segunda-feira, 30 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9831: Tabanca Grande: oito anos a blogar (17): Pode o blogue esquecer a data, 25 de abril, sem a qual nunca teria existido ? (José Belo)


1. Mensagem, de 28 do corrente, do nosso camarigo José Belo [, foto à direita]:



De: Joseph Belo [ joseph.sve@gmail.com]

Data: 28 de Abril de 2012 19:24

Assunto: Um comentário frontal no aniversário do blog.


Caro Amigo e Camarada: 



Considerando-me um membro leal, e entusiasta, do nosso blogue, sinto que,  entre camaradas de armas que tanto sofreram em comum,  deverá haver uma frontalidade nas opiniões e na forma aberta de as exprimir.

O nosso blogue tem conseguido navegar,  ao longo dos seus já muitos anos algumas "pequenas-grandes" tempestades, graças à dedicação,entusiasmo e sensibilidade relacional dos seus Editores. Não tem só "navegado" como tem vindo continuamente a crescer, expandir-se, tendo-se tornado num caso único entre pares.


Um caso único pela vasta soma de documentos que dispõe, e não menos, um caso único pelo relacionamento entre a vasta maioria dos seus membros:todas as divergências acabam por ser ultrapassadas, e, a seu modo, vão enriquecendo em diversidade as perspectivas de cada um dos participantes.

Nas nossas idades (que para alguns será igual a ... certezas feitas) este agitar de opiniões servirá para não nos deixar cair em madrice de intelecto. Dentro deste espírito, e como o assunto está inequivocamente relacionado com a guerra da Guiné, mormente o fim da mesma, gostaria de exprimir uma opinião frontal sobre a data do 25 de Abril de 1974 não referida no blogue. 


É uma data que lembra o fim de um longo regime de ditadura,e consequente liberdade para todos os portugueses. E a palavra "todos" será importante. É uma data que comemora o fim das guerras de África.(E porque não lembrá-lo, é uma data que veio permitir a existência deste blogue). 

Misturar, ou recear misturar,  factos de importância histórica com os criminosos "arrivismos" de alguns, pondo agendas partidárias (e pessoais) ao serviço dos mais variados interesses, internos, e não menos externos, será,a meu ver, algo de injusto para o significado de Abril. Ao contrário das grandes potências, desde logo infiltradas no país e que bem souberam defender os seus interesses noutras áreas, interesses nacionais importantes, e não menos valores fundamentais, foram criminalmente, ingenuamente(?), estupidamente, negligenciados. 


No caso concreto dos ex-combatentes da Guiné, não creio serem muitos os que desejariam para os seus filhos e netos o acabarem por ser arrastados para aquela guerra sem soluções que não políticas. Porque, mesmo que nós e os africanos que nos combatiam tivéssemos encontrado uma milagrosa maneira política de reestabelecer a paz, as tais grandes potências internacionais não o teriam permitido. Os interesses eram outros.

Será esta a não divisionária referência a Abril? Porque o resto, espiado de todos os imediatismos, ficará sujeito ao duro julgamento da História, próxima e distante. 

Um abraço. 
José Belo
Estocolmo, 28 Abril 2012. 

PS - Tenho tentado enviar desde outro computador este e-mail, sem resultado. Daí pedir desculpa se me estiver a...repetir.
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Nota do editor:
Último poste da série > 29 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9829: Tabanca Grande: oito anos a blogar (16): Parabéns (Vasco Pires, no interior do Brasil; ex-cmdt do 23º Pel Art, Gadamael, 1970/72)

Guiné 63/74 - P9830: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande (18): Álbuns dos nossos fotógrafos Jorge Canhão, Juvenal Amado, Luís Moreira, Manuel Carmelita, Manuel Lema Santos, Manuel Resende, Miguel Pessoa, Rui Silva e Sousa de Castro


VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> Almoço-convívio e sessão de lançamento do livro do Idálio Reis > Fotos panorâmicas do Manuel Resende.

Fotos: © Manuel Resende  (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Mensagem, de ontem, enviada pelo correio interno da nossa Tabanca Grande:

Caro camaradas e amigos tertulianos
Como vale mais tarde que nunca, aqui estão os endereços do Picasa onde poderão aceder às fotografias do VII Encontro da Tabanca tiradas e disponibilizadas pelos camaradas (ordem ao acaso):

- Luís Moreira: https://picasaweb.google.com/carlos.vinhal/VIIEncontroFotosDeLuisMoreira?authuser=0&authkey=Gv1sRgCJbXv4a07d3_zwE&feat=directlink

- Manuel Lema Santos: https://picasaweb.google.com/carlos.vinhal/VIIEncontroFotosDeManuelLemaSantos02?authuser=0&authkey=Gv1sRgCMvn8fzN1LTTRA&feat=directlink

- Manuel Carmelita: https://picasaweb.google.com/carlos.vinhal/VIIEncontroFotosDeManuelCarmelita02?authuser=0&authkey=Gv1sRgCLbz9ITHj-jBxwE&feat=directlink

- Jorge Canhão: https://picasaweb.google.com/carlos.vinhal/VIIEncontroFotosDeJorgeCanhao02?authuser=0&authkey=Gv1sRgCIPar77UhuT8Rg&feat=directlink

- Juvenal Amado: https://picasaweb.google.com/carlos.vinhal/VIIEncontroFotosDeJuvenalAmado?authuser=0&authkey=Gv1sRgCMbluoTEutbs_gE&feat=directlink

- Rui Silva: https://picasaweb.google.com/carlos.vinhal/VIIEncontroFotosDeRuiSilva?authuser=0&authkey=Gv1sRgCJv9lOaCpd6ufQ&feat=directlink

- Miguel Pessoa: https://picasaweb.google.com/carlos.vinhal/VIIEncontroFotosDeMiguelPessoa?authuser=0&authkey=Gv1sRgCN_Qh5qOjannNg&feat=directlink
e
Manuel Resende: https://picasaweb.google.com/carlos.vinhal/VIIEncontroFotosDeManuelResende?authuser=0&authkey=Gv1sRgCPnGg4aG8KyqugE&feat=directlink
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Nota do editor:

Vd. Último poste da série > 28 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9819: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande (15): Um momento alto: o lançamento do livro do Idálio Reis (Parte II): Mais fotos da sessão de autógrafos

Em tempo: 
Aquando da publicação deste poste verificou-se que os links apresentados não permitiam a visualização das fotos.
Está corrigida a anomalia desde de 1 de Maio.
CV

domingo, 29 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9829: Tabanca Grande: oito anos a blogar (16): Parabéns (Vasco Pires, no interior do Brasil; ex-cmdt do 23º Pel Art, Gadamael, 1970/72)

1. Mensagem do nosso leitopr e camarada Vasco Pires [, ex-alf mil art, 23º Pel Art, Gadamael, 1970/72; no foto à direita, um obus 14, em Gadamael, 1973; foto de J. Casimiro Carvalho]

 Data: 27 de Abril de 2012 18:35

Assunto: Parabéns

Caro Luis Graça,

Cordiais saudações.

