sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7651: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (4): Os Adidos


1. O nosso Camarada Belmiro Tavares, ex-Alf Mil da CCAÇ 675 (Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), enviou-nos em 20 de Janeiro último a seguinte mensagem.
Os Adidos
Durante os mais de treze anos que durou a guerra do Ultramar (legalmente naquela época já não havia colónias) foram muitas as companhias ditas independentes que actuaram nos três T.O. – Angola, Moçambique e Guiné. Talvez não só por razões economicistas, mas também com o intuito de se conseguir uma melhor e mais efectiva coordenação de esforços, estas companhias, no terreno, adiam a um batalhão do qual passavam a depender operacional e administrativamente.

Estes adidos andavam inicialmente um pouco ao “Deus dará” sem saber de quem iriam depender e como iria ser a sua dependência. Se lhes calhava um batalhão com mais tempo de comissão, eles eram os maçaricos (mais tarde periquitos) e os “bombos” da festa; se os adidos eram já experientes, chamavam-lhes “velhotes” e ninguém acreditava no que tinham ou não tinham feito.

A conjuntura era diferente apenas quando a adida tinha uma estrutura consistente, porque era comandada por um capitão bem mais experiente e com muito mais conhecimentos, senhor do seu nariz, de “antes quebrar que torcer”. Este capitão, como diz o poeta “era mais para mandar que para mandado” e a sua companhia nunca se sentiria subjugada. Raramente isto acontecia ou porque o capitão “adido” não tinha as características atrás citadas ou porque, por questões de hierarquia, (que na tropa daquela época era extremamente rígida) se sentia atrofiado.

Assim a maioria dos adidos sentia na pele as consequências de serem simplesmente adidos (e também mal pagos).
O relacionamento entre as companhias do batalhão (uma CCS e três operacionais) e as “bastardas” nem sempre era o melhor, por vezes, nem sequer o desejável ou aceitável.
- De quem seria a culpa?
- Ora mais de uns; ora mais de outros; muitas vezes das duas partes. Na verdade “ninguém discute sozinho” como a minha mãe me dizia.

As “pegas” frequentemente aconteciam porque as unidades eram oriundas de “Armas” diferentes. Os oficiais de acordo com a “Arma” donde provinham pensavam e agiam cada um à sua maneira puxando cada qual a brasa à sua sardinha como se o objectivo de todos não fosse o mesmo e/ou não estivessem todos ao serviço do mesmo “patrão”.

Essas rivalidades, se não fossem intencionalmente maldosas, até podiam (deviam) ser salutares; bastava que cada um se esforçasse no sentido de trabalhar mais e melhor que o outro sem molestar ou atropelar quem quer que fosse.

Estas querelas iniciavam-se, por regra, entre os oficiais do quadro; os subalternos, sargentos e praças de cada companhia seguiam as pegadas do seu capitão e cada companhia passava a defender as cores do seu chefe.

O mais deplorável acontecia quando as desavenças iam para além da cor das “Armas” e se entrava no ataque (e defesa) pessoal ou de grupo. Uma companhia prejudicava intencionalmente, malèvolamente a unidade do lado (adida) apenas porque o capitão desta era doutra “Arma”, mais moderno e/ou mais “macio”. Assistia-se por vezes a pura perseguição e até atropelo.
Na base das desavenças havia por vezes muita inveja e/ou também aquela crise hepática tipo D.C. (leia-se “dor de corno”). Neste caso a convivência tornava-se insustentável, ou quase.

A minha companhia, a gloriosa CCaç 675, nasceu em Évora em Janeiro de 1964 e pisou solo guineense, pela primeira vez, em Maio do mesmo ano.

Depois de mes e meio em Bissau, nos fins de Junho, marchámos (navegámos no Cargueiro Alexandre da Silva) para Binta na margem direita do Cacheu, lá quase no extremo norte da Guiné; fomos adir ao BCav 490 com sede em Farim.

Este batalhão celebrizou-se na tristemente afamada “guerra do Como”, guerra inglória (como inglório foi o esforço e o sacrifício de todos nós); os seus soldados bateram-se ali galhardamente com grande abnegação, coragem e estoicismo em condições que, mesmo naquele tempo, podíamos considerar infra-humanas sobreviveram cerca de quatro meses com rações de combate tendo diariamente direito de uma sopa fornecida pelo “Vouga” que apoiava a operação. Apoio puramente teórico porque o navio não podia fazer fogo: já não se fabricava material daquele calibre... e o existente destinava-se apenas ao “ronco”.

Há pouco tempo encontrei-me com um coronel de Infantaria que tirou o curso de História. Contou-me que estava a elaborar uma obra sobre as mais célebres e significativas batalhas do nosso Exército desde a Fundação da Nacionalidade até aos nossos dias. Seleccionou três batalhas da Guerra do Ultramar – uma de cada T.O. da Guiné distinguiu aquela a que chamou “Batalha do Como”.

Sugeri que com mais precisão, lhe chamasse “batalha sem-fim” e expliquei as minhas razões. Já meti a foice em seara alheia e não era essa a minha intenção. Retomaremos o nosso rumo.
Durante o nosso primeiro mês de mato (Julho de 1964) as relações com o batalhão não foram as melhores... mas o caldo nunca chegou a entornar-se; houve como que um pequeno “ranger de dentes”, chamemos-lhe assim.

À frente do Batalhão estava o Ten Cor F. Cavaleiro,  de Cavalaria; o Cap Tomé Pinto era de Infantaria; não se conheciam mas tratando-se de oficiais dignos, briosos, honestos, trabalhadores, valentes, corajosos, respeitavam-se mutuamente. Era essencial que assim fosse.

A primeira ordem que o comandante batalhão transmitiu à minha companhia foi, como segue: -“Antes de mais reabrir a estrada Binta/Farim”.

O Capitão Tomé Pinto adiou o cumprimento daquela ordem por cerca de um mês – eis a razão do tal desaguisado. Não quero nem aceito que alguém pense que o Cap Tomé Pinto adiou o cumprimento daquela ordem (sem nunca o manifestar) pelo mero prazer de desobedecer. Não era (não é) Homem para brincar às guerras nem às escondidas.

Como escrevi em texto anterior o Cap Tomé Pinto sabia de guerrilha bem mais que a maioria dos capitães daquele tempo. Ele sabia que, antes de retirar as abatises e utilizar aquela via, era primordial “afugentar” o inimigo para bem longe dali para que não pudesse abeirar-se facilmente da estrada incomodando-nos com tiros e/ou novas abatises. Por outro lado, o Cap Tomé Pinto, sendo um transmontano puro, era rijo como aço, persistente (quase teimoso – peço perdão) sempre disposto a enfrentar e ultrapassar obstáculos que pudessem de qualquer modo prejudicar os seus comandados. Ele era mais que ninguém o tal “Homem dum só parecer, dum só rosto e duma só Fé d’antes quebrar que torcer...!!” Como escreveu o poeta.

Antes da nossa entrada na quadrícula, a CCav 487 tentou várias vezes desobstruir aquela estrada mas sem sucesso. Retiravam umas tantas pesadas abatises; sofriam algumas emboscadas mais ou menos perigosas e quando regressavam ao quartel já havia novas árvores a entupir a estrada - era jogo do gato e do rato -.

Reabrimos a dita estrada no dia 2 de Agosto de 1964; retirámos todas as abatises excepto numa – ver foto – porque não impedia a passagem das viaturas; parecia um viaduto. O inimigo, talvez por razões ambientalistas, não cortou outras árvores para aquela estrada.

Durante cerca de dois anos houve ali apenas numa emboscada... mas essa foi da nossa autoria: desbaratámos os últimos resistentes (defensores) do corredor Sanjalo/Canicó; eles foram atraídos à “zona de morte” e até houve luta corpo-a-corpo entre o nosso Manuel Castro, soldado nº 2146 e um combatente africano: a coragem e a força quase sobre-humana do Castro desequilibraram a favor das NT.

A partir daquela data o nosso relacionamento com o batalhão 490 não podia ser melhor; tudo rolava sobre esferas; não houve mais atritos.

Numa época em que muitas unidades quase não saíam ou não conseguiam sair dos quartéis, a CCaç 675, devido a uma actividade sem par desalojou o inimigo, afugentando-o da zona. Para que tal fosse possível calcorreámos intensamente o nosso território, dando milhões de passos em todas as direcções. Só assim, ao fim de quinze meses, podíamos afirmar com toda a verdade que havia pegadas nossas (só nossas) em todos os recantos da zona. Se alguém aterrasse no local mais recôndito da nossa zona, (20 x 20 Km) nós podíamos garantir que no mínimo a 50 m desse local já tínhamos passado.

Alem disso recuperámos a população que se tinha refugiado no Senegal e construímos de raiz dois grandes aldeamentos em Guidage e em Binta – a Vila Tomé Pinto; proporcionámos àquela gente condições de vida, de trabalho, segurança e confiança no futuro com que nunca antes tinham sonhado.

