sábado, 1 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P14956: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (49): Relativamente ao desaparecimento do Alferes Leite, trata-se de um caso do qual ouvi falar desde a minha infância (Cherno Baldé)

1. Comentário do nosso amigo tertuliano Cherno Baldé, deixado, em 24 de Julho de 2015, no Poste 14922 do nosso camarada Virgínio Briote:

Amigo V. Briote,
Relativamente ao desaparecimento do teu colega Leite1, trata-se de um caso do qual ouvi falar desde a minha infância, pois o homem que lhes servia de interprete e facilitador era o meu tio Samba Baldé - vulgo Samagaia - (ver Guiné 63/74 - P4679: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (6): Uma gesta familiar, de Canhámina a Sinchã Samagaia, aliás, Luanda).

O meu tio, confrontado com problemas de uma Guerra de sucessão, após a morte de Branjame seu tio, afastou-se da zona de Canhámina e foi viver em Sare-Bacar, onde teria entrado em contacto com o comandante do pelotão estacionado no local. Foram presos na localidade de Kumakara, escassos quilómetros de Sare-Bacar (uma bolanha separa as duas localidades) e o objectivo da missão, aparentemente, seria o de promover a paz entre os guineenses e convencer a população deslocada a regressar com todas as garantias de segurança.

Enfim, o relato é o mesmo que acabas de escrever. A única diferença é que na versão que conhecia, não seria só uma mas seis pessoas, das quais 4 soldados metropolitanos e dois civis guineenses (um dos quais o meu tio), que em Dacar estiveram presos em celas separadas. Pouco mais de um mês depois, seriam soltos na fronteira perto de Sare-Bacar conforme tinham solicitado, acompanhados do Governador da região de Casamança.

Na verdade, entre outras causas, é de prever que o Senegal, mesmo não estando interessado em ajudar abertamente a guerrilha dirigida por Amílcar Cabral, também não estaria interessado no regresso para o território português (?) das populações refugiadas numa região de Casamanca, quase despovoada.
De notar que entre os refugiados contavam-se ganadeiros e chefes religiosos importantes que nenhum país inteligente pode dispensar de ânimo leve.
O meu tio acabaria por juntar-se aos outros e levar toda a família para a área de Kolda, na pequena vila (prefecture) de Dabo com um estatuto especial de refugiado de guerra.

Com um abraço amigo,
Cherno
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Nota do editor:

1 - Recordemos Virgínio Briote no P14922: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VII Parte): Clara; Apanhado à mão e Entre eles

 O Leite era companheiro das mesmas lides desde há anos. De baixa estatura, magro, enfezado, aparência tímida e muita lábia, via-se que era desenrascado há muito. Estiveram no mesmo curso em Mafra, seguiram juntos no navio “Carvalho Araújo” para os Açores e separaram-se no cais de Ponta Delgada.

Encontraram-se, de novo no mesmo navio, no regresso ao continente.

Mobilizados para a Guiné, apanharam o comboio em Santa Apolónia, para o norte, para gozarem os dias de licença a que tinham direito e reencontraram-se em Campanhã para o regresso a Lisboa. Passaram os dias na capital, despedindo-se da vida boa que lá se vivia, até embarcarem no “Alfredo da Silva”. Na véspera do embarque fizeram questão de mandar vir lagosta e champanhe francês, no “Solmar”, ali nas portas de Santo Antão.

Davam-se, nem sempre ligavam às mesmas coisas, nem eram muito parecidos mas entendiam-se bem. O acaso fizera com que se juntassem nesse percurso. Já em Bissau, com o Capitão Marques, o Black e outros companheiros da viagem, separaram-se, até um dia destes.

Numa dessas visitas ao QG soube que o Leite tinha desaparecido.

A comunicação oficial era confusa, não se sabia ao certo se tinha desertado ou sido apanhado. Certo é que tinha sido levado para Dacar.

O Leite estava a comandar um pelotão reforçado em Sare Bacar, no norte, um pouco a leste de Cuntima, encostado ao Senegal, uma zona calma. O PAIGC, na altura, servia-se das fronteiras do Senegal como corredores de passagem para o interior que o Shenghor, problemas já tinha que chegassem.

Levava uma vida tranquila, mantinha boas relações com a população local. Terá sido abordado pela polícia, em território senegalês, quando, sentado a uma mesa, defrontava um frango de chabéu que lhe tinham preparado. Puseram-lhe as algemas e meteram-no num jeep a caminho de Koldá.

Depois de ouvido foi para a cadeia de Ziguinchor e por lá ficou umas semanas, enquanto se desenvolviam negociações, por intermédio da família, que o Estado Português não se meteu. A Igreja interessou-se, a Cruz Vermelha Internacional intercedeu, levaram-no para Dacar, onde foi presente a um juiz que decidiu recambiá-lo para Lisboa. Mas ele não queria, temia represálias, queria voltar a Sare Bacar. Semanas depois, acabou por ser entregue na fronteira às autoridades militares portuguesas. Soube isto da boca dele, dois ou três meses depois, na esplanada do tal Bento, momentos depois de ter sido chamado ao Governador-geral.

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Nota do editor

Último poste da série de 25 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14660: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (48): Avião amigo ou inimigo!?

Guiné 63/74 - P14955: (In)citações (76): Fiquei chocado com a Guiné que conheci em 17 de Janeiro de 1967 (Mário Vitorino Gaspar)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), com data de 18 de Maio de 2015:

Caros camaradas
Mesmo sabendo do atraso da Guiné, fiquei bastante chocado. Chegámos à barra do porto de Bissau, na noite de 17 de Janeiro de 1967. Estranhamente, apercebi-me ter chegado. Mais parecia um pesadelo. Negros de tanga e descalços pediam de mão estendida. Comecei a escutar, descarregavam a bagagem, transportando-a. Pediam. Foi um grande primeiro choque, embora conhecesse um pouco sobre aquela realidade.

Ouvíamos uma língua que desconhecíamos. Aqui e ali escutávamos os palavrões, esses em português, daqueles nativos. Como já imaginava, aquelas gentes viviam num mundo bem diferente do nosso paupérrimo mundo português. Imagem que os transportava muitos anos atrás, sem evolução. Não tinham avançado no tempo. Atrasados sempre, e não por culpa própria.
Depois do temporal a bonança, ouvia-se dizer, mas tinha sido um choque maior para mim, choque ainda maior do que seria possível imaginar. Aquelas gentes continuavam analfabetas, e nem falavam o idioma português. Via-os estendendo as mãos implorando tabaco e dinheiro.

Avistava-se a iluminação de Bissau e o pessoal da minha Companhia unida, quem sabe se para se proteger. Houve que juntar a bagagem, tendo-se procedido ao transbordo para uma LDM e Batelão BM-1.
Ficámos espantados, visto julgarmos desembarcar na capital… Deram-nos uma maçã, um quarto de pão, uma laranja, um ovo e um destino incerto.

Depois de encaixotados avançávamos por via fluvial estreita, o mato quase que nos tocava. O capitão desconhecendo a paragem final e o tempo… O calor queimava o nosso interior e porque não existia comida, começaram a abrir as malas e comemos então uns nacos de presunto e de salpicão. Os pitéus salgados? A sede? Problemas. O calor ia aumentando à medida que amanhecia. Dormia-se aos solavancos e, só no dia seguinte fomos informados do nosso destino.
A fome e a sede apoderaram-se de nós. O pessoal começava já a sentir a mudança do clima, e depois dos vómitos, depois da saída de Lisboa, quando se tinha fome a comida já não existia e, a água escasseava. Havia quem comesse as cascas das laranjas, rindo talvez para disfarçar.

Avistámos uma povoação, na margem direita do rio, tendo o comandante de companhia talvez, através dos fuzileiros que nos acompanhavam, dito tratar-se de Cacine. Uma “avenida” de palmeiras, e cá bem à frente, militares gritavam:
- Salta que é periquito!

Com um pequeno barco os fuzileiros chegaram a terra, trazendo sacas. Verificámos serem laranjas, bem sumarentas, mas mais pareciam vinagre. Segundo diziam, tínhamos que nos apressar devido à maré. A mata nas margens era densa e nós éramos não só uns intrusos, mas também periquitos, termo utilizado para designar todos os militares que estavam no início da comissão. Muito embora as azedas laranjas não matassem a fome, de algum modo ajudavam a enganar o estômago.
O capitão, falando com os oficiais e sargentos informou que se juntaria a um pelotão uma secção, ficando destacados num local de nome Ganturé. Os restantes ficariam instalados em Gadamael Porto.

Feito um sorteio, tocou ao meu pelotão ficar no destacamento. Desembarcámos em Gadamael Porto, e o termo “porto” não tinha significado, visto não existir porto algum. Nem sequer um simples cais.
- Salta, salta periquito! – Ouvíamos, enquanto um aglomerado de militares pulava de contente.

Entendia aquela alegria, mas a verdade é que se éramos os periquitos, e a CCAÇ 798 é que saltava. Juntava-se a população civil, esta olhava-nos, não expressando alegria.
De imediato tivemos que carregar as malas e saltarmos para cima de uma caixa de uma GMC, que substituía o cais que não existia. Houve quem escorregasse e caísse no lodo. Os gritos continuavam, e as viaturas militares preparadas para transportarem o pelotão e a secção para Ganturé, começaram a andar. Não houve tempo para analisar aquele local isolado no mato, e enquanto uns recebiam instruções e continuava a descarga, nós avançávamos, também para local incerto. Alguém avisou não ser necessário picar visto existir movimento de viaturas durante todo o dia.

