, 122 e 123] do BCP passaram a integrar os então criados Comandos Operacionais (COP) com outras forças militares, sob o comando de um oficial superior. Muitas vezes oficiais Pára-quedistas desempenharam essas funções. As forças eram então empenhadas, durante largos períodos, conjuntamente com as Unidades de quadrícula do Exército. As companhias do BCP 12 foram assim muitas vezes atribuídas de reforço às unidades instaladas junto às fronteiras com o Senegal e a Guiné-Conakry.


Foram inúmeras as operações desencadeadas neste período: a operação JUPITER, com 4 períodos no corredor de Guileje, no âmbito do COP 2, a operação TITÃO com o COP 6, a operação AQUILES I, com o CAOP 1, a operação TALIÃO, com o COP 7, entre tantas outras, com bons resultados.

Merece particular destaque a operação JOVE, realizada em Novembro de 1969 com forças das CCP 121 e 122. No dia 18 de Novembro a CCP 122 capturou o Capitão Pedro Rodriguez Peralta, do Exército Cubano, comprovando a ingerência de forças militares estrangeiras na guerra na Guiné.

Apesar das CCP continuarem a ser atribuídas aos COP que se iam activando consoante as necessidades, o Comando do BCP esforçou-se por continuar a levar a cabo algumas operações independentes, actuando como força de intervenção em exploração de informações obtidas e seria neste tipo de operações que se obtiveram alguns dos melhores resultados do Batalhão.

Apesar dos esforços a situação na Guiné continua a degradar-se. A pressão que os guerrilheiros vinham exercendo sobre os aquartelamentos no Sul do território começou a dar resultados. 

Em Maio de 1973 os guerrilheiros desencadeiam fortes ataques a Guileje obrigando mesmo ao abandono do aquartelamento dos militares do Exército. Nas proximidades, Gadamael Porto fica em posição delicada com flagelações frequentes de armas pesadas. 

A 2 de Junho as CCP 122 e CCP 123 são enviadas para Gadamael, seguindo-se no dia 13 a CCP 121. O próprio comandante do BCP 12, Tenente-Coronel Araújo e Sá tinha assumido o comando das forças que com a guarnição do Exército constituiram o COP 5. A posição de Gadamael Porto é organizada defensivamente com abrigos, trincheiras e espaldões, simultaneamente são desencadeadas acções ofensivas sobre os guerrilheiros. A resistência e a determinação das Tropas Pára-quedistas acabaram por surtir efeito e o ímpeto inimigo foi quebrado - Gadamael Porto não caiu. 

A 7 de Julho as CCP 121 e 122 regressam a Bissau e a 17 é a vez da CCP 123, a operação DINOSSAURO PRETO tinha terminado. (...).

(Destaque a vermelho, do editor, L.G.)

Um dos álbuns fotográficos de pessoal do BCP 12 pode ver visualizado aqui.

(****) Último poste desta série > 4 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 – P6933: Estórias avulsas (93): Uma história da minha guerra (António Barbosa)

Guiné 63/74 – P6952: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (26): Armando Pires encontra camaradas com a ajuda do Blogue e da tertúlia

1. Mensagem de Armando Pires, ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70, com data de 3 de Setembro de 2010:

Carlos
Camarada e Amigo.
Escrevo-te para que possas acrescentar mais uma estrela no Estandarte da Tabanca Grande.
Foi concluído com total êxito o processo de busca iniciado com o Poste 6858.

Deixa-me transcrever, em copy/paste, o texto do email que recebi, esta madrugada, do António Nobre, ex-furriel miliciano da CCAÇ 2464.

Em 2 de setembro de 2010 19:54, António Nobre escreveu:

Olá Armando Pires
Por acaso e ao visualizar o site da “Tabanca Pequena” vi uma menasagem tua. O que é feito de ti? Há dias fui a Santarém e falei no teu nome e um amigo do Banco que te conhece perfeitamente designadamente das lides taurinas…….

Ainda te lembras de mim? Sou o Nobre de Óbidos. Velhos tempos. Há cerca de 30 anos encontrei-te em Vilamoura…. Não voltei a saber nada de ti.

Se passares por Leiria contacta-me.
E a Rádio? Ainda trabalhas?