Rasgámos ruas perpendiculares (à Marquês de pombal), edificaram-se moranças, abriu-se uma CREB (circular Regional Exterior de Binta); Os jovens aprenderam instrução militar e faziam a auto defesa da povoação. Construímos duas pistas de aterragem, uma igreja, um posto de socorros para nativos e uma escola; os miúdos (alunos da escola) cantavam “a Portuguesa” enquanto se hasteava ou arreava a Bandeira.

Conseguimos sementes (muitas sementes) graças ao apoio prestimoso e extraordinário do Sr. Governador da Guiné, Gen. Schultz; em suma: os nativos passaram a usufruir de pão, paz, instrução, saúde e segurança. Por tudo isto – e por muito mais que não cabe em poucas linhas – a CCaç 675 foi louvada colectivamente pelo Comdt do Batalhão 490, Ten Cor F. Cavaleiro.
Soube recentemente que este oficial comentou, na época, que sentia uma grande mágoa porque a melhor companhia do batalhão não pertencia ao batalhão: era uma adida – era a CCaç675.
Um dia Ten Cor Cavaleiro apareceu de surpresa no nosso aquartelamento: pretendia visitar os militares destacados em Guidage, um posto fronteiriço defendido por um pelotão reforçado por alguns militares africanos.
Este vosso escriba foi incumbido de o escoltar; Nunca tal me tinha acontecido.
Eu era um alferes “imberbe e loiro” e não sabia se tinha de proceder a qualquer diligência especial; nunca tinha ido para o mato na companhia dum oficial superior.
Passou-me pela cabeça pedir apoio ao capitão mas faltou coragem.
- O Ten Cor  – Conjecturei eu – não vai comandar o meu pelotão porque... o grupo é meu; além disso oficial superior não desce a este nível.
- Seja o que Deus quiser, segredei eu aos meus botões.

À hora pré-determinada, os meus soldados, ainda ensonados aproximavam-se das viaturas; apareceu o nosso Ten. Coronel e perguntou em voz alta.
- Oh nosso Alferes! Qual é a minha viatura? 

Com alívio senti que o nó estava a desfazer-se.
- O meu Coronel não vai na primeira nem na última! Pode escolher uma das restantes.
- Se houver uma emboscada qual é o meu papel?
- Como o meu coronel nunca actuou connosco, o melhor, portanto, é meter-se debaixo da viatura e aguardar; nós tratamos do assunto!
Ele não retorquiu... mas eu sei (sabia) que ele não era homem para se esconder debaixo da viatura. Sei que um dia um pleno mato, debaixo de grande tiroteio, ele ordenou a um capitão que se levantasse do solo porque “está a falar com o seu comandante”; o Ten. Coronel, debaixo de fogo intenso, mantinha-se de pé, dando ordens – ousadia e temeridade.
Mais um problema resolvido, pensei sozinho.
Não houve complicações no itinerário o qual nós conhecíamos bem de mais.
O BCav 490 concluiu a comissão... para mal dos nossos pecados; não imaginávamos o que viria a seguir.

Em 1965, em Maio ou Junho, entrou na zona o BArt 733; a CCS e uma companhia operacional instalaram-se em Farim; as outras rumaram a Jumbembem e Cuntima (colina do norte).
Eu tinha na cabeça que a companhia de Farim era a do Ten Azevedo mas um companheiro tertuliano corrigiu-me e certamente com razão. Isto, porém, em nada altera o que vou narrar. Em causa está apenas o Sr. Azevedo.
Poucos meses depois de entrar na zona, o Ten Azevedo era promovido a Capitão – nada de anormal. Pouco tempo depois, o já capitão foi promovido a major passando a 2º comandante do batalhão. Com a saída do Ten Cor Glória Alves (num velho ídolo do atletismo do Benfica), o nóvel major Azevedo passou a comandar interinamente o batalhão. Que grande cavalgada! E era de artilharia!
Um dia, no colégio militar, falei desta ascensão meteórica e nada usual a um grupo de oficiais; um capitão, provocando gargalhada geral, comentou:
- Mas a mulher dele era cá uma brasa!
No consulado do Ten Cor Glória Alves houve um óptimo entendimento entre as partes; a nossa actividade operacional foi abrandando lentamente (era humanamente impossível manter o ritmo intenso dos primeiros 13/16 meses) mas nunca descurando ou negligenciando a vigilância e a segurança; os patrulhamentos, embora perdendo alguma intensidade, mantinham-se a um ritmo que causava inveja a muita tropa com bastante menos tempo de mato que nós. A nossa zona continuou a ser patrulhada palmilhada de lés-a-lés. Seria muito perigoso para nós e uma grande perda de prestígio se “alguém” reocupasse as posições perdidas na nossa zona.
Por tudo quanto continuávamos a operar com grande esforço, coragem e sacrifício (no mato e no apoio à população recuperada) a CCaç 675 foi comtemplada com mais um louvor colectivo – prova evidente que o nosso trabalho continuava a ser meritório e era reconhecido. Este louvor, porém, engasgou alguém provocando-lhe a tal “complicação hepática” de que atrás se falou.

O pelotão de morteiros 980 viajou connosco no navio Uige na ida e na volta.

Como nós, esteve também adido no BCav 490 de inicio e ao BArt 733 na fase final.

Este pelotão entrava na escala de saídas com os grupos da companhia de Farim. Enquanto o “980” procedia, por exemplo, a uma distribuição de géneros a Junbembem e Cuntima, tarefa complicada, um pelotão patrulhava Mato Grosso, outro fazia uma batida em Mato Cão e o 3º recolhia lenha para as cozinhas. Quando o “980” regressava à base, estava de novo no topo da escala. A fava ia saindo sempre ao mesmo!

Devemos deixar aqui bem claro que um dos “matos” atrás citados situava-se no fim da pista de aterragem e o outro atrás do quartel da 1ª CC.

No fim de Setembro o cap Tomé Pinto foi chamado a frequentar o curso do E.M. O Ten Cruz que comandara por algum tempo o “980”, depois de algumas “andanças” veio comandar a CCaç 675.

Como nós tínhamos conhecimento do que se havia passado em Farim acordámos com o novo comandante da CCaç 675 que ele não iria a Farim receber ordens, ficando essa missão destinada a um dos subalternos. Esta missão, pelo menos duas vezes, coube ao autor destas linhas.

Da primeira vez fui recebido pelo Sr. Major Azevedo que, aparentemente, com um sorriso sarcástico nos lábios (digo eu), comunicou, ter sido informado pela F.A. que a 3/4Km de Binta, na mata entre o rio Cacheu e a estrada de Bigene, havia um acampamento de, aproximadamente, 200 casas de mato – impunha como missão a “sua urgente destruição”.

Lamentei que se pretendesse fazer crer que havia inimigos onde eles não estavam nem ousariam, sequer, pensar nisso. Informei que, dois dias antes, em próprio havia patrulhado aquela zona até para além da Bolanha de Sansancutoto sem encontrar qualquer vestígio de ocupação ou passagem. Duzentas casas de mato albergariam perto de um milhar de pessoas que, necessariamente, se deslocariam na mata abrindo trilhos cada vez mais vincados. O Sr Major Azevedo sugeriu que “baptizasse” aquela “operação” e fizesse um relatório circunstanciado da mesma.

Recusei! Tratava-se apenas de mais numa patrulha rotineira.
O Sr Major não desarmava. Caia-lhe a matar que houvesse um acampamento mesmo nas barbas da CCaç 675.

Sugeri que a F.A. enviasse a Binta o piloto “descobridor” e com ele sobrevoaríamos a zona; neste ponto houve acordo e foi enviada uma mensagem urgente à F.A. Minutos depois chegou a resposta... absolutamente lacónica: “houve erro de coordenadas”!

O Sr. Major ficou sem cor e perdeu o pio.

Da 2ª vez que fui a Farim receber uma ordem operacional, o caldo entornou-se... azedou quase completamente. Agora a nova (má nova) provinha de informadores indígenas: - há um acampamento na região de Sanjalo; detectem-no e destruam-no urgentemente.

Aleguei:
 - Do nosso lado não há qualquer acampamento; se existe, está na zona da Companhia de Farim.

O Sr. Major defendia dispor de informações absolutamente seguras e propôs que pernoitássemos em Guidage e atacássemos a zona de norte para sul, porque eles “tinham sentinelas do lado do Senegal”.

Senti que a situação era absolutamente ridícula.
- Se há sentinelas do lado do Senegal (o que considero nada fiável) nunca atacaremos por esse lado; o Cap Tomé Pinto ensinou-nos que devemos evitar sempre os sentinelas!

O Sr Major levou as mãos rapidamente ao estômago porque, ouvir falar do Cap Tomé Pinto, causava-lhe uma azia insuportável.

Depois de longa discussão (altercação) por vezes em tom acalorado ou mesmo exaltado, concordei que faríamos uma “batida” naquela zona (será mais uma!) mas quando e como nós decidíssemos.

Fui ameaçado com prisão; respondi que preferia a prisão ao suicídio.

Por fim, com grande relutância, a minha proposta foi aceite.
A operação – que “baptizámos” de “centrífuga” – realizou-se e o tal acampamento foi destruído... mas ficava na zona da companhia de Farim.

Esta acção foi por mim descrita em texto anterior intitulado Disciplina – parte II – salvo pelo capacete. É inútil repeti-la aqui.

