sexta-feira, 27 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13337: Fotos à procura... de uma legenda (29): O menino... soldado de Madina do Boé, a G3 e a Kalash... (Manuel Coelho, ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68)


Foto nº 1


Foto nº 2

Guiné > Região do Boé > Madina do Boé >  CCAÇ 1589/BCAÇ 1894 (Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). > Foto nº 1 > O menino a fingir de soldado, empunhando a custo  uma G3; foto nº 2 > Uma Kalash, capturada ao PAIGC...  Duas fotos do álbum Fotográfico do nosso camarada Manuel Caldeira Coelho,  ex-fur mil trms,  CCAÇ 1589 (Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68).(*)... Duas fotos à procura de um boa legenda (**)...e da generosa  e espontânea colaboração dos nossos leitores que continuam a ser fiéis ao nosso blogue (a avaliar pelas 6 a 7 mil visualizações de página por dia).

Fotos: © Manuel Coelho (2011). Todos os direitos reservados [Edição: LG]
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Notas do editor:

Guiné 63/74 - P13336: Memórias da CCAÇ 1546 (Domingos Gonçalves) (3) - Reportagens da Época (1966): Viagem a Madina do Boé

1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) com data de 19 de Junho de 2014:

Prezado Graça:
Saúde para ti, e para todos os navegantes do Blogue.
Caso não exista inconveniência, poderás inserir no blog a descrição de uma ida a Madina do Boé, à distância de 48 anos.

Um abraço amigo.
Domingos Gonçalves


MEMÓRIAS DA CCAÇ 1546 (1966) 
- REPORTAGENS DA ÉPOCA

3 - VIAGEM A MADINA

Dia 20

Começaram os preparativos para o transporte de abastecimentos a Madina do Boé.
Os géneros começaram a ser transportados para o destacamento do Ché-Che, onde ficam armazenados.
Não devem faltar muitos dias para que a companhia de caçadores n.º 1546 atravesse de novo o rio para escoltar as viaturas que transportarão os géneros e as munições para o abastecimento, durante a época das chuvas, da companhia n.º 1416, aprisionada dentro de um rectângulo de arame farpado, numa terra a que ainda se dá o nome de Madina do Boé. Um nome que apenas faz lembrar, a quem o escuta, o sofrimento de um grupo de homens valorosos que, estoicamente, ali vão permanecendo.
Eles, sim, merecem ser chamados de heróis.
Pelas onze horas e meia o pelotão do Alferes Y, partiu para o Ché-Che, escoltando as primeiras viaturas carregadas de géneros.
Não almoçaram porque à hora em que saíram ainda não havia almoço.
Não jantaram porque, quando chegaram, era tarde e já não havia jantar...
Não receberam ração de combate, porque a companhia precisa de economizar algumas dezenas de rações... Passaram fome!
Triste comando este, e desumano, que nós temos!
É terrível esta insensibilidade!... Esta falta de humanismo e de sentido de responsabilidade.
É chocante este abuso do poder, esta sede economicista, que se alimenta, exclusivamente, do sofrimento dos outros.


Dia 21

Pela manhã parti para o Ché-Che, com o meu grupo de combate, a escoltar as viaturas que transportam os géneros que estão a ser armazenados nessa localidade.
Passei lá o dia e pernoitei na casa de um nativo.
Foi uma noite de tempestade.
A época das chuvas chegou mesmo a sério.
No destacamento não há condições de armazenamento para os géneros que transportamos.
Fica tudo ao ar livre, ao sol e à chuva. Grande parte do abastecimento não vai chegar ao destino.
A culpa é toda de quem programou o transporte para esta época... Mas aqui, por incrível que pareça, não se pedem responsabilidade a ninguém.
É a tropa... Quem se lixa, depois, são aqueles que acabam por sofrer a fome e a necessidade... Quem faz as asneiras acaba sempre por não sofrer nada... Há pessoas afortunadas que nasceram já com o privilégio de poder fazer todo o tipo de asneiras, sem que ninguém, depois, as incomode...
A tropa é o mundo dessa gente... É uma corporação de medíocres...
E quanto mais alto é o grau na hierarquia, maior é, também, a mediocridade.

Guiné > Região do Boé > Rio Corubal >  Cheche > A jangada que fazia a travessia do rio. Belíssima foto do Manuel Caldeira Coelho (ex-fur mil, CCAÇ 1589/BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68).

Foto: © Manuel Coelho (2011). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


Dia 22

Pelas onze horas chegou, sob o comando do capitão, o restante pessoal da companhia.
O Tenente Coronel X, comandante do meu Batalhão, veio, também, na coluna.
Parte do pessoal atravessou, ainda cedo, para a margem Sul do Corubal e ocupou a zona ribeirinha. Entretanto, durante toda a tarde, a jangada foi transportando para a margem Sul as viaturas e os géneros.
Toda a companhia passou a noite na margem Sul.
Durante a noite choveu muito.
Como não havia local onde nos abrigássemos apanhou-se com a chuva toda. Foi o suficiente para ninguém dormir nada.
Perto da margem do rio rebentou uma armadilha anti-pessoal sob a roda de uma viatura. Fez apenas estragos ligeiros e não feriu ninguém.
A mina anti-pessoal rebentou, perto do tronco de uma árvore, onde, normalmente, todos temos tendência para nos encostar.
Foi uma sorte a viatura ter passado primeiro...


Dia 23

Continuou a travessia de géneros para a margem Sul, onde nos encontramos.
É uma operação lenta e muito perigosa.
A jangada está arruinada e não oferece nenhumas condições de segurança.
Hoje, caiu outra viatura ao rio e por lá ficou mergulhada, a tomar banho.
Desta vez também não tivemos, ainda, desastres pessoais. Temos andado com muita sorte.
Se um dia o raio deste calhambeque perde a estabilidade quando transportar soldados, será uma catástrofe..
De noite, as formigas e os mosquitos não deixaram dormir ninguém
O local onde se pernoitou, devido às chuvas, transformou-se num enorme lamaçal.


Dia 24

Ainda cedo iniciou-se o transporte dos géneros para Madina do Boé.
Fiquei todo o dia, com o meu grupo de combate, emboscado na zona da tabanca do Vilongo, uma povoação abandonada, cujo espaço o capim depressa se encarregou de conquistar.
Pelas duas horas da tarde, já perto do cruzamento Béli/Madina, explodiu uma mina anti-carro sob a roda de uma viatura.
Uma das secções do meu pelotão, que seguia do Vilongo [Bilonco] para o Ché-Che, a prestar segurança às viaturas, foi toda projectada para o chão.
Todos os soldados dessa secção ficaram feridos. Todos menos o Eusébio que, por simples acaso, não seguia naquele meio de transporte.
Reparei que o rapaz trazia um terço pendurado ao pescoço.
Nenhum dos feridos corre perigo, mas foram todos transportados para Bissau de helicóptero
Ao cair da noite fomos para Madina do Boé, onde se pernoitou.
O nosso comandante de batalhão acompanhou-nos sempre durante esta aventura.
É dos poucos, (ou talvez o único) comandantes de batalhão que se metem nestas andanças.
Regra geral os comandantes de batalhão preferem andar longe dos locais onde os tiros se façam ouvir, escolhem andar de avião, a algumas centenas de metros de altura, mesmo para comandar as forças de que são responsáveis.
De avião, e a uma altura considerável, longe do alcance das metralhadoras antiaéreas, é muito mais seguro viajar, ou proceder ao comando, através das comunicações rádio.
Mas, o comandante do batalhão de caçadores n.º 1887 é um homem diferente.

Em Madina, um alferes da guarnição local, ao vê-lo em tronco nu, a pele queimada, confundido entre os soldados, veio perguntar-me:
- Eh pas!.. Quem raio é aquele sargento?
- Caluda... - Respondi-lhe! Olha que se trata do comandante do meu batalhão.