Um grande abraço
Nobre

A tempo:
- Se precisares do numero de telefone do Alves Enfermeiro aqui vai [...]



Eu não apenas precisava de saber do contacto do Alves, o Carlos Alberto, como também do António Viola, outro ex-furriel mil da 2464, que sabia trabalhar agora em Bissau.

Pois já falei com o Nobre, que me disse estar o Viola de férias em Portugal e que, por tal motivo, prepara uma almoçarada em Peniche no próximo dia 11, onde eu vou estar, e tendo também já falado com o dito Alves fiquei a saber que ela mora, em linha recta, a meia dúzia de quilómetros da minha casa.

É por isto que o mundo é pequeno e a nossa TABANCA GRANDE!

A tempo:
- Quero aqui deixar expresso um agradecimento a todos quantos cooperaram nesta operação de busca, com particular destaque para o Santos Oliveira, inexcedível nos seus cuidados.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6858: Em busca de... (139): Fur Mil Enf Carlos Alberto e outros camaradas da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861, Biambe e Nhala, 1969/70 (Armando Pires)

Vd. último poste da série de 27 de Julho de 2010 Guiné 63/74 – P6798: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (25): Fátima Amado, filha do nosso camarada João Amado, encontra no nosso Blogue notícias sobre a morte de seu pai (Juvenal Amado / Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P6951: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (7): O Miranda e a sua adoração pelo Fê Quê Pê

1. Em mensagem do dia 3 de Setembro de 2010, nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), fala-nos de mais um dos seus camaradas, desta vez, do Miranda.


Memórias boas da minha guerra (7)


Cegueira e religião

Desde o CSM, em Vendas Novas, que conheço o Miranda e, também é desde essa altura, que fizemos amizade. Aconteceu que nos reencontrámos na mesma Companhia, que veio a ser a CART 1689.

A sua maneira de ser, franca e aberta, torna o relacionamento cativante. Depois… bem, depois, quando está com um “grãozinho na asa”, irradia alegria e felicidade por todos os lados. Especialmente por isso, não havia festa sem a participação do amarantino Miranda.

No entanto, não abdica da maneira como vê o mundo. Não há quem o demova das suas teimosias e, normalmente, passa grande parte do tempo envolvido em debates polémicos. Digamos que também é “cego” nas suas convicções. Escreveu um livro contra a construção da Barragem do Torrão, no Rio Tâmega e é um lutador acérrimo contra o poder (incompetente ou não) através do seu jornal.

Por outro lado, também é verdade que tem dificuldades de visão. Usava óculos bastante graduados e com armação muito encorpada. E, como ela lhe pesava no nariz ou estava larga, passava o tempo a levantar o dedo médio (em posição agressiva…), para a puxar para cima ou para a apoiar melhor sobre a cana do nariz. Este gesto tornou-se num tique que se manifestava, repetidamente, sempre que se envolvia em discussão. Ora, como ninguém gosta de ser confrontado com tal gesto, ele saía prejudicado nas suas habituais discussões. Àparte disso, ele é mesmo um bom camarada e foi um valente militar. É pena as várias situações que aconteceram devido à dificuldade de visão. Embora ele o negue, há quem diga, entre camaradas, que por vezes, durante os assaltos, lhe caíam os óculos para o chão. Ajoelhava-se e, de cu para o ar e G3 na mão esquerda, esquadrinhava o terreno em volta com a mão direita à procura deles, berrando:

- Eh pá! Cuidado com os meus óculos!!

Catió > 26 de Janeiro de 1968 > Comemoração dos 9 meses

Quando estávamos a formar o Batalhão 1913 no RASP, na Serra do Pilar, em Gaia, jantávamos à pressa, por forma a virmos apanhar as miúdas que atravessavam o Rio Douro pelo tabuleiro superior da ponte D. Luís, depois de saírem dos seus empregos na cidade do Porto. Corríamos para junto do Café/Restaurante Mucaba, onde desfilavam as mais variadas e supostas boas oportunidades.

Já era a segunda vez que nos encontrávamos com duas miúdas de Gervide: a Florinda e a Miquelina. Dada a boa receptividade, previ um bom serão e, quiçá, algo mais. Porém, ao fim de uns minutos, a Miquelina afasta-se do Miranda e vem para junto da amiga, a chorar copiosamente. O Miranda de boca aberta estava especado a olhar a cena, já com os óculos repetidamente ajustados.