O fim da nossa comissão aproximava-se... com grande lentidão! Deu azo a que surgisse mais um grave e inesperado obstáculo – (era só mais um!)
Desta vez o Alf. Santos – António Duarte dos Santos, um algarvio de gema, natural de Alferce – foi a Farim saber com que linhas nos “queriam coser”.

A CCaç 675 foi “delicadamente” convidada a operar na península de Sambuia, onde a base mais poderosa a norte do Cacheu, continuava a provocar estragos sérios e frequentes.

Em 5 de Janeiro de 1965 nós destruímos todas as moranças e muitas casas de mato em toda a península. Encurralámos o in no canto sudeste (junção do rio Malibolon com o Cacheu) mas devido ao tremendo acidente com pelotão de morteiros 980 (7 ou 8 soldados afogaram-se nas infernais águas cinzentas do Cacheu) a ponte de Malibolon não foi defendida como planeado e o inimigo escapou por ali. Ninguém deu continuidade à nossa actuação... e a base continuou lá – não se elimina uma base por decreto!

A zona era portanto nossa conhecida mas quando por lá “passeámos” a situação era totalmente diferente: a nossa força física e anímica estavam no auge; não temíamos obstáculos e nada nos impedia de atingir qualquer objectivo mesmo fora do nosso terreno quer fosse em Sambuiá ou no tão badalado Oio... mas à beira do fim da comissão já não podíamos, como soe dizer-se, com uma gata pelo rabo – dependia da gata!

Ordem de operações: destruir Sambuiá! A CCaç 675 desloca-se em viaturas, passa por Guidage e bate o terreno de norte para sul; a companhia de Farim viaja num navio de guerra (vedeta), desembarca e ataca de sul para norte.

O Alf Santos argumentou:
- Em Binta há apenas 2 Gr Comb mas metade do pessoal está no HMP a fazer desparasitização intestinal; o quartel não pode ficar desamparado e as viaturas têm de ser protegidas. Assim não é possível reunir sequer um Grupo de Combate para actuar na perigosa zona de Sambuiá.

Resposta do Comdt interino do batalhão;
- Tanto quanto sei em Binta está uma companhia; não há motivo válido para não participarem na destruição daquela base.
- No papel, na verdade, em Binta estará uma companhia: um Gr Comb permanece em Guidage; o efectivo equivalente a um pelotão está internado no HMP; retirando pessoal para a defesa do quartel e das viaturas, iremos a Sambuiá apenas com um pelotão reduzido, o que me parece uma loucura... fatídica!

Mais uma vez a força dos galões venceu!

No entanto o Sr Major deve ter sentido um peso na consciência (será que a tinha?!) e enviou cerca 40 milícias para defesa do quartel e protecção das viaturas enquanto as NT actuavam sobre o objectivo.

A CCaç 675 conseguiu reunir um Gr Comb com dois alferes... mas faltava um furriel. O nosso amigo Jero, sendo furriel enfermeiro, esqueceu a seringa por umas horas e, substituindo-a pela G3, comandou com grande eficácia e muita perícia uma secção de atiradores: das tripas fez-se coração!
A companhia de Farim, cujo lema era "audazes, corajosos, valorosos" (não me recordo se era exactamente assim), desembarcou no local previsto, avançou sem dificuldade em direcção ao objectivo (que teoricamente já não existia) até que... de repente, foram não só impedidos de progredir como se viram logo obrigados a retroceder “velozmente” em direcção ao Cacheu; foram tão “velozes” que chegaram ao navio bem antes da hora prevista. Para que conseguissem reembarcar, o pessoal da vedeta teve de fazer fogo farto com metralhadoras e “peças” de 4,5cm.

Ficou provado que Sambuiá não era local para brinca às guerras ou fazer exibições sem sentido e desconexadas.

Quero realçar que não nos movia (em nove) qualquer animosidade ou ressentimento contra os militares do BArt 733; Porém ainda hoje sentimos um quase “ódio de estimação” quando falamos do tenente/capitão/Major Azevedo! No entanto se ele não existisse, eu não escreveria esta crónica!

Mas vai mais uma... mais hilariante. Não cito aqui a estória cómica dos “ananases” do régulo de Canicó, (alferes de 2ª linha Mamadu Baldé, irmão do nosso malogrado guia Baldé, abatido no assalto a Cansenha), porque esta “estória” foi tratada com muita arte e engenho pelo companheiro Jero no seu livro “Golpes de Mão’s”.

O BArt 733 organizou campeonato de “pontapé na bola” entre as companhias do batalhão. A CCaç 675 não foi convidada a participar – não por ser adida, claro – mas talvez porque, em jogo amigável, venceu a companhia do batalhão a qual estaria antecipadamente destinada a ganhar a prova.

O pelotão de morteiros 980, sendo adido como nós, participou e discutiu campeonato palmo a palmo. O último jogo era uma autêntica final: quem ganhasse era campeão. O “980” venceu por 1 a 0 e festejou a vitória; os vencidos... no terreno, porém, não aceitaram a derrota; recorreram às altas esferas desportivas do Batalhão e “ganharam”... na secretaria, alegando que o adversário (adido) fez alinhar, na guarda da sua baliza, um atleta que não pertencia de raiz aos seus quadros.

Na verdade o guarda-redes que defendeu as cores do 980 era também adido (adido ao adido) enquanto aguardava transporte para Bissau.

Este “adido”, de seu nome completo Fernando Marques da Silva, Sold At nº 2575 fez uma exibição dita de outra galáxia (não é exagero!)... defendeu até uma grande penalidade!

Logo os “três grandes” da nossa praça quiseram contratá-lo mas ele borrifou-se nos milhões que lhe ofereceram... e ainda hoje, com muita honra, veste a camisola da gloriosa CCaç 675.

O comandante interino puniu com derrota (no papel) a equipa considerada fraudulenta e a companhia pré-destinada a vencer... cantou de galo.

Inspirando-se nestes factos, alguns dos então futuros e honrados dirigentes desportivos nacionais também se dedicaram a semelhantes tropelias como é do conhecimento geral.

Quanto vale um mau exemplo?
Um bom exemplo vale mais que mil palavras!
Um mau exemplo... vale tudo!
Belmiro Tavares
Ten Mil da CAÇ 675

Fotos: © Belmiro Tavares (2010). Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:

Vd. último poste desta série de 17 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7001: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (3): A(s) Disciplina(s): Ser ou não ser... disciplinado, eis a questão

Guiné 63/74 - P7650: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (16): Até Bissau num toca-toca e conversas sobre a história do PAIGC

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2011:

Queridos amigos,
Estejam descansados, já estamos nos últimos dias.
Aquele Tangomau partiu para a capital lamuriento, embirrando consigo próprio, devia ter feito mais para cumprir o seu propósito de ver quase tudo onde vivera e onde combatera. As coisas não correram de feição, agora pretende-se ouvir um dos destinatários dessa medonha guerra, o outro, o PAIGC.

Um abraço do
Mário


Operação Tangomau (16)

Beja Santos

Até Bissau num toca-toca e conversas sobre a história do PAIGC

1. Na véspera, já no quarto e pronto para dormir, o Tangomau ainda escreve no seu caderninho viajante: “O tocador de korá que vem na fotografia tirada no Bambadincazinho chama-se Seco Galissá e é parente do Braima Galissá; não se falou da visita de Demba Seidi, ele até aparece numa das fotografias em casa do Fodé, compareceu ao almoço de confraternização, foi sempre um soldado estimável e colaborante, não merece o anonimato; tenho de me encher de coragem e pedir ao Fodé para amanhã, no regresso, fazermos uma curta paragem em Finete, perdeu-se todo o material fotográfico, é um desgosto não mostrar a ladeira alcantilada que subimos e descemos centenas de vezes, tirar uma imagem à capela católica, construída nos anos 80 e que ameaça ruina iminente; e novamente captar a imagem da casa onde viveu Bacari Soncó e que me cedeu ali um quarto, sempre que pernoitei no quartel; afinal a fotografia que atribuo ao filho de Mankaman Biai é de Lamine Suane, o filho de Cherno. Tudo isto é resultado de não escrever imediatamente o que se está a fotografar, em cima das situações, não há memória que resista a tanto nome, depois vem esta caldeirada de nomes”.
O Tangomau desperta mal-humorado, sabe muito bem que quer ficar mais tempo, mas não pode espadeirar contra factos consumados. Tem a bagagem em ordem, já recebeu os presentes para entregar ao embaixador Inácio Semedo, também foi presenteado com erva-cidreira e doce de papaia, é nisto que começa a troar o carro de combate onde Calilo e Fodé Dahaba me vão depor na Pensão Central, em Bissau, a Avó Berta avisou-me que me espera para o almoço.



2. O Tangomau despede-se com um pesar sincero dos anfitriões, agradece e redobra cumprimentos, sente-se feliz pelo calor do acolhimento, aquela família deu o que podia dar, até tinham falta de transporte, disponibilizaram cordialidade, interessaram-se por todos os itinerários, ao longo de 10 dias. É um casal com dois filhos, como já se referiu, o Toinho e o Thierry, este bem pequenino. Vamos mostrá-los todos, menos a Dada que cismou não estar aprontada e só por isso não cabe no rectângulo da fotografia. Primeiro o Toinho, aprimorado e nada rabugento, às vezes dá noites difíceis, dá gosto ver estes olhos vivos, em pose para a fotografia.