O alferes ficou admirado. E tinha razão para isso.
Efectivamente, as altas patentes não se dão ao trabalho de experimentar no terreno um pouco do sofrimento que, no dia, a dia, aflige os seus homens.
Esta guerra está a ser feita pelas baixas patentes, principalmente por milicianos, sejam eles furriéis e alferes, ou em menor número, capitães. Os altos comandos preferem a tranquilidade dos gabinetes, mesmo que pouco confortáveis, a burocracia e a vida fácil dos quartéis..
Quando é necessário exercer o comando das operações nunca se deslocam com os seus homens. Através do rádio, e do avião, eles indicam os objectivos.

Convictos, eles ordenam:
-Siga pela direita. Avance mais para a frente. Atravesse a bolanha...
- Faça fogo para ali. Utilize o morteiro.

E a tropa macaca, como as elites nos chamam, lá vamos cumprindo tantas parvoíces que às vezes nos mandam fazer. Autênticas loucuras donde, às vezes, só o acaso nos deixa sair com vida...
Depois, quando chegar o fim das comissões, eles, cheios de orgulho, ficam com o peito cheio de medalhas e condecorações. São uns heróis. Desfilam garbosamente em grandes paradas, perante os ministros embriagados de júbilo.
E ouvem-se discursos! Decidem-se louvores! E escreve-se a história com uns heróis feitos de barro!
E os soldados, esses, se tiverem a sorte de não regressar numa urna funerária, dificilmente conseguirão regressar livres das enfermidades tropicais, das mutilações, dos traumas e da miséria.
É este o panorama de um exército lançado numa guerra em que já ninguém acredita. Numa guerra que apenas terá ligeiro interesse para meia dúzia de iluminados que andam por aí quase só a exibir os galões. No fim, eles levam pelo menos algum dinheiro. Quem sabe. Vão mesmo levar algumas condecorações.
Recebi carta de Lisboa, de uma rapariga que deseja ser minha madrinha de guerra...


Dia 25

De manhã, partindo de Madina, a companhia foi ao monte (uma pequena elevação) junto ao cruzamento de Béli/Madina, fazer uma pequena operação. Depois, um dos pelotões foi ao Ché-Che buscar mais géneros.
De tarde voltou toda a gente para Madina.
O comandante de Nova Lamego veio a Madina.
Como não podia deixar de ser, veio de avião.
No regresso ofereceu boleia ao meu comandante de batalhão, mas ele não aceitou. Prefere regressar, acompanhando-nos, conhecendo o nosso dia a dia, e as dificuldades que em cada encruzilhada estão à nossa espera.
A proceder assim não vai receber condecorações. É que as medalhas, regra geral, destinam-se a condecorar outro tipo de heróis. Os que tiverem mais horas de voo, em Dornier 27, ou em helicóptero, os meios de transporte mais utilizados pelos altos comandos.
- Caro comandante... Se assim continuas não fazes carreira. Ninguém se vai lembrar de ti. Mesmo que não sejas muito ambicioso, terás sempre na mente, como qualquer bom militar, atingir, no mínimo, o posto de general. É um desejo mais do que justo... Mesmo razoável...
- Mas, se não fores como os outros, insensível e desumano, oportunista e alheio ao sofrimento dos teus homens, nunca atingirás o topo da carreira que abraçastes.
Quem me dera não ser profeta...


Dia 26

Às sete horas da manhã iniciou-se a viagem de regresso a Nova Lamego.
Caminhou-se quase sempre sob uma chuva intensa.
Recuperou-se a viatura que accionou a mina anti-carro.
Ao anoitecer as viaturas já estavam todas na margem Norte do rio Corubal. Desta vez a jangada portou-se bem. Não nos pregou nenhuma das partidas do costume. Já merecíamos ter alguma sorte na travessia deste rio.
Cansados e famintos, atingimos Nova Lamego quase à meia noite.
Foi quase uma semana de fome, sede, fadiga e trabalho sem fim. Acima de tudo foi uma semana de tensão nervosa contínua, onde a miragem do perigo foi constante, tocando, às vezes, os limites da resistência psíquica de cada um de nós.
Mas, estoicamente, todos vão aguentando...
Todos vão passando além dos limites da capacidade de aguentar...
Regra geral, a nossa capacidade de resistir é sempre maior do que aquilo que nós próprios pensamos.
Somos sempre capazes de chegar um pouco mais longe...
Impressionou-me, nesta viagem, a personalidade do capitão da companhia de Madina do Boé. É um homem especial.
É mesmo um homem invulgar. Dele pode dizer-se que é um guerreiro nato.

Domingos Gonçalves
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Guiné > Mapa da província (1961) (Escala: 1/500 mil) > Detalhe: região do Boé > A única "estrada"  que ligava Nova Lamego (carta de Nova Lamego) ao sul (até Cacine), passando por Canjadude (carta de Cabuca), atravessando o Rio Corubal em Cheche (margerm direita)  (carta de Jabiá) e segundo depois para Madina do Boé (carta de Madina do Boé)...

Entre o Cheche e Madina do Boé havia o cruzamento para Beli (carta de Beli). Entre o Cheche e Madina do Boé a única povoação (abandonada) que havia em 1966 era Bilongo.

Um dos mitos da propaganda do PAIGC foi o da declaração da independência em 24 de setembro de 1973 em Madina do Boé, o que nunca aconteceu... Madina do Boé foi retirada pelas NT, por ordem de Spínola, em 6 de fevereiro de 1969 (Op Mabecos Bravios). No regresso desta operação houve o trágico desastre no Cheche, com 47 mortos por afogamento.

Guiné > Região do Boé > Carta de Jabiá (1961) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Che-Che, por onde passava a "estrada" para Madina do Boé com cruzmento à direita para Beli.  Estas 3 posições (Beli, Madina do Boé e Cheche foram abandonadas pelas NT, por ordem de Spínola). O aquartelamento mais a sul de Nova Lamego passou a ser Canjadude, guarnecida pelos "Gatos Pretos" (CCAÇ 5). Eram precisos 4 cartas militares para se ir de Nova Lamego a Madina do Boé (cinco, no caso de Beli).

Infografia: Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné (2014).
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE SETEMBRO DE 2011 > Guiné 63/74 - P8759: Memórias da CCAÇ 1546 (1966) - Reportagens da Época (Domingos Gonçalves) (2): A Viagem, O Desembarque e o Passeio pelo Geba

Guiné 63/74 - P13335: Notas de leitura (605): "O Retorno dos “Gans”, de Fernando Perdigão (2): Uma viagem ao ocultismo ligado ao culto do morto na Guiné (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Dezembro de 2013:

Queridos amigos,
Tudo leva a crer que a base histórica forjada por Fernando Perdigão para o ressurgimento dos Gans não passe de uma trama bem magicada. Dá uma oportunidade única para conhecer as práticas rituais da comunicação com os mortos, seus oficiantes, desempenho de curandeiros, sacerdotes e sacerdotisas e a invocação dos irãs. E também abre espaço para pressentir as aspirações de uma classe burguesa que procura afanosamente uma saída para o desenvolvimento, empreender com algum respeito pela tradição.
Uma leitura que traz ganhos culturais, indubitavelmente.

Um abraço do
Mário


O Retorno dos “Gans” (2): Uma viagem ao ocultismo ligado ao culto do morto na Guiné

Beja Santos

A morte e as exéquias de Procópio Fidalgo são o pretexto para uma viagem aos mistérios e aos tabus associados ao culto dos mortos na Guiné-Bissau no romance de estreia de Fernando Perdigão «O Retorno dos ‘Gans’», Edições Colibri, 2013, ao que sabemos é a primeira obra da literatura luso-guineense que se debruça com tal profundidade sobre os santuários das cerimónias tradicionais, sacerdotes, curandeiros, peregrinações aos locais de culto, irãs, cerimónias de toca-choro, esteiras de choro, amuletos, comunicação com o espírito dos falecidos. O outro pretexto, porventura uma aventura ficcional, são os Gans, em que, segundo o autor, os familiares dos antigos escravos passaram a viver independentes e fora das cercas das feitorias e das empresas dos antigos colonos, isto nos arrabaldes de Cacheu, Bolama, Farim, Geba, bem como Bissau, instituindo uma nova ordem social e económica. Pesquisei sobre os Gans e nada se encontrou, nenhuma literatura de referência consultada aborda tal problemática. O autor estabelece o enredo em torno de famílias de estatuto pequeno-burguês, dando-lhe uma permanente tensão entre a modernidade e a tradição, a família Fidalgo vai delapidando o seu património em todos os cerimoniais de choro e nas sucessivas receções dos muitos convidados, sabemos como a Guiné tem famílias extensíssimas. Nascem amores, confirmam-se casamentos, um psicólogo interpreta sonhos e um sociólogo disserta sobre os Gans.