Ganturé em 1967

A Companhia de Caçadores 798, começava a embarcar na LDM e no Batelão. Para eles era a alegria do fim da comissão.
Depois de passado o casarão à esquerda, onde funcionava o comando, ultrapassámos o abrigo, que funcionava como porta-de-armas e, mais ou menos percorridos três quilómetros, cortámos à esquerda e eis à nossa vista a “colónia de férias”. Saíam já outras viaturas com os militares da companhia rendida, que gritavam sorridentes em altíssimos berros:
- Salta periquito, salta periquito...

Árvores de alguma altura abundavam. A população civil aproximava-se, querendo conhecer os novos vizinhos, enquanto um Alferes se apresentava. Tinha ido em rendição individual e ficaria ainda com a nossa companhia, segundo afirmado pelo próprio. Um militar, praticamente sem farda, disse ficar também connosco, aproximou-se de mim:
- Quer comer uns borrachos fritos?

Olhei-o admirado. Afinal aquilo não era assim tão mau. Até existiam uns pombinhos para comer!
- Onde estão eles?
- Oh Furriel, venha comigo!

Olhei para cima dos ombros e vi as divisas camufladas e retirei-as colocando-as no bolso.
Enquanto reparava que aquele 1.º Cabo, não vestia nenhuma roupa do exército: uns calções de banho e uns chinelos de enfiar nos dedos.

Fritados os borrachos e umas batatas, iniciei a minha primeira refeição em terras de África. E que pitéu! Não sabia a razão da escolha ter recaído sobre mim, o prémio daquela refeição acompanhada por cervejas de seis decilitros. O nosso 1.º Cabo que nunca me vira, confortava-me dizendo para eu não me preocupar, porque aquelas aves que comêramos não chegavam para todos, e estava-se a fazer o jantar, bacalhau com grão.
Fora um milagre, uma bênção. E depois da primeira fome, a primeira fartura, porque estava disponível para trincar a bacalhoada, logo que estivesse pronta.

Começámos a instalar-nos e o Alferes que ficara esclarecia-nos, acompanhando-nos.
Fiquei numa barraca encostada ao abrigo onde ficou a minha secção, coberta com chapa zincada. Era decerto um forno. Havia uma cama e um caixote de munições que funcionaria como mesa-de-cabeceira, sobre a qual via uma garrafa de cerveja cheia de gasolina com um pavio enfiado no buraco da carica. Era a iluminação da minha nova moradia.

Comecei por conhecer a população. Lindas bajudas. Converti-me.
Não entendendo patavina do que diziam. Prometi a mim próprio não contribuir para um palavreado que não entendia, mas repleta da asneira, em bom português. Todos senhores e senhoras, o nosso Soldado de igual modo tratado. Fui avisado, mas segui a caminhada. Escutava das Praças “U”, e nos Caçadores Nativos, frases em português. Não respondia a ninguém que me falasse que dialecto fosse.

Ensinei em dias o português. Eles sabiam-no. Foi o meu percurso. “Portuga”, nunca me chamaram, se o fizeram, não sei… Fui professor, ensinei. Fiz o meu papel e cumpri o meu papel. Tive imensos contactos com a população, comi a “bianda” nas mãos enrolada, só para fazer a vontade.

Em relação aos filhos que lá deixámos. Tenho conhecimento que sim. Casos que eles próprios o desconhecem. Alguém me ajude nesta descrição. Uma negra, bem negra e bonita, de Guileje (ou Mejo?), julgo ter sido em Guileje, tinha um filho branco. Era vestido pelos Oficiais e Sargentos. Se nasceu em 65, tem hoje 50. Diziam ser filho de um Capitão que o quis levar e a mãe não permitiu. “Mas «portuga», não”! Nem o autorizava. Visto tratar todos por você e senhor, tal não admitia. Tanto cá como na Guiné, sempre o trato foi você. Éramos iguais… é o único modo que conheço de tratamento.

Na Tabanca Grande, é Camarada. Também é verdade que existem Camaradas e camaradas.
Cumpri, mas não romperam esse cumprimento. Sou combatente e não ex-combatente. Devem-me os meses riscados com uma esferográfica “bic” no cinto, não nos pagaram. Alguns receberam.
Ninguém me venha dizer que foi pela Pátria, mas que pátria-mátria que não reconhece os seus filhos?
Paletes de amigos, é verdade, mas analfabetos ou não, mesmo não fazendo política me disseram, era o seu padre e confessor, mas perguntavam:
- Meu Furriel, o que fazemos aqui?

Palavras sábias…

Cumprimentos
Mário Vitorino Gaspar
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14515: (In)citações (75): Perspectivas sobre o 25 de Abril (José Manuel Matos Dinis)

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14954: Notas de leitura (742): “Autópsia de um Mar de Ruínas”, de João de Melo (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Agosto de 2014:

Queridos amigos,
O romance de João de Melo centra-se em Calambata, junto de S. Salvador, norte de Angola. É muito mais do que um romance de guerra, analisa usos e costumes, vai cerzindo o português gentílico, analisa a compra do café pelos colonos a preços miseráveis, e assistimos às bebedeiras monumentais dos trabalhadores que tudo compram a esses colonos até ficarem sem um angolar. O escritor desenha um cenário em que a guerrilha vai em crescendo, o que obriga a multiplicar as operações e a procurar suspeitos nas sanzalas. É um livro que ficará nos anais da literatura, de uma amargura sem fim, entremeando a candura e a brutalidade sem restrições.
Leitura imperdível, portanto.

Um abraço do
Mário


Autópsia de Um Mar de Ruínas (2), por João de Melo

Beja Santos

Estamos em Calambata, não muito longe de S. Salvador, norte de Angola, em plena guerra, João de Melo descreve a sua vida como furriel enfermeiro, é implacável nas suas descrições anticoloniais, não esconde o seu asco à violência das polícias, tem sempre um olhar de aconchego, de delicadeza, com os mais frágeis, com os inocentes. Veja-se como descreve os meninos que vão buscar as sobras das refeições no quartel:
“Vindos numa corrida desde a porta de armas, com os cães ladrando-lhes à canela, no meio de um rumor de latas suspensas do arame, os miúdos enxameavam por ali. Tristes na sua sujidade e na sua nudez, vinham derriçar-se nos muros do refeitório, à espera dos restos que sobrassem dos pratos de alumínio. Por vezes um cozinheiro gordo agarrava na colher de pau e gritava:  Putas daqui pra fora, não há nada para ninguém!
Alguém o enfrentava, de cinturão nas mãos, pronto a malhar naquele costado gorduroso: 
- Deixa lá os putos em paz, texugo de panelas. Bota cá para fora as sobras, quando não ponho-te a derreter nesse maldito fogão de lenha. 
De sorte que os miúdos, os pobres e infelizes meninos atacavam em bando os caixotes do lixo, raspavam com as mãos o arroz encaroçado no fundo daqueles tachos medievais, serviam-se de um espeto para remover as bolas de cimento do esparguete e as cabeças do peixe – e enchiam à pressa as suas latas enferrujadas com restos de sopa, pedaços de pão molhado, ossos moribundos que levavam para os irmãos mais velhos, para mama doente ou para vavó com fastio de morrer em breve”.

Há descrições da messe de sargentos que entrosam o lirismo, mas também o homem reduzido a uma ilha deserta, a sensualidade epidérmica:
“O furriel Borges sentava-se à tarde, olhando para muito longe e pensando na mulher e as filhas. Era dos tais que bebia sem jeito, por força daquela espécie de elixir que levava a ver os anjos nos sítios improváveis e um inferno com anjos. Bochechava o uísque, dava-lhe pequenas dentadas, e os seus grandes dedos de gafanhoto apalpavam o copo ao longo das arestas. O furriel Tavares escrevia três cartas por dia à mulher da sua vida, e eram tratados práticos acerca do futuro de ambos, com poemas espontâneos ou minúsculas zangas a propósito de uma frase ou de um facto sem importância. O furriel vaguemestre combinava repetidamente com o furriel Silvares um encontro em Lisboa no dia 18 de Julho do próximo ano, quando fossem de férias à Metrópole. Iriam fazer uma orgia ou uma bacanal com as gajas da Faculdade de Farmácia, grande e especial coxame aquele, rapaz, que havemos de vir de lá de gatas ou de ambulância".
Também a descrição da chegada das lavadeiras ou dos doentes é parágrafo antológico, como segue:
Por volta das cinco da tarde, chegava a população civil à porta de armas, para receber os tratamentos do furriel enfermeiro. Ou eram as lavadeiras trazendo as roupas aos mui respeitosos patrões de sábado, dia de pagamento desse trabalho de lavar os brancos até nas partes proibidas. Vinham velhas com rosto de pergaminho e crianças com a febre das abelhas, tão comidas pelos furúnculos e pequenas descargas da diarreia que já não eram abelhas nem sentiam a sua febre; vinham velhos coxos e sem sangue: tinham a tosse consente e o ar ensimesmado dos eternos incompreendidos deste mundo e apoiavam-se a um graveto com a vaga forma de uma bengala, chupando sem cessar os cachimbos de bambu. Vinham mulheres sem sorriso nem alvoroço, com filhos às costas ou grávidas de muito tempo. Tão velhas eram, algumas delas, que mais pareciam avós engravidadas à força, pois o seu olhar de terra atingira já a baciez das lulas, a água parada dos pântanos, a idade dos metais inutilizados. As restantes recebiam os soldados e devolviam-lhes a roupa lavada e cerzida; recebiam a furiosa arremetida das mãos de ferro que lhes procuravam os seios; eram homens de dentes cerrados, tontos do seu desejo de mulher, cujo olhar se turvava como o dos violadores enlouquecidos, enquanto a fúria delas crescia, tornava-se lívida e dava ao bronze da sua pele um brilho de punhais esquivos”.

