1. Em mensagem do dia 6 de Janeiro de 2023, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) recorda uma visita à antiga RDA.
Caros administradores.
Junto um texto sobre a viagem que fiz a Berlim Leste na RDA, República Democrática Alemã, em 1978. Não é propriamente um tema relacionado com a guerra no Ultramar, mas as fotos refletem o que aconteceu em Berlim no fim da II Guerra Mundial e o que está a acontecer atualmente na Ucrânia.
Se virem que o texto tem interesse, publiquem.
Grande abraço do
Zé Teixeira
Uma visita à RDA – República Democrática Alemã
Um estranho convite
Naquela noite de Natal de 1977, o tempo estava frio como sempre no Natal, mas ameno. Para cumprir a tradição familiar dispusemo-nos a ir à Missa do Galo. Ao dobrar a primeira esquina deparamo-nos com o Carlos Alberto e a Urbela, um jovem casal, companheiros de outras atividades sociais anteriores ao 25 de Abril, que a vida militar dele, tinha arrastado para Lisboa onde se fixaram. Estavam descontraidamente a fumar à porta da “ilha” onde moravam os pais da Urbe. Encontro agradável que alterou o nosso programa pelo prazer de pôr a conversa em dia.
Conhecendo a minha veia ativista, quiseram saber novidades sobre as minhas atividades ligadas à da Associação de Moradores local da qual era um dos fundadores. O processo SAAL/Norte desenvolvia-se já com algumas dificuldades, devido ao contexto político, mas, o sonho dos moradores das ilhas degradadas da zona estava a ser concretizado na medida do possível com a construção de 82 casas num projeto do arquiteto Siza Vieira em plena Rua da Boavista. Acoplados ao projeto de construção tínhamos agregados, um infantário e uma cooperativa de consumo em pleno funcionamento, tudo gerido pelos moradores membros da Associação em cujas equipas eu estava voluntariamente integrado e para a qual dispunha do meu tempo livre, sem tirar quaisquer dividendos.
Para muita gente, a Associação de Moradores era um conjunto de comunistas, sobretudo membros de grupelhos esquerdistas que enxameavam a freguesia e alguns membros do partido comunista que nunca teve a capacidade de dominar a situação. Para mim eram pessoas humildes, com muitas carências que devido aos magros salários viviam em autênticos buracos a que chamavam ilhas. Agarraram-se a quem lhe prometia lutar por uma habitação condigna, um infantário para o filho do operário e sobretudo guiavam a sua luta.
Eu, para os moradores pobres era um amigo com outra visão da situação, para outros era um comunista perigoso e para outros era um cristão progressista.
A conversa prolongou-se pela noite dentro - que bela missa do galo! – e culminou com um estranho convite. A integração da minha pessoa num grupo de cristãos progressistas que ia fazer uma visita à RDA- República Democrática Alemã, a mãe do celebre muro de Berlim, com estadia e uma das viagens paga pela RDA.
Não acreditando em milagres, muito menos vindos de um país comunista, arrumei o assunto e continuei a minha vida dedicando-me à família, ao emprego e às atividades nas diversas áreas da associação de moradores, sem esperar qualquer recompensa, que não fosse o prazer de ajudar a minorar a situação das pessoas mais frágeis.
Estranhamente, em outubro de 1978, recebo um convite para me dirigir à Sede da Associação de Amigos da RDA no Porto, onde me foi entregue oficialmente o tal convite para uma visita de oito dias à RDA. Apenas tinha de comprar o bilhete de regresso de Berlim para o Porto no valor de 15.000$00 (15 contos). A data da partida era 9 de novembro pelo que tinha de me decidir.
Partida para Berlim
No dia 9 de novembro, à hora marcada e com o bilhete de regresso na carteira, apresentei-me no aeroporto de Lisboa, onde tive oportunidade de conhecer os parceiros de viagem; duas catequistas do Porto que de progressistas não tinham nada, bem pelo contrário, uma senhora de Santarém dirigente da Conferência de S. Vicente de Paulas local, essa sim, com uma visão avançada e comprometida e um jovem da minha idade, também de Santarém que me pareceu ser o “controleiro” do partido comunista, para que as ovelhas não fugissem do redil.
O avião da Aeroflot (agência de aviação soviética) estava na pista, mas a chamada para a partida não chegava, até que fomos informados que tinha havido um problema com o avião, pelo que nos meteram num autocarro com um grupo de gente da América Latina e levaram-nos a um hotel no centro de Lisboa onde pernoitamos.
No dia seguinte, logo de manhã seguimos de novo para o aeroporto e embarcamos. O pessoal de voo muito bem-apresentados, receberam-nos com sorrisos abertos e mandaram-nos sentar onde quiséssemos. Não havia lugares reservados e o avião ia vazio e desprovido de alguns dos assentos, com espaços vazios.
Ao levantar voo, o assento onde eu ia sentado começou a deslizar. Não estava devidamente fixado ao chão e ao meu lado a cena sucedia-se. Bom momento para umas piadas picantes acerca da situação que acabou por se regularizar. Cada um dos utentes corrigiu a posição do seu assento e seguimos viagem. O avião aparentava ser velho, e ter sido usado para as mais variadas missões. Reparamos, entretanto, que a apresentação do pessoal de voo se modificou. Mal o avião estabilizou e pudemos libertar-nos do cinto, cujo efeito foi nulo, como vimos atrás. Eles, que no aeroporto se apresentaram com o esmero típico das gentes que andam no ar, tiraram o casaco e a gravata, desapertaram os botões da camisa e arregaçaram as mangas; elas mudaram para roupa mais funcional e a seguir serviram-nos uma refeição frugal. Sentaram-se ao nosso lado e tiraram a barriga de misérias.