O autor recorre ao expediente de jornadas universitárias para discorrer sobre o passado. Aqui e acolá, dá a sua alfinetada sobre a situação política: a lenta evolução do país à mercê das profecias; um funcionalismo público que tem emprego mas não tem trabalho, uma classe política arranjista… O sociólogo, de nome Fundungo, disserta sobre os Gans que teriam aparecido no período pós-descobrimentos, mais concretamente no período de instalação das feitorias. Os Gans teriam sido desmantelados até meados do século XX, eram um edifício educativo tradicional do país, os seus patriarcas constituíam uma espécie de assembleia restrita. Saúde-se o autor por esta nota de exótico que irá apimentar o livro até ao fim. Porque toda a obra está embrenhada de imaginário religioso à revelia do que prevêem os códigos cristão e islâmico. Por exemplo, a cerimónia do “cabaz”, o casamento tradicional guineense, materializado num objeto envolto de uma toalha branca e que é posto no meio da sala, simboliza o termo de compromisso entre duas pessoas e descreve-se com detalhe o longo cerimonial da chegada dos noivos na presença dos parentes, abre-se o cabaz de onde se retira um envelope branco e outros objetos, foi assim que “casaram” Ernesto e Kilda. Ficamos a saber que neste cerimonial há em sequência o pedido da mão da noiva, a abertura do cabaz e o casamento oficial. Este Ernesto era irmão do defunto Procópio, será ele que irá revitalizar Gan Fidalgo. E entretanto prosseguem cerimónias em memória do falecido Procópio, copos de água, missas, elogios…

Esperança, a filha de Procópio que casara com Gilberto, um angolano, e viveu em Lisboa, decidem refazer a sua vida em Bissau, ela trabalhar nas Linhas Aéreas Lusófonas, Gilberto tem outros planos, quer fazer uma agência funerária moderna. Depois das cerimónias religiosas do Dia de Todos os Santos, chegou o momento para o cerimonial do irã e dá-se a seguinte explicação: “Naqueles tempos, quando os brancos cá chegaram, isto era tudo mato cerrado, cheio de poilões e calabaceiras habitados pelos irãs. Mas havia caminhos muito antigos que os filhos da terra, habitantes das tabancas, percorriam, como itinerários sagrados, em direção aos santuários. Os portugueses em conluio com certos irãs, apoderaram-se do território e derrubaram muitas dessas árvores sagradas e até ficaram com alguns irãs para eles. Os nossos antepassados transferiram outros irãs para outros sítios…”. E presenciamos um cerimonial de irã, no quintal do “Caminho do Irã”.

Fernando Perdição não perde oportunidade para ventilar algumas das questões ditas fraturantes da sociedade guineense como a mutilação genital feminina. O toca-choro é também alvo de minúcia descritiva, é convocado para proteger a nova casa-grande de eventuais entradas dos espíritos maus. Faz-se o chamamento dos defuntos, instrumentos repicam, como o bombolom, segue a ladainha das mensagens, invocam-se os nomes dos entes queridos dignos de lembrança e choro, explica-se a indumentária com que todos se apresentam na cerimónia, segue-se a matança dos animais, uma boa parte de cada animal havia de ficar na casa de acolhimento da cerimónia. No contexto da tensão entre a tradição e o moderno, estes reagem e tecem críticas: as crianças não devem compadecer a cerimónias destas, pois a violência da carnificina do abate de animais pode provocar traumatismos graves, devia-se arranjar uma maneira simbólica de derrabar um bocadinho de sangue, não se devia consentir neste atentado à moral e à saúde pública já que o sangue e as fezes que se extraem das tripas acabam por apodrecer ao relento e favorecer doenças.

Começaram as obras de preservação de Gan Fidalgo, entretanto o seu herdeiro direto, Ernesto, vai remexer nos papéis do falecido Procópio que deixara imensos escritos, descobre que este era completamente hostil a este culto desordenado dos mortos e deixara, entre outras, a seguinte observação: “Faz-se o culto da personalidade aos vivos em troca do dinheiro, e o culto aos mortos, só pode ser, entre outras velhacarias, para que as almas nos ajudem a garantir um lugar no outro mundo, lugar esse que, se calhar, nem o merecemos”.

A saga encaminha-se para o fim, aparece a árvore genealógica dos Fidalgos, tudo começara em finais do século XVIII com Adelaida Fidaldo, filha de pai português e mãe Pepel, esta escrava guineense. Gan Fidalgo, vem a descobrir-se já tem cerca de 170 anos. Gilberto já pôs de pé a Agência Funerária Pés-Juntos, de colaboração com o Ernesto, que deixou o seu lugar no Ministério da Agricultura. Alguém critica-o: “Onde é que foram buscar essa ideia estapafúrdia de criar uma empresa para tratar de mortos, a ponto de te levar a abandonar o Ministério para ficares sem trabalho?”. Ao que Ernesto responde: “Aqui na Guiné as pessoas pensam que trabalho a sério é só quando se trabalha para o Estado. A nossa agência privada é também trabalho sério, tão sério que eu vou ter que tirar um curso para poder ser administrador da agência”. Ernesto pôs uma nova cobertura de zinco na Casa-Grande, do Gan Fidalgo, uma nova escadaria de acesso à varanda frontal, uma nova pintura, mandou colocar um letreiro em madeira esculpida “Gan Fidalgo”. E disse para si próprio: “Os Gans são os pilares da cultura guineense”. No dia da inauguração profere um vibrante discurso sobre a história dos Gans.

Fica-se com a ideia de que Fernando Perdigão pretende abrir uma via para que os guineenses alcancem um novo paradigma, inovando e assimilando a tradição livre de adulterações e obscurantismos. Depois da luta de libertação chegou o momento de tomar consciência de uma nova mudança. Há que restituir importância aos Gans, fazer deles a base de uma sociedade mais organizada e sem violência. Os Gans contribuirão para que cada guineense possa criar riqueza na sua própria terra, os Gans serão também renovação cultural, prepararão a sociedade para criar riqueza e equidade.

Utopia ou não, há uma mensagem de espírito de renovação, mesmo supondo que os Gans são ficção pura. E para o leitor não iniciado esta cosmogonia da dimensão cultural dos mortos é uma perfeita revelação.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE JUNHO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13322: Notas de leitura (604): "O Retorno dos “Gans”, de Fernando Perdigão (1): Uma viagem ao ocultismo ligado ao culto do morto na Guiné (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P13334: Parabéns a você (754): Vítor Caseiro, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4641 (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE JUNHO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13323: Parabéns a você (753): Vasco Joaquim, ex-1.º Cabo Escriturário do BCAÇ 2912 (Guiné, 1970/72)

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13333: (Ex)citações (234): Comentários ao poste do António Medina sobre os acontecimentos de 1964 em Jolmete: Vasco Pires, António Graça de Abreu, Manuel Carvalho, Joaquim Luís Fernandes, Júlio Abreu, Manuel Luís Lomba, António Rosinha e António Medina



Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCAÇ 2366/BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70 > As NT e a população.