As descrições dos ambientes nativos têm uma força invulgar, são telas vivas, parece que atravessamos os caminhos entre as cubatas, ouvimos falar um português gentílico, João de Melo entremeia os registos duros com o olhar antropológico, prepara na lentidão deste morno olhar grandes angulares como a chegada das tropas a S. Salvador, sentimos a euforia dos militares, o olhar duro dos colonos que parecem dizer:
“Vão-se embora e deixem a guerra por nossa conta: uma simples batida pelo Norte serve-se ao domicílio um cadáver por cada terrorista, e Angola é nossa”.
É a primeira vez que lá vai o furriel enfermeiro, anda por ali embasbacado a ver a estação de rádio, o aeroporto de terra atida, a própria sanzala. Espera o amigo Gonçalves que lhe traz notícias da família. A alquimia da escrita toma também conta de nós quando se vão pincelar cenas de batalha, o autor introduz a África mágica:
“Eram apenas as nove da manhã em ponto, e as nervuras vermelhas das acácias destilavam sobre as lavras de mandioca o óxido do seu cobre solar; os imbondeiros e as palmeiras, assim à distância, devolviam-nos o mar sem água, e era o deserto; a areia fumegava, húmida, no salgema da pista de aviação, e entrara pelo quartel dentro a paz sem cor dos dias em que se espera a morte e ainda nada aconteceu (…).
E foi então que a voz do Santiago telegrafista, saindo disparado do posto da rádio, chegou ao meio da parada e gritou: O pelotão está debaixo de fogo! O pelotão está debaixo de fogo! De modo que, sabendo nós que trinta desgraçados rapazes da nossa idade começavam a morrer, pusemo-nos todos de pé, em grande e alvoroçada agonia. Corremos à procura dos camuflados e das armas (…). O furriel Borges reapareceu da névoa, como se emergisse do fundo do mar de ruínas. Era um homem ainda maior do que o deus da morte. Pairava nele uma espécie de paisagem naufragada no mar, porque apenas abriu os braços e disse: Tudo morto. Tudo morto. O alferes Abílio morreu. Está tudo cheio de mortos”. 

Segue-se a dimensão do desastre, os feridos agitam-se, o furriel enfermeiro acorda, grita por um helicóptero com serviço de sangue a bordo. E há os sinais grotescos desses objetos que sobravam da destruição:
“Eram gorros fitas vazias de munições, estúpidas bocas de cartuchos de balas, um cantil sem água; uma bota desgarrada sorria de lado à morte acontecida há umas horas apenas, tendo dentro de si alguns dedos destruídos, com enegrecidas unhas podadas à navalhada; um papel com manchas de gordura fora espetado numa árvore muito sofrida, com grossos nós onde alguns elefantes teriam já coçado os seus parasitas. O alferes ficou um instante a decifrar aquela letra torcida e incerta. Seguiu com o olhar todos os riscos e gatafunhos, fascinado mas enchendo-se aos poucos de cobre. Acabou por dizer em voz alta: Filhos de uma grande puta!”.

Há gente perdida, vai reaparecendo marcada pela alucinação, e dá-se ao regresso lento e doloroso, têm oitenta quilómetros a percorrer, é grande a fome e muita a sede, Calambata está longe, o furriel enfermeiro marcha transfigurado, quando recupera o ânimo vai cuidado dos seus feridos.

(Continua
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Nota do editor

Poste anterior da série de 27 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14934: Notas de leitura (741): “Autópsia de um Mar de Ruínas”, de João de Melo (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14953: Blogoterapia (272): Segredos... de confessionário, precisam-se!... Neste nosso querido mês de agosto, baixa a G3, camarada, e conta-nos uma daquelas histórias que só se costumam contar na véspera da morte, para "alívio da consciência"....


Guiné > Região do Oio > CART 527 (1963/65) > Olossato > Julho de 1963 &gt Fardas novas (camuflado em vez da farda amarela), capacete de aço,  os graduados equipados com a pistola metralhadora FBP... Em primeiro plano, o fur mil António Medina,  com a sua secção. "Ainda guerra era um crinaça" (LG)...

Foto (e legenda): © António Medina (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Mensagem enviada pelo editor LG, pelo correio interno, a toda a Tabanca Grande:

Assunto: Segredos... de confessionário, precisam-se!

Amigos/as e camaradas:

Todos temos, se não pecados, pelo menos pecadilhos que nunca confessámos a ninguém, muitas vezes apenas por falta de interlocutores ou de ocasião ou de ambiente, e não tanto por autocensura ou receio da censura dos outros... 

Refiro-me a "pecados e pecadilhos, grandes e pequenas patifarias", cometidos no tempo da tropa e da Guiné...

Recentemente veio aqui ao "confessionário" o veteraníssimo António Medina contar-nos como é que andou três dias "desenfiado" em Bissau, por causa de uns primos que tocavam no conjunto "Ritmos Caboverdianos", sujeito a apanhar uma porrada das grandes por violação grave dos seus deveres militares...

Estávamos em meados de 1964 e o que valeu ao Medina, que já não era "pira", já andava "apamhado do clima",  foi um taxista, seu patrício, que o levou de volta, de Bissau  até Teixeira Pinto, por mil pesos, sem qualquer escolta (!)... A única arma que o Medina levava debaixo do assento da viatura era a sua FBP... Em João Landim deu boleia a uma mulher que vendia ostras, e que ele já comnhecia do Cacheu (onde estava destacado)... E lá seguiu a "coluna solitária" até ao Canchungo: o Medina, a mulher, o taxista... A história, completa, está aqui neste poste recente, P14945

Já se ouviram aqui histórias espantosas que seria uma pena ficarem para sempre no "segredo dos deuses", o mesmo é dizer, perderem-se ... São histórias que  seguramente nunca chegaram (nem chegarão) ao Arquivo Histórico-Militar, não sobrevivendo ao "guardião da memória", que é cada um de nós... Claro que nenhuma delas vem "alterar" a visão final da História com H grande... Mas essa será sempre mais pobre sem as nossas histórias com h peqeueno...

 Estou-me a lembrar, por exemplo, do primeiro poste que publicámos nesta série, há 7 (sete) anos atrás (!)... Merece ser "revisitado" o poste, do Mário Dias, P3543

Este mês de agosto, de férias para alguns, à beira-mar, sob o efeito (dissolvente) da canícula, presta-se à escrita descontraída e relaxada... Pode ser que no meio da "pescaria" das nossas memórias, surja algum segredo que não seja de polichinelo (daqueles que toda a caserna já sabe...).

Ficamos na expectativa, em época de defeso, de sermos surpreendidos pelos nossos amigos/as e camaradas da Guiné que se sentam à sombra do sereníssimo e inspirador poilão da Tabanca Grande,,,

Boa saúde, melhor lazer... Luís Graça e equipa editorial.

PS - Em agosto, o Carlos Vinhal (CV) lá continuará no seu "posto de combate", O LG e o EMR vão a banhos... O VB continuará a publicar as suas surpreendentemente frescas  memórias da "Guiné, ir e voltar"... Para todos/as, um querido mês  de agosto!
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 29 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14809: Blogoterapia (271): Não sabia que o tempo passava tão depressa (Juvenal Amado)

(**) Postes anteriores da série:

29 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14945: O segredo de... (19): António Medina (ex-fur mil, CART 527, 1963/65, natural de Cabo Verde, mais tarde empregado do BNU, e hoje cidadão norte-americano): Desenfiado em Bissau por três dias, por causa dos primos Marques da Silva, fundadores do conjunto musical "Ritmos Caboverdeanos"... Teve de se meter num táxi, até Teixeira Pinto, que lhe custou mil pesos, escapando de levar uma porrada por "deserção"!

(...) Sentindo-me eufórico pelos uísques e cervejas, perdi a noção da responsabilidade que tinha nos meus ombros, apontando o nosso cabo Augusto como comandante da coluna e ordenando que de imediato seguissem viagem. Que à chegada informasse o alferes daquela minha decisão e que voltaria logo assim me fosse possível. (...)

26 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13046: O segredo de... (18): O ato mais irresponsável nos meus dois anos de serviço como soldado de artilharia (Vasco Pires, ex-alf mil art, cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72)

(...) Decorria o ano de 1970, quando cheguei a Bissau, no BAC1 (ou já seria GA7?), que era Comandado por um controverso Oficial Superior de Artilharia, a quem a caserna dera o codinome de "Paizinho", entre outros, que vou me abster de mencionar. (...)

28 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12648: O segredo de... (17): O maior frio da minha vida (Fernando Gouveia)

(...) Presentemente não se pode considerar propriamente um segredo mas, na altura em que  os factos aconteceram, tive que me abster de falar nesse assunto para eventualmente não sofrer represálias dos meus superiores, instrutores, na classificação final da especialidade, determinante para a mobilização, ou não, para a guerra. (...)