- Que se passa? – perguntei.

- Não sei de nada – respondeu o Miranda, enquanto as duas raparigas confidenciavam, entre lamúrias. E, logo de seguida, despediram-se acenando com as mãos e entraram no autocarro.

No dia seguinte, no mesmo local, encontrámos a Florinda que nos trazia uma nova colega, a Florbela. Ao fim de uns minutos, verificámos que o Miranda não mostrou interesse na miúda que, por sinal, era bem mais interessante que a Florinda. O Miranda chamou-me discretamente de lado e disse-me em voz baixa:

- Vai com a tua que eu vou até ao Porto, ao Circo (da Cordoaria), porque esta miúda ainda é muito novinha e eu não quero ser acusado de lhe tirar a inocência.

Ainda estava eu a tentar demovê-lo da decisão, parou um carro à nossa beira, abriu a porta e a Florbela entrou logo de seguida.

Eu fui com a Florinda a pé, até Gervide. Logo de início ela justificou-me o que tinha acontecido no dia anterior. A Miquelina tinha ficado muito ofendida porque o Miranda lhe havia dito que ela tinha os olhos mais bonitos do mundo.

- Ofendida porquê? – questionei eu.

- É que ela, coitada, é vesga, tem um olho de vidro e nota-se bem – disse a Florinda.

Ao passar abaixo de Mafamude, junto à Real Companhia Velha, em zona de pouca luminosidade, lá estava o carro (VW) encostado, com os vidros baços da humidade interior, a baloiçar ritmadamente. Ainda me pareceu ouvir um grito dentro do carro mas, afinal, era o som do “Non soi degno de te” do Giani Morandi. Passámos mesmo ao lado, mas como a Florinda não reagiu àquele crime, eu também cobardemente, nada fiz para evitar a “violação daquela inocente”.

Ainda hoje, quando nos encontramos, normalmente na Tasca da Quelha, do Benfiquista Agostinho, rimo-nos destas cenas, mesmo com a presença da sua mulher, Maria José, com quem ele já namorava. E para se desculpar repete:

- Ó mulher, não te fies neste venenoso. Sabes bem que eu só tinha olhos para ti.

Miranda no Encontro de Crestuma a ser servido na recepção

Miranda no Encontro de Crestuma, ao lado do Conselheiro da Revolução, Sousa Castro, que nos honrou com a sua visita surpresa.

Aproximava-se Abril, que é o mês em que fazemos o encontro anual da CART 1689 e, como dessa vez era eu que o organizava, fui a Amarante visitar o Miranda e pedir-lhe o apoio quanto aos contactos, uma vez que ele sempre esteve mais ligado à organização.

Bem perto do Arquinho, na baixa de Amarante (Rua 31 de Janeiro), a porta da entrada para o jornal “A Tribuna de Amarante” estava aberta. Subi a escadaria de madeira, com muito cuidado, para apanhar de surpresa o Director do Jornal, Sr. Carneiro de Miranda.

- Eh caralho! Que andas aqui a fazer? – gritou ele, que logo acrescentou: - Ó mulher, olha quem está aqui, aquele doudo do Silva... Sim o da tropa.

Seguiu-se então o período de “partir mantenha” à moda do norte, com mais ou menos caralhadas de permeio.

- Agora reparo, porque estás tão engalanado, que mais pareces um chulo, ou melhor, um Ministro de Lisboa? – observei eu, para o provocar.

Prontamente reagiu:

- Tu lá como é que falas porque estás no norte mais puro e mais português. E estás na terra de grandes homens como Teixeira de Pascoaes e Amadeo de Souza Cardozo. Terras do S. Gonçalo e do melhor binho do mundo, o berde de Gatão. Ainda queres que te mostre mais, onde estamos?

E apontava para um grande quadro, do FCP, devidamente bordado em tecido. Por baixo deste quadro estava uma grande fotografia do Presidente “vitalício” do FCP, com a respectiva dedicatória. Nas paredes, viam-se vários quadros com equipas do FCP, aquando das suas famosas conquistas internacionais.