Foto: © Manuel Carvalho (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem;:LG]

Publicamos, seguindo uma ordem cronológica, os comentários suscitados até à data pelo poste P13326 (*). Sobre os acontecimentos de há 50 anos em  Jolmente (ou Djolmete), evocados pelo nosso camarada da diáspora António Medina (que vive nos EUA), não encontrei até agora nenhuma referência no Arquivo Amílcar Cabral, disponível para consulta pública no portal Casa Comum. O que não quer dizer absolutamente nada.. Em muitos casos o arquivo tem muitas lacunas e é decionante...(LG)


1. Vasco Pires  [ex-alf mil art, cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72; membro da Tabanca Grande, a viver na diáspora, Brasil]

"War is hell,"

"You cannot qualify war in harsher terms than I will. War is cruelty, and you cannot refine it; and those who brought war into our country deserve all the curses and maledictions a people can pour out. I know I had no hand in making this war, and I know I will make more sacrifices to-day than any of you to secure peace."

General William Tecumseh Sherman

Parabéns Camarada, por conseguires exorcizar os teus "fantasmas".

PS - Esclarecimento:  Fiz a citação Major - General Sherman, por se tratar de um militar da terra de adoção do Camarada Medina.

Citei-o também, por ser o autor da célebre frase "War is hell", repetida até hoje à exaustão.

Transcrevi a frase seguinte, por ter sido feita, por um militar considerado intransigente, num momento de decisão particularmente difícil - a evacuação e incêndio de Atlanta.

Quanto a juízos de valor,nada tenho contra quem os faz, contudo, eu, tento não os fazer. (...)


2. Manuel Carvalho [ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf, CCAÇ 2366/BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70]

Caros camaradas: Cerca de quatro anos depois, em  junho de 68 a minha companhia, a CCAÇ  2366, chegou a Jolmete e aí permanecemos cerca de um ano. O Blog tem fotos minhas desse mesmo barracão que era o edifício com mais qualidade que existia em Jolmete.(**)

A pouca população que havia tinha sido recuperada no mato.O Régulo atual de Jolmete julgo que é o Cajan Seidi. Por acaso não te lembras do nome desse Régulo?



Diz o António Medina: "Não se trata de nenhuma minha criatividade ou ficção, mas sim a descrição verdadeira de factos sucedidos, contados a mim na altura por quem foi testemunha e participante de uma acção bastante degradante e vergonhosa."

Portanto o António Medina não assistiu aos "fuzilamentos", ouviu contar.

Não digo que não possam ter acontecido, todas as guerras são sujas, tudo é possível, até o assassínio de três majores e um alferes, mais dois guias, gente do meu CAOP 1, em 1970, militares desarmados que iam em negociações de paz, exactamente na estrada do Pelundo para o Jolmete.

Estive sete meses em Teixeira Pinto, em 1972/73, estive no Jolmete em 1972, jamais ouvi esta história. Eu sei que já haviam passado oito anos, mas "fuzilamentos" deste tipo costumam deixar lastro na memória das gentes.

Gostava que estes "fuzilamentos" fossem confirmados por mais pessoas que se possam pronunciar com verdade, com factos, não de ouvir contar. (...)

4. Joaquim Luís Fernandes [ex-alf mil, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974]

Caros Camaradas e Amigos: Eu sou um sentimentalão! E se calhar muito ingénuo.

Ao ler esta narrativa sentia uns arrepios e um desgosto profundo e interrogava-me: Como terá sido possível tão medonho ato por parte de um corpo do exército português, formado e enquadrado por valores éticos, que condenariam em absoluto tal procedimento? Ou havia nesse tempo outra doutrina que eu desconheço?

E porque duvidar da verosimilhança da descrição do camarada António Medina?...

Tudo isto mexe comigo. Porque vivi aí os meus primeiros medos e pisei esse chão incerto e instável, sou remetido para as questões que tantas vezes coloquei a mim próprio: Porquê a antipatia que via espelhada nos rostos dos manjacos e a sua desconfiança e má vontade?

Teria a ver com a memória desses factos, ou eram memórias bem mais antigas, do tempo de Teixeira Pinto ou ainda mais antigas do tempo dos escravos do Cacheu?

Em 1973, em Teixeira Pinto, coabitávamos em paz aparente com a população local, (velhos, mulheres alguns jovens adolescentes e crianças) mas sentia que éramos "personas non gratas". Toleravam-nos enquanto os servíamos. Diziam-me os meu soldados: "Eles fazem de nós seus criados".

Também ainda não consegui encaixar bem, toda a tramóia dos assassinatos dos três majores, do alferes e dos acompanhantes, em 1970. Apesar de tudo o que li, ficaram-me vários hiatos sem explicação. Agora fico com mais esta dúvida: Será que um acontecimento não tem nada a ver com o outro? A minha intuição diz-me que sim. Pelo menos o local escolhido foi o mesmo. Porquê?... Esta história tem muito por contar! (...)

5. Júlio da Costa Abreu [ex-1º cabo radiomontador do BCAÇ 506 (Bafatá) e ex-1º cabo comando, chefe da 2.ª equipa do grupo de comandos "Centuriões" (Brá, 1964/66); a viver na Holanda }


Ser ou não ser, eis a  questão...  Ter ou não ter razão... E de quem foi a culpa de terem fuzilado em Bambadinca depois do 25 de Abril tantos soldados Comandos, como por exemplo o Jamanca e muitos outros? Ou será que depois de eles terem confiado nos novos donos da Guiné, foi a paga que lhes deram? Isso também é  motivo para serem assassinados? E a guerra realmente nunca foi limpa mas isso é normal. (...)

 6.  Manuel Luís Lomba [ ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66]

'Terei sido contemporâneo destas circunstâncias.Chegámos a Bissau (BCav 705) em 26/7/64 e a minha subunidade (CCav 703) foi de intervenção para Bula em Agosto, fez o seu baptismo de fogo em Naga e durante 20 dias reforçou a atividade operacional o BCaç 507, comandado pelo então t-coronel Hélio Felgas - que alinhava no mato.

Sem pretender sindicar a memória do camarada António Medina, acho algo de estranho. Aquele comandante exortava-nos à implacabilidade em relação à gente que nos recebesse à bala ou granada, mas incitava-nos ao cuidado de poupar populações. Enfatizava o dilema das mesmas - colocados entre a tropa e os "terroristas". Havia bastantes presos, junto à casa da guarda que recebiam o rancho geral e não me apercebi de maus tratos. Isto dois meses após esses eventuais factos. Cercar tabancas e fazer capturas foi o nosso dia a dia de cada dia operacional. Aconteceram atos lamentáveis? Com certeza. Mas o fuzilamento dos capturados diferido dois meses suscita melhores provas. Luís Cabral não refere esse evento no seu livro Crónica da Libertação. E aquele foi o tempo da prisão de importantes paigcistas, como Rafael Barbosa, Fernando Fortes, sem esquecer os que vieram a conspirar e assassinar Amílcar Cabral que não foram eliminados. (...)

7. Antº Rosinha [ex-fur mil em Angola, 1961/62, topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979/93]

Todos os crimes e fuzilamentos e atrocidades cometidos pelos tugas estão adaptados ao discurso anticolonial conveniente às autoridades revolucionárias que tomaram conta do poder em toda a África.

Isto desde o início da guerra em 1961, sempre se acreditou em tudo o que vinha de Argel, Moscovo e Brazaville e Conacry.

Desde os números arredondados tipo os 50 mártires do Pidjiquiti até aos milhares de turras da UPA lançados ao mar, pelos luxuosos PV2 da FAP, tudo está "provado" e "comprovado".

Só falta descobrir o segredo das valas comuns e da contagem dos respectivos cadáveres.(...)

8. António Medina [ex-fur mil inf, CART 527, Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65; vive nos EUA]

Acabo de tomar conhecimento de comentários feitos por alguns camaradas, mostrando certa relutância em aceitar a narrativa dos factos acontecidos na área de Jolmete. Cada um tem o direito de aceitar ou discordar e até pedir provas mais concretas desde que estejam disponíveis.