Chegados a Berlim Leste, saímos do avião e entramos num autocarro que nos transportou à zona alfandegária. Impressionou-me ver um polícia metido dentro de uma cabine blindada, apenas com uma pequena abertura, talvez de 20 por 50 cm, a olhar para mim com um ar muito sério, a medir-me de cima a baixo, sem fazer uma pergunta. O passaporte tinha sido entregue em Lisboa a um comissário de bordo, porquanto, estava sem documentos de identificação.
Ainda no avião entraram dois jovens, ela identificou-se em português como Brigitte e apresentou o George como nosso guia em Berlim, sendo ela a tradutora.
Levava comigo um jornal, creio que era, creio que era A Visão. Pediu-me o jornal, Abriu folha a folha, sacudiu bem para o chão e voltou a entregar-mo, mandando-me seguir para a sala contígua, onde me esperavam os outros portugueses. E a comitiva, alemão, guia e tradutora. Os latino-americanos já tinham desaparecido, mal o avião aterrara.
Entramos numa carrinha de nove lugares e seguimos para o hotel na Avenida das Tílias. As nossas malas já lá estavam. Tinham sido entregues abertas à tripulação em Lisboa e voltavam agora à nossa posse. Era um mundo novo e estranho para nós. Estava muito frio e nevoeiro que baste. Os sinaleiros serviam-se de sinais luminosos para orientar o trânsito. Não havia um sorriso uma palavra de afeto, no mínio, de acolhimento. Com frieza, fomos informados que o George tinha de ir à polícia com os nossos passaportes, regularizar a nossa situação na RDA e que voltaria dentro de duas horas. Teríamos de ir para o nosso quarto e aproveitar para descansar da viagem. Ninguém podia sair do quarto, enquanto não recebêssemos ordem para descer à sala de entrada do hotel. Chegariam a tempo de nos levar a jantar, disse a Brigitte, para não ficarmos assustados.
Bem, duas horas parado ali no hotel, em Berlim Leste que eu tanto queria conhecer?! Não!
Entrei no quarto, fechei a porta e pousei a maleta. Respirei fundo e espreitei pela janela daquele quinto andar. Vi uma torre de televisão. Era alta e linda. Tinha uma espécie de balão cheio de janelas iluminadas.
Eu tinha a chave do quarto comigo, meti-a no bolso e abri a porta do quarto, espreitei para um lado, para o outro, não havia ninguém. Meti-me no elevador e desci ao piso zero. Uma sala grande, com algumas pessoas a conversar. Peguei no jornal L’Humanitée do PCF e sentei-me num cadeirão. Protegido pelo jornal estudei os olhares, mas ninguém notara a minha presença, pareceu-me. Alguns minutos de espera e eis-me fora do hotel a olhar em todas as direções, para ver se era seguido. Isto de estar num país comunista metia respeito. Mas, afinal havia liberdade. A torre lá estava ao longe no meio daquele tremendo nevoeiro a desafiar-me. Subi a Avenida das Tílias ao seu encontro. Pelo caminho pude ver e apreciar as majestáticas fachadas dos prédios. Que maravilha! Tanta arte. Tinha tanto de belo como de largo a avenida das Tílias, por onde Hitler se passeara noutros tempos. Com o tempo controlado abri caminho, onde pouca gente se passeava. O tempo não estava convidativo pensei eu, mas segui até à torre, calmamente, saboreando a liberdade de estar em Berlim Leste. Valeu a pena esta minha ousadia, porque o centro de Berlim é um colosso. O tempo de regresso controlado começou a ser pouco, pelo que tive de apressar o passo. Não tinha medo de me perder, pois tivera o cuidado de estudar bem a pista que segui. Voltei ao hotel e instalei-me no quarto cinco minutos antes de ser chamado para o hall.
Integrado no grupo, fomos informados pelo George que a Brigitte traduziu, que iríamos jantar no restaurante panorâmico da torre da TV. Esfreguei as mãos de contente e disse: - Uu vou a pé!
- É muito longe disse o George. Temos ali o carro do povo.
- Não! Eu já lá estive, sei onde é. Sigam que eu dentro de quinze minutos estou lá convosco.
- O quê? Já lá estiveste? Quem te autorizou, gritou o George, sempre traduzido pela Brigitte. Eu não te disse para ficares no quarto a descansar até te chamar? Podias ser preso pela polícia!
- Sim, mas que mal tem em passear pela tua terra. É tão linda! Sou um homem de bem, a polícia não quer nada comigo!
- A partir de agora cumpres as minhas ordens e segues connosco na carrinha. Vamos!
Espetacular local! O Restaurante panorâmico da torre da TV de Berlim Leste é fantástico. Sentados à mesa, rodamos cento e oitenta graus, podendo ver Berlim Leste e Oeste de todos os ângulos. Era de noite, o que tornava ainda mais belo pela iluminação noturna da cidade. E a comida soube bem. Creio que foi truta grelhada, como só voltei a comer em Wernigorode uns dias depois. Foi tempo de conversa. Estava connosco alguém que se apresentou como Presidente da Câmara e forneceu-nos a mais variada informação sobre a RDA e sobretudo sobre Berlim. RDA, um país que se servia da técnica e sabedoria comunista para servir o seu povo e que tinha no seu próprio coração, na capital Berlim, o seu maior inimigo, o capitalismo representado pelas forças aliadas dos EU, da Inglaterra e da França, em resumo foi o que me ficou depois de passados tantos anos. Note-se que a capital da República Federal da Alemanha (RFA) era Bona e a Capital da República Democrática Alemã (RDA) era Berlim Leste. A parte do Oeste pertencia à RFA e estava ocupada pelas forças aliadas vencedoras da II grande guerra.