Em mensagem anterior (*), já falei que logo no mesmo ano que regressei da Guiné saí de Portugal, e que há pouco tempo conheci o blog.


Estou escrevendo, para saudar você e sua equipe de editores, por acasião do 8° Aniversário (**), bem como do VII Encontro Nacional da Tabanca Grande, pelo fantástico trabalho de congregar tantas pessoas, dessa geração tão esquecida. Saúdo em vocês, todos os membros da Tabanca Grande, em particular os os meus amigos de 50 anos, Paulo Santiago e Manuel Augusto Reis.

forte abraço
VP

PS - Ainda me encontro no interior do Brasil, assim que for a São Paulo, procurarei os papéis para ingresso na Tabanca Grande.
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Notas do editor:


(...) Sou um desses milhões da multicentenária diáspora Lusitana. Em 1972 saí de Portugal, e por aí ando até esta data.  Há talvez um ano, tive o primeiro contacto com o blog; quero te parabenizar como a toda a equipe pelo extraordinário trabalho, bem como pelo alto nível da edição do blog, em assuntos tão polémicos e carregados de emoção, com décadadas de distância. (...)

 

(**) Último poste da série > 27 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9817: Tabanca Grande: oito anos a blogar (15): Mensagem do Cherno Baldé, num momento de dor mas também de esperança para o povo guineense

Guiné 63/74 - P9828: Agenda cultural (198): "O Trilho: um cruzar de épocas em gerações transversais – 1950-2050", novo livro de José Saúde


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos um convite para o lançamento do seu novo livro, que é já no próximo dia 10.

 Camaradas, 

Aqui fica o meu convite pessoal dirigido a todos vós, para a apresentação da minha nova obra "O TRILHO", que vai decorrer em 10 de Maio de 2012, na Biblioteca Municipal José Saramago, em Beja.

Guiné, território trilhado por Jesus, personagem principal do romance

“O TRILHO” é, meramente, um romance que vagueia por épocas completamente distintas. Trabalho pela rama o virtual, o mundo de memórias utópicas, cruzo gerações, a faina da ficção e fixo-me em 2050 onde a tecnologia impera. Trata-se, no fundo, de um romance onde reinam exequíveis deambulações de uma vida longa, cujo fio condutor nos transporta a 100 anos de existência. 



Claro que Jesus é uma personagem construída. Um ser humano que se depara amiúde com as adversidades que a vida a todos propõe. A sua realidade é semelhante, por certo, ao vulgar companheiro com o qual diariamente nos cruzamos na rua. 



Na imensidão do tempo percorrido, Jesus, tal como o mais vulgar cidadão, depara-se com o serviço militar obrigatório. Os tempos eram outros. Foi ranger e mobilizado para a Guiné. 

Fica aqui sublinhado no blogue Luís Graça & Companheiros da Guiné, uma pequena narrativa dessa passagem da personagem “mítica” por território guineense. 

… “A Guiné, província palmilhada pelo jovem Jesus, apresentava-se como um território substancialmente contraditório às tropas portuguesas. O clima era rude e o terreno propício para as emboscadas do inimigo. A mata fechada escondia o imprevisto. O simples mexer do capim provocava um alvoroço. “Não é nada!”, comentava-se. A palavra passava e o grupo recompunha-se da tremedeira inicial. Nunca acreditar na sorte! “Antes um cobarde vivo que um herói morto”, comentava o soldado desconhecido com um buraco no fundo das costas. As picadas eram caminhos de terra consideradas normalmente como trilhos desconhecidos e de perigo iminente. O mato denso metia respeito. A água das bolanhas apresentava sinais de adversidades. Um pequeno ruído assumia-se como uma precaução imediata. Testava-se o imprevisto, concluía-se a razão do sinal de alerta e, por fim, a malta retomava o andamento ciente de que o falso alarme não passara de uma sombra que o medo momentâneo determinava. 

No mato, substancialmente denso, o pessoal confrontava-se com as mais díspares situações. Os enxames de abelhas e as formigas formavam autênticos esquadrões de linhas de combate. Impunha-se, pois, um cuidado redobrado. 

As noites no mato eram passadas preparando uma emboscada encarada, por norma, como um manto de canseiras. Na época do cacimbo, as horas apresentavam-se dolorosas. Sairmos do quartel às 5 horas da tarde com uma temperatura sufocante acima dos 40 grau e de madrugada o termómetro a acusar uma temperatura quiçá negativa, constituía uma situação adversa para qualquer ser humano. O cacimbo parecia perfurar os ossos. Enroscado a um ponche carregado de buracos, o militar descansava com os olhos bem abertos. 

Na época das chuvas, as intensas trovoadas rompiam o silêncio da noite. Os relâmpagos sucessivos quase transformavam a noite em… dia. As turbulências noturnas pareciam ecos de uma África sem tréguas. Nem os buracos das árvores de grandes portes se assumiam como contemplativas para um jovem que nada pediu para se encontrar naquele lugar. Exclamava-se: “Que mal fiz eu a Deus para vir aqui parar?... “O que faço neste sítio?”… “Isto é deles… não é nosso!”… “Quem me dera estar na metrópole junto dos meus familiares e amigos!”… “E as belas moças para namorar!”… “A malta de Madina está a ser atacada!”...“Ena pá, aquela foi mesmo para aviar”… “Pergunta ao gajo do rádio se há mortos ou feridos!”… “Fala baixo porque isto é perigoso!”... “Não são horas de ir andando para o quartel?”... “Bolas, esta noite foi terrível, o cacimbo atacou em forte!”... “E os mosquitos não deram tréguas!”... “São cinco da manhã!”... “Finalmente a emboscada chegou ao fim!”... “Ainda bem que esta noite não houve chatices!”... Calmamente, a malta retirava-se, consciente de mais um dever cumprido e zurzindo naqueles que, um dia, o mobilizaram para sítios nos quais nunca ousara pensar…” 

Moita Flores, autor do prefácio do livro “O TRILHO”, refere num pequeno conjunto de palavras a globalidade, embora sintética, do conteúdo geral da obra. 