Segundo a teoria aplicada pelo Comandante do Batalhão de Bula , ver comentário do camarada Manuel Lomba porque assim reza o seu segundo parágrafo:

” AQUELE COMANDANTE EXORTAVA À IMPLACABILIDADE EM RELAÇÃO ÀS GENTES QUE NOS RECEBESSEM À BALA OU GRANADA MAS INCITAVA-NOS AO CUIDADO DE POUPAR POPULAÇÕES “.

Ora, o que foi feito em Jolmete ?

Pouparam, sim, a vida das mulheres e crianças. Mas sem condescendência, como vingança exterminaram os homens da tabanca, considerando o facto que talvez fossem coniventes com os autores da tal emboscada ou assim evitar o perigo de virem a pegar em armas. Foi uma acção bastante secreta como é óbvio. 

SE ENQUADRA OU NÃO NA TEORIA OPERACIONAL DAQUELE COMANDANTE?

Sabemos que casos semelhantes aconteceram não só na Guiné mas também em Angola e Moçambique, em grupos ou a nível individual.

O camarada Manuel Carvalho se refere ter estado em Jolmete em 1968, quatro anos depois, assim como que a pouca população que havia em Jolmete tinha sido recuperada no mato. isto vai ou não ao encontro do que escrevi, da fuga da população que restou e se refugiou no mato?

Estava eu em Bissau como empregado do BNU quando em 1970 se deu o caso dos três majores, um alferes e outros na estrada de Jolmete. Não obstante fossem militares e em guerra, o caso consternou os civis da cidade de Bissau. Teria sido vingança do PAIGC sobre a tropa colonial? (...) (***)
_____________

Notas do editor

(*) Vd. poste de 24 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13326: De Lisboa a Bissau, passando por Lamego: CART 527 (1963/65) (António Medina) - Parte II: Foi há 50 anos, a 24 de junho de 1964, sofremos uma emboscada no regresso ao quartel, que teria depois trágicas consequências para a população de Jolmete: como represália, cerca de 20 homens, incluindo o régulo e o neto, serão condenados à morte e executados pelas NT, dois meses depois

(**) Vd, poste de 24 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10191: Memória dos lugares (189): Jolmete, quotidiano da tabanca e aquartelamento (Manuel Carvalho)

(***) Último poste da série > 20 de maio de  2014 > Guiné 63/74 - P13167: (Ex)citações (233): Venho manifestar o meu apoio ao camarada Veríssimo Ferreira pelo repto que faz ao camarada Manuel Vitorino (Manuel Luís Lomba)

Guiné 63/74 - P13332: Memória dos lugares (269): Bissorã, Casa Gardete, do dr. Manuel Gardete Correia (1928-2009), autoridade mundial no combate à doença do sono, a única casa de pedra e tijolo da vila, construída por seu pai José Gardete Correia, comerciante, natural de Rosmaninhal, Idanha-a-Nova (Armando Pires / Fernando Cristo)


Guiné > Região do Oio > Bissorã > BCAÇ 2861 (1969/70) > 1970 > "À esquerda o alf mil capelão Augusto Batista, à direita o ten cor inf Polidoro Monteiro (já falecido), cmdt do batalhão. Foto tirada no dia de festa,,, Por detrás a Casa Gardete. No primeiro andar da Casa, então utilizada como quartos dos oficiais, a senhora que está à varanda era a esposa do capitão, comandante da minha companhia."

Foto (e legenda): © Armando Pires (2009). Todos os direitos reservados


1. Duas mensagens de Armando Pires, de 24 e 25 do corrente:

Assunto - Casa Gardete

(i): Luís, meu amigo e camarada, olha só o que acabo de receber em mensagem enviada na minha conta do Facebook.

Já respondi ao senhor, pedindo-lhe autorização para que, caso o entendas, publiques isto no blog, e para que o contactes, caso queiras que ele escreva alguma coisa sobre a família.

Logo que tenhas resposta dele, dir-te-ei qual foi.

Um grande abraço,. Armando Pires
.(/ii) Luís, camarada e amigo.

Aqui tens em anexo, a troca de mensagens entre mim e o filho do Dr. Gardete Correia. (*)

Um grande abraço, Armando Pires.

[ex-fur mil enfermeiro, CCS/BCAÇ 2861,Bula e Bissorã, 1969/70; jornalista reformado, foto atual acima]


Guiné-Bissau > Região do Oio >Bissorã > 2006 > A Casa Gardete. Foto de 2006, cedida pelo camarada Carlos Fortunato, ex-fur mil. da CCAÇ 13, e tirada aquando de uma das suas deslocações a Bissorã ao serviço da ONG Ajuda Amiga, de que é presidente. Actualmente o edifício funciona como tribunal civil. A escadaria dava acesso aos quartos dos oficiais. Entre o vão de escada e a porta onde se lê “Secretaria Judicial”, funcionava “a rádio” local. A corneta sonora era montada sobre aquela grande coluna que suportava um portão de ferro de entrada para o edifício.

Foto: © Carlos Fortunato (2006). Todos os direitos reservados.


Guiné > Região do Oio > Bissorã > CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969/70) > Vista aérea (parcial): centro de Bissorã, onde se situava a Casa Gardete (8), o melhor edifício da povoação, sede de circunscrição (concelho).

Legendas [Armando Pires]:

1 – Caserna da CCAÇ 2444, depois da CCAÇ 13
2 – Sede da Administração de Bissorã
3 – Enfermaria civil
4 – Messe de oficiais
5 – Secretaria da CCS, Transmissões e espaldões de morteiros
6 – Casernas e refeitório da CCS
7 – Quartos de sargentos da CCS e bar
8 – Secretaria do comando do batalhão no r/c e quartos dos oficiais no 1º andar
 14 – Campo de futebol.

Foto: Cortesia da página do © Carlos Fortunato > CCAÇ 13, Leões Negros > Guiné - Bissorã [Edição: LG e AP]


2. Fernando Cristo ,  jusrista, estudou na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; vive em Bruxelas]

Digníssimo Armando Pires: acabam de me fazer chegar a cópia de um blogue que desconhecia, constituído por antigos combatentes na então Guiné Portuguesa. Escrevo-lhe estas linhas muito emocionado, por ter sido confrontado com, fotografias da casa do meu avô em Bissorâ, bem como várias referências ao meu pai - Manuel Gardete Correia, médico, nascido em Bissorã em 1928 e falecido em Novembro de 2009 (*). 

Casou uma única vez, com Maria Teresa Conceição Lopes Cristo Gardete Correia, licenciada em Biologia e doutorada em Mineralogia em Coimbra, sua cidade natal. Foi professora desde que chegou a Bissau e diretora do liceu de Bissau entre 1972 e 1974, substituindo nessas funções o Padre Macedo.Faleceu em 18 de Setembro de 1974.

Desse matrimónio nasceram dois filhos - Maria Teresa e o signatário, Fernando Manuel Conceição Flores Lopes Cristo Gardette Correia (único com autorização para utilizar o apelido na origem francesa com dois "tt"), hoje com 51 e 48 anos de idade, respetivamente. (...)

Sou Jurista, a terminar uma comissão de serviço em Bruxelas e desde já à sua/ vossa disposição para todas e quaisquer informações adicionais. Bem-Hajam. Contactoz [ Telem e email]

Fernando Cristo Gardette Correia

3.  Fernando Cristo

Digníssimo Armando Pires: Peço-lhe, desde já, as minhas mais sinceras desculpas por não o tratar pela sua patente, que ainda desconheço, mas que desde pequeno fui ensinado a respeitar e a mencionar nos relacionamentos com todos os militares e sobretudo com os fabulosos militares que muito sofreram numa das piores guerras do ultramar.

Acompanhei sempre o meu pai, quer na fase das campanhas pelo interior da Guiné, quer, mais tarde, quando estabilizou em Bissau, dando sequência à fantástica Missão de combate às Tripanossomíases da Guiné ( mais tarde, após a independência, destruída pelo pessoal da saúde cubana), homenageada então pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Dou inteira autorização para utilização dos dados facultados [...]