3. Temos agora o pai e os filhos, Fernando Semedo (o Mio), Toinho e Thierry, o Tangomau gosta muito do ângulo, está ali a mesa onde leu e escrevinhou, onde, amanheceres e entardeceres a fio, se deslumbrou com Bambadinca ao longe, à esquerda, as bolanhas de Ponta Nova e Finete e Mato de Cão, ao centro, à direita e ao fundo. Até o cão, que deu companhia ao Tangomau, se fez fotogénico e se juntou à recordação.



4. Alguém alvitrou que o anfitrião se devia mostrar ao lado do hóspede, ou vice-versa. O hóspede está encolhido, já choramingou, anda há dez dias em efusões e infusões, tem o ânimo abalado, o balanço é altamente positivo, em nenhum momento se arrependeu desta empreitada, e tantos foram aqueles que o advertiram: “Não vás, é um sofrimento desmesurado, aquele mundo que conheceste vive convulsionado, serás interpelado por gente de mão estendida, haverá equívocos e grandes espectativas, juízos infundados, não vás!”. O Tangomau foi bem acolhido no Bairro Joli, tirando um bêbado na Ponta do Inglês toda a gente veio à fala, foi cordial, deu informação, mesmo sabendo-se como são ínvios, por portas e travessas, os silêncios africanos. Tira fotografia, dá cá um abraço e garanto-te que me despeço sinceramente com um “adeus, até ao meu regresso”. Alberto Djata, o cozinheiro, colocou-se a jeito para apreciar a cena.



5. É a vez de fixar Fodé Dahaba para o mísero álbum das glórias do Tangomau. Este é o amigo a quem se chama irmão, é uma amizade que arde e resiste a todo o sopro. Dá que pensar como se supera, entre ele e o Tangomau, a tensão cultural, o Fodé é mandão, presumiu que na sua terra tudo quanto determinasse seria irrefragável, deu chispa, aqui e acolá gritavam, com mais ou menos sinceridade. Ainda bem, o que importa foi o desvelo, a gratidão, a recepção de braços abertos. O Tangomau caminha para estes olhos vazios dentro de um rosto atento, pois os outros sentidos cresceram à custa da visão que se perdeu. Mais de 40 anos de uma grande amizade. É o momento propício para se agradecer todas as gentilezas com que se foi cumulado. Mesmo quando o Fodé perdeu o volante da condução das viagens, manteve-se vigilante, pairando, graças ao telemóvel, por aquelas viagens de motocicleta pelos pontos ermos. O Tangomau esteve mesmo à beira de o surpreender e embaraçar, dizendo: “Não me vou embora, sigo para Demba Taco, Taibatá e Moricanhe, amanhã desço até ao Corubal, vou inteirar-me dos santuários do PAIGC, faz boa viagem, logo que possa regresso a Bissau de canoa”. Mas o Tangomau resignou-se às vontades do calendário, meteu-se no toca-toca, num banco corrido que em tempos teve um assento confortável e agora é uma simples chapa de ferro. Será uma viagem atribulada mas inesquecível. Nem o Tangomau terá coragem de pedir para se fazer uma pausa em Finete. Para quem desconhece uma viagem a toca-toca é qualquer coisa como um autocarro de carreira, com a diferença de que em muitos casos são os passageiros que fazem a paragem, tal o volume de sacos de carvão, de malas com peixe, cachos de bananas, volumes de todas as dimensões, alguns deles nos colos ou junto aos pés dos passageiros; aquela senhora anafada que se atirou para cima do Tangomau e o espalmou junto do banco do motorista, a ponto de o obrigar a levar as mãos no ar, como se fosse a rezar, é uma viagem com gritos constantes a mandar parar e seguir, passando pela Bantanjã Mandinga, Finete, Gambaná, Mato de Cão, Gã Mamadu, ao longe avista-se o Geba, já se passou o Enxalé, duas horas e meia depois de peripécias entra-se na estrada que une Safim a Bissau, dá agora para compreender como os subúrbios da capital crescem descontrolados, agravando os problemas e a miséria geral, não há recursos para este saneamento básico, para ter adequados cuidados de saúde, escolas, captação de actividades económicas. Esfomeado, o Tangomau é depositado na Pensão Central.



6. Esclareça-se o leitor que quer por motivos de cansaço quer pelo compromisso de não tirar fotografias a determinados interlocutores, a partir de agora as imagens vão rarear até ao fim da viagem. Aproveita-se a prata da casa, imagens ainda não publicadas ou aquelas, por serem sugestivas, mereçam ser colocadas a propósito. É assim que o Tangomau aparece de novo ao lado da Avó Berta, a proprietária da Pensão Central, e que conhece vão passados 40 anos. Estão ambos comovidos pelo encontro, era então a manhã de 18 de Novembro. O que importa é que o Tangomau encontrou um quarto à sua espera, já comeu uma sopinha bem apurada e com gosto a batata e cenoura, comeu peixe de caldeirada e até sobremesa doce. Vai descansar uma hora a ouvir o ruído monótono da ventoinha, seguirá para a embaixada, para certificar os compatriotas de que está vivo, e daí partirá para uma reunião que o Delfim Silva organizou, há gente de várias precedências e talentos que se prontificou a dar esclarecimentos sobre certos pontos que o Tangomau ainda os acolhe em claro-escuro, mas também com zonas prolongadas de cinzento e tons desmaiados.



7. Tranquilizou-se na embaixada de Portugal quem andava desassossegado pela falta de notícias, Tangomau é mesmo Tangomau quando se abalança a ir para o mato não dá sinal de vida. Fazem-se telefonemas para derradeiros encontros nos dois últimos dias, há abraços a dar aos Soncó, principalmente será importante reencontrar Mamadu Soare Soncó, a quem há dias morreu o seu irmão Quecuta. Parte-se para uma prolongada reunião, é-se acolhido numa moradia, apresentam-se os quadros políticos e militares de um passado menos próximo. O primeiro ponto que o Tangomau solicitara para a discussão era o da documentação histórica do PAIGC, até 1974, parece assunto menor mas não é. Está-se a falar de fontes primárias ou da mais genuína matéria-prima. O que se vai apurar, durante esta conversa informal e muito amiga é que tudo quanto está na Fundação Mário Soares é um soberbo arquivo mas incompleto. Desapareceu integralmente o recheio do que veio de Conacri, à data da independência, correspondência dos dirigentes entre si e com os aliados, só por aí se ficaria a saber, com mais conhecimento de causa, a evolução do armamento, os apoios internacionais, o aprovisionamento tanto a partir da Guiné Conacri como do Senegal; os arquivos pessoais de Amílcar Cabral estão na posse de duas herdeiras; os ficheiros do PAIGC em Bissau foram devastados, tanto por decisões arbitrárias de quem mandou eliminar ou desviar documentos como pelo próprio conflito político-militar de 1998/1999; há várias biografias de Cabral, há as publicações propagandísticas, há indícios sobre a existência de alguns diários, como o de Chico Té, fala-se na importância das investigações de Leopoldo Amado (o Tangomau há muito que se propõe ir lê-la à Faculdade de Letras), afinal Vasco Cabral, de quem se esperava inúmeras revelações, nada deixou escrito, e por aí adiante. Há inúmeras peças soltas e se escândalo maior se quisesse evidenciar bastava referir que tudo o que foi o processo do julgamento sobre o assassinato de Amílcar Cabral, absolutamente tudo, desapareceu. Ponto final, no futuro os historiadores que descalcem a bota para fixar as peças do puzzle, qualquer lógica para o retrato.
Seguem-se outros temas, de acordo com os interesses manifestados pelo Tangomau: como se deu a supremacia dos militares sobre os políticos; porque se radicalizaram as posições durante a independência, quando era certo e seguro que o PAIGC até tinha proposto por mais tempo a presença portuguesa.
Com entusiasmo, os diferentes participantes foram expondo as suas razões. Despedimo-nos até à próxima com uma outra versão daquele poilão da Ponta do Inglês que fala inequivocamente da guerra e da presença humana, como se testemunhasse que há memórias que não se querem apagadas, em vez de lançarem uma garrafa ao mar, ao lado das marcas das balas, os soldados tatuaram a árvore, como se dissessem: até sempre, não nos esqueçam.


Continua
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de Guiné 63/74 - P7645: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (15): Uma ida aos Nhabijões, com o coração cheio de lembranças da CCaç 12

Guiné 63/74 - P7649: O Alenquer retoma o contacto (1): De Bissau para Mansoa com intervenções em Mansabá, Cutia, Bissorã e Porto Gole (Armando Fonseca)




O Alenquer retoma o contacto (1)

1. Mensagem de Armando Fonseca*, ex-Soldado Condutor do Pel Rec Fox 42, Guileje e Aldeia Formosa, 1962/64, com data de 19 de Janeiro de 2011:

Conforme o solicitado anteriormente, vou tentar não ser enfadonho, mas deixar alguns dados do que foram os meus tempos de Guiné passados entra 1962 e 1964.