25 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12632: O segredo de... (16): Ricardo Almeida (ex-1.º cabo, CCAÇ 2548 / BCAÇ 2879, Farim, K3 / Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71): Como arranjei uma madrinha de guerra, como lhe ganhei afeição e amor, e como por causa da minha
terrível doença fui obrigado a tomar uma dramática de decisão de ruptura... A carta de amor pungente que ela me escreveu, em resposta..

(...) Esta recordação que nunca apago da mente nem do coração, reporta-se a uma madrinha de guerra à qual devo gratidão eterna pelo apoio moral e psicológico que me deu enquanto combatente, doente com uma moléstia terrível, redundando isto num amor fraterno, solidário e muito apego à vida que ela me transmitia tanto nas cartas que me escrevia, como depois pessoalmente, como quando trocámos promessas de vida em comum e casamento, testemunhado no interior duma capela pelo santo que lá existia e que parecia concordar com a nossa decisão. (...) 


(...) No meu tempo de Guiné, mais propriamente aquando da minha passagem pela Secção de Justiça do Depósito de Adidos em Brá no ano de 1973, procedi a algo que, na altura a ser descoberto, no mínimo constituiria matéria do foro do direito penal militar, mas do qual ainda hoje não me arrependo por considerar que, em consciência, procedi de forma a aliviar um sofrimento desnecessário de um camarada. (...)

(...) Também fiz o curso de Minas e Armadilhas, em Tancos, ainda em 1971. Encartado, licenciado, nunca mais esqueço uma barras de trotil, amarelinhas, cilíndricas que roubei e escondi na cozinha da minha casa, em Benfica, com uns detonadores e cordão lento guardados no outro lado, na sala, à espera de fazer umas bombas para ajudar a rebentar com o regime.  Santa e perigosa ingenuidade! (...)

(...) Uma das primeiras operações (a segunda, depois de uma ida ao Óio) que o Amadú fez, integrado no Grupo Fantasmas, do Alf Saraiva, foi no meu conhecido Buruntoni, no Xime, em 11 de Novembro de 1964. Na véspera, o grupo deslocara-se de barco, de Bissau até ao Xime. A 11, andaram toda a noite, a corta-mato, com um guia local. Como era quase inevitável, nas matas do Xime, o guia perdeu-se. O objectivo era um acampamento da guerrilha. Chegaram ao Buruntoni por volta das 7h00, quando o sol já ia alto… Deparam-se, entretanto, com um “rapazito de 8 ou 9 anos” (...)


(...) Uma das primeiras operações (a segunda, depois de uma ida ao Óio) que o Amadú fez, integrado no Grupo Fantasmas, do Alf Saraiva, foi no meu conhecido Buruntoni, no Xime, em 11 de Novembro de 1964. Na véspera, o grupo deslocara-se de barco, de Bissau até ao Xime. A 11, andaram toda a noite, a corta-mato, com um guia local. Como era quase inevitável, nas matas do Xime, o guia perdeu-se. O objectivo era um acampamento da guerrilha. Chegaram ao Buruntoni por volta das 7h00, quando o sol já ia alto… Deparam-se, entretanto, com um “rapazito de 8 ou 9 anos” (p. 91). (...)

18 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5670: O segredo de... (11): Um ataque a Bissau, uma bravata do Hoss e do Django (Sílvio Fagundes Abrantes, BCP 12, 1970/71)

(...) Vou contar a história real dum ataque a Bissau feito em 1971. Um dia, eu e o meu amigo Julião Pais dos Santos (o Django), pensámos em atacar Bissau... Dito e feito. Mas faltava a estratégia. Depois de alguns dias a pensar na estratégia, finalmente chegou a luz ao fundo do túnel. (...)


24 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5529: O segredo de... (10): António Carvalho (ex-Fur Mil Enf, CART 6250, Mampatá, 1972/74): Os tabefes dados ao Bacari

(...) Desde há algum tempo tenho vindo a pensar que nem sempre éramos correctos no nosso relacionamento com os civis e que essa faceta raramente ou nunca tem sido aqui objecto de qualquer relato. Parecendo-me que esta perspectiva da nossa (con)vivência com a população também faz falta à verdadeira história da guerra do ultramar ou colonial, eis-me aqui a falar de mim, falando dos meus pecados (...)

21 de outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5138: O segredo de... (9): Fur Mil J. S. Moreira, da CCAV 2483, que feriu com uma rajada de G3 o médico do BCAV 2867 (Ovídio Moreira)

(...) O meu irmão, José dos Santos Moreira, [Fur Mil,] fez parte da CCAV 2483, Cavaleiros de Nova Sintra, BCAV 2867 [, Comando e CCS em Tite]. Em 1969 feriu a tiro de G3 o Cap Médico do batalhão.Regressou a Portugal em 28 de Dezembro de 1969. Teve baixa de serviço por incapacidade física em Março de 1970. Foi julgado no Tribunal Militar Territorial do Porto, em Novembro de 1973. Libertado depois do 25/4/74. (...)

24 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5006: O segredo de... (8): Joaquim Luís Mendes Gomes: Podia ter-me saído caro aquele pontapé no...

(...) Eu era um simples Aspirante a Oficial. Não tinha culpa de levar a sério a minha posição. Já tinha estado no RII 19 no Funchal nos meus primeiros meses de activo depois do curso de Oficiais Milicianos em Mafra. Destacado para Évora para preparação da Companhia que me iria levar para o Ultramar, eu levava as minhas responsabilidades muito a sério. Se era para ser Oficial de Dia ao Batalhão, era mesmo Oficial de Dia.(...)


(...) Apesar de me terem advertido para a eventual polémica a propósito da revelação da entrega de gasóleo ao PAIGC , surpreendeu-me a quantidade e agressividade dos comentários produzidos. Vou tentar clarificar as coisas. (...)

11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4936: O segredo de... (6): Amílcar Ventura: a bomba de gasóleo do PAIGC em Bajocunda...

(...) Amigos e Camaradas Editores, há muito que quero contar um facto real que se passou comigo e o grupo do PAIGC da minha zona de guerra que era Bajocunda, mas como é um facto que pode ser sensível a alguns Camaradas de blogue. (...)


4 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4461: O segredo de... (5): Luís Cabral, os comandos africanos, o blogue Tantas Vidas... (Virgínio Briote)

(...) Das nossas lides bloguísticas eu sabia, talvez há mais de dois anos, que o meu amigo e camarada Virgínio Briote acalentava a secreta esperança de um dia poder entrevistar (ou ter uma conversa franca com) o Luís Cabral... Fez várias tentativas. Em vão. Até que a morte do histórico dirigente do PAIGC, ocorrida há dias em Lisboa, veio fechar-lhe a última porta (...)

11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3598: O segredo de... (4): José Colaço: Carcereiro por uma noite

(...) Numa das saídas das explorações que nos eram confiadas, foi apanhado um guerrilheiro e feito prisioneiro. Quando o pessoal chegou, já era noite. Não eram horas de entregar o prisioneiro à PIDE. Então o capitão lembra-se da brilhante ideia, como o Colaço está de serviço permanente ao posto rádio, fica a guardar o prisioneiro. Ordens são ordens e não há que contestar. (...) 

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3578: O segredo de... (3): Luís Faria: A minha faca de mato

(...) Tinha-a comprado no Porto. Era equilibrada adaptava-se muito bem à minha mão, éramos inseparáveis e até dez passos o lançamento não falhava o alvo. Levantou 1032 minas, mas nunca chegou a ser usada em/contra alguém. Um dia, numa operação na zona de P. Matar, embrulhei (amos) forte e feio. (,,,)

30 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3544: O segredo de... (2): Santos Oliveira: Encontros imediatos de III grau com o IN

(...) Tinha acabado de receber notícias trágicas acerca da morte dos meus dois amigos de infância. Isolava-me e chorava e este sentimento de perda prolongou-se por alguns dias.  O poiso escolhido era o topo da paliçada, onde fingia estar a fazer a vigilância habitual, embora perfeitamente exposto. Apetecia-me morrer. Foi terrível. P3143: Blogoterapia (62): A minha vida morreu; morreram os meus amigos (Santos Oliveira) (...)

30 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3543: O segredo de ... (1): Mário Dias: Xitole, 1965, o encontro de dois amigos inimigos que não constou do relatório de operações

(..) Estando com o meu grupo de comandos no Xitole, sensivelmente em meados de 1965, fomos fazer uma patrulha de reconhecimento pois o inimigo há muito mostrava sinais de intensificar a sua actividade na região. Porém, as informações eram escassas. Desconhecia-se com precisão por onde andavam os guerrilheiros e as possíveis localizações dos acampamentos. Por tal facto, foi-nos dada a missão de efectuar um reconhecimento ofensivo, tentando localizar o destruir o inimigo. (...)

Guiné 63/74 - P14952: Parabéns a você (939): Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil Cav da CCAV 8350 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 30 de Julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14946: Parabéns a você (938): Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico do BCAÇ 2930 (Guiné, 1970/72); Júlio Costa Abreu, ex-1.º Cabo Comando do Grupo Centuriões (Guiné, 1964/66) e Victor Tavares, ex-1.º Cabo Paraquedista da CCP 121 / BCP 12 (Guiné, 1972/74)

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14951: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VIII Parte): "Hotel Portugal"; "Um guia" e "Artigo 4.º do RDM"

1. Parte VIII de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 11 de Julho de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489 (Cuntima), e Comando do 2.º curso de Comandos do CTIG (Brá), CMDT do Grupo Diabólicos (1965/67).