Regressamos ao hotel, bem comidos e bem bebidos, sem pôr o pé na rua. A carrinha esperava-nos à porta da torre para nos levar ao hotel e aquela Praça tão majestática que eu admirara à socapa, não pode ser apreciada pelos camaradas que me acompanhavam. E, ainda apanhei um sermão do grupo. Era um rebelde – diziam eles – e podia pôr em risco a viagem.
No outro dia de manhã tivemos uma salchicharia completa ao pequeno-almoço. Preferi um pão com manteiga e um copo de leite e ovos batidos.
Nova reunião com mais alguma informação teórica sobre Berlim e para sermos informados que seguiríamos de imediato para Magdebourgo.
- De imediato?! Então eu venho a Berlim e nem se quer me deixam ir ver o célebre muro de Berlim, mesmo que seja deste lado. Quero ir vero muro e saber a sua história. Assim como as portas de Bandenbourgo. Aqui é Berlim e no convite está bem explicito uma passagem por Berlim. Não saio daqui sem ver o muro, podem crer.
Estavam presentes as autoridades locais que nos tinham acompanhado na noite anterior. Vinham despedir-se de nós.
O George bem se desdobrou em esforços para me convencer a partir, mas eu tinha o sangue na guelra e bati o pé. Os companheiros de jornada, olhavam uns para os outros e para mim. Baixavam os olhos e não diziam nada. Criou-se um impasse, porque eu mantinha-me em silêncio, mas não me mexia em direção à viatura. A Birgitte, olhava para mim, mas limitava-se a traduzir as minhas palavras e as do George.
Passados uns longos minutos em que eu já bufava e o George também, olhando-me com ar furibundo, o presidente da Câmara disse qualquer coisa que a Brigitte traduziu: - Vamos entrar para a carrinha. Vocês vão depositar um ramo de flores no monumento das vítimas dos atiradores ocidentais, junto ao muro de Berlim e passaremos ao lado das portas de Bandenbourgo. - E assim aconteceu.
Pelo caminho, sentei-me ao lado da Brigitte e cravei-a de perguntas sobre a liberdade do povo, a saúde, o emprego, etc, sem resposta. Parecia que perdera o dom da palavra. Recebia sorrisos e silêncios. Apenas traduzia as informações do George, ou colocava-lhe as minhas questões. Pudemos saber que havia bastantes mortes do lado oriental. Atiradores furtivos instalados no lado ocidental de Berlim, dedicavam-se à caça de transeuntes que andassem por perto do muro da outra banda, e eram já uns milhares, de cidadãos da RDA, assassinados.
Demos uma volta pela cidade, sempre acompanhados por uma comitiva da Câmara Municipal. Passamos perto das portas e foi-nos explicado, que um dia por semana, os cidadãos do Leste podiam vir à feira do Oeste e vice-versa. As portas eram abertas com o devido cuidado e controlo, porque o inimigo estava sempre à espreita.
Colocamos um ramo de flores junto do monumento às vítimas do muro, com discurso alusivo feito pelo Borgumestre de Berlim. Só eu e uma senhora de Santarém levantamos algumas questões sobre a realidade do muro. A razão de ser do mesmo devia-se ao facto de haver todos os dias infiltrações de gente da zona Oeste, em poder do capitalismo, para minar o sistema económico da RDA e ao mesmo tempo provocar desacatos que obrigassem a polícia a intervir, para provocar mal-estar e poderem afirmar perante o Ocidente que havia descontentamento da população de Leste, o que na sua visão era falso. O povo era pacato, ordeiro e trabalhador.
Quando estávamos a entrar para as viaturas, eu continuei colado à Birgitte e ela entrou para uma viatura civil que nos ia acompanhar até à fronteira da província. Eu, que devia ter entrado na carrinha com os meus colegas de viagem, sentei-me ao lado dela e ali fiquei apesar das tentativas de me forçarem a sair. Pude então levantar-lhe a pergunta sagrada:
- Brigitte, nunca pensaste em ir visitar a parte Oeste da cidade?
Começou por não responder, mas perante a minha insistência, disse-me que não.
- Tens lá família, com certeza gostarias de ver os teus familiares?
- Sim tenho tios e primos, mas nunca pensei em visitá-los, – respondeu-me ao fim de algum tempo, com alguma secura.
- Não me acredito!
- Tu sabes que o meu governo não gosta que a gente vá à outra parte ca cidade e eu não vou. Ponto final. Pára de me fazer perguntas. - E mais não disse, até ao fim da viagem.
Nota 1 - O prémio que tive por este “namoro” com a Brigitte foi uma reprimenda das minhas queridas colegas de viagem, porque segundo elas, sendo eu um homem casado e com filhos, estava dar um péssimo exemplo de homem honrado e do cristianismo em Portugal.
Nota 2 – As fotos evidenciam o estado de Berlim Leste depois da guerra, segundo fotos tiradas pelo exército russo, pois foram eles os primeiros a entrar em Berlim. Situação provocada pelas forças ocidentais USD, UK e França que servindo-se da sua capacidade aérea destruíram Berlim, já depois de a guerra estar ganha, na perspetiva dos Alemães de Leste com quem convivi.
Zé Teixeira
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Nota do editor
Último poste da série de 4 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24117: Os nossos seres, saberes e lazeres (558): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (92): Regresso à Academia Militar, ao Palácio da Bemposta (1) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 9 de março de 2023
Guiné 61/74 - P24131: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXI: Finalmente, Bafatá, a minha linda princesa do Geba...
Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966. (Foto reproduzida no livro, na pág. 149)
1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digital, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, il., edição esgotada) (*).
O seu editor literário, ou "copydesk", o seu camarada e amigo Virgínio Briote, facultou-nos uma cópia digital; o Amadu, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.
Recorde-se aqui o passado militar do autor:
(i) começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;
(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor auto-rodas;
(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;
(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;
(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;
(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);
(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal (**), para o BCAV 757; ficará em Bafatá até final de 1969, altura em que vai integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló.
(i) começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;
(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor auto-rodas;
(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;
(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;
(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;
(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);
(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal (**), para o BCAV 757; ficará em Bafatá até final de 1969, altura em que vai integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló.
Capa do livro do Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.
Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Bafatá (vd. carta de 1955, escala 1/50 mil) > Vista aérea da "princesa do Geba" > Em primeiro plano, o rio Geba, à esquerda, e a piscina de Bafatá (que tinha o nome do administrador Guerra Ribeiro e foi inaugurada em 1962, tendo sido construído - segundo a informação que temos - por militares de uma unidade aqui estacionada ainda antes do início da guerra).
Ainda do lado esquerdo, o cais fluvial, uma zona ajardinada, a estátua do governador Oliveira Muzanty (1906-1909)... Ao centro, a rua principal da cidade. Ao fundo, ao alto da avenida principal, já não se chega a ver o troço da estrada que conduzia à saída para Nova Lamego (que ficava a nordeste de Bafatá); havia um a outra, alcatroada, para Bambadinca, a oeste, mas também com acesso à estrada (não alcatroada) de Galomaro-Dulombi, povoações do regulado do Cossé, que ficava a sul. À entrada de Bafatá, havia uma rotunda. ao alto. Para quem entrava, o café do Teófilo, o "desterrado", era à esquerda..
Do lado direito pode observar-se as traseiras do mercado. Do lado esquerdo, no início da rua, um belo edifício, de arquitetura tipicamente colonial, pertencente à Casa Gouveia, que representava os interesses da CUF, e que, no nosso tempo, era o principal bazar da cidade, tendo florescido com o patacão (dinheiro) da tropa. Por aqui passaram milhares e milhares de homens ao longo da guerra,. que aqui faziam as suas compras, iam aos restaurantes e se divertiam... com as meninas do Bataclã.
Foto (e legenda): © Humberto Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]
Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXI:
Finalmente, Bafatá, a minha linda princesa do Geba
(pp. 147-153)
Foi só em agosto [de 1966] que apanhei o barco para Bafatá.
Enquanto vou reescrevendo estas histórias da minha vida militar, vêem-me à memória outros factos que ocorreram.
Vou voltar a falar do exame de condução em Bissau. Éramos quatro, dois 1ºs cabos e dois soldados. Eu era o único negro, os outros eram todos brancos. O examinador era um tenente.
À saída do quartel, com um cabo europeu ao volante, quando chegámos às vielas da Achada, o tenente mandou-lhe fazer inversão de marcha. Concluído o exame, mandou entrar outro. Um soldado europeu, que pertencia ao batalhão de Bafatá, o mesmo para onde eu ia como adido, ocupou o lugar. Então, o tenente perguntou-lhe se ele tinha precedência sobre os outros.
Ele não respondeu e o tenente disse para ele olhar bem e ver se havia alguém que tinha direito a ir à frente dele. Ele olhou para trás e manteve-se mudo. Então o tenente, virando-se para mim, chamou "Nosso cabo!!, e mandou-me entrar. Fiz o exame na vez que me competia, fiquei apto, o outro a seguir também ficou e ele ficou inapto.
Esse militar europeu ficou tão aborrecido que, quando eu já estava em Bafatá, nunca me falou, nem os olhos dele me viam bem.
Cerca de uma semana depois da minha chegada a Bafatá um soldado europeu disse-me que eu tinha faltado ao serviço no dia anterior.
– Não consultaste a escala de serviço?
– Sim, claro que consultei!
– Então, por que faltaste?
Chegou o furriel e disse-me a mesma coisa, que eu tinha faltado ao serviço. Eu não sabia que tinha estado de serviço. Então ele disse-me que o acompanhasse ao gabinete do 1º sargento.
– Este é o cabo que faltou ontem, meu primeiro !
O nosso primeiro pegou em mim e levou-me ao gabinete do nosso major [1], o 2º comandante.
– Então, que se passa?
– O 1º cabo que faltou ao serviço, ontem, meu major!
– Onde foste, para faltar? – perguntou-me.
– Meu major, eu não sabia que um 1º cabo fazia serviço de soldado. Eu sou cabo para fazer reforço.
- Aqui os cabos africanos fazem reforço, meu major – cortou o nosso primeiro.
Então, o major virou-se para o 1º sargento:
– Ele tem razão ou não?
O 1º sargento queria voltar a explicar e o major mandou-nos sair, dizendo:
– Ele tem razão, é cabo, não é soldado!
No dia seguinte estive de cabo de guarda. Apresentei-me na parada, como deve ser, passados 5 dias fiquei de cabo de dia, correu tudo normal também. Até que, alguns dias depois, às 08h45 rendi o colega, um cabo europeu, na Ponte. Eram cerca de 10h00, estava eu a ajudar um rapaz a pescar, chegou um jipe com um cabo europeu para me render.
– O que terá acontecido? Por que entrei de serviço às 08h45 e às 10 aparece um colega para me render?