Esticou-se, para se mostrar melhor. Vestia “blazer” azul, com um emblema do FCP em ouro na lapela, camisa com monograma do FCP, gravata do FCP com alfinete do FCP, botões de punho do FCP. Na mão esquerda exibia um anel do FCP e, sobre a secretária, estava uma caneta dourada do FCP e um “Dragãozinho”- pisa-papeis, colocados ao lado do monitor do computador.

A sua mulher, que também já andava vestida com as cores exclusivas do FCP - azul e branco (cores da Naçom desde a Restauraçom) - interroga-me:

– Então não sabe quem vem cá hoje? É dia do aniversário da filial do FCP de Amarante e o “Papa” nunca falta.

Fiz-me despercebido e indaguei: - Qual “Papa”?

- Sim pá, - adiantou logo o Miranda - o “Papa”, o nosso querido “leader”, o homem mais valioso do Portugal contemporâneo! O único que enfrenta aquela corja de mamões e corruptos da capital, que só nos tem prejudicado. É conhecido e respeitado em todo o mundo! O homem que foi recebido em Roma, no Vaticano e com uma gaja, enquanto que o nosso Presidente da República, não conseguiu que a sua esposa (por sinal uma ”Dragona” algarvia) o acompanhasse na sua Visita Presidencial a Roma.
Portanto:

- “Papa” só há um – o Pinto da Costa e mais nenhum. E mais: - a “Nossa Senhora” é sempre a gaja com quem ele andar. Eu seja ceguinho se isto não é a melhor religião do mundo!

Silva da Cart 1689
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6926: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (2): Alferes do QP Henrique Ferreira de Almeida da CART 1689 / BART 1913

Vd. último poste da série de 12 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6846: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (6): O Cabo Felgueiras

Guiné 63/74 - P6950: Notas de leitura (146): A Questão de Bolama, de António dos Mártires Lopes (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Agosto de 2010:

Queridos amigos,
Nas minhas andanças pela Feira da Ladra lá consegui este livrinho alusivo a uma conferência por sinal bem interessante.
Goste-se ou não, este diferendo diplomático contribuiu para consolidar a presença portuguesa na região, quebrou alguns sonhos aos britânicos que pretendiam confrontar-se com a França, a potência rival da África Ocidental.
Foram sonhos que se modificaram, reconfigurando-se, não se perdendo.

Um abraço do
Mário


A questão de Bolama
Pendência entre Portugal e Inglaterra


Beja Santos

Em 13 de Janeiro de 1968, no Centro de Estudos da Guiné, em Bissau com a sala literalmente cheia e sessão presidida pelo Governador e Comandante-Chefe, General Arnaldo Schultz, António dos Mártires Lopes preferiu uma conferência na data em que, 98 anos antes, havia sido solenemente assinado o protocolo pelos ministros plenipotenciários de Lisboa e Londres, confiando ao Presidente dos Estados Unidos da América, escolhido pelo Governo de Londres, a arbitragem no diferendo entre Portugal e Inglaterra sobre a posse da ilha de Bolama. O Presidente dos Estados Unidos, Ulysses Grant, em 21 de Abril de 1870 preferiu a sentença favorável a Portugal. Em 1970, comemorando a efeméride, a Agência-Geral do Ultramar publicou a intervenção de António dos Mártires Lopes. É hoje um livro raro que vai ficar a pertencer à biblioteca do nosso blogue.