Pena é que só tenha tido conhecimento agora, após o falecimento de meu pai, que tudo, mas tudo fez e tudo deu, pela terra onde nasceu e para onde voltou em 1961 e que só Deus sabe o que sofreu após a independência entre 1975 e 1977, já com o Sr. Luís Cabral como Presidente da República da Guiné-Bissau, destituído anos mais tarde e exilado em Portugal (já falecido).

Queira V/ Exa. aceitar, em nome de minha irmã e em meu nome, os meus mais respeitosos cumprimentos e agradecimentos pelo louvável trabalho que estão a realizar e de que alguma parte, mais relacionada com a atividade médica e cientifica (nomeadamente os estudos da malária e da doença do sono) do meu pai, está depositada na Fundação Calouste Gulbenkian. [Manuel Gardette Correia  tem sete referências bibliográficas na Biblioteca Nacional de Portugal]



Guiné > Região do Oio > Bissorã > BCAÇ 2861 (1969/70) > 1969 > "Foto tirada a um domingo, porque era o dia em que, para "disfarçar" a ideia de estar na guerra, nos vestíamos à civil, estou eu (à esquerda na foto) e um soldado meu, o soldado maqueiro Teixeira à entrada  da Casa Gardete, antigo estabelecimento comercial, alugado à tropa".

Foto (e legenda): © Armando Pires (2014). Todos os direitos reservados


4. Armando Pires

Meu caro Dr. Fernando Cristo. Muito obrigado pelo consentimento que me expressa [...] 

Como pode verificar no meu perfil do Facebook. Na tropa fui furriel miliciano. 

Desse tempo, em Bissorã, onde estive de Set/69 a Dez/70, e junto à casa do seu avô, conservo nos meus arquivos apenas duas fotos que aqui anexo.

A primeira, tirada a um domingo, porque era o dia em que, para "disfarçar" a ideia de estar na guerra, nos vestíamos à civil, estou eu (à esquerda na foto) e um soldado meu, à entrada para o que, no tempo do seu avô, era o estabelecimento comercial.

A segunda foto, tirada no dia de festa, como pode aperceber-se, tem como protagonistas o comandante do batalhão, já falecido, e à esquerda, o mais baixo, o Padre Capelão, felizmente ainda vivo. No primeiro andar da Casa, então utilizada como quartos dos oficiais, a senhora que está à varanda era a esposa de um capitão, comandante da minha companhia. Renovo os meus cumprimentos e peço-lhe que, igualmente os transmita à Senhora sua irmã. armando pires

5. Fernando Cristo

Digníssimo Armando Pires: como calculará, estou a vivenciar um momento único e particularmente emocionante, que já não esperava recordar e penhoradamente muito lhe agradeço.

De facto, foi a única casa construída em Bissorã, de cimento e tijolos, pelo meu avô paterno - José Gardette Correia, natural do Rosmaninhal, [concelho de Idanha-A-Nova, ] distrito de Castelo Branco, então comerciante em Bissorã, casa esta onde viveram os meus avós e onde o meu pai nasceu e à qual só voltaria em 1963 de visita. Eu próprio conheci, mas após a independência, já numa fase adiantada de degradação. Aliás, chegar hoje a Bissorã demora aproximadamente cinco dias, tal é o estado das estradas e já nem refiro no período das chuvas.

Guardarei, as fotos que fez o favor de facultar, bem como uma outra que vi no blog, nos meus arquivos de familia.

Muito obrigado
Respeitosos cumprimentos

Fernando Gardette Correia (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 18 de junho de  2014 > Guiné 63/74 - P13302: Furriel Enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (14): Fadista e locutor, para cumprir o destino

(**) Último poste da série > 25 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13328: Memória dos lugares (268): Bissau, 10 e 13 de Junho de 1969, desfile comemorativo do Dia da Raça e incêndio no "600" (Manuel Carvalho)

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13331: Blogoterapia (252): Fui no dia 14 a Monte Real encontrar-me com jovens de antigamente (Francisco Baptista)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 18 de Junho de 2014:

Nesse tempo, em 1970, 71 além da CCaç 2616, a que pertenci, havia também um destacamento de fuzileiros africanos, enquadrado por graduados europeus, uma secção de morteiros, um pelotão de artilheiros que manobravam os obuses 14 e uma secção de administração militar. Já passaram mais de quarenta anos.
Buba, situada no terminus do rio Grande Buba tinha um cais onde encostavam periodicamente (mensalmente, pelo menos) as LDG com munições e mantimentos para o batalhão com comando em Aldeia Formosa e para as populações que viviam junto dos quartéis.

Além dos "residentes" havia portanto muitos que se movimentavam por lá como acontece em todas as terras onde há portos. Convivi com muitos deles, no geral afáveis e simpáticos, todos diferentes, porque não há dois homens iguais, todos tínhamos sonhos que disfarçávamos em bravatas e cervejas.
Havia projetos, vidas adiadas, mães, pais, irmãos, esposas, noivas, namoradas, tanta gente a sofrer dum lado da terra e do outro. Tudo isso calava fundo na alma de cada um mas todos escondíamos essas "pieguices", como jovens guerreiros corajosos que mesmo não o sendo, procuram aparentá-lo pois não se deve dar o flanco ao inimigo nem à morte.

Foto: © José Teixeira

Nas minhas breves passagens por Bissau cruzei-me com muitos camaradas das origens mais variadas da Guiné, território que sendo pequeno me parecia tão grande. Farim, Batafá, Canquelifá, Guidaje, Catió, Pirada, Gadamael, Mansabá, Olossato e muitas outras terras com nomes estranhos e sonantes que desconhecia.

Ouvia estórias de ataques, minas, emboscadas, falava-se brevemente de alguns mortos ou feridos graves para ninguém se comover demasiado pois as lágrimas podem amolecer a coragem dos homens. Ao ouvir essas estórias parecia-me que Aldeia Formosa, Nhala, Mampatá, Buba e Empada eram paraísos de paz.
Em abono da verdade tenho que confessar que Buba só experimentou algumas minas e recontros no mato na fase final da companhia depois destas estórias. Nessa fase Mampatá sofreu uma emboscada terrível e Empada a pior de todas. Eu como todos os camaradas do batalhão fiquei muito abalado com essas mortes mas hoje não me compete a mim falar desses acontecimentos, por respeito a todos os seus intervenientes pois não os saberia relatar corretamente.

Falavam de balantas, papéis, manjacos, brames, felupes, cassangas e outros, tantas etnias, muitas mais do que as doze tribos de Israel. Eu na área do meu batalhão só conhecia fulas, perdão havia uma pequena família de balantas em Buba.

Monte Real, 14 de Junho de 2014 > IX Encontro da Tabanca Grande > Fátima Anjos, Francisco Baptista e Hélder V. Sousa.

Foto: Luís Graça

Fui no dia 14 a Monte Real encontrar-me com esses jovens de antigamente, hoje somos todos homens feitos que já passámos o meio da encosta na descida para o Hades, o rio da morte e do esquecimento.

Somos os mesmos e somos diferentes, temos rugas, cabelos brancos, carecas, temos barriga, temos a ferrugem dos tempos inclementes da África e da Europa, talvez mais cínicos mas à procura da inocência da juventude.
Perdemos o ar sonhador doutros tempos. Queremos acreditar nos sentimentos mais nobres e por isso nos juntamos uns com os outros à procura desses jovens generosos e sonhadores desses tempos, em terras da Guiné.

Talvez nos juntemos também para podermos contar as estórias que nunca contamos a quem não esteve lá ou para contarmos as estórias que os outros nunca quiseram ouvir para não terem que prestar tributo e homenagem aos heróis que nunca fomos.

O grande poder, o poder que liberta, reside na anarquia que traz a lucidez que liberta os homens de preconceitos e amarras, para poderem voar e navegar nas estradas amplas da vida, como irmãos, como amigos, como camaradas.
Não sei se fui eu, Cristo, Maomé ou Buda, mas gosto da frase mesmo sabendo que a Anarquia como governo é uma " Utopia".