GUINÉ, IR E VOLTAR - VIII

Hotel Portugal


A comunidade cabo-verdiana estava muito presente na Guiné, não só em número como também na posição social que ocupavam. Evitavam misturar-se com a tropa e distinguiam-se do resto da população guineense, embora muitos estivessem envolvidos no processo de insurreição, uns mais activamente que outros naturalmente. Tinham os seus pontos de encontro, quase exclusivos, normalmente em casas de familiares ou amigos e gostavam de se manter assim.

A casa da Dora, chamemos-lhe assim, nas margens do bairro do Cupilom, a caminho de Santa Luzia, era um exemplo desses. Apareciam frequentemente recém-chegados de Santo Antão, de S. Vicente e das outras ilhas. Juntavam-se lá, qualquer coisa servia de pretexto para conversarem e enquanto bebiam umas cervejas abanavam-se ao ritmo das mornas e coladeras1 do gira-discos.
Conheceu a Dora por intermédio de um amigo comum cabo-verdiano e, de vez em quando, passava por casa dela, encarando os olhos desconfiados de alguns dos presentes.

Bissau não tem nada para fazer, só sarilho, mais nada, dizia o empregado de mesa do restaurante do Hotel Portugal. Com a sua idade quem não estava aqui, sei eu quem era!

Senhor Gabriel, acho que vou até ao cinema, à UDIB2, tenho que me despachar senão já não vejo o princípio do filme. Contas feitas, o cinema logo ali, bilhete na mão, escadas acima que gostava de ir para o balcão, ver o filme e lá de cima via-se melhor.

Documentários, as inaugurações no Império Português com o Pedro Moutinho, o Fernando Pessa, uma curta antiga para cumprir programa, e começa Zorba, o Grego, com o Anthony Quinn a estrelar.

O filme a decorrer, sempre a mesma música, uma seca, se calhar até é um bom filme, o movimento um bocado para o lento, a madeira da cadeira incómoda de mais para as costas, os joelhos todos encolhidos, nem podia estender as pernas, no intervalo se isto não acelera vou mas é embora. Não esperou pela segunda parte, recolheu a Brá arrependido de não ter ido até à casa da Dora.

Da metrópole chegara há poucos dias a Brá um batalhão, um dos primeiros de fardas verdes.
Nessa noite do Zorba ouviam-se explosões ao longe, para os lados de Jabadá, do outro lado do Geba, flagelações que se estavam tornar diárias e que não despertavam qualquer interesse, para além da curiosidade inicial, tipo que estrondos são estes, a quem estivesse em Bissau.

Quando estava a entrar no sono acordou com ruído de vidros a partirem, barulhos de vozes logo a seguir e minuto depois mais nada, o silêncio. Deixou-se estar, afinal não era nada com ele.

Na manhã seguinte, como era hábito os comandantes de grupo reuniram-se no gabinete do Capitão Rubim. Esta noite, em frente aos quartos dos sargentos, alguém lançou uma granada ofensiva para a frente de um jeep que passava, começou o capitão. Alguém sabe quem foi? E por que havia de ser alguém nosso, meu capitão?

Tempos depois veio a saber que um dos jovens comandos, talvez com insónias e farto da paz podre dentro do aquartelamento, mexia-se e remexia-se na cama, dormir é que não conseguia. Sabe-se que as insónias nem sempre são boas para as ideias. Às escuras tirou uma granada ofensiva que tinha debaixo da cama, pegou num fio da mesa de cabeceira e, sorrateiro, saiu para a rua. Olhos para um lado e outro, rastejou para a valeta, entre o passeio e a rua pouco iluminada. Deitado, colocou a granada com o fio atado na cavilha, por baixo de uma pedra solta na sarjeta. Ao atravessar a estrada para prender a outra ponta do fio, viu faróis de viatura a aproximarem-se. Escondido na valeta, esperou que passassem. Depois, completou o serviço. Regressou ao quarto, fechou os olhos e esperou que alguma coisa acontecesse.

Minutos depois, um jeep com oficiais do jovem batalhão foi sacudido por uma explosão. Vidros das janelas voaram em estilhaços, saltou pessoal de todos os lados, houve quem visse um capitão de cuecas com capacete na cabeça e Walter na mão a dizer que Brá estava a ser atacado. Mantinha-se assim tudo bem, o jovem batalhão desperto para as incertezas da guerra bem com o mau ambiente entre eles.

Era no Hotel Portugal que se juntavam para jantar, desde há uns tempos. O esforço era muito e a comida na messe não abria o apetite. Tinham uma mesa reservada para os quatro, o Vilaça, o Toni Ramalho, o Gião, o narrador desta história, e por vezes um ou outro camarada.


Alf Mil Vilaça (de costas), Fur Mil Valente de Sousa, ??, Alf Mil Gião, Alf Mil V. Briote, Fur Mil Marques de Matos e Alf Mil António Ramalho. Hotel Portugal.


Quando havia vaga naquela mesa do restaurante do hotel, Carlos3 sentava-se com eles, fazia grupo. Carlos nascera de um parto prematuro, um nascimento difícil, tinha ido lá cima e vindo outra vez, o obstetra a explicar, orgulhoso do serviço, com as notas numa mão e a outra a fazer festas na carita do recém-nascido.

Infância e adolescência protegidas, a mãe sempre ao lado dele, o pai a ganhar dinheiro para manter a mulher viçosa, bem tratada, limpezas de pele num instituto lisboeta com fama para massagens nas pernas, coxas, cintura, tudo a pagar ao mês, o filho delicado nas mãos para se entreter, quando o bebé abria as goelas passava-o para a ama.

Nunca foi um aluno famoso, mas andara para a frente, até ao 7.º ano. E o pai ganhara experiência, com o decorrer dos anos evoluíra de vendedor de tecidos na praça de Lisboa para um industrial respeitado, arranjara conhecimentos e, sabe-se como as coisas são, conseguiu incorporá-lo na Força Aérea, já que livrá-lo da tropa não tinha sido possível.

Apreciador do belo sexo, o respeitável papá conhecera numa tabacaria do Rossio uma jovenzinha a rondar os 18, magra, engraçadinha, a prometer melhorar com o tempo. Iniciada uma relação mais íntima, alugou-lhe um pequeno estúdio na Infante Santo e arranjou-lhe um emprego, melhor que o da tabacaria, ao balcão de um estabelecimento novo, muito conhecido no fabrico e comércio de todo o tipo de artigos para bebés.

Com o novo emprego, ganhou uma alimentação mais cuidada, outros cuidados também, as últimas novidades em cima e dava nas vistas, o corpo arredondara onde era preciso e, claro, parava os atentos e também muitos distraídos.

Carlos evoluiu normalmente, embora com algum atraso num ou noutro aspecto que o pai, atento ao seu único filho, achava estar na altura de corrigir. Dias depois do Carlos ter feito os 18 anos levou-o a jantar ao Estoril, ao casino, fizeram a digestão pela Rua Direita de Cascais, e depois meteram-se no Alfa Romeo, de regresso a Lisboa.

Pelo caminho foi-lhe contando como se iniciou. A mim aconteceu-me uma boa.
No Bairro Alto, tinha 16, não é coisa que se esqueça, num salão enorme, elas todas sentadas à volta, umas a ler revistas, outras a fazer malha, sentei-me, envergonhado, elas todas a olhar para mim, aquela é mais nova, mais jeitosa, não sabia como fazer, sem eu saber como, ela pôs-se a pé, pegou-me na mão, um corredor sombrio para um quarto, comecei a tirar a roupa, ela também, só ficou com o sutiã, deitou-se, eu ao lado dela, encosta-te a mim, estás à espera de quê, eu sem saber bem o que fazer, lá me cheguei, a renda a fazer-me cócegas na cara, o trabalho foi todo dela, puxou-me para cima, abriu as pernas, que pena eu não estar de fora a ver, lembro-me de pensar, a mão dela em mim, toda molhada, parecia que tinha posto manteiga, gargalhadas do pai e do filho. Não somos de pau não é Carlos?

Almirante Reis acima, estacionou na Gomes Freire, um prédio de vários andares, subiram no elevador, dedo na campainha, uma menina de gosto a abrir-lhes a porta, a jovem a preparar-lhes um uísque, o sapato de tacão alto, a racha da saia, um piscar de olho, desenrasca-te Carlinhos, agora é contigo, vai correr tudo bem, a menina à frente a abrir-lhe a porta, Carlos de pé também, até logo, paizinho!

O Carlos, acabado o curso na Força Aérea foi mobilizado para Guiné, para a Base Aérea de Bissalanca4, nos arredores de Bissau. O pai e a mãe despediram-se dele no aeroporto com as cenas do costume. Telefonavam-lhe uma vez por semana, queriam saber tudo, como era a guerra, se era tão mau como alguns diziam, se era bem tratado, se tinha muitos amigos, como se chamavam, o Carlinhos, cheio de saudades, estou morto por te ver, mamã! Mal o deixaram foi de licença à metrópole.