Sem ter propriamente veia de escritor, vou narrar alguns factos tal como os tenho no meu caderno de apontamentos daquela altura.

Chegado a Bissau a 28 de Maio de 1962 no Navio António Carlos, não cito aqui os arrepios da partida visto que todos nós vivemos esse suplício, o navio fundeou ao largo e fui transportado para terra numa lancha, onde esperavam GMCs para transporte até ao quartel General onde fiquei instalado.

As camas e as respectivas roupas ainda não tinham sido desembarcadas e dormi as primeiras noites numa cama de campanha apenas com uma manta para me defender dos mosquitos mas com o calor intenso que se fazia sentir, ou se morria de calor ou se era comido pelos mosquitos.

No terceiro dia lá apareceu a cama e a roupa, e a promessa de mosquiteiro que nunca chegou a aparecer, se quis evitar de ser comido pelos bichos tive que ir comprar tecido e mandar fazer um mosquiteiro num alfaiate da cidade.

O pelotão levava como missão reforçar a defesa da cidade, incluindo o aeroporto, e então o meu primeiro serviço foi exactamente piquete ao aeroporto. Fazia 24 horas de serviço dia sim dia não, garantindo a segurança das partidas e chegadas dos aviões, quer fossem civis ou militares.

Antes das aterragens ou dos levantamentos lá ia passar revista a toda a pista observando se havia algo de anormal e só depois os aviões entravam na pista.

Às vezes no dia aparecia outro biscate para fazer inclusive atender a algumas escaramuças que apareciam na cidade, visto que, aquela data o comando do PAIGC era nos arredores da cidade, no Pilão, que se situa entre esta e o Quartel General.

Permaneci assim até aos finais de Agosto de 1963, altura em que fui sorteado para ser deslocado com a guarnição do meu carro para Mansoa, porque o Bcaç 512 que aí se encontrava e tinha distribuídas Companhias em Mansabá e em Bissorã, as quais tinha que abastecer, já estava com graves problemas nas deslocações das suas colunas e então pediu o reforço de um carro de cavalaria para acompanhar essas colunas.

Cheguei então a Mansoa em 28 de Agosto e comecei de imediato a fazer escoltas, quase todos os dias saía para Mansabá ou Bissorã, e quando assim não era, havia que escoltar pessoal que se deslocava para a capinagem das bermas das estradas desses percursos.

Na madrugada do dia 3 de Setembro chegou ao quartel a notícia de que Porto Gole tinha sido atacado e lá fomos pelas seis da manhã escoltar um pelotão da Ccaç 413 para ver o que se tinha passado. Ao chegarmos encontramos um cenário desolador, haviam cinco moranças totalmente queimadas, dois cipaios mortos, tendo os guerrilheiros levado preso o chefe de posto e um colono branco.

Já não regressamos a Mansoa e no dia seguinte começou a ser erigido ali um aquartelamento visto que tinha deixado de haver a segurança, até aí feita pelo chefe de posto e pelos cipaios, e aquele era um ponto crucial para apoio aos barcos que pelo Geba se deslocavam de Bissau para o interior.

Permaneci ali até haver condições para as tropas de caçadores terem um mínimo de segurança. Durante esse período a alimentação baseou-se quase sempre em bolachas e conservas, até haver condições para começar a matar uns carneiros e umas galinhas que por lá havia.

No dia 9 regressei a Mansoa, sendo retomada a rotina de escoltas e agora também a Porto Gole porque ninguém dava um passo sem que a auto metralhadora não fosse à frente da coluna.

No dia 13 um pouco antes do almoço ouviu-se ao longe um rebentamento e passado algum tempo apareceram dois homens a informar que o rebentamento tinha sido na tabanca de Cutia e que havia lá feridos.

Seguimos para lá e deparamos com dois feridos graves, um tinha um buraco na cabeça e o outro tinha uma perna e as duas mãos cortadas, o primeiro foi levado para o hospital, e o segundo, a família não deixou que o levassem, porque quiseram que ele morresse junto deles.

Em 22 fomos chamados para socorrer uma viatura civil e uma ambulância de transporte colectivo que estava a ser atacada entre Mansoa e Mansabá. Fomos lá e quando chegamos já o IN tinha abandonado o local levando todo o dinheiro e os géneros que seguiam nas viaturas.

A partir desta data, além das deslocações militares que chegavam a ser duas por dia, apareceram também as colunas civis que já não se deslocavam sem escolta militar.


No dia 24 saímos de Mansoa pelas cinco da manhã para ir tirar umas árvores que o IN tinha colocado na estrada que ligava Porto Gole a Enxalé e a deixara intransitável, e às oito horas com 44 árvores cortadas e retiradas, encontramos uma companhia que vinha de Enxalé ao nosso encontro e que a cerca de um quilometro tinha sofrido uma emboscada, onde se encontra um pelotão com vários feridos ligeiros e um Furriel com uma perna cortada, o qual ao fim de cinco horas, sem o socorro que a situação exigia, veio a falecer.

Além dos feridos havia ainda um granadeiro atascado na bolanha que nos deu muito trabalho a retirar.

Quando regressamos a Porto Gole era já noite e apenas com o pequeno almoço das quatro da manhã no estômago; depois de comermos alguma coisa regressamos a Mansoa que distava cerca de 27 quilómetros.

Este é o primeiro episódio, outro se seguirão se acharem por bem.

Um grande abraço do camarigo
Armando Fonseca,
Soldado 452 do
Pelotão de Rec Fox 42
__________

(*) Vd. poste de 22 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7023: Tabanca Grande (245): Armando Fonseca, ex-Soldado Condutor do Pel Rec Fox 42 (Guiné, 1962/64)

Guiné 63/74 - P7648: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (46): Na Kontra Ka Kontra: 10.º episódio





1. Décimo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 20 de Janeiro de 2011:



NA KONTRA
KA KONTRA


10º EPISÓDIO

O nosso Alferes mandou o “Legionário” buscar as galinhas em troca da lata de atum, dando a explicação que tinha congeminado.

Nessa manhã adiantam-se os trabalhos. Chegada a hora do almoço, o nosso Alferes está de “água na boca”, não pela galinha preparada pelo “legionário”, mas por que não dizê-lo, pela sua amada.

Será que à noite, desta vez, irá ter com o João a conversa que tanto deseja?

O “legionário” esmerou-se na preparação das galinhas numa grande frigideira, como sempre fazia. Todos foram dormir a sesta e o nosso Alferes a pensar que à noite tudo se ia tirar a limpo, até passou pelas brasas.

A meio da tarde, numa certa acalmia de espírito, o nosso Alferes dirige-se à orla da mata para inspeccionar os trabalhos da demolição dos morros de baga-baga. Encontra alguns milícias a trabalhar na lavra do João Sanhá. Os morros tinham sido arrasados. No percurso cruza-se com a Bobo. Nota que já não a acha tão interessante como da primeira vez que a viu. Comparando-a com a Asmau, deixa muito a desejar.

Os milícias trabalhando na lavra do João Sanhá.

Por outro lado, estrategicamente colocada detrás do poilão, já havia uma armadilha como prevenção para um possível ataque. Assim, e com sentinelas dentro da mata, o nosso Alferes respira fundo e sente as forças retemperadas para “contra atacar”.

Depois de jantar apressa-se a ir para o local de reunião, o “bentem”. O João já estava lá. É preciso ser rápido pois todo o pessoal africano se deita cedo. Finalmente, a pretendida conversa vai ter início. Pela primeira vez, o Alferes Magalhães não está interessado em ouvir os acordes de kora do Braima, nem tão pouco repara se há trovoadas ao longe para apreciar o relampejar. Sucede-se uma autêntica rajada de perguntas.

- João, precisava de saber algumas coisas sobre os hábitos do pessoal daqui da tabanca. Podemos conversar?

– Diga o que quer saber e se eu souber…

- Para começar, com que idade costumam casar as bajudas?

– Desde que a bajuda tenha mais de treze ou catorze anos, basta aparecer um homem que tenha posses para dar o preço que os pais pedem.

- João, aqui nesta tabanca as bajudas, principalmente as mais velhas, quando casam ainda levam o cabaço?

– Duma maneira geral levam. Aqui um homem ainda faz questão que a bajuda tenha cabaço.

Neste momento o nosso Alferes recordou as conversas que tinha tido em Bafata com o Ibraim, em que este lhe dizia que lá as bajudas eram muito livres e “namoravam” com qualquer um desde que gostassem dele. Também neste aspecto em Madina Xaquili se notava a interioridade e o conservadorismo.

- João, pode-se ter mesmo a certeza que uma bajuda ainda tem cabaço?

– Um homem mais ou menos apercebe-se se tem ou não, mas de qualquer maneira as mulheres grandes, no dia seguinte vão verificar se tinha ou não.

Aqui, o nosso Alferes não percebeu o que o João quis dizer, mas também não quis que se adiantassem mais pormenores.

- João, nesta tabanca, que dote costuma um homem dar aos pais para casar com uma bajuda?

– Aqui o pessoal não tem muitas posses. Com uma vaca e três ou quatro cabras já se consegue uma bajuda.