Tomei o lugar no jipe, algo preocupado. Quando cheguei, o sargento mandou-me entregar todos os materiais e disse-me para depois ir falar com ele. Entreguei o material e voltei, então, ao 1º sargento que me levou ao gabinete do nosso major. Aqui, o sargento retirou-se e eu fiquei só com o 2º comandante.
– Agora, passas a sair comigo e com o nosso comandante. Amanhã de manhã, às 07h30, estás aqui para irmos a Fajonquito.
A partir dessa data fiquei como guarda-costas e intérprete dos oficiais.
Uns dias depois, chegou um tenente miliciano, João Pereira da Cruz, que veio a ser o oficial de informações do Batalhão de Caçadores 1877, e passei a trabalhar com ele. Passados uns dias, o tenente foi promovido e acompanhei-o até ao fim da comissão dele Passámos os dois por situações difíceis de esquecer. E ficámos amigos até aos dias de hoje.
Cantacunda [tem 40 referências no nosso blogue, pertencia ao subsetor de Geba], a cerca de 13 kms a nordeste de Bafatá, foi atacada com grande violência ao início da madrugada de 11 de abril de 1968 [2]. Alguns militares [3] foram capturados pelo PAIGC [4]. No ataque morreu um cabo europeu [5], um milícia e um civil. A tabanca ficou a arder, toda destruída.
Em Bafatá ouvimos os rebentamentos. Logo pela manhã, uma coluna, comandada pelo capitão Cruz, pôs-se em movimento, em direcção a Cantacunda. Chegámos ao cruzamento do Geba, onde nos aguardava a companhia [6] de que os militares sequestrados faziam parte.
Continuámos a marcha até que vimos Cantacunda, num silêncio total, arrasada. Seguimos o rasto do PAIGC, vimos latas e garrafas vazias de todo o tipo de bebidas e fomos andando até que o capitão decidiu regressar ao aquartelamento e depois a Bafatá.
Às 21h00 do domingo, dia 8 de setembro do mesmo ano, o PAIGC atacou o aquartelamento de Sare Banda, na antiga estrada de Bafatá para Mansabá. Com os militares daquele destacamento da CArt 1690 vivia apenas um civil, já idoso. O ataque foi bem combinado, da mesma forma como tinham feito em Cantacunda.
Aproximaram-se e foram contornando o aquartelamento, dispondo as forças de maneira a tentarem fechar a saída para Bafatá e Geba. Deixaram uma única saída para o mato. O aquartelamento era rodeado por duas fiadas de arame farpado.
Quando acabaram de preparar o cerco abriram fogo cerrado. O ataque começou com um tiro de canhão [7] contra uma tenda onde estava um alferes [8] e um furriel com um petromax aceso, que tiveram morte imediata. O petromax do posto de comando apagou-se.
Às 21h00 do domingo, dia 8 de setembro do mesmo ano, o PAIGC atacou o aquartelamento de Sare Banda, na antiga estrada de Bafatá para Mansabá. Com os militares daquele destacamento da CArt 1690 vivia apenas um civil, já idoso. O ataque foi bem combinado, da mesma forma como tinham feito em Cantacunda.
Aproximaram-se e foram contornando o aquartelamento, dispondo as forças de maneira a tentarem fechar a saída para Bafatá e Geba. Deixaram uma única saída para o mato. O aquartelamento era rodeado por duas fiadas de arame farpado.
Quando acabaram de preparar o cerco abriram fogo cerrado. O ataque começou com um tiro de canhão [7] contra uma tenda onde estava um alferes [8] e um furriel com um petromax aceso, que tiveram morte imediata. O petromax do posto de comando apagou-se.
Animados com o ataque, os guerrilheiros, no meio da escuridão avançaram até à primeira fiada do arame, gritando “para Jobel, para Jobel!”. Era para aí, para Jobel que queriam que os atacados se dirigissem. Em Jobel estava o mais forte acampamento do PAIGC, em todo o sector de Bafatá. Depois de ultrapassarem a primeira fiada, atacaram a segunda, intensificando o fogo.
Quando a guerrilha começou a tocar na segunda fiada do arame farpado, começaram a acender-se luzes. Militares do aquartelamento estavam a acender algumas garrafas com petróleo que costumavam dependurar no arame farpado. Foi como um relâmpago que nunca mais se apagava. Surpreendidos já muito perto dos abrigos, alguns dos atacantes foram dizimados à queima-roupa [9]. Os sobreviventes fugiram como puderam abandonando o local de qualquer maneira, deixando corpos amarrados ao arame, alguns a gemerem até de manhã.
Este ataque também foi ouvido por nós em Bafatá. No dia seguinte saímos em coluna para Sare Banda. Depois de chegarmos, seguimos os rastos da retirada. No meio de sangue que fomos vendo, demos com duas sepulturas frescas, ainda acabadas de fazer.
O soldado Saliu Baldé [10] foi apresentado ao General Spínola como a “máquina defensiva” de Sare Banda, um dos heróis daquela noite. Mas todos os que lá ficaram a resistir foram heróis, menos o 1º cabo Bari que, ao que parece, fugiu, sempre a correr até ao Geba. Mais tarde disse que tinha saído do quartel para pedir reforços.
Quando a guerrilha começou a tocar na segunda fiada do arame farpado, começaram a acender-se luzes. Militares do aquartelamento estavam a acender algumas garrafas com petróleo que costumavam dependurar no arame farpado. Foi como um relâmpago que nunca mais se apagava. Surpreendidos já muito perto dos abrigos, alguns dos atacantes foram dizimados à queima-roupa [9]. Os sobreviventes fugiram como puderam abandonando o local de qualquer maneira, deixando corpos amarrados ao arame, alguns a gemerem até de manhã.
