Foto e legenda: © António Teixeira (2011). Todos os direitos reservados
1. Em mensagem do dia 15 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), enviou a terceira peripécia para a sua série Um amanuense em terras de Kako Baldé.
Um Amanuense em terras de Kako Baldé
(Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné)
3 – Sargento da Guarda ao QG do CTIG
Como é sabido, um militar quando se apresenta numa nova Unidade é, de imediato, integrado na escala de serviço da mesma pois, embora colocado na CSJD, pertencia à CCS/QG/CTIG e fazia diversos serviços dependentes desta, tais como: Sargento da Guarda, de Piquete, rondas nocturnas ao Cupilom (vulgo pilão), segurança nocturna à Pide/DGS, etc., etc., tudo serviços adequados a um bravo e experimentado Amanuense.
Assim, sou escalado para Sargento da Guarda ao QG do CTIG logo no segundo dia após a minha “hospedagem no Biafra” e logo após uma noite mal dormida à custa das ”bazucadas”.
No QG da RML já tinha feito alguns “Sargentos de dia”, mas Sargento da Guarda ao QG nunca tinha feito, de maneira que, atempadamente, verifiquei o estado do camuflado, botas, etc. e deixei tudo prontinho, com o camuflado pendurado aos pés da cama para que na manhã seguinte pudesse partir para a “guerra” sem grandes sobressaltos e fazer uma Guarda de Honra condigna ao homem (Brig. Banazol).
Na manhã do dia seguinte levantei-me a tempo de tratar da minha higiene pessoal, barbinha feita, uma última olhadela às “botifarras” e, toca a ataviar como deve ser que o acto é solene!
Vesti as calças e nada de anormal, calço as botas e idem aspas. Quando visto o blusão, começa um batalhão de baratas, composto por algumas 10 companhias a bater em retirada em todas as direcções, tiro o blusão apressadamente, atiro-o para o chão enojado e…, que faço agora? Outro banho, não dá tempo, o outro camuflado deve estar na “Lavandaria”…, bom, pego no blusão, sacudo-o violentamente várias vezes e lá vou eu receber o homem. E se me sai uma baratona daquelas pela braguilha quando o homem se perfilar em frente à guarda?! Vai ser giro vai!
Lá se efectuou o render da Guarda com a pompa e circunstância que é costume e sem nenhum percalço a salientar e, quando entro na casa da Guarda tenho lá uma nota do 2º Comandante – Cor. Tir. Galvão de Figueiredo - a informar que, nas férias do Comandante ele, 2º Comandante, dispensava os “salamaleques”. O homem está de férias! Desta já me safei! A 2ª vez que estive de Sargento da Guarda, o homem ainda estava de férias e a “coisa” também correu de feição. À 3ª, o homem já regressara e, então, a “coisa” correu mesmo à moda de “um desgraçado de um Amanuense periquito, magricelas e que nunca na vida tinha feito os salamaleques a que um oficial-general tem direito quando chega à sua Tabanca”.
Resumindo: após o render da Guarda e hastear da bandeira, fiquei ali pelo portão aguardando que o homem chegasse para que nada corresse mal.
Passaram as 9h00, as 9h30, as 10h00, eu de camuflado, botifarras, 40º à sombra, humidade à volta dos 90% (um homem não é de ferro, carago!), decido entrar na casa da guarda e pôr-me debaixo da ventoinha. Mas os pés também estavam a cozer! Desaperto os atacadores e alguns botões do blusão, sento-me na cama e deixo-me cair para trás. Já estão a ver o filme, né? Foi tiro e queda!
Estava eu muito entretidinho a sonhar com …. (Já não me recordo, esqueçam), quando sou abruptamente acordado por uns abanões e uma voz aflita que bradava:
- “esfuriel, esfuriel, comandanti!”
Saio disparado sem sequer me lembrar dos atacadores nem dos botões do camuflado.