Mais de um mês depois, quando regressou ao Hotel Portugal, os quatro da mesa pararam os garfos e facas, ficaram-se a olhar para aquela moça branca, de cabelo louro de fogo pelas costas abaixo, a fazer-lhes lembrar a Brigitte Bardot, amarrada ao braço do alferes Carlos Morais5.
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Notas:
1 - A coladera é uma morna mais rápida. Se se tocar uma morna e acelerar fica uma coladera. Melodicamente são a mesma coisa, embora falem de coisas diferentes. A letra da morna fala de amor perdido, a coladera fala de alegria. O funaná fala de mensagem. Conta-se que o termo vem do século IX e deve o nome a dois músicos, um chamava-se Funa e o outro Naná. Alguns relatam que não era muito bem vista pelas autoridades coloniais de então, que a chegaram a proibir.
2 - União Desportiva Internacional de Bissau
3 - Nome fictício
4 - Base Aérea 12
5 - Nome fictício

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Um guia

Tinha sido apanhado numa emboscada que a tropa fizera junto a Mantida.
Ouvira um tuga, branco de barba preta, dizer a outro, amarra o gajo, amarra-o já, eu vou-me àquele. Nem sentira as cordas que lhe prenderam nas mãos, que as pernas não precisavam. Deitaram-no numa maca, camisa e calças em sangue, atordoado, só se lembrara que caíra para trás, sem forças.

Deram-lhe uma injecção no braço, nem sentira, só vira a seringa na mão do soldado de cigarro na boca, a cinza a cair por ele abaixo. Adormecera logo, mal o transporte arrancou. Em Mansoa, os olhos fitos no tuga, não dava respostas às perguntas, um capitão a dizer, que venha outro, e agora?

As barracas de Uália foram reconstruídas a nordeste da antiga, estão lá 50 guerrilheiros mais ou menos assim: Maonde tem 12, José Camala 13, Imbunhe 13 também e Bacar Seidi tem 12 homens.

Exausto de febres e dores no corpo todo, fugia com os olhos de vergonha dos dois brancos da polícia e do balanta traidor que falava a língua dele. Ele percebia o que falavam, sabia português, andava na escola de Morés, fazia ditado e até já escrevera redacção. Armas, cada guerrilheiro tem uma. No acampamento tem mais 2 metralhadoras ligeiras, escreve Picão6, deixa o cigarro para depois, temos mais que fazer, escreve lá, têm mais 2 bazucas, não, escreve antes, 2 lança granadas-foguete e 1 morteiro, é de 60, de 80 ou quê pergunta ao tipo anda! De 82, de 82 escreve Picão.

Vergonha na cara, tens que ter, não mereces estar agora com os camaradas, deixaste para trás o Baldé, o Camará, o Injai, todos os do acampamento. Que vais fazer agora que falaste? Tinhas aprendido com os outros a contar coisas verdadeiras, as que menos importavam, com muitas outras falsas, de assuntos mais importantes do Partido.

Mas não aguentara, nunca pensara que pudesse ser deste modo, se os camaradas soubessem haviam de lhe perdoar. Mesmo assim, não estava certo, o melhor agora é contar tudo direito, fazeres-te amigo deles, talvez até mais tarde ficar milícia ou tropa, quem sabe?

Dispõem, escreve Picão, de alguns abrigos individuais, a toda a volta, mas para homem deitado, no cruzamento de caminhos uma sentinela, uma armadilha no trilho Bambaia-Gussará, que o prisioneiro sabe evitar, escreve, já está, Picão?

Continua, a população está afastada das casas de mato, para Oeste, está desarmada.

Com menos dores, um dia pusera-se a pé na enfermaria. Mal o viram a andar, pegaram nele, outra vez, muitas viaturas a caminho. Falara antes de partir com um tuga, com outro balanta a fazer de intérprete, repetira tudo direito.

O comandante tuga disse que se os leva direito ao acampamento tudo vai correr bem, se não leva não vai ser bom.

Tinham partido nos carros de Mansabá quase até Demba Só, meteram para dentro a pé, sempre a andar até à bolanha, passaram o sítio mais estreito e pouca água também, andaram outra vez muito até se sentir fraco e pedir para parar. O comandante tuga veio ver. A olhar, mexeu nas cordas, a perguntar ao soldado, tão baixo que mal se ouviu, parar?

Desconfiado, sempre a olhar, os olhos dentro dos óculos amarrados com uma fita à cabeça, coisa boa não deve ser. Mas ele foi lá para trás, o que foi fazer não vi. Chegou outra vez, falou no crioulo dele, se estava melhor, sim, já pode andar outra vez, começámos a caminhar até chegar lá, ao acampamento. Deixaram-me cá fora, amarrado ao soldado, abrigado numa palmeira. Depois, a tropa entrou a fazer fogo nas casas.

Na volta, a corta mato, rebentamentos muito grandes em Uália, disseram que era da artilharia dos tugas, quase no mesmo trilho da caminhada para o acampamento. Quando pararam, sol alto, os aviões a brilharem ao sol, a abanarem as asas, a irem embora, o outro avião pequenino, quase branco não saía de cima, o tuga com quico grande, com um rádio, como uma banana grande, a falar.

Depois retomámos o caminho até Demba Só onde estavam muitas viaturas, sempre a andar até Mansabá.
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Nota
6 - Nome fictício

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Artigo 4.º do RDM

Os acontecimentos na Associação Comercial alteraram o ambiente na cidade. A desconfiança entre a população negra, cabo-verdiana e a tropa, os nervos crispados, a porcaria mais ou menos submersa, subiu tudo. Levava-se uma vida normal, mas por toda a cidade irrompiam pequenos incidentes e à noite viam-se poucos civis. A PM aumentara os patrulhamentos. O PAIGC, como lhe competia, aproveitava e tirava dividendos.

Nos dias a seguir ao sucedido choveram exposições no Palácio, sete, dissera, todo cheio de importância o Ajudante de Campo do Governador. O General Schulz recebera individualidades civis, apresentara desculpas formais à Associação Comercial, e aos finalistas prometera pagar os prejuízos e tomar providências enérgicas, o habitual nestes casos.

Dias antes, a PM fez o relato dos acontecimentos e endereçou ao Comando Militar a participação contra o Alferes Godinho e um grupo de militares que não conseguiu identificar. Inquirido o Godinho por um capitão, responsável pelo levantamento do “competente auto de averiguações”, sobre quem foram os militares que o acompanharam na perturbação da ordem pública, o mesmo terá respondido que tinha bebido várias cervejas, que mal se lembrava do que tinha ocorrido e que mesmo que se lembrasse não denunciaria ninguém.

Quando tiveram conhecimento desta participação, os camaradas do Godinho decidiram responsabilizar-se e, individualmente, em dias diferentes, dirigiram-se ao QG, procuraram o capitão e declinaram as respectivas identificações.

O Capitão Rubim interrompeu os desenhos que estava a fazer. Começou por lhe dizer que as saídas para a cidade estavam proibidas. Depois, pediu-lhe explicações.

Que se tudo tinha acontecido como se contava, não tivesse dúvidas que haveria consequências. O Governo da Província estava a ver o programa de pacificação a andar para trás, que aguardasse o auto de averiguações, que era tudo, chutara o capitão, cada vez mais longe dele e dos outros.
Naquela mesma tarde deu-lhe ordem para preparar o grupo para ir para o Xitole. Para quê? Bater a zona, procurar o IN, dar-lhe caça, para que é que havia de ser? Mantém-se lá e aguarda instruções. Mais alguma questão?

Grupo antes de embarcar no Dakota, rumo a Bafatá

Embarcaram num Dakota até Bafatá, uma coluna auto levou-os para Fá Mandinga, onde passaram a noite e no dia seguinte apanharam uma coluna de reabastecimentos para o Xitole.
Até Bambadinca o percurso foi-se fazendo. Depois, até ao Xitole foram sempre debaixo de chuva, os quilómetros nunca mais acabavam, as viaturas civis que integravam a coluna metiam-se na lama até à carroçaria e as viaturas militares GMCs, Mercedes e Unimogs atolavam-se constantemente.


De Bambadinca para o Xitole, atascamentos sucessivos.
Fotos de Torcato Mendonça, com a devida vénia.

Chegaram ao rio era noite cerrada. O Corubal7 parecia o Atlântico quando o atravessaram. Quando entraram no Xitole deitaram-se. No dia seguinte começou o inventário dos reabastecimentos. Estavam reduzidos a metade, alguns destruídos pelas águas, outros desapareceram ninguém sabia ou queria dizer como.

Escreveu, nessa altura, no seu diário, um dos participantes:

"Em 11 de Outubro, o nosso grupo deslocou-se de Bissau para Bafatá num Dakota. Depois, em coluna auto, para Fá, onde dormimos. No dia seguinte para Bambadinca onde apanhámos uma coluna de reabastecimentos para o Xitole.

Interminável a viagem, nem me lembro de quantas horas. Era época das chuvas, água por todo o lado, as viaturas atascavam-se, nunca mais lá chegávamos. A operação ao Galo Corubal era no dia seguinte. Estava tudo marcado, apoio aéreo, PCA8, companhia de apoio. Passámos o dia a desatascar viaturas, militares e civis. Chegámos ao Xitole com o dia fechado há horas. Ainda nos estávamos a sentar por ali, soubemos que havia uma mensagem radio a informar-nos que a operação tinha sido adiada 24 horas.

Dormimos, descansámos o dia e ao cair do sol pusemo-nos a caminho do Galo Corubal. Noite fechada, chuva sempre a cair, o rio a deitar por fora, noite sem luar, um caminho de desafios a ver quem caía mais, até esbarrarmos, já de madrugada, com uma sentinela que estranhou tanto movimento perto dela.

