
Estamos em Maio, um mês da Primavera que, na Baviera onde me encontro, parece querer prolongar o Inverno, ainda com algum rigor do clima frio do norte da Europa. Apesar disso hoje está um lindo dia de sol para realçar toda a beleza da paisagem circundante A vista navega pelo lago de águas calmas, repousa na ilha para onde o barco se dirige e alonga-se pelas encostas das montanhas, que rodeiam o horizonte, onde a neve refulge como prata. A esta luz clara do Sol, os Alpes Bávaros desdobram-se em quadros que a natureza selvagem pinta em imagens de uma beleza extraordinária formada por planícies verdes, águas e serras nevadas.
O barco que nos transporta a nós e algumas centenas de pessoas, navega pelo lago Chiemsee e dirige-se à ilha de Herreninsel. A maior ilha das três existentes no maior lago da Baviera e onde vamos caminhar, contemplando a sua beleza natural, feita de muitas árvores de pequeno e grande porte e de relvados extensos, e apreciar o Palácio Neues Schloss Herrenchiemsee, mandado construir por Ludwig II da Baviera, um rei excêntrico, protector das artes, construtor de palácios, construtor de fantasias, mitos românticos, amado pelo povo pela sua espontaneidade, pela sua juventude, pela proximidade de relações que cultivava com os bávaros, que o humanizava aos olhos do povo simples e revelava a sua loucura aos olhos da nobreza.
Este palácio mandado construir, entre 1878 e 1886, teve como modelo o Palácio de Versalhes em homenagem ao rei Luís XIV de França que ele admirava.
Esta ilha é chamada Herreninsel (em português ilha dos homens) porque existe lá há longos anos um mosteiro de frades, hoje desabitado e ocupado em parte por um museu regional. Próximo existe a Fraueninsel (em português ilha das mulheres) porque existe lá um convento de freiras beneditinas, que ainda o habitam. Cá como lá a religiosidade é maior entre as senhoras do que entre os homens
O palácio Herrenchiemsee ficou inacabado, das setenta salas somente vinte ficaram prontas e decoradas, numa primeira fase porque se acabou o dinheiro para a sua construção e numa segunda fase pela morte prematura do rei, por acidente segundo a versão oficial, assassinado segundo outros testemunhos da época. Procura imitar o Palácio de Versalhes e por vezes excede-o em beleza e grandeza como na grande Galeria dos Espelhos, por exemplo, maior que a sua equivalente do palácio francês, e a sua Sala-de-Jantar tem um gigantesco lustre em porcelana de Meissen, o maior do mundo.
A acrescentar à beleza natural dos Alpes Bávaros formada por planícies verdes, lagos, montanhas muito tempo brancas pela neve acumulada nas estações frias, existe a beleza construída pela mão do homem composta por casas, moradias, castelos, mosteiros e igrejas.
Este rei bávaro, por alguns considerado imaturo, irresponsável e louco, mandou construir mais dois palácios onde, tal como neste, foi utilizada a melhor arquitectura, engenharia, tecnologia e arte do seu tempo e que hoje perduram como sendo os palácios mais belos de toda a Alemanha:
O castelo de Neuschwanstein, que embora grande, parece um ninho de águias ou um castelo de fadas pois foi edificado nos píncaros de um monte e tem a arquitectura graciosa e rebuscada própria dos castelos de fadas, duendes e outros seres imaginários que povoam as histórias e os sonhos das crianças.
Já o visitei mas porque a fila de turistas era tão grande não entrei no seu interior. Fica para a próxima vez.
O outro é o palácio Linderhof, o mais pequeno, que nunca visitei, mas que pelo que já li merece também uma visita demorada.
A Baviera é o maior estado da República Federal Alemã, com uma área um pouco inferior à de Portugal Continental e com um número de habitantes um pouco superior. Durante séculos foi um reino independente até à sua integração já nos finais do século XIX no Império Alemão. Para além do seu património paisagístico, turístico, arquitectónico e cultural a Baviera tem um vasto património industrial sendo uma das regiões mais ricas da Alemanha e da Europa. Os seus habitantes são católicos e talvez pelas guerras e pela proximidade com os seus vizinhos alemães protestantes mais a norte procuram vincar essa diferença manifestando-a culturalmente de uma forma tão audível que os sinos das igrejas aos sábados e domingos, quase não param de tocar. Pela sua independência secular e pelas invasões e cruzamentos de povos do seu território os bávaros são um povo distinto dos outros alemães e orgulhoso do seu passado, das suas tradições que gostam de evidenciar, tanto nos costumes como nos trajes típicos. Nos trajes regionais, no carácter reservado que se torna ruidoso nas manifestações festivas que eles gostam de cultivar, parece ser um povo antigo com raízes rurais muito profundas. Por vezes parecem ter semelhanças com os transmontanos mas são mais ricos, nota-se pela forma como vestem.
A capital da Baviera é Munique, uma cidade imensa, onde destaco Marienplataz a praça central e ruas próximas, o rio Isar, alimentado pelo degelo dos Alpes, caudaloso até no Verão, ladeado de árvores altas e caminhos para corredores, caminhantes e ciclistas, e o English Garden, um enorme parque da cidade, onde corre um canal de água em fúria, alimentado pelo rio Isar, com árvores grandes e outras em crescimento, com relvados enormes onde as pessoas fazem nudismo ou apanham sol e com os inevitáveis Biergarden onde se podem comer alguns petiscos e beber “eine grosse bier” uma boa caneca de litro de cerveja.
Gosto muito de Munique, onde vamos com frequência eu e a minha mulher, matar saudades da nossa família mista, portuguesa e alemã, sempre tão simpática e hospitaleira mas que não dispensa uma mala de porão, que leva sempre bacalhau, chouriços, algum vinho, bolos de bacalhau, rissóis, presunto, pasteis de nata, húngaros e outros mimos que o seu paladar recorda com saudade.
Desde a época dos descobrimentos, nos séculos XV e XVI os portugueses tomaram o gosto pela viagem e pela aventura da descoberta. Pela aventura e pela necessidade de sobrevivência, no passado de barco, de automóvel, de comboio, hoje sobretudo de avião, há um movimento contínuo de famílias para destinos europeus e mundiais. Os aviões sempre cheios, levam pintores, serralheiros, médicos, enfermeiros, estucadores, empregadas domésticas, jardineiros, engenheiros, padeiros, pedreiros, electricistas, arquitectos, cientistas, investigadores e outros profissionais.
Os portugueses da diáspora que inventaram a palavra saudade evocam-na como quem procura o afecto e o calor da Pátria. Há nela um sentimento doce porque nos faz recordar bons momentos passados com pessoas que estimamos muito. Há nela um sentimento amargo, que nos magoa pela distância que interpõe entre uns e outros, que só se acalma nos reencontros possíveis entre abraços e beijos, nessa proximidade física que os portugueses como povos latinos adoram.
Francisco Baptista
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Nota do editor
Último poste da série de 24 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17391: Os nossos seres, saberes e lazeres (213): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (3) (Mário Beja Santos)