O PM que estava ao portão avisa-me que o mercedes do homem estava parado lá ao fundo, à sombra de um mangueiro, há já algum tempo.
Ao lado do portão de entrada ficava a guarita da sentinela. Em frente à guarita havia um pequeno jardim em forma de semi-círculo.
Eu e o Cabo da Guarda (também europeu) atravessamos apressadamente o pequeno jardim e fomos formar à esquerda da sentinela e, aí chegados, vejo o resto do pessoal (todos africanos), em fila indiana e em passo de corrida cadenciado, contornar o jardim.
Meio aparvalhado, pergunto-me:
- “Onde é que estes gajos vão, carago!”.
Terminado o circuito, os “contornadores” formam à nossa esquerda.
Pensei: “Bom, já fiz merda!” - Lá se fizeram os “salamaleques” da ordem e, terminada a “sessão solene” lá regressamos a quartéis onde o Oficial de dia – um Capitão Miliciano - me pergunta:
- Então Furriel, o que aconteceu?
- Adormeci e dei barraca.
E ele:
- Também eu adormeci e o homem deitou a mão ao bolso da minha camisa que estava desabotoada e perguntou:
- O que é isto?!
E continuou:
- Olhe, ele disse para você lá ir ao gabinete.
Nessa altura, juro que me apetecia responder:
- “Que venha ele cá abaixo porque eu estou de Sargento da Guarda e não posso abandonar o posto!”
Claro que não o fiz porque iria criar mau ambiente na Unidade já que, muito provavelmente o homem iria responder:
- “Não, que venha cá ele que ainda agora acabei de subir e ele tem estado todo o dia ali alapado!”.
E o empurra para cá, empurra para, lá iria durar uma eternidade e, como não gosto de entrar nessas birras, acabei por ir. Contrariado, mas fui.
- Há quanto tempo está na CCS?
- Há cerca de dois meses meu Co…(fui logo interrompido!)
- Pois, vocês chegam aqui, pensam que isto é a bandalheira do mato, não perguntam nada, se perguntassem sabiam que eu às quintas tenho reunião e que chego sempre mais tarde, - rebéu béu, pardais ao ninho, etc. e tal,…blá blá blá blá !
Eu só abanava a cabeça em sinal de concordância tipo: “ya meu, ya meu, ya meu”.
Passados uns dias, quando volto a entrar de Sargento da Guarda, ao fim da tarde vem o Oficial de dia ter comigo e diz-me:
- Querem a sua presença no gabinete do 2º Comandante.
- “Porra, que foi que eu fiz agora?!” - Berrei eu com os meus botões e confesso que, nessa altura, pensei seriamente em pedir a demissão.
Quando entrei estavam lá o Cor. Galvão de Figueiredo, o Major Leal de Almeida (ex-Coordenador do Batalhão de Comandos Africanos e que, inicialmente, se recusou a participar na operação Mar Verde, acabando por ir a Conakry), um Alf. Milº de Op. Esp. em fim de comissão e que aguardava transporte para regressar à metrópole, um outro Fur. Milº de Transportes e um Cabo Escriturário.
Após uma pequena prelecção, o Cor. Galvão de Figueiredo informa-nos que na manhã seguinte teríamos de embarcar para o Sul. O Major e o Alf. Milº iriam de helicóptero e os outros embarcariam num pequeno cargueiro (vulgo barco turra).
No Sul havia “festa da brava” em Gadamael e eu dei comigo a magicar no que um desgraçado de um Amanuense ainda “pira” iria fazer para a “festa” na companhia de um Major Comando, um Alferes OE e um Cabo escriturário?!
Associei a “gentileza” à minha prestação na 1ª Guarda de Honra que fiz ao homem.
AM
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(Próximo capítulo – (4) Curtas férias em Cacine – CCAÇ 3520
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de > 23 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10989: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (2): Colocado na CSJD/QG/CTIG