Este ataque também foi ouvido por nós em Bafatá. No dia seguinte saímos em coluna para Sare Banda. Depois de chegarmos, seguimos os rastos da retirada. No meio de sangue que fomos vendo, demos com duas sepulturas frescas, ainda acabadas de fazer.
O soldado Saliu Baldé [10] foi apresentado ao General Spínola como a “máquina defensiva” de Sare Banda, um dos heróis daquela noite. Mas todos os que lá ficaram a resistir foram heróis, menos o 1º cabo Bari que, ao que parece, fugiu, sempre a correr até ao Geba. Mais tarde disse que tinha saído do quartel para pedir reforços.
Os visitantes pensaram repetir, em Sare Banda, a vitória que tinham tido em Cantacunda, mas tiveram uma derrota inesquecível. E para os prisioneiros de Cantacunda, a derrota não foi definitiva. Dois anos passados, foram libertados da prisão de Conackry, pelas nossas tropas que foram lá abrir-lhes as portas para regressaram às suas famílias [na sequência da Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970] . Sorte que não tiveram os que morreram em Cantacunda e em Sare Banda.
O pelotão que tinha recebido as instruções para a defensiva, em Sare Banda, aplicou-as bem e ganharam. É por isso mesmo que temos de saber aplicar as regras, de estabelecer um novo plano, e lembrarmo-nos que surpresa é só a primeira vez, à segunda já não é surpresa. Há que preparar um novo plano e cumpri-lo. E vai ser sempre assim, enquanto houver guerra. Por isso, eu disse atrás, que a guerra aumenta o conhecimento do homem, porque a guerra precisa sempre de novas artes para vencer e não ser vencido.
(Continua)
________
Notas do autor ou do editor VB:
[1] Nota do editor: Major Joaquim Ribeiro Simões?
[2] Nota do editor: 5ª feira Santa.
[3] Nota do editor: um dos militares capturados, o Soldado cozinheiro Luís dos Santos Marques, morreu no cativeiro em Conakry. Os outros dez foram libertados, aquando da operação “Mar Verde”. Um outro, Luís Francisco da Silva, radiotelegrafista, passou-se para o PAIGC e nunca mais foi visto desde que chegaram à prisão.
[4] Nota do editor: Furriel miliciano José Neto Vaz, comandante interino do destacamento; primeiros-cabos José Manuel Moreira Duarte e José da Silva Morais; soldados António Ângelo Duarte, Armindo Correia Paulino, David Nóbrega Gouveia Pedras, Domingos Noversa da Costa, Francisco Gomes da Silva, João da Costa Sousa, José dos Santos Teixeira, Luís Salvador Antunes de Almeida Vieira, Luís dos Santos Marques e Luís Francisco da Silva, radiotelegrafista.
[5] Nota do editor: 1º Cabo João Aguiar, morto à facada à saída do abrigo.
[6] Nota do editor: CArt 1690
[7] Nota do editor: o relatório do ataque diz:
[1] Nota do editor: Major Joaquim Ribeiro Simões?
[2] Nota do editor: 5ª feira Santa.
[3] Nota do editor: um dos militares capturados, o Soldado cozinheiro Luís dos Santos Marques, morreu no cativeiro em Conakry. Os outros dez foram libertados, aquando da operação “Mar Verde”. Um outro, Luís Francisco da Silva, radiotelegrafista, passou-se para o PAIGC e nunca mais foi visto desde que chegaram à prisão.
[4] Nota do editor: Furriel miliciano José Neto Vaz, comandante interino do destacamento; primeiros-cabos José Manuel Moreira Duarte e José da Silva Morais; soldados António Ângelo Duarte, Armindo Correia Paulino, David Nóbrega Gouveia Pedras, Domingos Noversa da Costa, Francisco Gomes da Silva, João da Costa Sousa, José dos Santos Teixeira, Luís Salvador Antunes de Almeida Vieira, Luís dos Santos Marques e Luís Francisco da Silva, radiotelegrafista.
[5] Nota do editor: 1º Cabo João Aguiar, morto à facada à saída do abrigo.
[6] Nota do editor: CArt 1690
[7] Nota do editor: o relatório do ataque diz:
“O ataque iniciado com um tiro de canhão s/recuo e dois LGF, dirigidos contra a cantina e depósitos de géneros, atingiram mortalmente o alferes, comandante do destacamento, e um furriel e provocaram ferimentos num soldado. Estes tiros iniciais do IN atingiram e destruíram o mastro da antena horizontal do rádio, ficando assim o destacamento com as comunicações cortadas com toda a rede de Geba.
"No seguimento da acção o IN atingiu com uma granada incendiária uma barraca coberta por 2 panos de lona de viaturas pesadas, onde costumavam dormir vários elementos das NT por não caberem todos nos abrigos, o que provocou a destruição de todo o material lá existente e a iluminação das posições das NT.”
Mais à frente, lê-se no mesmo relatório:
“Refira-se ainda que o facto do destacamento de Sare Banda ter ficado sem comunicações, logo no início do ataque, permitiu que Geba só tivesse conhecimento do sucedido cerca das 09H0209SET68, através de 2 praças do destacamento que haviam vindo a pé voluntariamente comunicar a ocorrência.”
[8] Nota do editor: Alferes Carlos Alberto Trindade Peixoto e Furriel Raul Canadas Ferreira.
[9] Nota do editor:
[8] Nota do editor: Alferes Carlos Alberto Trindade Peixoto e Furriel Raul Canadas Ferreira.
