Do Ninho D'Águia até África (41)
O Cifra andava envergonhado com o que diziam no aquartelamento a respeito da sua dignidade, andava, como as pessoas dizem, “em baixo”, dava a impressão que tinha perdido o primeiro combate, não no conflito em que estava envolvido, porque todos os antigos combatentes e não só, já sabem que o Cifra era um razoável militar, mas um fraco, mesmo fraco guerreiro, estava era cansado de procurar uma solução para satisfazer a encomenda da menina Teresa, em Portugal, a tal costureira, que já tinha passado dos cinquentas, que escrevia as cartas ao Cifra, que a sua mãe Joana notava, e que pediu uma certa encomenda ao Cifra, para lhe levar da Guiné, que os amigos antigos combatentes, e não só, já sabem do que se trata, pois o Cifra já explicou em relatos anteriores, mas para os que não se lembram, era um “Falo”, ou seja um “Phallus”, ou mais propriamente um “Pénis” em madeira de ébano preta, que ela dizia que era para lhe dar melhor sorte na vida, e não se esquecem que a menina Teresa, também mandava na referida carta uma nota do Banco Portugal de vinte escudos para despesas, e como havia um marceneiro, que vivia entre a vila de Mansoa e a tabanca, que existia perto do aquartelamento com casas cobertas de colmo, perto da estrada, que naquele tempo não era mais que um carreiro, que seguia para Mansabá, o Cifra entendeu, numa última tentativa, que esse tal marceneiro talvez lhe resolvesse o problema da encomenda, pois já tinha esgotado todas as suas tentativas para encontrar o referido objecto, com o tamanho e características que a menina Teresa explicava.
O Cifra, podia ter começado este texto a falar de qualquer coisa, ou até, dar-lhe um qualquer título só para desviar a atenção, mas não, tem que desabafar nesta linguagem, que não é muito própria, é mais uma linguagem do tipo Curvas, alto e refilão, mas é uma cópia do que se passou, e com toda a certeza que vão compreender, pois na verdade a intenção do Cifra, era falar dessa vergonha, "tirar este peso, que é a menina Teresa, de cima de si", que este sim, devia de ser o verdadeiro título para este texto, e contar as peripécias porque passou para encontrar o tal objecto, que era um “pénis” em madeira de ébano preta. O Cifra vai só contar algumas das peripécias porque passou, na sua procura, armado em “FBI”, pois quando vinha à capital da província, no carro dos doentes, dava sempre uma fugida ao mercado, e tentava fazer-se compreender a alguns “Gilas”, que vendiam peças de arte em madeira de ébano preta, e como não o compreendiam ele fazia alguns gestos, que como devem compreender podiam ser considerados obscenos, pois colocava a mão nos seus órgãos genitais, a tentar fazer-se compreender, e uma vez um “Gila”, até o olhou com olhos maliciosos. Por fim fez um desenho, com todas as características que a menina Teresa pedia, e andava com esse desenho no bolso, que por azar foi parar às mãos da lavadeira, no bolso dos calções, resultado, ela guardou-o, e veio entregar ao Cifra na frente do Pastilhas, também com um ar malicioso, que logo começou com provocações, nem sempre muito abonatórias para a dignidade do Cifra. Alguns, com menos tempo de estadia no aquartelamento, que não conheciam muito bem o Cifra, mas ouviam falar da história, até diziam:
- O Cifra, anda sempre na “tabanca”, no convívio com as “bajudas”, alguma coisa está a acontecer, pois agora procura um “Pénis”, de madeira de ébano preta.
Claro, depois o Cifra explicava tudo com a carta da menina Teresa, às vezes até mostrava os vinte escudos, o que na mente de alguns, que não sabiam ler muito bem, e “não tinham esperto no cabeça”, com uma atitude assim um pouco duvidosa, até diziam:
- O Cifra quer um caral.., daqueles dos pretos, e até dá vinte escudos, daqueles dos bons, do Banco de Portugal!
Uma vez o achinesado do Life Boy até lhe disse, com um sorriso um pouco malicioso, que o Cifra nunca soube se era por bem ou por mal:
- Então, já encontraste o teu caral.., preto?