… “a narrativa que o autor nos apresenta numa escrita simples, idílica, cravada de memórias e de utopias, remete-nos para o confronto com os sinais do tempo que marcam a nossa história recente.”… 

Um abraço camaradas deste alentejano de gema, 
José Saúde 
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 


Guiné 63/74 – P9827: Convívios (421): XIII Convívio da CCAÇ 3491, dia 26 de Maio de 2012, em Montemor-o Velho (Luís Dias)


1. O nosso Camarada Luís Dias*, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, enviou-nos a seguinte mensagem com o programa da próxima festa da sua Unidade. 

Caríssimos Editores, 

Solicito a colocação no nosso blogue da "Tabanca Grande", do anúncio do Almoço - Convívio da CCAÇ 3491, que anexo, que irá ter lugar no dia 26 de Maio de 2012, na zona de Montemor-o-Velho. 

Gratos pela atenção que possam dar a este pedido. 

Um abraço para todos vós. 

Luís Dias 

13º CONVÍVIO 
 COMPANHIA DE CAÇADORES 3491 
DULOMBI/GALOMARO 
GUINÉ 1971-74 

Caros Camaradas e Amigos 

É com enorme prazer e alegria que venho pela presente convidar-vos para o 13º Convívio, comemorativo do 38º Aniversário da nossa chegada ao país (4 de Abril de 1974) que nos viu partir para a guerra. O convite é também extensivo a todos os familiares e amigos que queiram participar, ajudando a abrilhantar este evento. 

Este ano cabe-me a mim receber-vos pela 2ª vez na minha terra – Montemor-o-Velho – onde, juntos, iremos comemorar e recordar os tempos passados na Guiné, em especial a forte camaradagem existente no seio da nossa companhia, que nunca será esquecida. 

É com este espírito que te espero a ti e quem contigo quiser aparecer, no próximo dia 26 de Maio, pelas 12 horas, no Restaurante Patinhos, no Lugar de Lavariz, Carapinheira, Tentúgal, Montemor-o-Velho (sítio da net: www.patinhos.com.pt), conforme mapa que se anexa. 

O valor do almoço será entre os 25 e os 30 euros e a comida será a tradicional portuguesa, com um prato de peixe e outro de carne, para além das entradas, sobremesas, cafés e digestivos e claro, os nossos vinhos. 

Aguardo pela vossa confirmação até ao dia 12 de Maio de 2012, pela mesma via, ou pelo telefone 239 623 259, Telemóvel nº 918 590 011 (ambos a partir das 20h00). 

Sem outro assunto, um abraço amigo de, 
Eugénio Varela Espírito Santo (Ex-Furriel Milº/Atº de Infª do 2º GC) 
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 


Guiné 63/74 - P9826: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (12): Cartas de Paunca, SPM 5668, Parte II (J. Casimiro Carvalho, Fur Mil Op Esp., CCAÇ 11, mai-ago 1974)












Guiné > Região de Gabu < Paunca > CCAÇ 11 (1969/74) > Junho / julho / agosto de 1974 >  A paz, depois da guerra, ou guerra & a paz, como faces da mesma moeda... >  O fur mil op esp J. Casimiro Carvalho, "herói de Gadamael", no meio dos inimigos de ontem...  Fotos do seu álbum fotográfico, sem legendas... Agradeço-lhe a coragem e a frontalidade com que, dezenas de anos depois, ele me deixou ver e digitalizar essas fotos de inegável interesse documental. Este nosso camarada que vemos aqui a abraçar os inimigos de ontem, foi o mesmo que tinha escrito à mãe, em 6 de junho de 1974 a seguinte missiva: "(...) Ficou, nesse encontro, determinado que amanhã o inimigo vinha a um quartel nosso visitar-nos, conhecer-nos, nós que nos matavámos [uns aos outros] sem nos vermos. Enfim, agora como está previsto, conhecer-nos-emos, se não houver imprevistos, e eu, que tanto os odiei, com o ódio que ganhei com a guerra, devido ao sangue que vi derramar, irei... talvez - quem sabe ? - ABRAÇÁ-LOS. Sim, porque eles lutaram para defenderem o que por direito lhes pertencia, um chão deles, bravos soldados como nós." (...).


É o mesmo J. Casimiro Carvalho que na batalha de Gadamael pôs a vida em risco para salvar outros camaradas (e nomeadamente o seu capitão) e que chegou a ser ferido.

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados.









Selos da Guiné, carimbo de 22.3.73, SPM de Guileje [2728 ]


 1. Continuação da publicação das cartas (e aerogramas) que o J. Casimiro Carvalho escreveu à família (e em especial ao pai e à mãe, ou a ambos) durante o período final da sua comissão, em que foi colocado na zona leste.


Em 8 de maio de 1974, J. Casimiro Carvalho parte de Bissau para Nova Lamego, de avião, a caminho de Paunca, indo integrar a CCAÇ 11. Aí espera acabar, sossegadamente, a sua comissão (, faltando-lhe então cinco meses), e inclusive "passar umas férias", como toda a gente lhe garante. Com 18 meses de Guiné, e depois das batalhas de Guileje e Gadamael, o nosso camarada transmite aos pais uma mensagem de otimismo. No verso da carta, fazia uma referência ao "momento único" que o país estava a atravessar (,referência ao 25 de abril de 1974 e às perspetivas de paz que se desenhavam no horizonte).








No final de junho de 1974, conta uma a um os dias que faltam para terminar a comissão: 49 dias (o mês de julho completo mais 18 dias do mês de agosto).  Mas não tem ilusões: só estará de volta  a casa lá para outubro... Faz questão de mostrar ao pai (ou à mãe) o seu espírito de "ranger" (ele tinha feito o curso de operações especiais em Lamego, com a nota final de aproveitamento de 15,28 valores). Mostra, além disso, a sua faceta de bom rapaz e melhor filho, brincalhão, ternurento, bem humorado, com jeito inclusive para a "ilustração"...



Entretanto, em 6 de junho a tropa de Paunca tinha estabelecido os primeiros contactos amistosos com os guerrilheiros do PAIGC. Essa primeira aproximação, bem sucedida, foi relatada por ele em carta enviada à mãe,  em 10 de junho (*): "Olá, maezinha, começo já por falar naquilo que me enche a cabeça e o coração" (...).


Em 30 de junho, escreve ao pai, e o tom da carta sugere despreocupação e descontração. A caminho de dois meses em Paunca, confessa que ainda não fez uma única patrulha... No entanto, a situação no nordeste da Guiné não parece estar totalmente calma.  J. Casimiro Carvalho não se refere, na sua correspondência, à evolução do estado de espírito dos militares do recrutamento local que integram a CCAÇ 11.






 Um mês depois, em carta não datada, faz já questão de mostrar os seus progressos em matéria de aprendizagem da língua fula. A carta tem as folhas divididas pelo menos em quatro partes, numeradas a romano... 