[9] Nota do editor:
“O destacamento era comandado pelo Alferes Carlos Alberto Trindade Peixoto, sendo eu próprio, alferes António Moreira, nessa altura, Comandante da CArt 1690. O aquartelamento tinha sido construído no mês anterior, em Agosto de 1968, pelo meu grupo de combate, reforçado com granadeiros e auto-metralhadoras do Esquadrão de Cavalaria 2350 de Bafatá e elementos de Engenharia, sob o meu comando directo. Construímos seis abrigos subterrâneos, com 2 fiadas de arame farpado, a interior armadilhada.
"Fui ali visitado pelo General Spínola, que me forneceu, em menos de uma semana, todo o material de guerra e de logística que lhe solicitei. No edifício do comando, numa palhota no centro do destacamento, onde tínhamos os aparelhos de rádio e a cantina estavam o Alferes, dois furriéis e dois ou três soldados a petiscarem, com o petromax aceso. O primeiro tiro foi uma canhoada, directa a esta luz, que, de imediato, fulminou o Alferes Peixoto, sendo o Furriel Raul Canadas Ferreira atingido mortalmente com vários estilhaços que lhe cortaram a veia jugular. Veio a falecer cerca das quatro horas da manhã do dia seguinte, completamente esvaído em sangue, nos meus braços e de dois guarda-costas meus.
"Quem dirigiu a reacção ao ataque, na sequência da baixa do alferes, do furriel Canadas e do outro furriel, que ficou em pânico e se meteu num abrigo até ao fim, foi um cabo pára-quedista, chamado António da Costa Pacheco, que tinha sido colocado na CArt 1690, por castigo, em substituição de outro, caído em combate. Este pára era um excelente operacional e foi ele quem me foi chamar à sede da Companhia, onde chegou às 3 horas, de 09Set68, a pedir socorro. Fez o percurso sozinho, a pé, percorrendo cerca de 14 quilómetros, pela picada, até Geba. Fui eu próprio quem o propôs para uma Cruz de Guerra.
"Reuni de imediato uma força de cerca de 40 a 50 homens que avançou, sob o meu comando, para Sare Banda, que alcançámos pelas 4 horas. Pelas 5 horas, ao raiar da aurora, iniciamos um reconhecimento à volta do quartel, por fora do arame farpado. Encontramos dois cadáveres de guerrilheiros e um terceiro com as pernas esfaceladas, que ao ver-nos aproximar, ainda tentou empunhar uma G-3 e varrer-nos com uma rajada, a mim e aos dois guarda-costas, que me ladeavam. De imediato um destes meus guarda-costas, um madeirense de nome Jaime, disparou-lhe uma rajada que lhe cortou a cavidade craniana em 2 faces, deixando-o com “os miolos” à vista e a fumegar.
"Este guerrilheiro era o enfermeiro e possuía uma excelente bolsa de medicamentos, muito mais moderna e sofisticada que as nossas, de origem chinesa, e a arma que empunhava, a G3, pertencia à nossa Companhia, que tinha sido retirada do cadáver do Alferes Fernando da Costa Fernandes, no dia 18 Dezembro de 1967, durante o ataque a Sinchã Jobel.
"A coluna que veio de Bafatá e alcançou Sare Banda, era comandada pelo Major de Cavalaria Vergas Rocha, e chegou a este destacamento cerca das 08h30. O PAIGC sofreu aqui um forte revés, pois encontrámos rastos de sangue, o que denota que tiveram várias baixas que ainda recuperaram, à excepção daquelas três que não conseguiram.
"De iluminação, possuíamos apenas umas garrafas de cerveja vazias, com petróleo, dependuradas no arame farpado, com uma torcida de pano acesa a improvisar um candeeiro. Quando se iniciou o ataque, mal vimos rebentar o primeiro tiro de canhão, apagámos o petromax do edifício do comando, e acenderam-se, momentos depois, algumas das tais garrafas de cerveja, no interior dos abrigos e no abrigo do morteiro 81, para orientar o tiro.”
Depoimento escrito por António Moreira, Alferes miliciano na CART 1690 durante os 23 meses de comissão na Guiné. Foi o único alferes que cumpriu a totalidade do tempo de comissão. Dos outros, três foram feridos e dois morreram em combate. Após regressar da Guiné, António Moreira licenciou-se em Direito e é, há muitos anos, advogado com escritório em Torres Vedras.
[10] Nota do editor: Saliu Baldé tinha sido ligeiramente ferido e o General levou-o no helicóptero para Bafatá. Depois de recuperado foi para o grupo do Marcelino da Mata. Posteriormente foi condecorado com a Cruz de Guerra de 3ª classe.
[10] Nota do editor: Saliu Baldé tinha sido ligeiramente ferido e o General levou-o no helicóptero para Bafatá. Depois de recuperado foi para o grupo do Marcelino da Mata. Posteriormente foi condecorado com a Cruz de Guerra de 3ª classe.
[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Subtítulo / Parênteses retos com notas: LG]
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 23 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24091: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XX: Bigene, a última saída do Gr Comandos "Os Centuriões" (Op Virgínia, fronteira com o Senegal, 24-25 de abril de 1966) (Op Vamp)
Guiné 61/74 - P24130: Prova de vida (7): A. Marques Lopes (ex-alf mil, CART 1690, Geba, e CCÇ 3, Barro, 1967/69), o hoje cor inf ref, DFA, que não esquece o duelo de morte com a professora de Samba Culo, em 7 de julho de 1967
Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Geba > CART 1690 (1967/69) > O A. Marques Lopes em 1967, com duas beldades locais. Em 21 de Agosto de 1967, seria ferido com gravidade na estrada de Geba para Banjara na sequência da explosão de uma mina A/C e, uma semana depois, evacuado para o HMP, em Lisboa. Voltou ao CTIG , em Maio de 1968, para acabar a sua comissão, tendo sido colocado então CCAÇ 3, em Barro.