Como a maioria eu durmo, sonho, acordo e sonho, como diz o poeta o sonho comanda a vida. Eu direi que os sonhos dos artistas nas suas várias expressões, literárias, poéticas, musicais, plásticas e outras, embelezam a vida e dão-nos a ilusão da eternidade.
Pelo sonho vamos....

A todos os camaradas um grande abraço
Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12888: Blogoterapia (251): O programa com um vírus que não consigo apagar, remover ou formatar (José Colaço)

Guiné 63/74 - P13330: In Memoriam (191): António Manuel Martins Branquinho, natural de Évora (1947-2013), ex-fur mil at inf, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)... Para que a sua memória não fique na "vala comum do esquecimento"


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) e CCAÇ 12 (1969/71) > Natal de 1969:  da esquerda para a direita; de pé, Luís Manuel da Graça Henriques (fur mil ap armas pes inf); se não engamo, o 2º sgtr Rui Quintino Guerreiro Daniel (2º srgt mecânico auto, CCS/BCAÇ 2852), ; 1º srgt cv Fernando Aires Fragata, fur mil enf João Carreiro Martins; na 1ª fila, os fur mil Jaime Soares Santo (SAM), António Eugénio da Silva Levezinho (Tony) (at inf, 2º pelotão), Amtónio M M Branquinho (at inf, 1º pelotão) e Humberto Reis (at inf op esp, 2º pelotão)

Foto: © Humberto Reis  (2006). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: L.G.)




Xime> Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Cais do Xime > Reconheço apenas ao centro o Fur mil At Inf António Branquinho, da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)... Com o seu inseparável lenço preto ao pescoço e, se não erro, uma boina preta à fuzileiro...

Foto: © Arlindo Roda  (2010). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: L.G.)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > A (uma das) equipa(s) de futebol da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, de camisola branca e crachá da companhia. Na primeira fila, reconheço, da esquerda para a direita, o 1º cabo cripto Gabriel Gonçalves (que também cantava e tocava viola), o alf mil op esp Francisco Moreira (1º pelotão), o fur mil Arlindo Roda (3º pelotão , o Arménio (1º pelotão) e o João Rito Marques, o nosso cabo quarteleiro.

Em cima, e da esquerda para a direita, reconheço o fur mil at inf António Manuel Martins Branquinho, o 1º cabo Branco, o sold condutor auto Alcino Carvalho Braga, o sold básico João Fernando R. Silva, um elemento de que não me ocorre o nome (mecânico? transmissões?) e , por fim, o 1º cabo aux enf Sousa.

Foto: © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: L.G.)



A bordo do T/T Niassa, a caminho da Guiné >  24 a 30 de maio de 1969 > Da esquerda para a direita, o 1º srgt cav Fragata, os fur mil António M M Branquinho (1947-2013),  José Fernando Almeida, Humberto Reis, António Fernando Marques e o alf mil José António Marques Rodrigues (falecido em 2011, morava então em Torres Novas).

Foto: © José Fernando Almeida   (2014). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: L.G.)


A bordo do T/T Niassa, a caminho da Guiné>  24 a 30 de maio de 1969 > Zé Fernando Almeida, Humberto Reis, António Branquinho e José António Rodrigues


Guiné > Zona Leste >  Região de Bafatá > Contuboel > CCAÇ 2590 /  12 (1969/71) >   O Branquinho (à esquerda) e o Fernando Almeida (à direita), à saída da "psicina" de Contuboel.

Foto: © José Fernando Almeida   (2014). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: L.G.)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) >  Xitole, agosto de 1970... De pé, o Levezinho e o Coelho (fur mil enf, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72); na primeira fila, o Roda e o Branquinho.


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) >  Cais do Xime, julho de 1970 ... O Levezinho (?) abraça o nosso "pastilhas", o João Carreiuro Martins, sob o olhar do Branquinho...


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > O Branquinho no Xime...


Fotos (e legendas): © António Levezinho (2014). Todos os direitos reservados. (Edição: L.G.)


1. Só há dias soube, com tristeza, da morte do meu amigo e camarada Branquinho, António Manuel Martins Branquinho, que vivia em Évora, na Rua Heróis do Ultramar e era, julgo eu, natural de Évora, onde há pelo menos duas famílias Branquinho, nas pesquisa que fiz na Internet.

Soube na notícia através do Jorge Cabral, em Monte Real, no dia 14 do corrente. Perante a minha estupefacção, o Jorge confirmou a notícia junto do António Fernando Marques, também ele presente, com a Gina, no nosso IX Encontro Nacional. Pedi uma terceira confirmação, ao José Fernando Almeida, organizador do último encontro do pessoal de Bambadinca 1968/71.

Eis a resposta, de 23 do corrente, do Zé Fernando, o nosso fur mil de transmissões (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71)

 (...) Boa tarde,  Henriques:  (...) Sim, o Branquinho faleceu há ano e meio, falei por telefone com a viúva que se encontra ainda muito fragilizada,  não quer falar sobre isso. Passou o telefone a uma vizinha, que me informou da situação e pediu para não ligar mais. (...)

No mesmo dia mandei um mail ao Zé, e a outros camaradas da CCAÇ 12 (que integram, a nossa Tabanca Grande) bem como ao César Dias e ao Fernando Hipólito que fizeram a recruta e/ou a especialidade no CISMI; Tavira, com o Branquinho, em 1969:

(...) Obrigado, Zé Fernando! (...) Quanto ao que me contas sobre o Branquinho... É triste saber a notícia um ano e tal depois. Mas é assim a puta da vida, cada meco para o seu canto, a falar sozinho e a morrer sozinho... Ele também nunca nos procurou, que eu saiba, apesar dos nossos SOS... Espero que ele tenha conseguido, em vida, fazer o luto do passado... Muitos camaradas nossos puseram uma "pedra no vulcão" e mostram-se incapazes de olhar para o passado e integrarem a guerra, a Guiné, no seu "portfólio vivencial"... A ideia do blogue (e da Tabanca Grande) é ajudarmo-nos uns aos outros nessa espécíe de catarse que temos de fazer...

Tens fotos dele, de encontros passados?... Julgo que ele nunca foi a nenhum encontro, nem a Fão, Esposende, em 1994.

Vou dar a notícia, no blogue, se não te importas, usando-te como fonte de informação. Ele era de 1947, e terá morrido em 2013, o ano passado. É isso? Gostava de fazer um "In Memoriam"... Passámos juntos mais de 2 anos intensos, desde a nossa mobillização em março de 1969... Ele tem cá amigos e camaradas, do tenpo do  CISMI (César Dias, Fernando Hipólito...), bem como da nossa da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, e ainda das unidades que passaram por Bambadinca (BCAÇ 2852, BART 2917, e subunidades adidas) (...)




Tavira > CISMI > 1968 > Foto nº 7 > O César Dias, natural de Torres Novas (á esquerda) e o António Branquinho, filho de Évora (à direita)... Ambos foram parar à Guiné... O Branquinho à CCAÇ 2590 (mais tarde, em 18/1/1970, CCAÇ 12) (Contuboel e Bambadinca, 1969/71).

Foto: © César Dias  (2014). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: L.G.)



Tavira >  Cismi > 1968 > 3ª companhia (instrução de especialiade: Atirador de infantaria) > O Branquinho é o 3º da primeira fila a contar da direita... O Levezinho é o 3º da 2ª segunda, de é, a contar também da direita. Não consigo identificar o Fernando Hipólito.


Tavira >  Cismi > 1968 > 3ª companhia (instrução de especialidade: Atirador de infantaria) > Lado esquerdo do grupo


Tavira >  Cismi > 1968 > 3ª companhia (instrução de especialidade: Atirador de infantaria) > Lado direito do grupo > O Branquinho é o 3º da primeira fila a contar da direita... O Levezinho é o 3º da 2ª segunda, de é, a contar também da direita.