Na parte II, por exemplo, descreve a visita, ao quartel, de "um grupo do PAIGC", vindo em duas viaturas russas, "armados até aos dentes"... E acrescenta: "mais uma vez houve troca de saudações e cumprimentos, já nem se fala em guerra!"...

Na parte IV diz que a CCÇ 11 deve sair de Paunca em setembro ou até mesmo em agosto. Diz explicitamente ao pai que "agora estamos num país estrangeiro - República da Guiné Bissau - agora reconhecida por 80 países e agora pelo nosso também. Estamos todos contentes com esta situação e o que queremos agora é ir embora"... Nada faz indiciar a revolta ou insubordinação do pessoal africano da companhia, na sua maioria fulas: "Os africanos já entregaram o material de guerra todo,  que está a ser encaixotado para seguir para Bissau, e a seguir vamos nós. Que melhor fim de comissão podia esperar ?"...







Segundo me informou o nosso camarada, na última vez que o vi, em Monte Real, no passado dia 21, ele relatou aos pais o susto que apanhou quando os soldados (ou alguns soldados) da CCAÇ 11 sequestraram e expulsaram do quartel de Paunca os seus superiores hierárquicos... Essa carta ter-se-á perdido, depois de ter sido cedida a alguém que não a devolveu... A deduzir pelo conteúdo desta última carta (reproduzida acima), esses acontecimentos devem ter ocorrido em agosto de 1974, em data que o J. Casimiro Carvalho não me soube precisar com exatidão... Pode perguntar-se, no entanto, com que armas os soldados da CCAÇ 11 tomaram de assalto o quartel de Paunca e expulsaram os "tugas" ? As que já estavam encaixotas, prontas para seguir para Bissau ?



Numa outra carta dirigida à mãe, também não datada (mas possivelmente já de agosto de 1974), ele tenta tranquilizá-la, dizendo-lhe: "Acerca de eu ter tido ou não problemas aqui [sic],  pode ficar descansada que corre tudo às mil maravilhas"... Mentira piedosa para aliviar a angústia de uma pobre mãe ?... De qualquer modo, isto passa-se depois dos contactos com o PAIGC já se terem tornado rotina, havendo inclusive troca de "roncos", entre as NT e o antigo IN: "Tenho um cinturão de guerrilheiro do PAIGC, um cantil e um casaco de campanha, são recordações do princípio do fim da guerra. E tirei umas dezenas de fotografias deste tão histórico momento" (...).

Estas parecem ser as últimas cartas de Paunca. Os originais destas e das demais cartas que o J. Casimiro Carvalho confiou à minha guarda durante cerca de 5 anos e meio, já lhe foram devolvidas no passado dia 21 de abril, em Monte Real, conforme o prometido. Bem hajas, camarada Casimiro Carvalho, por teres permitido partilhar, sem reserva,  um pouco dos teus sentimentos e pensamentos íntimos durante a tua comissão militar no TO da Guiné... (LG).

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P9825: Parabéns a você (412): Giselda Pessoa, ex-Sarg Enf.ª Paraquedista (Guiné, 1972/74)

Para aceder aos postes da nossa Enfermeira Paraquedista Giselda Pessoa, clicar aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9811: Parabéns a você (411): Hugo Guerra, Coronel DFA, ex-Alf Mil - CMDT do Pel Caç Nat 55 (Guiné, 1968/70)

sábado, 28 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9824: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (23): Recordando um momento de muita sorte (António Manuel Salvador)

1. Mensagem do nosso camarada António Manuel Salvador* (ex-1.º Cabo Enfermeiro, CCAÇ 4740, Os Leões de Cufar, Cufar , 1972/74), com data de 19 de Abril de 2012:

Amigo Luís e todos aqueles que fazem parte do blog,
Eu, o Salvador que esteve em Cufar 72/74 na 4740 os tais Leões de Cufar, venho mais uma vez ao vosso contato para vos contar uma história que por acaso foi verdade e tudo isto aconteceu no dia 18/4/73.

António Manuel Salvador


Recordando um momento de muita sorte

Muito se tem falado nos gloriosos malucos das maquinas voadoras, mas este caso que aconteceu comigo e nunca vi isso escrito no blog por alguém que ia comigo.

Éramos quatro enfermeiros e calhava à vez irmos fazer evacuações de helicóptero.
Nesse dia calhou-me ir a Cacine buscar um soldado doente e uma senhora africana com problemas de parto. Como naquela altura os hélis tinham de voar muito baixo ou irem para a altura de segurança para não serem atingidos pelos mísseis terra ar, o nosso alferes piloto e o alferes do héli canhão optaram por ir a rasar as bolanhas e as copas das árvores.
Estávamos na parte da tarde e já não tínhamos muito tempo. Só vos digo uma coisa amigos, a mim meteram-me umas coisas nos ouvidos por causa do barulho do motor enquanto o mecânico do héli e o alferes iam em comunicação. Éramos três dentro da tal máquina voadora. O voo foi feito sempre rente ao chão, quando se chegava à mata lá tínhamos de levantar o que é óbvio, e assim fomos andando, mas o pior era quando se descia bruscamente da copa da mata para a bolanha, e o Salvador atrás aflito sem poder fazer nada.

Até que veio o azar, o nosso amigo piloto, ao sair da copa das árvores desceu demais sobre o rio Cumbijã ou Cacine, já não tenho a certeza qual, a roda da frente do héli bateu na água e fez com que a parte frontal deste se descolasse e a circulação do vento dentro do aparelho fosse maior. O piloto lá puxou o héli ao jeito dele e lá fomos até Cacine, mas a parte da frente do aparelho parecia a sola de um sapato descolada de frente. Ao nosso lado direito ia o héli canhão não fosse o diabo tece-las.

Chegados a Cacine desci para ir buscar os doentes enquanto o piloto fez pairar o héli a fim de o mecânico atar o que estava descolado, não sei se seria com arame farpado ou coisa no género.

De regresso a Cufar não houve mais problemas, mas jamais esquecerei este dia 18/4/73, uma quarta-feira.

Se por acaso o piloto ou o mecânico de serviço nesse dia ler esta mensagem, lá ia o Salvador o tal que dava injeções sem dor.