- João, é verdade que quando uma mulher pare uma criança, tem que estar dois anos sem dormir com o homem?

– Sim. Um homem nessa altura tem que se “virar” para outro lado.

- João, o homem e a mulher dormem na mesma cama?

– Não, muitos até dormem em moranças diferentes. Quando têm só uma morança, aí sim dormem sempre juntos.

- João, há alguma possibilidade de eu conseguir uma bajuda para casar?

– Alguns dos nossos não gostam que as filhas casem com brancos mas outros não se importam. O “patacão” tem muita força.

- E quanto ao fanado? Aqui as bajudas vão ao fanado?

- Que eu me lembre nesta tabanca nunca houve festa do fanado das bajudas. Como sempre houve pouca gente e poucas bajudas, as “mulheres grandes” nunca se interessaram com isso.

- João, se algum dia precisar da sua ajuda para conseguir uma bajuda, posso contar consigo?

O João sorriu como querendo dizer que sabia de que bajuda se tratava e respondeu que sim, que podia contar com ele.

O nosso Alferes sente-se satisfeito. Tinha conseguido o seu primeiro objectivo. Teria o caminho livre para definitivamente abordar a Asmau. Agora sim, apercebe-se que relampeja ao longe e sente-se como que mais leve. Tinha saído um peso de cima dele. Logo que o João se despede e se vai deitar, o Alferes Magalhães faz o mesmo. Na morança deita-se vestido como está, em cima da cama, coloca o auscultador no ouvido, liga o pequeno gravador e não demora a adormecer.

Fim deste episódio

Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7643: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (45): Na Kontra Ka Kontra: 9.º episódio

Guiné 63/74 - P7647: Parabéns a você (204): João Graça, médico, músico e amigo da Guiné-Bissau (Tertúlia / Editores)


Os Melech Mechaya. João Graça em cima, primeiro à esquerda


1. Neste dia 21 de Janeiro de 2011 está de parabéns o nosso tertuliano João Graça, a quem endereçamos um abraço e votos de uma vida plena de êxitos nas vertentes de músico e médico, ocupações principais deste nosso jovem amigo.

João Graça esteve recentemente (em finais de 2009)  na Guiné-Bissau, numa viagem misto de turismo e cooperação. Teve contacto, como médico, com um povo que sofre e sente as mais básicas carências no campo da saúde e prevenção de doenças para nós facilmente controladas. Se o seu trabalho foi útil, a experiência adquirida foi certamente compensadora.

As fotos que publicamos são uma amostra da sua adaptação ao meio e à população, enquanto viajante/fotógrafo, médico e músico.


O viajante João Graça

Bafatá, Dezembro de 2009

Bubaque, Dezembro de 2009


O fotógrafo João Graça

Bafatá, Dezembro de 2009

Centro de Saúde Materno-Infantil de Iemberém, Dezembro de 2009


O médico João Graça

Centro de Saúde Materno-Infantil de Iemberém, Dezembro de 2009


O músico João Graça

Tabato, Dezembro de 2009

Bissau, Dezembro de 2009

Fotos: © João Graça (2009). Direitos reservados

Amigo João, recebe um abraço de parabéns da tertúlia e dos editores que te desejam o melhor, porque sendo tu filho de um camarada és como um filho para todos e cada um de nós.
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Notas de CV:

Postal de parabéns de autoria do nosso gráfico Miguel Pessoa

Vd. último poste da série de 19 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7639: Parabéns a você (203): Luís Raínha, ex-Alf Mil Comando (1964/66), centurião mor, fez ontem os seus gloriosos 70!

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7646: Camaradas da diáspora (5): José Oliveira Marques, condutor de White, ERC 2640 (Bafatá e Piche, 1969/71), a viver em Estrasburgo, França



Guiné > Zona Leste > Bafatá > Esq Rec Fox 2640 (1969/71) >  Viatura Chaimite anfíbia com canhão. As primeiras que foram distribuídas às NT. 

Foto: © Manuel Mata (2006). Todos os direitos reservados





1. Mandou-nos um email e telefonou-nos o camarada José Oliveira Marques, natural de Aveiro, a viver em França desde 1972, perto de Estrasburgo:

Caro Amigo de Bambadinca:

Eu,  José Marques,  venho por este meio lhe agradecer pelo blog, feito de tanta coisa,  riquíssima para nós, os ex-combatentes.

Estive em Bafatá de 1969 a71 e pertenci ao Esquadrão de Reconhecimento de Cavalaria [ERC 2640] do Sr Capitão Vouga. E tenho lido no vosso blog, os comentários de Fernando Gouveia, sobre Bafatá e no qual me reconheço, là no meio daquilo tudo.

Gostaria que este meu apoio chegasse até ele.

Tenho tanta coisa para contar. Fui condutor das famosas White, posto   do qual me sinto ainda hoje orgulhoso, pelo serviço que prestei ao serviço à nossa Pátria (ou ao que se dizia Nossa Pátria)-

 Gostaria que esta mensagem chegasse do Sr Gouveia, que, depois, muito mais tenho para contar,

Sr. Luís, obrigado,pela publicação, isto é se chegar às suas mãos

Desculpe os erros cometidos na escrita, porque só estou com isto [, o acesso à Internet,] desde este Natal último. A prática é pouca, mas a vontade é muita.Estou em França desde 72 mas assisto aos convívios quando posso, com o nosso correspondente Manuel Mata [ex-1.º Cabo Apontador de Armas Pesadas do EREC 2640].

Obrigado pela atenção dispensada,

Grande Abraço, de Bafatá até Bambadinca

José Marques


2. Comentário de L.G.:

Combinámos, ao telefone, seguir as regras do blogue e, portanto, usar o tratamento que é devido aos camaradas... Vê-se que o José Marques está entusiasmada com o "brinquedo" que os filhos lhe deram no Natal. Presumo que esteja reformado. Está com imensa vontade de "ir ao baú" buscar o "missal" (sic) onde escrevia pequenas notas sobre o seu quotidiano na Guiné... Prometeu-nos mandar fotos digitalizadas (quando os filhos passarem lá por casa...), de modo a regularizar a sua entrada na nossa Tabanca Grande.

O ERC 2640 tinha 4 grupos de combate, com viaturas blindadadas White e Fox (substituídas em princípios de 1971 pelas Chaimite), 3 em Bafatá e 1 destacado em Piche (em geral, faziam rotação de dois em dois meses). Lembra-se de um emboscada a 12 ou 13 de Outubro de 1970, em que um morteirada atingiu o radiador da sua White...Fala com evidente orgulho do poder de fogo da sua White e do "respeitinho" que a metralhadora 12.7 (Browning) impunha ao IN.

A rapaziada do EREC 2640 vai comemorar, em 8 de Outubro de 2011,  os 40 anos do regresso a casa, em Castelo Branco (informação confirmada ao telefone pelo Manuel Mata, que  tem sido o corpo e a alma dos encontros do pessoal; vive no Crato: telefone fixo, 245 996 260). 

O José Marques conta cá estar com o seu camarada (e nosso camarigo) Manuel Mata (que fez recentemente anos: oficialmente a 19, porque foi a data em que o registaram, na verdade nasceu a 16 de Janeiro de 1947, já lá vão 64 anos).  

A história do EREC 2640 (ou Esquadrão de Reconhecimento Fox, como também é conhecida esta subunidade de cavalaria, que é do meu tempo na Zona Leste) já aqui foi contada pelo Manuel Mata, na I Série do nosso blogue, em 2006. Já sugeri ao Manuel Mata para "refrescar" esses apontamentos e fotos de modo a podermos publicá-los nesta II Série. É natural que, ao fim de 5 anos, ele tenha mais informações sobre os camaradas que ele foi reencontrando, e sobre a os combates travados no leste.
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Nota de L. G.:

Último poste desta série > 17 de Janeiro de 2011
>  
Guiné 63/74 - P7626: Camaradas na diáspora (4): José (ou Joe) Ribeiro, natural de Leiria, a viver em Toronto, Canadá, há mais de 35 anos: Sold Inf , 4º Gr Comb, CCAÇ 3307/BCAÇ 3833 (Pelundo, Jolmete, Ilha de Jete, 1970/72)

Guiné 63/74 - P7645: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (15): Uma ida aos Nhabijões, com o coração cheio de lembranças da CCaç 12

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Janeiro de 2011:

Queridos amigos,


Prestes a findar a Operação Tangomau, abraço os camaradas da CCaç 12 com quem tive o privilégio de conviver.


Fui aos Nhabijões, informo quem lá habitou ou calcorreou aqueles lugares e viu nascer o reordenamento que há grandes mudanças, felizmente sente-se ali um viver com mais qualidade que no Bambadincazinho, por exemplo.


Peço desculpa pelo material dos Nhabijões não ser o mais elucidativo, já eram 5 horas, lutava contra o tempo e queria assistir ao pôr-do-sol no Bairro Joli. Mas às vezes a intenção é tudo.