Resposta pronta do primeiro homem do grupo, o Marcelino, o ataque entusiasmado, a queda da equipa da frente nas águas de um ribeiro que ninguém tinha visto, a G3 de um que lhe escapou das mãos, a luta para a recuperar, o fogo sobre nós, o dia que surgiu quando não devia, um milícia com uma crise de nervos que parecia um ataque epiléptico, uma retirada muito difícil.

Quando a parelha de T6 nos sobrevoou, estávamos atolados na bolanha a servir de alvo a pontarias altas, só sentíamos as chicotadas. Depois foi a retirada para o Xitole com o pelotão de apoio a proteger-nos com fogo de morteiro.

O alferes tomou a decisão de reincidir na noite seguinte, contra a vontade do comandante da companhia que lhe respondeu na minha frente que não podia dar-nos apoio, que se quiséssemos ir que fôssemos. E fomos outra vez.

Noite igual às anteriores, água e mais água, parecia que a água estava do lado deles, andar difícil, chegámos outra vez à mesma zona da noite anterior.

O guia conhecia a área do Galo Corubal, só isso. Em cima daquele ourique descobrimos a cambança e entrámos num trilho que nos levou a um acampamento sem ninguém. Não conseguimos pegar fogo às casas de mato porque as duas granadas incendiárias que lançamos nem chegaram a pegar, só fumo é que saía delas. No regresso, quando passávamos em cima do ourique voltámos a servir de alvo à pontaria.

Distinguia-se bem das PPSHs e das Kalashs e barulho ritmado de uma metralhadora-pesada. Atirámo-nos para a bolanha, água quase pelo peito. Apoio aéreo fora no dia anterior, o capitão comandante da companhia que, afinal e ainda bem, resolveu apoiar com um pelotão, começou a bater as margens com fogo de morteiro e, pelo AN-PR C10, dizia para retirarmos, o que acabámos por fazer equipa por equipa.


Depois foi o regresso à estrada Bambadinca-Xitole. O pelotão reforçado de apoio e recolha esperou por nós, retirou para o Xitole, despedimo-nos, e nós continuámos até Bambadinca. A pé, como se fosse a penitência por uma operação mal concebida. Íamos parando de vez em quando, como se fosse um exercício. Uns bons quilómetros andados, ouviu-se um deles perguntar ao chefe de equipa, o Furriel Azevedo, se íamos a pé até Bissau.

Derreados por tanta chuva, por tantos quilómetros em tão poucos dias, uma coluna encontrou-nos e recolheu-nos em Bambadinca no dia a seguir, sentados e em boa ordem, apesar de tudo".

Dias depois em Brá, um capitão procurou o alferes, queria ouvi-lo para o tal processo que estava a decorrer, já tinha ouvido os outros, só faltava ele. O que tinha acontecido, como, quando, porque é que, quem fora o cabecilha, leia, assine aí em baixo, se estiver de acordo, claro.
À noite fora até Bissau, encontrar-se com os companheiros do costume.

Passaram-lhe para as mãos a "Plateia", uma revista de cinema que saía em Lisboa. Folheou-a, parou numa página. Crónica da Guiné na Plateia!


Um bando de energúmenos influenciados pelos tedies de Birmingham e Liverpool? Olharam uns para os outros, calados. Quem é o tipo que escreveu isto, perguntou.

Num daqueles dias, seguiram as indicações que o Capitão Rubim lhes tinha dado, os 5 sujeitos ao auto apresentaram-se no QG, ao Comandante Militar da Guiné. Vamos receber uma medalha cada um, disse o Godinho.

Entraram no gabinete, fizeram-lhe a continência e puseram-se em linha, aprumados. O Brigadeiro Gaspar Sá Carneiro mexia nuns papéis em cima da secretária, não encontrava, abriu gavetas, ah, estão aqui, satisfeito. Quando levantou os olhos para eles, mudou de cara.
Ora bem, antes de mais, devo manifestar-lhes o profundo desagrado que sinto em tê-los aqui nestas circunstâncias. Já tive convosco manifestações de apreço, quando o mereceram, o que não é o caso desta vez, bem antes pelo contrário. Relatar aquilo que ficou apurado, é desnecessário.
Depois, foi um por um. Tirando o caso do Alferes Godinho que teve uma redacção e uma pena diferentes, aos outros foram aplicadas as mesmas penas com a mesma redacção.

“Puno com 3 dias de prisão simples o Sr. Alferes Milº/Furriel Milº fulano de tal, porque fez parte dum grupo de militares que, trajando de modo não correspondente ao estipulado para as circunstâncias, penetrou no baile dos finalistas da Escola Técnica de Bissau, vencendo a oposição da autoridade policial de serviço no local. Infringiu os n.ºs 22.º, 41.º e 51.º do art.º 4.º do RDM.
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Notas
7 - Rio da Guiné. Nasce no maciço do Futa-Jalon, Guiné-Conacri e encontra-se com o estuário do rio Geba, a cerca de 50 km a montante de Bissau.
8 - Posto de comando aéreo (PCA) normalmente montado numa Dornier.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 23 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14922: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VII Parte): Clara; Apanhado à mão e Entre eles

Guiné 63/74 - P14950: Fotos à procura de... uma legenda (59): Os manos Marques da Silva, fundadores do conjunto musical "Ritmos Caboverdeanos", em digressão por Bissau e Dacar, em junho de 1964, que iam "tramando", sem o quererem, o primo António Medina...


Foto da capa do primeiro disco ("Mornas e coladeras"), em vinil, de 45 rotações, editado pelos "Ritmos Caboverdenos", na Alemanha, nos anos 60. Cortesia de Discogs.com. Legenda do primo António Medina: da esquerda para a direita, Djack de Felicia, viola baixo (1);  Lulu Marques,  acordeão (2);  Djosa Marques, bateria (3); Tony Marques,piano (4); e Humberto Bettencourt, violo solo (5).


1. Mensagem, de hoje, do António Medina (*)

[ o nosso camarada, veteraníssimo,  Antonio Medina, ex-fur mil inf, CART 527, Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu,Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65; natural de Santo Antão, Cabo Verde, foi funcionário do BNU, Bissau, de 1967 a 1974; vive hoje nos EUA desde 1980; tem dupla nacionalidade, portuguesa e norte-americana; é nosso grã-tabanqueiro desde 1/2/2014]


Luís:

Dando seguimento ao teu pedido de identificação dos elementos dos "Ritmos Caboverdeanos",  vê a seguir da esquerda para a direita (**):

(1) Djack de Felicia, viola baixo; foi empregado da Camara Municipal de S. Vicente; já falecido.

(2) Lulu Marques [da Silva], acordeão, já falecido;

(3) Djosa Marques [da Silva], bateria, já falecido;

(4) Tony Marques [da Silva], piano, reside em New York;

(5) Humberto Bettencourt, violo solo, meu antigo colega do liceu e da tropa.

Falta aqui o vocalista, Longino Baptista. Os três Marques da Silva são todos meus primos e antigos proprietários do Cinema Eden-Park, em S. Vicente.

Um abraço, Medina

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(**) Ùltimo poste da série > 6 de julho de  2015 > Guiné 63/74 - P14841: Fotos à procura de... uma legenda (58): Varela, 1955: o arquiteto Luís Possolo [1924-1999], o felupe e o "teco-teco"...

Guiné 63/74 - P14949: Como Tudo Aconteceu (Manuel Vaz, ex-Alf Mil da CCAÇ 798): Parte II - A costa da Guiné

1. Parte II do trabalho "Como Tudo Aconteceu", da autoria do nosso camarada Manuel Vaz (ex-Alf Mil da CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67), enviado ao nosso Blogue em 16 de Julho de 2015:

COMO TUDO ACONTECEU

PARTE II

A COSTA DA GUINÉ


(Continua)
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 16 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14884: Como Tudo Aconteceu (Manuel Vaz, ex-Alf Mil da CCAÇ 798): Parte II - Do povoamento do ocidente africano até à luta armada do PAIGC

Guiné 63/74 - P14948: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (99): Sou Manuel Morato Gomes, ex-alf mil, CCS/BCaç 2861, estive em Bula e Bissorã até Junho de 1970, e procuro camaradas desse tempo..... E eu sou o Armando Pires, ribatejano, furriel enfermeiro, fadista, e tenho muita honra em "apadrinhar" a tua entrada neste blogue que tem já perto de 700 membros...


Convívio da CCS/BCAÇ 2861 (Bissorã e Bula, 1969/70) > Entre -os.-Rios > 1999 > Da esquerda para a direita, furriel Bonito (1),  fur  enf Armando Pires (2), furriel Filipe (3), 1º cabo Abreu (4), alferes Mourão (5), alf Morato (6) e fur  Vasques (7).

Foto (e legenda): © Armando Piures (2015). Todos os direitos reservados..



1. Mensagem de Manuel José Sousa Morato, com data de 22 de junho passado:


Apesar de tudo são boas recordações.

Sou Manuel Morato Gomes, ex-alferes miliciano da CCS do BCaç 2861. Estive em Bula e Bissorã até Junho de 1970. Lembro-me bem do furriel Pires, dos alferes Almeida, Vinagre, Moura e Barbosa (...), entre tantos outros. 

Lembro-me do programa de "rádio" feito uma vez por dia e aos fins de semana duas vezes por dia,  chamado "Bissorã 70". 

O meu endereço é mmoratogomes@hotmail.com ou mmoratogomes@gmail.com e fico à espera de contacto da gente da minha companhia para nos vermos. 