A minha companhia era a CCAÇ 4740, açoriana, que esteve em Cufar de 21/6/72 a 3/8/74, que se vai encontrar no próximo dia 16 de Junho de2012 em Fátima.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2313: Estórias de Cufar (2): A marmelada também curava (ex-1º Cabo Enf Salvador, CCAÇ 4740, 1972/74)

Vd. último poste da série de 13 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7121: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (22): Fotograma do Honório com o Cap Neto (Jorge Félix)

Guiné 63/74 - P9823: (Ex)citações (177): Ainda os mísseis Strela e os seus efeitos na operacionalidade da FAP (Carlos Jorge M. Pereira / António Martins de Matos)

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Jorge Pereira*, ex-Fur Mil do COP 3, Bigene e Guidage, 1972/74, com data de 17 de Abril de 2012, com um comentário a propósito do Poste 9751** do nosso camarada António Martins de Matos:

Caro Amigo Luis Graça:
Depois de ler os comentários do Sr. Gen. António Martins Matos, que sinceramente gostei, não posso deixar de dizer algo, para acrescentar mais realidade aos factos passados.
Caso considere com algum interesse, agradeço a sua publicação.

Carlos Jorge Marques Pereira
Ex-Fur. Mil. IOI / COP 3
Bigene/Guidage 72-74


Caros Amigos.
Raramente vou ao blogue pois considero que o mesmo se encontra demasiado inclinado para o meu gosto. No entanto, o bichinho da Guiné fala mais forte e lá reincido e procuro artigos, principalmente, sobre Bigene e Guidage.

Como Ex-Fur Mil de Inf e Operações do COP 3 (Jun72/Jun74) passei o período de Abr/Mai de 1973 no inicio em Bigene e depois segui com o Sr. Ten. Cor Correia de Campos (Cmdt do Cop 3) na primeira coluna que passou para Guidage.

Regressei a Bigene na primeira coluna que conseguiu passar o cerco, um mês depois, para evacuar feridos e reabastecer. Portanto penso ser um actor privilegiado, não só pelo que passei como pelas informações a que tinha acesso pelas minhas funções.
Assim, vejo regularmente relatos do que se passou em Abr/Mai73 por pessoas que não estiveram no local.

Senão vejamos:
- Em 6Abr73 foram abatidas dois D0-27 e um T-6 em que faleceram três pilotos e alguns passageiros!!!! Por acaso um dos seis passageiros que morreram, um, era só o Cmdt do Cop 3, Sr. Major Mariz e que nem é referido.

- Os restos do foguete que foram recuperados junto das aeronaves não foi pelos Páras mas sim por um soldado Africano da CCaç 3 do pelotão do Ex-Fur. Mil. Atirador Domingos de Carvalho. Negociei com ele um saco de arroz em troca do "ronco" que depois enviei para Bissau.

- Nós tropa "macaca" nunca nos poderíamos recusar em ir para o mato e nunca poderíamos dizer "mimos" a um superior que o fizesse corar.

- Aos Quartéis inseguros, como Guidage, e contrariamente ao que V. Exa. afirma, durante o mês de Maio73 só houve duas evacuação dos mais de 150 feridos que tivemos nesse período. Já não falo dos que morreram por falta de tratamento e que foram enterrados, pois não havia como guardá-los.

- Os únicos hélis que aterraram em Guidage foram os dois do General Spínola durante uma trégua de uma hora. Levou medicamentos e no regresso evacuou feridos. Dias depois, e em consequência dos feridos Páras, numa emboscada no Cufeu, os hélis apareceram novamente para os evacuar. Se não fossem Paraquedistas e terem forçado, seria que lá iram???.

- Recordo uma vez na Bolanha do Samoge (?) numa das seis ou sete vezes que tentamos evacuar feridos para Binta, por estrada, fomos emboscados e pedimos apoio aéreo. Realmente vieram dois Fiat's e informamos que estávamos a ser atacados de norte e a 75/100 metros de distância. A FAP informou que iria bombardear e que deveríamos nos proteger. Ao primeiro ataque exigimos que fossem embora, pois estavam a bombardear nas nossas costas.

Nunca mais pedimos apoio e nunca mais os vimos, pois largar bombas de 750 Lbs. de 3000 metros de altura convenhamos que não é um método muito preciso.

Todos nós sabemos que a FAP, também, foi muito importante no TO mas, na devida proporção e a partir de Maio 73 fora das zonas inseguras.

Para nós, a guerra durava 24 horas por dia, não tínhamos dias de folga, banhos com agua canalizada e jantares na 5ª Rep antes pelo contrário, assim que íamos a Bissau, alinhavamos logo num serviço para que os lá estavam pudessem descansar.

Para finalizar conto-lhe mais uma pequena história.

Em finais de 1973 (?), ao fim do dia, quatro fuzileiros do destacamento de Ganturé, por acidente, accionaram um dilagrama com bala real.
Resultado : um ferido muito grave e três graves. Como já era noite a FAP disse que já não fazia a evacuação e a mesma foi feita pelo Cmdt. Pombo Rodrigues (civil do TAGCV) num DO-27, já noite, sozinho e com viaturas de farois acessos a sinalizar a pista.

Por estas e outras é que acho que o campo estava e está muito inclinado.

Atentamente
Carlos Jorge Marques Pereira


2. Dado conhecimento deste comentário ao camarada António Martins de Matos (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74; actualmente Ten Gen Ref), recebemos deste a seguinte mensagem:

Caros amigos
Aqui vão os comentários ao texto do amigo Carlos Jorge.
De momento é o que se me oferece dizer.

Abraço
AMM


1. É verdade que um dos 6 passageiros era o Sr. Major Mariz, na altura foi dado como desaparecido, o seu nome não foi mencionado no meu texto porque então teria que indicar o nome de todos os outros passageiros e, confesso, não me lembrar de alguns.

2. Não sei quem apanhou os restos do míssil no meio da mata, a sua entrega em Bissalanca foi feita pelos Páras.

3. Não percebi o parágrafo referente a evacuações em Guidage, toda a classificação que ocorreu, de quartéis Seguros e Inseguros deveu-se precisamente ao Guidage, por causa de um DO-27 atacado por mísseis e de um segundo avião que foi buscar feridos e acabou por desaparecer, certamente abatido (o tal que levava como passageiro o Comandante do COP-3). Em Maio73 o Guidage estava cercado, não era possível lá chegar, nem por estrada... não se lembra?

4. Isso de bombardear nas suas costas é relativo, depende de para onde está voltado, se tivéssemos largado uma bomba de 750 libras a 75 metros da sua posição certamente que hoje não estaria a escrever para o blogue, não sei se me entende.
Bombas de 750 libras largam-se de 3000 metros de altura, com uma precisão do círculo de meio campo de um estádio de futebol, o seu efeito vai da bancada central até à zona das claques por detrás das balizas, não sendo a sua especialidade não percebo como consegue comentar com tanta convicção.

5. Nunca mais viu os Fiat G-91 mas certamente os deve ter ouvido, em Kumbamori, ou na bolanha do Cufeu, se perguntar ao Sr. Cor Calheiros, ele lembra-se (A Última Missão, páginas 480 e seguintes), aconselho a leitura do livro trata precisamente de ... Guidage.