Um abraço do
Mário


Operação Tangomau (15)

Beja Santos

Destes Nhabijões de sangue, suor e lágrimas

1. As instruções que o Tangomau dá a Lânsana Sori são muito simples: lá em baixo no Bambadincazinho viramos à esquerda como se fôssemos para Amedalai, muito antes inflectimos para os Nhabijões, vamos só visitar o Nhabijão Mandinga. Irei recordar gente que sofreu, inopinadamente. A motocicleta lança-se no chão alcatroado, alguns quilómetros à frente avistam-se os ciclistas da região com quem se esteve a confraternizar, concretamente Sadjo Seidi, Califo Djau e Zé Finete. Novos abraços, responde-se às perguntas sobre esta presença inusitada, para eles é insólito que o Tangomau visite os Nhabijões, mesmo sendo certo e sabido que toda este território foi calcorreado até às bolanhas de Samba Silate. Como abreviadamente se conta.

Desde Missirá que se sabia que os guerrilheiros de Madina e Belel também utilizavam a cambança do Geba nestes pontos, não era só a região de Mero, em frente a Finete. Por duas vezes se tinham destruído canoas na orla do Cuor, uma vez na orla dos Nhabijões. Aqui também chegavam civis e militares afectos ao PAIGC, vindos do Buruntoni e locais afins. Os povos guineenses estavam divididos mas não se denunciavam, sobretudo quando vinham desarmados e disfarçados percorriam o quartel de Bambadinca, iam às compras e obtinham informações.

Depois veio o reordenamento dos Nhabijões, por ali o Tangomau andou com o pelotão ou deixava secções para a chamada protecção das populações, a partir de Novembro de 1969. Foi um reordenamento de vulto, dos maiores que se fizeram na Guiné: seis grandes tabancas foram construídas de raiz, com saneamento básico, escola, mesquita. À margem desse reordenamento, impunha-se policiar Samba Silate, era provavelmente a grande tabanca antes da guerra, depois deu-se a diáspora, uma parte importante foi para a guerrilha, outra derramou-se por territórios beafadas, Bambadinca e Bambadincazinho, Badora e Cossé.

Policiava-se a partir dos Nhabijões à procura de canoas e subia-se até a Amedalai. Esta era a lembrança que o Tangomau retivera, depois de regressado, em 1970. Refizera a vida e adestrara as emoções para ficar longe desse passado recente. Mas em [13 de Janeiro de] 1971 alguém lhe trouxe uma notícia infausta: houve uma mina nos Nhabijões, matou o soldado condutor Soares e feriu alguns mais, até com gravidade. Ora o soldado Soares, por força das actividades de recoveiro exercidas pelo Tangomau e sua tropa, levava-o e trazia-o por itinerários como Madina Bonco, Galomaro, Bafatá, Ponte de Udunduma, Madina Xaquili, coisas assim. Dava para conversar, cedo se apurou que o Soares era temperado, curioso e de trato irrepreensível.

Quando foi derrubado pela notícia da sua morte, o Tangomau fixou-se para todo o sempre nas leituras do condutor Soares, eram obras simples como A Peregrinação contada às crianças, romances de Júlio Dinis, sínteses da Eneida e da Odisseia. Sobre este formidável sinistro está tudo dito e redito no blogue, não se levam flores, leva-se a memória até esse caminho que mudou a vida de pessoas.



2. No passado, saia-se de Bambadinca e por caminhos sinuosos, qualquer coisa como 3 quilómetros entrava no Nhabijão Mandinga, daí passava-se para o Nhabijão Mancanha, inflectia-se à esquerda para Nhibajão Bulobate, daqui para o Imbume, depois o Bedinca e finalmente o Cau, curiosamente quem olha para o mapa, serpenteiam a rica bolanha de Samba Silate até à orla do Geba estreito.

Agora a viagem é diferente, ampliou-se o velho trilho antes de Amedalai, perto do rio Udunduma, é uma linha recta flanqueada por cajus e cabaceiras. Não é bonito nem feio, o que importa é a hora do dia, o sombreado cor de ouro, as pessoas que vão e vêm, sempre a acenar e sorridentes. E súbito, o Tangomau volta 40 anos atrás, ali está uma casa do seu tempo, muito provavelmente são as chapas ali colocadas no tempo em que o governador assistiu à inauguração. Percorrem-se vielas e travessas, sim, confirma-se que há metamorfoses mas há muitos sinais do passado. É nisto que se juntam populares, o Tangomau dá explicações, um ajuntamento ruidoso persegue-o entre o mundo de ontem e o que se construiu depois.



3. Em 1969, vimos plantar este arvoredo, estas são as casas desse tempo e quando não são guardam a lógica do reordenamento. O fundamental é que os guias perceberam que a visita incide sobre a memória do lugar, primeiro, e já se questionou onde fica a velha estrada, é importante ir ao local exacto onde se deu a deflagração e onde gente companheira experimentou um grande sofrimento.

Vão-se fazendo perguntas, há ali construções novas, cooperativas, unidades de saúde, infra-estruturas suportadas por ONG e até por missões. É o caso desta imagem, ali há muita actividade, ensina-se empreendedorismo, desenvolvimento rural,  ensina-se artesanato e algo mais. Que bom apontar-se para o futuro, para o trabalho e para o desenvolvimento humano. Tira fotografia!



4. Deste local, junto à estrada, vamos a pé, em comitiva, vamos mudar de rumo, à procura da velha estrada, onde tudo aconteceu. Sim, há boas diferenças, Lânsana Sori no regresso percorrerá esta estrada até chegarmos, por portas e travessas, ao antigo quartel.

Os Nhabijões cresceram, são o subúrbio do Bambadincazinho, mas aqui há agricultura florescente e já foi dito que a pesca traz bons alimentos. E dois quilómetros à frente, alguém exclama em voz alta: “Aqui foi mina, rebentou aqui e rebentou quando veio atrás!”. Alguém se acocora e aponta, o Tangomau, como é uso e costume, brada: “Não te mexas, o pessoal da CCaç 12 vai recordar esses momentos de aflição”. Terá sido este o local onde deixou de viver um jovem que sonhava com a família e que lia adaptações de João de Barros e António Sérgio. E o Tangomau curvou-se respeitosamente perante essa memória.




5. Aqui, segundo a descrição de quem guia o Tangomau, o Unimog terá recuado, alguém mostra a pedra chamuscada, fez-se clareira com a nova explosão, não interessa exactamente o que aconteceu, está tudo registado e é até muito provável que não tenha sido exactamente assim. O que comove o Tangomau é o afã dos seus acompanhantes, a sua expressão, imitam sons das explosões, é genuína aquela procura de reproduzir os pontos exactos onde o drama aconteceu. Alguém aponta para esse local onde a viatura voltou a explodir.

Nova imagem, se não foi exactamente assim o Luís Graça que reponha a verdade, pode ser que se esteja a descrever tudo ao contrário, não sei veio aqui com intuitos de cronista, é tudo lembrança, o Tangomau até ultimamente se tem encontrado com o Marques, que tanto penou com este acidente. Coisa estranha, o Tangomau lembra os camaradas de quarto, um tal Francisco Magalhães Moreira, que vive em Santo Tirso, um tal Abel Rodrigues, que vive em Miranda do Douro, lembra operações, colunas, fainas um pouco mais banais, perigos em comum. E capta imagem, lembrando todos, como se dessa explosão tivesse resultado mais estima.




6. Olha, diz um dos guias, aqui ficou tudo chamuscado, um meu pai contou-me que havia uma grande cratera, tapou-se, agora o mato esconde tudo. Alguém mais repara que aqui já o Unimog era um destroço, corpos à deriva, gritos de espanto e de pavor.

É nisto que o Tangomau se lembrou de um poema de Sebastião da Gama intitulado Cristo, e de forma avulsa, ajuntou alguns versos para recordar o soldado condutor Soares: “Ó meu Jesus heróico, / meu Capitão, afasta / com Tua mão direita, / afasta a Morte, afasta-a, / que ainda não a mereço (…) Era de tarde. O Vento / dava nas ervas, punha-as / de rastros, humilhadas. / Jesus passou. / -: Ergui-me.”.

Desculpa lá, ó Soares, desculpe lá ó Marques, foi o que me veio à cabeça, talvez não tenha jeito nenhum, mas é o que eu queria dar em preito à malta da CCaç 12. [Sobre uma segunda mina, duas horas depois da que matou o Soares, leia-se o poema de L.G. > Blogpoesia > À uma e meia da tarde, na estrada de Nhabijões-Bambadinca]



7.  A visita está concluída, depois desta homenagem singela. Caminha-se para o lusco-fusco, Lânsana promete um passeio de regresso com algumas surpresas. Tira-se a última fotografia dentro do Nhabijão Mandinga, pena foi não ter havido oportunidade para andar dentro da bolanha e fazer de Samba Silate o árduo caminho até Amedalai.

Felizmente que as viagens se recomeçam, para tanto basta que a curiosidade coexista com a vontade de regressar a esta terra bem-amada. Aí o José Saramago tem toda a razão: o que se vê de dia, com chuva, não é o que se vê noutro dia, ensolarado; e o que se vê em Março não é o que se vê em Setembro, e por aí adiante. Acresce que o Tangomau teve o privilégio de conhecer esta natureza em todos os segundos do dia, com chuva torrencial, com o pó a esquentar os pulmões, com o céu de chumbo dos tornados, as noites esbraseadas no auge da época seca. E à saída do Nhabijão, ele diz para si, sem que ninguém oiça: até breve, prometo voltar.