Claro, isto não era muito abonatório para a dignidade do Cifra, que não era violento, pois era um razoável militar, mas um fraco, mesmo fraco guerreiro, e era uma pessoa que não respondia a uma provocação com outra provocação. Na verdade, ficava com vontade de lhe mandar um murro no seu focinho achinesado, mas com a ajuda do Curvas, alto e refilão, do Setúbal, do Mister Hóstia, do Marafado, do Trinta e Seis, do furriel miliciano que andava sempre a fumar um cigarro feito à mão, do Arroz com Pão, e do Sargento da messe, entre outros, acabava sempre, embora com algum argumento, por clarificar essas mentes, menos crentes na dignidade do Cifra, mas custou, pois até chegou ao ponto de, para mostrar a sua masculinidade, andar a passear pela vila, e vir ao cinema, ver aqueles filmes de cowboys e índios, na sede do clube de futebol, de braço dado, e às vezes fazendo carícias, com algumas “bajudas”, que mostravam o seu corpo quase nu, jovem e selvagem, com uma cara de uma tonalidade preta brilhante, bonita, com tons de chocolate, onde uns olhos, que não precisavam de qualquer pintura, pois eram bonitos e selvagens, mostravam tudo, até mistério, na cabeça traziam um lenço, que encobria uns cabelos penteados e com alguns desenhos, que não precisavam de perfume, pois já tinham o perfume natural, que era o odor da sua origem de africanas, que combinava perfeitamente com a sua beleza, trajando única e simplesmente um simples pano, com imagens de África, que as enrolava na cinta, mostrando um pouco do umbigo, e encobrindo uma pele brilhante e aveludada, que lhe vinha do ventre, onde se notava umas ancas, firmes e bonitas, e com a sua “mama firme”, que lhe dava um aspecto exótico e atraente.
Caminhavam, descalças, elegantes, quase em bicos de pés, com receio de calcar e molestar o “chão balanta”, onde nasceram, com algumas argolas servindo de enfeite, no pescoço, nos braços e nas pernas, andavam com o Cifra, mas com a devida autorização do seu pai, o “homem grande”, que confiava no Cifra, a quem chamava ”irmão”, mas que na verdade, essas “bajudas”, andavam trajadas assim, mas “não falavam mentira”, a sua boca ao pronunciar as palavras, eram um reflexo do que lhes ia no coração e na alma, eram humanas, sensíveis e carinhosas, e quando as vinha trazer de volta à tabanca, lhe agarravam nas mãos e lhe diziam, Cifra, “ca bai”, enquanto o seu pai, o “homem grande”, ia buscar um trago de aguardente de palma, dentro de um pequeno copo, feito da tal madeira de ébano preta, que a menina Teresa, queria o seu objecto, dizendo também, Cifra “ca bai”, dorme aqui, “no tabanca”!
Depois disto os comentários eram ao contrário, e tinha que suportar os assobios provocantes, e os piropos durante a sessão de cinema, pois ninguém tinha o mínimo interesse pelo filme, o importante eram as “bajudas” do Cifra, que na verdade não eram do Cifra, eram dessa Guiné um pouco selvagem e misteriosa, que naquela altura andava em guerra.
Em resumo, a menina Teresa, ao mandar os célebres vinte escudos, mostrou que “tinha esperto no cabeça”, pois comprometeu o Cifra, que não podia ignorar a encomenda, e como era ela que escrevia as cartas que a mãe Joana notava, sempre lá vinha num canto da carta, bem visível, a frase, “não te esqueças da minha encomenda”, “traz um, assim um pouco grandote”, “traz uma coisa que se veja”, “custe o que custar, compra e paga, se o dinheiro não chegar, depois eu faço as contas só contigo”, enfim, lembrava sempre.
Bem, mas continuando, o Cifra foi ver o tal marceneiro, na esperança de lhe resolver o problema que tinha entre mãos, que finalmente, depois de algumas perguntas sobre a dignidade e o sexo do Cifra, e também com um ar malicioso, acabou por aceitar a encomenda. O Cifra nunca soube onde é que ele foi procurar o modelo, pois executou um “Falo”, ou seja um “Phallus”, ou mais propriamente um “Pénis”, com uma perfeição digna de figurar num álbum de qualquer casa de arte, de Paris, Londres ou Nova Iorque, onde lá mais para a frente, quando o Cifra regressar a Portugal, contará a história da sua entrega à menina Teresa, que aí sim, foi mesmo “menina Teresa”, mas perdoem, o Cifra ainda anda envergonhado, mas já está melhor, pois está quase a "tirar este peso, que é a menina Teresa, de cima de mim", que este sim, devia ser o verdadeiro título para este texto, mas por agora, vai ficar-se por aqui.
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Nota de CV:
Vd. os últimos dez postes da série de:
1 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10743: Do Ninho D'Águia até África (31): O Movimento Nacional Feminino em Mansoa (Tony Borié)
4 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10759: Do Ninho D'Águia até África (32): Falsa notícia (Tony Borié)
8 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10773: Do Ninho D'Águia até África (33): O Grupo do Cifra (Tony Borié)
11 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10785: Do Ninho D'Águia até África (34): Aquela garotada (Tony Borié)
15 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10805: Do Ninho D'Águia até África (35): Boas Festas, camaradas amigos (Tony Borié)
18 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10816: Do Ninho D'Águia até África (36): O Life Boy (Tony Borié)
22 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10844: Do Ninho D'Águia até África (37): Os Vinte Escudos da menina Teresa (Tony Borié)
26 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10866: Do Ninho D'Águia até África (38): ...a guerra e o amor (Tony Borié)
29 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10876: Do Ninho D'Águia até África (39): Passa por mim em Mansoa (Tony Borié)
1 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10887: Do Ninho D'Águia até África (40): O arame farpado (Tony Borié)