6. A FAP só voar fora das áreas inseguras... sabe onde é Kandiafara? Acha que seria uma “área segura”?

7. O Comandante Pombo Rodrigues não voava DO-27 mas sim as aeronaves dos TAGP, muito melhor equipadas em instrumentos de navegação.

8. Finalmente, não percebi a piada do “campo inclinado”, as minhas desculpas.


3. Comentário de CV:

Não ficava de bem com a minha consciência se não falasse aqui e agora na suposta inclinação do nosso Blogue.
Apesar da dita inclinação, o nosso camarada Carlos Pereira lê-nos regularmente. Até quis participar comentando. Será para o inclinar para outro o lado? Já agora, qual lado?

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3868: Tabanca Grande (115): Carlos Jorge Pereira, ex- Fur Mil Inf Op Inf (CPO 6 e COP 3, 1972/74)

(**) Vd. poste de 16 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9751: FAP (67): Os meus STRELAs. Factos e opiniões. (António Martins Matos)

Vd. último poste da série de 12 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9597: (Ex)citações (177): Relembrando, em Mato Cão, no dia dos meus anos, a presença do então maj art José Faia Pires Correia, oficial de operações do BART 3873 (Bambadinca, 1971/74) (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P9822: Blogoterapia (210): "Estórias" da guerra colonial (Carlos Pinheiro)

1. Mensagem de Carlos Manuel Rodrigues Pinheiro* (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), com data de 18 de Abril de 2012:

Camarigo Carlos Vinhal
Depois de uma certa ausência, aqui estou de novo a dar mais uma colaboração ao nosso Blogue com o artigo que envio em anexo.
Não se trata de um trabalho exclusivo sobre as realidades da Guiné que nós vivemos, mas sim de um trabalho mais exaustivo sobre a problemática da guerra e da preparação que nos era dada para a mesma e algum enfoque nas condições, ou melhor na falta delas, do transporte do pessoal para África.

Se entenderes por bem editar mais este artigo, o que agradeço, atrevo-me a sugerir-te que o ilustres com fotografias dos barcos que mais iam à Guiné, o Uíge, o Niassa, o Carvalho Araújo, o Rita Maria ou o Ana Mafalda.
Tudo isto fica ao teu critério.

Nota: - Este artigo foi escrito há quatro anos e publicado no jornal "O Almonda" na sua edição de 2 de Maio de 2008.

Um abração
Carlos Pinheiro


"Estórias" da guerra colonial 

As "estórias" começavam cá, mesmo muito antes do assentamento de praça. Eram as preocupações pelo desconhecido, porque a informação que nos davam a "beber" era só a que interessava à situação, pois a mesma estava absolutamente controlada. Tínhamos a Emissora Nacional, o Diário de Noticias e a generalidade dos jornais que, para saírem, tinham que ir ao lápis azul da censura. Era a situação. Salvava-se, por vezes, com muita ginástica, o República, fundado por António José de Almeida e nos últimos anos dirigido por Raul Rego, que pouca gente podia ler e o Diário de Lisboa, da família Ruela Ramos, que também utilizava muita imaginação para dizer alguma coisa que não nos deixavam contar. Salvavam-se também aqueles felizardos que podiam ir estudar para Coimbra, Lisboa ou Porto, onde os contactos permitiam uma consciencialização política muito acima da média. Outros, muito à socapa, ainda iam ouvindo a Rádio Moscovo, clandestinamente claro, como alguns, os do partido liam o Avante, e outros até a Voz da América ou mesmo a BBC, que sempre iam dizendo verdades que não conhecíamos, apesar de muitos casos se passarem à nossa porta.


E, quer queiramos quer não, guerra é sempre guerra, o maior flagelo da humanidade, e era para a guerra que a malta estava destinada. Uma guerra de guerrilha, talvez por isso, pior do que a chamada guerra convencional. Muita psico-social, lá e cá, pois os espíritos eram fracos e desinformados e assim melhor trabalhados. Teimosamente sós, era a política daquela época. Mas mesmo assim muito armamento da NATO era desviado para a guerra colonial a começar por alguns navios de guerra e a acabar no rearmamento vindo da Alemanha, especialmente viaturas ligeiras e pesadas, a partir de certa época. Já tínhamos perdido o "Estado da Índia", já tinha havido a "estória" do "Santa Maria" a que Henrique Galvão chamou "Santa Liberdade", e a malta começava a tomar consciência que estávamos em guerra na Guiné, em Angola e em Moçambique, mas que também se tinham reforçado posições em Cabo Verde, em S. Tomé, em Macau e em Timor. Tudo isto, como se a descolonização por parte do resto da Europa não tivesse existido, como se fôssemos diferentes, como se fôssemos mais fortes, como se conseguíssemos resistir sozinhos.

Navio de Transporte de Passageiros Santa Maria

A emigração, principalmente a clandestina, estava no auge. Era a pobreza franciscana em que o país vivia, era a falta de perspectivas de futuro, era a falta de escolas e as dificuldades de ingresso na Universidade e era também o sentimento de alguns, mais esclarecidos, que não queriam participar na guerra. Paris e seus arredores, chegou a ser a cidade onde mais portugueses viviam. Está tudo dito.

Mas a malta que cá ficava ia de certeza para a tropa. Escapavam os cegos, os coxos e os aleijados. O resto era tudo apurado. Por isso, depois da entrada, eram os rigores de uma vida nova, aparentemente sem sentido, passava-se a ser só um número, havia horários para tudo, menos para descansar e conviver, de dia e de noite, nos campos, nos matos, nas carreiras de tiro, nas salinas, nas marchas, nos exercícios, era tudo a correr, sempre em fila, por vezes ao toque de caixa, mas era tudo sempre a correr.

Eram precisos soldados, muitos soldados, com sangue novo para a guerra. Rapidamente e em força, era o slogan.

A recruta era feita num qualquer quartel que já não existe, viajava-se ao fim de semana a caminho de casa, onde se ia buscar o farnel para semana, quando era possível, sempre de noite, naqueles comboios que pareciam pintados de verde por dentro. Depois era a especialidade, normalmente noutro quartel também daqueles que já não existem, e aí o sofrimento, dado o rigor, por norma era ainda maior.

Ao longe, parece que já se ouviam as sirenes dos barcos que haviam de levar, um dia, aquela malta toda para África. E esse dia chegava quase sempre, para a esmagadora maioria da rapaziada. Para uns chegava mais cedo do que esperavam. Para outros chegava mais tarde, quando pensavam que já tinham escapado à mobilização.