Só uma vez fui a um almoço de convívio mas gostava de voltar a estar com todos da CCS do BCAÇ 2861. Fico a aguardar qualquer informação ou endereços para contacto. 

ABRAÇOS GRANDES PARA TODOS.
Manuel Morato Gomes



2. Neste mesmo dia, foi reencaminho mail do Morato para o nosso grã-tabanqueiro Armando Pires (ex-fur mil enf, CCS/BCAÇ 2861,Bula e Bissorã, 1969/70)



Armando: Lembras-te deste camarada ?!.. Queres escrever duas linhas, em meu nome, a convidá-lo para ingressar na nossa Tabanca Grande ? (...)

Diz-lhe que só sobre Bissorã temos perto de 250 referências; e sobre Bula quase outro tanto (230). E,além de imensas fotos, temoa a cartografia da região... Por exemplo, Bissorã/Mansoa (1954), Bula (1953)...

Um grande abraço para ti... Luís

3. Resposat do Armando Pires, com data de hoje


Olá, Luís.

Aqui vai o texto que me pediste, de resposta ao alferes Morato.
Se achares que deves corrigir alguma coisa, estás à vontade. (...)
Desculpa o atraso.
Abraço.



Viva, Morato!

O que é feito de ti, camarada.

Pediu-me o Luís Graça, “Comandante-em-Chefe” da Tabanca Grande, que respondesse ao teu “apelo”. E faço-o com a maior das satisfações.

Desde logo, pela satisfação que me dá ter notícias tuas. Diria mais, por finalmente ter notícias tuas.

Sim, é que a malta, todos os anos, nos nossos encontros de confraternização, tem o hábito de perguntar pelos que faltam, sendo que esses de quem sentimos falta são sempre os que mais estimámos.

Daí que me lembre da primeira e única vez que estiveste connosco, depois de termos regressado da Guiné.  Foi no Encontro que teve lugar em Entre-os-Rios, no ano de 1999. [Vd. foto acima]

Já foi há tanto tempo que talvez valha a pena recordar-te que na foto estão, começando à esquerda, o furriel Bonito (1), eu (2), furriel Filipe (3), 1º cabo Abreu (4), alferes Mourão (5), tu (6) e o furriel Vasques (7).

Já perdeste o Encontro deste ano. Foi em Maio, em Castelo de Paiva.

E é em Maio que todos os anos nos encontramos, e nos encontraremos, até que reste um para apagar a luz do salão.

Portanto, tens Maio do próximo ano para te juntares a nós, se não for antes. Basta que me envies, por email, o teu endereço actualizado, para que possas receber a correspondência.

Dito isto, vamos ao passo seguinte.

Já aqui vieste, não faças do nosso blog um ponto de passagem. Tens cá um lugar à tua espera. Mandatado pelo Luís Graça, estou a convidar-te para integrares “o nosso exército”.

Aqui encontrarás o maior acervo documental e fotográfico sobre a guerra na Guiné, visto e contado pelos seus protagonistas.

E ele será tanto mais importante para memória futura (como agora é uso dizer-se), como para nós, que melhor ficaremos a conhecer essa parte do nosso passado, se todos dermos o nosso contributo. Desde logo, o teu.

Envia-nos duas fotos, se possível tipo passe. Uma do tempo da Guiné, para que te reconheçam os que por lá um dia se cruzaram contigo, a outra actual, para que na rua a malta diga, “eh!,  camarada, eu também sou do blog”. Junto com as fotos, envia a síntese do teu currículo militar. Da incorporação à disponibilidade.

O Luís há de depois dizer-te qual teu número de ordem que te cabe neste “exército”.  Ma so importante é escrever-nos. Escreve o que, se calhar, trazes escondido na alma. Fala-nos da tua experiência militar na Guiné. Traz-nos histórias, amargas ou doces, que tenhas vivido, ou que tenhas visto a outros viverem.

Faz jus ao nosso slogan, da nossa Tabanca Grande: “não deixes que sejam os outros a escrever a tua história por ti”...

E não te esqueças, rapaz, aqui todos nos tratamos por tu.

Sê bem-vindo, camarada Morato.

PS - Tenho uma série, no blogue, que se chama "Furriel Enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires)" que já deves conhecer, e que fala da malta do nosso tempo, de Bissorã e de Bula...
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Guiné 63/74 - P14947: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (12): Há festa na aldeia!...O Grupo de Bombos do Grilo, Baião, na Tabanca de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses


Marco de Canaveses  > Paredes de Viadores >  Candoz >  Tabanca de Candoz > 25/7/2015 >  Grupo de Bombos Verão Azul,  Grilo, Baião, a atuar no peditório para a festa em honra de Nossa Senhora do Socorro, Paredes de Viadores   (24-26 de julho de 2015) >O líder do grupo é o António Porfírio Cardoso, o mais velho.


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores >  Candoz > Tabanca de Candoz > 25/7/2015 > Grupo de Bombos Verão Azul,  Grilo, Baião, a atuar no peditório para a festa em honra de Nossa Senhora do Socorro, Paredes de Viadores  > Elemento de contacto: António Porfírio Cardoso, telemóvel nº  914 253 500



Vídeo (4' 20''). Alojado em You Tube > Luís Graça

Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Tabanca de Candoz >  25/7/2015 > Grupo de Bombos Verão Azul,  Grilo, Baião, a atuar no peditório para a festa em honra de Nossa Senhora do Socorro (que é sempre no último fim de semana de julho)



Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Capela de N. Sra.do Socorro > 25 de julho de 2015 > Fim de tarde...


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores  >  Capela de N. Sra.do Socorro > 25 de julho de 2015 > Interior, com os andores, prontos para a procissão de domingo, dia 26...



Vídeo (6' 33''). Alojado em You Tube > Luís Graça

Marco de Canaveses > Paredes de Viadores  >  Festa de N. Sra.do Socorro > 26 de julho de 2015 > No sábado para domingo, ao darem as 24 badaladas, rebenta o monumental fogo de artifício que é, de há muito, um dos momentos altos desta festa popular... São quase 30 minutos de fogo... Ninguém sabe quanto custa... Todo o povo contribui generosamente para este e outros encargos da festa de N. Sra. do Socorro. 

Fotos e vídeos: © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG)



1. Este ano foi o Grupo de Bombos Verão Azul, da vizinha freguesia do Grilo, concelho de Baião, que animou o peditório para a festa em honra da N. Sra. do Socorro, de Paredes de Viadores, da freguesia de Paredes de Viadores e Manhuncelos, onde se situa a Tabanca de Candoz... Terras antiquíssimas, estas, com forte trradições de que são guardiãs e continuadoras as nobre e valentes gentes desta região do Douro Litoral...

Estas festas fazem parte dos "nossos seres, saberes e lazeres" e são acarinhadas pelo pessoal da Tabanca de Candoz... Nunca é de mais lembrar, por outro lado,  que o extenso concelho do Marco de Canaveses pagou um pesado imposto em sangue, suor e lágrimas durante a guerra colonial, tendo 45 dos seus filhos lá morrido, em terras de Angola, Guiné e Moçambique (vd lista nominal no portal Ultramar Terraweb).

Em chegando o verão, há foguetes e alegria no ar.  Há festa, há a festa anual da padroeira de Pareces de  Viadores, da freguesia do mesmo nome (mas agora mais comprido, já a Paredes de Viadores juntou-se também a antiga freguesia de Manhuncelos). A Nossa Senhora do Socorro  tem uma capela que remonta ao séc. XIX, num dos pontos altos do território da freguesia...

Por estas terras também andou o lendário herói do "banditismo social", Zé do Telhado ( Castelões de Recesinhos, Penafiel, 1818 / Mucari, Malanje, Angola, 1875). e o seu bando, cujas façanhas ficaram na memória das gentes dos vales do Sousa e Tâmega (onde nasceu Portugal). Desterrado, Zé do Telhado morreu em Angola (onde a sua memória ainda é, ao que parece, venerada). 

Por aqui, Marco de Canaveses e Baião,  passa também a rota do românico... que os portugueses devem fazer pelo menos uma vez na vida!...

O Grupo de Bombos Verão Azul, do Grilo, Baião, não tem página no Facebook.  Prometi editar um dos vídeos que fiz, naTabanca de Candoz. Aqui vai... também a pensar no nosso grâ-tabanqueiro Álvaro Vasconcelos que da igreja do Grilo vê a Tabanca de Candoz! (LG)

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Nota do editor.

Último poste da série > 24 de julho de  2015 > Guiné 63/74 - P14927: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (11): Vimeiro, Lourinhã, 17 a 19 de julho de 2015: recriação histórica da batalha do Vimeiro (1808) e mercado oitocentista - Parte II: Fogo à peça!... Oxalá, inshallah, enxalé a gente se possa voltar a encontrar para o ano!

Guiné 63/74 - P14946: Parabéns a você (938): Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico do BCAÇ 2930 (Guiné, 1970/72); Júlio Costa Abreu, ex-1.º Cabo Comando do Grupo Centuriões (Guiné, 1964/66) e Victor Tavares, ex-1.º Cabo Paraquedista da CCP 121 / BCP 12 (Guiné, 1972/74)



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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14897: Parabéns a você (937): Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732 (Guiné, 1970/72) e João António Santos, ex-Alf Mil Rec Inf do BCAÇ 2852 e BENG 447 (Guiné, 1970/71)