E vamos aos factos. Philip Beaver, oficial da Marinha inglesa, concebeu o plano de estabelecer em África uma colónia que teria por fim “a cultura das terras por gente livre, como meio de civilizar os negros”. William Pitt, o ministro inglês, acolheu o projecto. Beaver aportou na ilha de Bolama em Maio de 1792, à frente de uma expedição de 275 ingleses. Os Bijagós atacaram a feitoria e Beaver negociou com dois régulos da região a chamada cessão da ilha de Bolama, onde se instalou, tendo também adquirido um território fronteiro mediante uma declaração de dois régulos biafares que lhe cediam a soberania a sul e oeste duma linha que se estendia de Guinala até chegar ao mar. O plano de ocupação desmoronou-se rapidamente; primeiro, a maior parte dos expedicionários abandonaram Beaver e os restantes foram praticamente dizimados pela doença e pelos ataques dos Bijagós. Em 1816, Joseph Scott tentou constituir uma nova colónia, mas a reacção dos autóctones foi dissuasora. Em 1827 o Governador das possessões africanas da África Ocidental apareceu pessoalmente no Rio Grande e impôs aos régulos tratados que concediam a soberania de Bolama ao rei da Grã-Bretanha. O conflito diplomático estava em marcha. Os reis Bijagós afirmavam às autoridades portuguesas que não tinham vendido a ilha de Bolama ou outro qualquer terreno porque aquela ilha pertencia ao Rei de Portugal. Em 1830, o Governo português mandou construir uma fortaleza, não obstante a Inglaterra passou a fazer larga ostentação do seu poderio naval nas águas da Guiné. Seguiram-se escaramuças, navios apresados, bandeiras portuguesas destruídas ou arriadas, troca de notas diplomáticas, o conflito arrastou-se até 1857, data em que o ministro português em Londres propôs às autoridades britânicas que a questão fosse submetida a uma arbitragem, deixando ao Governo britânico a escolha do árbitro. A Grã-Bretanha recusou-se a aceitar a arbitragem e determinou que a ilha de Bolama fosse incorporada à colónia da Serra Leoa, em 1861. Os ingleses instalaram-se em Bolama e passaram a atacar a colónia do Rio Grande onde os portugueses tinham feitorias e estabelecimentos comerciais e agrícolas. O governador-geral de Cabo Verde procurou repelir estas agressões. E por razoes que ainda hoje não estão verdadeiramente esclarecidas, as autoridades de Londres aceitaram, em 1868, a arbitragem de Ulysses Grant.

António dos Mártires Lopes publica a sentença arbitral e procede à sua análise. O Presidente norte-americano deu como provado que a ilha de Bolama fora descoberta por um navegador português em 1446; muito antes do ano de 1792 fora fundado um estabelecimento em Bissau que mantinha a soberania portuguesa; que antes, em 1699, fora constituída uma colónia portuguesa em Guinala, no Rio Grande, que era uma povoação habitada somente por portugueses; que a linha da costa de Bissau para Guinala, passando pelo Rio Geba, abrangia toda a parte continental, fronteira à ilha de Bolama; que a ilha de Bolama era adjacente à terra firme e que desde 1752 até ao presente Portugal sempre reivindicara os seus direitos à ilha de Bolama; que as novas concessões dos chefes indígenas à Grã-Bretanha não levaram a que o Governo português abandonasse os seus direitos. E assim proferia a seguinte sentença: “Eu, Ulysses S. Grant, Presidente dos Estados Unidos, julgo e decido que estão provados e estabelecidos os direitos do Governo de Sua Majestade Fidelíssima o Rei de Portugal à ilha de Bolama na costa ocidental de África e a uma certa porção de território fronteira a esta ilha na terra firme”.

Bolama > Agosto de 2010 > Antigo Palácio.
Foto : © Patrício Ribeiro (2010). Todos os direitos reservados.

Terá jogado a favor desta decisão a própria política expansionista norte-americana numa altura em que os Estados Unidos tomavam posse do território do Oregon, com base na prioridade de descoberta do Rio Colômbia. Mártires Lopes invoca inúmera documentação comprovativa da legitimidade da posição portuguesa, toda ela com grande interesse histórico. Em 4 de Maio de 1870, em plena sessão da Câmara disse o deputado Freitas de Oliveira: “Hoje, a ilha de Bolama está restituída à Coroa Portuguesa. Trabalhou com muito desvelo e afinco neste negócio um dos diplomatas mais distintos. Refiro-me ao Sr. Conde d’Ávila. Quem veio concluir este negócio foi o Governo actual, e os louvores pertencem sempre àqueles que consumam o acto. Neste exemplo vê-se que o Governo nem sempre tem contra si a fatalidade. Há compensações”.
O Governo, reconhecendo o importante serviço prestado pelo Conde d’Ávila, nomeou-o Marquês d’Ávila e Bolama.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6945: Notas de leitura (145): Liberdade ou Evasão, de António Lobato (Mário Beja Santos)