De noite, de camioneta ou de comboio, a malta lá era despejada no Cais da Rocha ou de Alcântara, vinda dos seus quartéis de origem, lá se perfilava como mandavam as regras e ao som de marchas militares lá embarcava, depois de um ou outro discurso de circunstância, no "Uíge", no "Timor" no "Niassa", no "Índia", no "Vera Cruz", no "Rita Maria", no "Ana Mafalda" ou no "Alfredo da Silva" e até, na parte final, no velho "Carvalho Araújo", e lá ia durante 5, 8, 10 ou 30 dias conforme fosse para a Guiné, para Angola ou Moçambique e até mesmo para Macau ou Timor.


Quando se começavam a subir as escadas de acesso ao barco, lá estavam, para além da Polícia Militar, aqueles fulanos que vestiam sobretudo e usavam chapéu e bigode, estrategicamente colocados, as senhoras do Movimento Nacional Feminino que davam à soldadesca um macito de cigarros, por vezes um isqueiro e até uns aerogramas, os chamados bate estradas, para a malta escrever quando lá chegasse. Era porreiro, pá!

A partida era sempre dolorosa. Os familiares apinhavam-se nas varandas do Cais ou junto às grades que separavam a gentalha dos senhores. Os lenços da despedida desfraldavam-se ao vento e as lágrimas escorriam, de um lado e muitas vezes também do outro, pela cara abaixo. E o barco a afastar-se vagarosamente, a música da banda militar que tinha ficado no cais, cada vez se ouvia mais longe, passava-se por baixo da ponte Salazar, via-se o Bugio, Lisboa cada vez ficava mais para trás até deixar de se ver e lá estávamos no mar alto, no mar salgado.

Eram dias desgraçados. Só se via mar e céu e quando o tempo estava bom, era azul por baixo e azul por cima. Por vezes os golfinhos lá vinham visitar o barco e distrair, por momentos, a rapaziada. Os barcos, apesar de civis, eram considerados "Transporte de Tropas" e diziam-nos, para nos sossegarem, que íamos escoltados, para nossa segurança. Mas nunca se viram aviões ou barcos de guerra e, claro, muito menos qualquer submarino a proteger-nos. Lá íamos entregues à nossa sorte.

A vida a bordo era soturna. Nalguns barcos ainda havia instalações menos más, para alguns. Mas a maioria passava o tempo nos porões, que em tempo de paz serviam para o transporte de todo o tipo de mercadorias. Não havia outras condições. Lá muito em baixo, onde a luz do sol só chegava por um buraco, que era a boca do porão, mal se respirava, dados os odores lá acumulados ao longo de anos. Havia excepções: O "Rita Maria", o "Ana Mafalda" e o "Alfredo da Silva" só viajavam até à Guiné, eram barcos pequenos e normalmente levavam pouca gente e só em rendição individual. Estes eram barcos da "Sociedade Geral", uma empresa da "CUF" que não era só dona do Barreiro como dona de quase toda da Guiné. Também o "Carvalho Araújo" escapava, de certo modo, à regra. A malta viajava à mesma nos porões, mas estes tinham circulação de ar porque o barco, em tempos, tinha sido adaptado para o transporte de gado dos Açores para o Continente e o gado, esse precisava sempre de ar fresco. Mas em contrapartida a viagem neste barco demorava sempre mais uns dias. Era muito vagaroso e gastava muito combustível. Para ir à Guiné tinha que passar por S. Vicente, em Cabo Verde, para meter água e nafta, que na Guiné não havia. No regresso parava sempre no Funchal para se reabastecer e a malta aproveitava para ver aquela Pérola do Atlântico depois de dois anos de guerra. Lá em baixo, muitos jogavam às cartas, especialmente à "lerpa", e alguns iam surripiando os outros. Quando chegava a hora da refeição havia um sinal e só os doentes é que não subiam ao convés, mas, para esses, havia sempre um camarada que lhes trazia uma bucha e uma pinga de água enquanto não iam para a enfermaria, que por norma era pequena. Bebia-se muita cerveja, daquelas "bazookas" holandesas que a malta cá não conhecia. Bebia-se Coca-Cola, inglesa ou de Moçambique, que cá era proibida. Era raro tomar-se banho, porque os barcos não tinham sido construídos para transportar tanta gente de cada vez. Até as casas de banho, as chamadas retretes, eram escassas e normalmente improvisadas no convés, numas barracas de madeira, como ainda hoje se vê para aí nalgumas obras.

Muitos enjoavam, principalmente naqueles dias em que o mar parecia que tinha poucos amigos.

A comida, essa tinha dias e era conforme os barcos. Ninguém empanturrava com o que lhe era dado, mas comia-se sempre menos-mal na viagem de ida do que na do regresso. Vá-se lá saber porquê?

Os dias passavam, assinalava-se a passagem do equador com uma espécie de festa e a meio da viagem fazia-se um simulacro como se o barco estivesse em perigo e cada um lá se desenrascava como melhor podia ou sabia.

Entretanto a temperatura começava a subir e as águas a mudarem de cor. A chegada estava próxima.

Na maioria dos casos os barcos atracavam ao cais, mas na Guiné, até certa altura, ficavam ao largo, especialmente o "Uíge" e o "Niassa" e a malta era transferida para batelões até ao cais, onde colunas de viaturas aguardavam a chegada daqueles reforços que eram sempre bem-vindos para os que já lá estavam e a muitos dava a oportunidade de rendição e por consequência, do tão esperado regresso.

Alguns, mal tinham tempo de pôr os pés em terra. Mal chegavam, embarcavam outra vez, numa "LDG", ou "LDM", lanchas de desembarque grandes ou médias, conforme o contingente, directamente para o mato onde os esperavam dois anos de privações e outras aflições. Outros ainda iam uns dias para os Adidos, quartéis exemplares no pior sentido, onde nada havia, e outros ainda eram encaminhados para campos militares nos subúrbios da cidade, onde iam completar a instrução da metrópole e aclimatarem-se à nova vida.

Depois, depois era o desconhecido. Era a guerra na pior acepção da palavra, era o arame farpado, as operações para reabastecimento de tudo e mais alguma coisa, incluindo a água. A fome, a sede e as emboscadas eram frequentes, como eram os combates e os ataques aos aquartelamentos, os mortos e os feridos, as evacuações pelo ar, a saudade, etc.

E o tempo lá ia passando. Quem podia, quer dizer quem tinha dinheiro para tanto, lá vinha passar um mês de férias à Metrópole e muitos, depois, até se enganavam no dia do regresso a África e lá iam de comboio ou a salto até Paris.