Tavira >  Cismi > 1968 > 3ª companhia (instrução de especialidade: Atirador de infantaria >  O Branquinho é o 1º da primeira fila a contar da esquerda..  

Fotos: © Fernando Hipólito   (2014). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: L.G.)


2. O Tony Levezinho mandou-nos o seguinte mail, em 23 do corrente:

Olá, Luis:

Agradeço-te o empenho no esclarecimento/confirmação da notícia sobre a morte do António Manuel Martins Branquinho.

Tens razão, andamos cada um para seu canto e, tal como foi este o caso, é preciso mais de um ano para se saber que mais um de nós parte. Recordo do Branquinho um rapaz puro, com uma certa tendência para a confrontação verbal, não obstante, ou talvez, também por isso, um camarada leal.

Um abraço e cuida dessa tua recuperação. 
Tony



Tavira, Cismi > 1968 > Semana de campo >  Do lado direito, o Fernando Hipólito e o António Branquinho. Do lado de esquerdo, dois aspirantes milicianos, instrutores.


Tavira, Cismi > 1968 > Semana de campo >  O Fernando Hipólito (de pé) e o António Branquinho (de cócoras).

Fotos (e legendas): © Fernando Hipóliti  (2006). Todos os direitos reservados. (Edição: L.G.)


3. Por sua vez, o Césat Dias escreveu seguinte, também na mesma data:

Olá Luis, tenho sabido que estás a recuperar bem, espero que continues.

Quanto ao Branquinho, também não sabia e fiquei também surpreendido, embora nunca tenha contactado com ele depois de Tavira, fica-me a lembrança dum Alentejano, moço muito alegre que contagiava quem estivesse com ele. Tenho uma foto com ele onde podes testemunhar a sua maneira de estar na tropa, vou-te enviar essa e mais alguma onde ele esteja.

Em boa hora tiveste a ideia deste Blogue, pois cada vez somos menos, e assim ficará o testemunho da nossa participação em terras da Guiné.

O Branquinho fez a recruta e especialidade na 3ª companhia do CISMI, acompanhou durante esses 6 meses com o Levezinho, o Hipólito e outros que estiveram convosco em Bambadinca, eu só estive com ele na recruta, na especialidade era nosso vizinho, como sabes.

Essas fotos a cor, são do Hipólito, eram na especialidade, penso que o reconheces, se não conseguires diz que indico-te.

Um abraço, e agardeço-te a atenção,
César Dias


4. O Fernando Hipólito também nos mandou, a 24, duas fotos a preto e branco, com a seguinte mensagem:

 (...) Luís Graça e César

Junto ennvio duas fotos do António Branquinho no CISMI, em 1968:

(i) A primeira foto, com aspirantes, nossos instrutores, mais eu e ele;

(ii) A segunda foto, também na semana de campo, ele e eu. 

Abraço, 
Hipólito (...)


5. Também o José Fernando Almeida nos mandou fotos a  24:


Boa Noite, Henriques

Envio-te algumas fotos do Branquinho. Em Contuboel após termos saído da Piscina do Geba , e no Niassa. (acho que consegues identificar todos). Tenho algumas no Brandão mas tenho que as procurar e digitalizar.

Como o Levezinho diz e com justiça, o Branquinho era muito frontal. A quando da Op Abencerragem Candenete onde morreram seis  homens, entre eles o picador Seco Camará, o capitão à chegada das viaturas a Bambadinca perguntou ao Branquinho que tinha acabado de saltar da viatura,  como é que tinha sido. A resposta pronta do Branquinho:
- Se quer saber como foi, tivesse ido. 

Ficou tudo por aí.

Envio-te também a Lista dos falecidos da CCAÇ 12 de que tenho conhecimento, o Sousa diz que está incompeleta .

Cumprimentos, 
Fernando Almeida


6. Por sua vez, o Jorge Cabral informou-nos, ontem,  que "o  O António Branquinho esteve presente num encontro em Montemor há muitos anos". Eu, por mim, acho que nunca mais o vi, desde o nosso desembarque do T/T Uíge, em Lisboa... Mas sempre ia perguntando por ele. Se fui algum encontro mais do pessoal de Bambadinca, não sei. Mas tenho pena de ele ter partido e eu nunca lhe ter podido dar um abraço de amigo e camarada... Em março de 1971, ele morava na travessa do Barão, nº 5, em  Évora. Deve-se ter casado e mudado para a Rua dos Heróis do Ultramar. Não tive lata de telefonar à viúva. É possível que ele tenha filhos e que estes gostassem de ver estas fotos do pai... Tenho o nº de telefone, talvez um dia destes telefone...



Foto © António Levezinho (2006). Todos os direitos reservados

N/M Uíge > 17 Março de 1971 > Dia da partida de Bissau para Lisboa. Regressávamos da guerra, com a morte na alma e mazelas no corpo, num navio da marinha mercante da Companhia Colonial de Navegação (uma empresa, fundada em Angola em 1922, para assegurar os transportes marítimos das colónias portuguesas com a Metrópole, sendo o paqueteVera Cruz o seu navio mais emblemático, e que não teve tempo de fazer o branqueamento do seu nome, já que o termo colonial não era politicamente correcto no início dos anos 70...).

Como se tudo continuasse como dantes e a vida corresse normalmente, "contra os ventos da história" (como então se dizia), nessa viagem de regresso à pátria servia-se a bordo, na classe turística (reservada aos sargentos): (I) uma sopa de creme de marisco; (II) seguido de um prato de peixe (Pescada à baiana);  e (III) um de carne (Lombo Estufado à Boulanger)... sem esquecer (IV) a sobremesa: a bela fruta da época, o bom café colonial, o inevitável cigarro a acompanhar um uísque velho, antes de mais uma noitada de lerpa ou de king... 

Obrigado ao Humberto Reis e à sua já famosa "memória de elefante" por me lembrar que o 17 de Março de 1971 foi o primeiro dia do resto das nossas vidas... 

Nas costas da ementa de um desses jantares a bordo, talvez o do último dia, deixámos escritos os nossos nomes e moradas.. Alguns de nós nunca mais se voltaram a encontrar: foi o caso do Luciano Almeida (que morava no Montijo,, desaparecido em condições, em data que ninguém sabe ao certo), bem como António Branquinho que voltou para a Évora... Dizia-me que estava reformado da Segurança Social. Numa pesquisa na Net, fui encontrar o seu nome, em 21 de janeiro de 2000, como chefe de repartição da subregião de saúde de Évora, ARS do Alentejo.

O Piça, a esse,  encontrei-o para aí duas ou três vezes... O Levezinho e o Humbertos Reis acabaram por ser meus "vizinhos"... Mesmo assim, ficámos todos amigos... para sempre ! E é por isso que não sei despedir-me do Branquinho sem lhe reservar um lugar à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande, o nº 661... Para ele vir ter connosco, com o seu ar gingão, meio fadista meio pegador de touros, meter conversa e sentar-se à nossa beira... Ao Luciano Almeida, a esse, já em tempos lhe fiz um poema  ("Requiem para um paisano") que hei-de publicar aqui um dia destes... Para que a memória de um e de outro não fique para aí, na "vala comum do esquecimento", o Branquinho passa a integrar a nossa Tabanca Grande a título póstumo...

PS - Eis a lista (possivelmente incompleta, e que só inclui um camarada da Guiné) dos militares da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), já falecido (entre parêntese, o local de residência e o ano do falecimento):

António M.M. Branquinho (Évora) (2013)
José António Marques Rodrigues (Torres Novas) (2011)
José Marques Alves (Fãnzeres, Gondomar) (2014)
Luciano Severo de Almeida (Montijo) (s/d)
Manuel Costa Soares (Nhabijões,Bambadinca) (13/1/1971)
Tibério Gomes Rocha (Viseu) (12/6/2007)

Umaru Baldé (Amadora) (s/d)

Fonte: José Fernando Almeida (2014) 

[Observ. - 80 dos 100 militares do recrutamento local já devem ter morrido, tendo alguns sido fuzilados pelo PAIGC] [LG]

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