8. Sabe-se lá quando voltará o Tangomau ao Bairro Joli. A motocicleta vai à desfilada e é nisto que se apanha a última luz do dia. É que grande dia este 28 de Novembro de 2010! Primeiro a confraternização, aquela beleza, aquela ternura do Tangomau poder abraçar os seus bravos. E depois os Nhabijões.

Durante décadas, ninguém quis, nas artes plásticas, registar as nossas condições de guerra. Foi nesse contexto de indiferença que um dia um grande pintor, Manuel Botelho, se atirou à captação das guerras. Recorreu e recorre frequentemente às coisas do blogue. Hoje é o último dia em Bambadinca. Saudemos em primeiro lugar o pôr-do-sol, aquele momento derradeiro que o Tangomau nunca esqueceu. E depois mostre-se a imagem que o Manuel Botelho gravou da grande tragédia dos Nhabijões.

Entretanto, hoje é jantar de despedida, a visita bem importunou esta família do Bairro Joli, amanhã, está prometido, Fodé e Calilo Dahaba aparecerão pelas 8 da manhã. Iremos no carro de combate para a última jornada do Tangomau, em Bissau.



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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7640: Notas de leitura (191): Intervenção Rural Integrada, a experiência do norte da Guiné-Bissau, de Mamadu Jao (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 15 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7618: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (14): Aquele domingo de festa no Bambadincazinho

Guiné 63/74 - P7644: Agenda Cultural (101): A Associação de Estudantes da Guiné-Bissau em Lisboa e o Núcleo de Estudantes Africanos da Faculdade de Direito: Homenagem a Amílcar Cabral, hoje, dia 20, das 16h30 às 19h30, na FD/UL, em Lisboa

1. Mensagem da Associação de Estudantes da Guiné-Bissau em Lisboa, com pedido de divulgação:

 A  Associação de Estudantes da Guiné-Bissau em Lisboavem por este  meio apresentar o seu programa para dia 20 de Janeiro na Faculdade de  Direito de Lisboa pelas às 16:30 na Sala de Audiências da Faculdade de Direito de Lisboa.

Cumprimentos Cordiais Ednilson dos Santos


Programa
A Associação de Estudantes da Guiné-Bissau em Lisboa (AEGBL) e o Núcleo de Estudantes Africanos da Faculdade de Direito (NEA-FDL),  com apoio da Embaixada da Guiné-Bissau em Portugal, vêm por este meio informar que no dia 20 de Janeiro de 2011 se  realizar uma Cerimónia em Homenagem a Amílcar Lopes Cabral e Heróis da luta pela libertação da Guiné-Bissau e Cabo-Verde.

Programa do Evento


Local de Evento: Faculdade de Direito de Lisboa [, Cidade Universitária,  Campo Grande], Sala de Audiências,

Hora: das 16:30h às 19:30

Tema: “Homenagem dos Heróis Nacionais da Guiné-Bissau e Cabo-Verde e a Influência do Pensamento de Amílcar Lopes Cabral nos dois Países ”

16:30 Abertura solene da Conferência

Conferencistas >

Eng. Domingos Simões Pereira, Secretário Executivo da CPLP [ , Comunidade dos Países de Língua Portuguesa];
Dr. José Luís Hopffer de Almada, Jurista e Analista político;
Prof. Doutor Julião Sousa, Professor de História e investigador na Universidade de Coimbra;
Dr. Rony Moreira, Sociólogo;
Prof. Doutor António Duarte da Silva, Professor Universitário e autor dos livros: Independência da RGB, Invenção e Construção da RGB;
Prof. Dr. Bernardo Pacheco de Carvalho, Coordenador do CIAT-CD Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa, PAIAT - ISA/UTL

Moderador: Jornalista António Lopes Soares, Tony Tcheka, Consultor Internacional em Comunicação e Jornalismo

18:00h Espaço de Debate

18:30 Encerramento: Excelentíssimo Senhor Embaixador da Guiné-Bissau em Portugal, Dr. Fali Embaló

Organização: AEGBL e NEA-FDL Com Apoio da Embaixada da Guiné-Bissau em Portugal

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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7569: Agenda Cultural (100): Fim do Império: Olhares Jornalísticos - 4.º Encontro: 18 de Janeiro de 2011, na Livraria Verney, Oeiras. Oradores: Cor Carlos Matos Gomes e o fotógrafo Fernando Farinha  

Guiné 63/74 - P7643: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (45): Na Kontra Ka Kontra: 9.º episódio





1. Nono episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 19 de Janeiro de 2011:



NA KONTRA
KA KONTRA


9º EPISÓDIO

Sentados no “bentem”, por momentos, estiveram os dois em silêncio. A essa hora nunca era demais contemplar as trovoadas ao longe, sem a preocupação das que se desencadeavam perto e que provocavam autênticos dilúvios. Por mais que lhe custasse o nosso Alferes expôs o mal estar da Kadidja e alertou para as consequências de ser a mulher do Chefe da Milícia a debandar. Por arrastamento podiam acontecer mais “deserções”.

O João ouve, nada diz, e o Alferes Magalhães espera que a conversa venha a surtir algum efeito.

O milícia Braima ainda toca o seu kora e o nosso Alferes começa a fazer planos para o dia seguinte. Ainda antes de ter a tal conversa com o João, pelo desejo incontido, iria procurar a Asmau à morança do pai, chefe de tabanca. Não sabia muito bem como abordaria o assunto nem tão pouco quem lhe iria aparecer, se a bajuda se os pais. O desejo de a rever estava a tornar-se incontrolável.

Depois de tomar o café, o Alferes Magalhães anda por ali dum lado para o outro a ganhar coragem e a pensar o que dizer, conforme quem lhe aparecesse à porta da morança do Chefe de Tabanca. Custou a decidir-se mas por fim, num repelão, arranca direito à morança da Asmau que fica no outro extremo da tabanca. Não vai pelo carreiro que serpenteia por entre as outras moranças. Vai a direito, como autómato programado para fazer um percurso entre dois pontos.

Como o calor já apertava e devido ao seu estado de alma chega ofegante. Tem que limpar o suor que lhe escorre da testa e lhe inunda as faces. Fora da morança não vê ninguém. Não tem coragem de chamar directamente pela Asmau e chama:

- Adramane, Adramane.

O Chefe de Tabanca aparece, baixando-se ao passar a porta da morança e logo pergunta:

- O senhor “Alfero precisar” alguma coisa?

O nosso Alferes sabia muito bem do que precisava, mas apesar da sua coragem como militar, neste caso vai-se totalmente “abaixo das pernas”. Para isso contribuiu também o aparecimento da bajuda Asmau, à porta. Não querendo estragar tudo logo ali no início, e porque lhe tremiam as pernas, o que lhe pôde sair da boca foi:

- “Kuma ku bu s’esta? kurpo di bo”?... Sabe, Chefe, nós andamos a comer sempre a mesma “bianda”, e para ver se variamos, queria saber se alguém da tabanca nos pode vender duas galinhas.

Tão depressa o Chefe de Tabanca mandou entrar o Alferes, como depressa a Asmau saiu. Em conversa de homens as mulheres não participam. A bajuda fugia-lhe por entre os dedos como “bentana” escorregadia.

Lá dentro o Chefe Adramane apressou-se a dizer:

- Ainda bem que me vem falar das galinhas, pois eu já estava em falta com o senhor “Alfero”, desde que aqui chegou. Tinha precisamente duas galinhas para lhe oferecer.

Depois dos respectivos agradecimentos e de conversarem de vários assuntos relacionados com a tabanca o nosso Alferes despede-se e vai reunir-se ao pessoal que iria começar os trabalhos dessa manhã. Pelo caminho congeminou que, para agradar ao Chefe de Tabanca, lhe irá oferecer uma lata de atum, das grandes, de três quilos. Aos seus homens dirá uma pequena “mentirinha”, que tinha trocado uma lata de atum por duas galinhas, para todos tirarem a barriga de misérias.

Ao regressar da morança do Chefe de Tabanca ouviu um gargalhar à porta de uma morança. Dirigindo-se para lá depara com o Dionildo mostrando a dois milícias, um baralho de cartas de jogar, daqueles com cenas pornográficas, o que provocava nos africanos daquela tabanca remota, um misto de gozo e de admiração pela depravação patente. Tinha que ser o Dionildo… O Alferes explica-lhe a “poluição” do seu acto, face à ingenuidade e pureza daquela gente, ao mesmo tempo que constata que realmente tinham vindo prevenidos. A criatividade não tem limites, pensa.

O nosso Alferes mandou o “Legionário” buscar as galinhas em troca da lata de atum, dando a explicação que tinha congeminado.

Nessa manhã adiantam-se os trabalhos. Chegada a hora do almoço, o nosso Alferes está de “água na boca”, não pela galinha preparada pelo “legionário”, mas por que não dizê-lo, pela sua amada.

Será que à noite, desta vez, irá ter com o João a conversa que tanto deseja?

Fim deste episódio

Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7637: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (44): Na Kontra Ka Kontra: 8.º episódio