No regresso, no mesmo ou noutro barco e alguns até já de avião, lá regressavam, muitas vezes cheios de mazelas no corpo e no espírito, mas era sempre uma alegria o regresso. A cena do cais agora era ao contrário. O barco começava a aproximar-se, normalmente bem cedo, pela manhã, e os lenços a acenar desta vez queriam manifestar a satisfação pelo regresso. Os outros, alguns, mas só alguns dos que por lá tinham tombado, esses eram retirados mais tarde, longe da vista da multidão e depois encaminhados em armões militares para as suas terras de origem. Era a guerra que resistiu treze longos anos e que mesmo depois do 25 de Abril ainda causou baixas em alguns teatros de operações. Dizem as estatísticas que foram cerca de 10.000 mortos contabilizados.

É certo que muito se tem escrito ultimamente sobre este capítulo da nossa História, mas relatos destes, simples mas honestos, nunca serão demais para que a memória não esqueça e para que os mais novos fiquem a saber o que uma certa juventude, a daquele tempo, passou e que os senhores do poder continuam a não reconhecer. Mas até isso faz parte da História. A carne para canhão sempre foi barata e esquecida. Serviram-se dela mas nunca a reconheceram, pelo menos por cá. É esta a realidade dos factos que convém não esquecer mesmo agora que se está a comemorar mais uma vez, a 38ª, a Revolução dos Cravos, o 25 de Abril, que levou ao fim da guerra.

Carlos Pinheiro

Nota do Editor: Fotos dos navios, com a devida vénia a Navios Mercantes Portugueses
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9273: Recordações dos tempos de Bissau (Carlos Pinheiro) (6): Notícias da Guiné de 9 de Fevereiro de 1969

Vd. último poste da série de 17 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9762: Blogoterapia (209): Sensibilizado pela prova de amizade da tertúlia e pelo nascimento da décima neta (Jorge Picado)

Guiné 63/74 - P9821: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (22): O trabalho da ONGD do Pepito em prol da cidadania e do desenvolvimento dos guineenses, reconhecido pela revista Up, que viaja nos aviões da TAP Portugal


Reprodução parcial de imagem constante do  artigo do magazine da TAP, Up, disponível no sítio da AD - Acção para o Desenvolvimento. (Com a devida vénia...). 


1. Artigo de Maria João Guardão sobre a AD - Acção para o Desenvolvimento, publicada na edição de abril de 2012, da revista bilingue Up, da TAP Portuga


O trabalho de 2 págians, em português e inglês, vem na seção Salvando o planeta/Saving the planet. É uma merecida homenagem para uma ONGD que tem apostado na cidadania dos guineenses e no desenvolvimento integrado e sustentável da Guiné.


(...) "Com a Acção para o Desenvolvimento o que está em marcha é a luta contínua pela cidadania para os guineenses" (...).


(...) "A Guiné tem trinta e duas etnias: são trinta e duas maneiras de pensar diferente,de dançar diferente, de filosofias de vida diferentes. É uma riqueza extraordinária se todas forem consideradas como elementos que potenciam a união" (...) - são palavras, sábias, do co-fundador e diretor executivo da AD, o nosso grã-tabanqueiro e amigo Pepito, para quem mandamos uma saudação especial, em nome de toda a Tabanca Grande.


O artigo da revista (que viaja nos aviões da TAP) pode ser lido aqui.


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Nota do editor:


Último poste da série > 10 de setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8763: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (21): Cerca de 200 ecoturistas visitaram o Parque Nacional do Cantanhez, este ano, de Janeiro a Junho 

Guiné 63/74 - P9820: O Nosso Livro de Visitas (134): Rogé Henriques Guerreiro, que vive em Cascais, ex-1º cabo cripto, CCAÇ 4743 (Gadamael e Tite, 1972/74)






VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> O Jorge Rosales, régulo da Tabanca da Linha, e a Giselda Pessoa.

Foto: © Manuel Resende (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados




1. Telefonou-me ontem o Rogé Henriques Guerreiro, que vive em  Cascais, manifestando o seu desejo de entrar na Tabanca Grande. Conhece o Fernando Santos (ex-militar da Marinha, segundo percebi, que terá passado também pelo TO da Guiné) e o Rogério Cardoso, os quais têm insitido com ele para entrar para o blogue. Ainda não se sente muito à vontade com o computador e a Internet. A mulher tem ido à nossa página no Facebook. Disse-me que ela tinha enviado o pedido para lá...


Mas vamos por partes: o Rogé é algarvio de Albufeira, mas vive há mais de meio século em Cascais. Foi 1º cabo cripto da açoriana CCAÇ 4743 (Gadamael e Tite, 1972/74). Ele esteve lá, na batalha de Gadamael. "Felizmente está vivo", mas  como cripto  passou mensagens com "mais de vinte nomes" de camaradas mortos, ou com pedidos a Bissau de caixões. Ele estava lá em maio/junho de 1973. Conheceu o inferno de Gadamael, os ataques, a vida nas valas, as deserções, etc. Esteve com os páras. Eram abastecidos por LDG. Tem histórias para contar. A companhia era conhecida por "meninos de Gadamael".  O essencial do pessoal era dos Açores, só os quadros e os especialistas é que eram metroplitanos. Por essa razão o pessoal não se tem reunido ou nunca reuniu.


Palavra puxa palavra, disse-me que tinha jogado à bola, não só em Cacine (faziam jogatanas entre os açorianos de Gadamael contra os madeirenses de Cacine, "parece que só mandavam madeirenses e açorianos lá para o sul"...) como em Cascais. É daqui, da bola, que conhece - embora sem qualquer intimidade - o nosso camarada Jorge Rosales. Falei-lhe da Tabanca da Linha, de que o Rosales é o régulo. Quem, de resto,  não conhece o grande Rosales,  em Cascais ? 


Bom, dei-lhe as dicas para ele entrar no blogue. Aguardo as fotos da praxe. A sua história fica já aqui meio alinhavada. Conta-me que estava inicialmente moblizado para a Angola. Um chico qualquer deu-lhe uma porrada, apanhou dez dias de detenção, o que mudou a sua vida: foi parar à Guiné... e a Gadamael. Também andou por lá perdido, indo a pé até Cacine (se eu bem percebi). Foram depois para Tite, na segunda parte da comissão. Falei-lhe do COP 5 e do Coutinho e Lima, que ele conhecia de nome. Já leu o livro dele. 


Disse-lhe que, infelizmente, temos ainda poucas referências à sua companhia, a CCAÇ 4743. Esperamos que ele contribua para colmatar essa lacuna. Sê bem vindo, Rogé, à nossa Tabanca Grande!
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Nota do editor:


Último poste da série > 24 de  abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9799: O Nosso Livro de Visitas (133): Maximino Guimarães Alves, ex-Radiotelegrafista do STM (Bissau, 1972/74)