Fez ontem mais um aninho, já fizemos um oferenda ao irã do poilão da nossa tabanca para que ele o proteja e o ajude conservar-se entre nós por mais uns aninhos, pelo menos até aos 100, que é uma idade bonita para a gente arrumar as botas e... o computador (!) e fazer as pazes com o mundo.(*)
Homem da escrita, publicou com grande sucesso um livro notável com as suas memórias da juventude. Satisfaz-nos saber que já chegou ao Brasil: "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", foi publicado em 2015, sob a chancela da Chiado Editora (hoje Chiado Books), e sob o pseudónimo João Gaspar Carrasqueira. Tem 582 pp., que se devoram num ápice.
Já lhe mandámos os parabéns e um abraço fraterno, com votos de melhoras: como muitos de nós, lá vai lidando com as suas mazelas (fez uma cirurgia ao estômago, de que está recuperar), mas garantiu-me, ao telefone, que tem ganas de chegar aos 100. Continua a trabalhar as suas memórias da Guiné, terra que o continua a fascinar.
A propósito corre-nos relembrar a história da professora de Samba Culo. O nosso amigo e camarada A. Marques Lopes, alf mil da CART 1690 (Geba, 1967/68) estava no sítio errado, em Samba Culo, em 7 de julho de 1967, uma sexta-feira. Tal como a jovem professora, da "barraca" de Samba Culo. que morreu nesse dia com uma rajada de G3.
(...) Na Op Inquietar II conseguiu-se o objectivo: a base de Samba Culo foi mesmo destruída... Mas há coisas que não vêm relatadas: diz o relator que "junto à base de patrulhas pelas 14h20, um grupo IN que seguia em coluna por um trilho, detectou as NT abrindo fogo e tendo ferido um soldado, pondo-se em fuga pela reacção das NT. Pelas 14h45 saiu um grupo de combate em patrulhamento ao longo do Rio Canjambari e regressou sem contacto".
2. Ontem também foi dia de fazer "prova de vida" (**)...O mesmo é dizer, de lembrar e de saudar o aniversariante, agora mais ausente do nosso blogye. Como ele faz sempre anos no Dia Internacional da Mulher, a 8 de março, também não podíamos deixar de evocar esta efeméride...
Com discrição, mas não sem emoção, temos falado aqui sobre o papel da mulher, na Guiné e na nossa terra, no tempo da guerra do ultramar / guerra colonial. Honra-nos a presença, na Tabanca Grande, de alguns dessas mulheres, camaradas, muito poucas, e companheiras e amigas, algumas mais.
Muito em particular, não podemos deixar de evocar o papel pioneiro das nossas camaradas enfermeiras paraquedistas, para quem temos sempre uma dívida de enorme gratidão. Na realidade, foram as as únicas camaradas de armas, no feminino, que tivemos. (Isto, sem esquecer as outras umlheres, "paisanas", que ficaram na nossa retaguarda e que nos apoiaram, de uma maneira ou de outra: mães, esposas, noivas, irmãs, amigas, namoradas, colegas, madrinhas de guerra e, por que não ?!, senhoras do Movimento Nacional Feminino).
Mas, no caso do inimigo de há meio século atrás, também não podemos deixar de lembrar aquelas que foram não só enfermeiras, como também professoras e até combatentes nas suas fileiras. Do lado do PAIGC, houve por certo mulheres que lutaram, mataram e morreram nesta guerra. Não sabemos quantas, não temos estatísticas,
A propósito corre-nos relembrar a história da professora de Samba Culo. O nosso amigo e camarada A. Marques Lopes, alf mil da CART 1690 (Geba, 1967/68) estava no sítio errado, em Samba Culo, em 7 de julho de 1967, uma sexta-feira. Tal como a jovem professora, da "barraca" de Samba Culo. que morreu nesse dia com uma rajada de G3.
Foi um duelo de morte, coisa que era raro acontecer naquela guerra de guerrilha e contraguerrilha. O A. Marques Lopes foi mais rápido a puxar pelo gatilho. Mas a morte da professora marcou-o, para o resto da vida, como ele nos confessou, aqui no blogue (***). E como transparece no seu livro de memórias, em que conta a história de vida do seu "alter ego", o António Aiveca. Essa pungente história de Samba Culo pode ser lida nas páginas 391 e ss. (os nomes são fictícios):
(...) Quando avançaram todos rapidamente, quase em corrifa, Aiveca e os seus entraram de rompante na barraca. Os do Lindolfo, do outrro lado, já tinham começado às rajadas. Viu logo que era uma escola. Uma rapariga que estava ao pé do quadro, tirava uma kalashnikov que estava lá pendurada . Levantou a mão esquerda ao alto para ninguém disparar.
- "Tá quieta! Firma lá!", gritou-lhe.
Mas ela não. Com a arma já empunhada meteu o dedo no gatilho. Disparou instintivamente. Ela caiu para trás e as balas da kalash furaram o capim do tecto.
Ficou extático de olhos esbugalhados fixados nela. A cabeça escaldava-lhe e o coração parecia querer soltar-se. Os soldados puseram-se à volta dela a observar e comentar. A sua rajada acertara-lhe na barriga e no peito. Era bonita e devia ter vinte e poucos anos.
(...) Veio a si quando ouviu a confusão ao lado. Os soldados à volta da rapariga morta, uns riam-se desabridamente, outros gritavam. Levantou-se e chegou-se a eles. O que viu quase lhe fez sair os olhos das órbitas. O Cosme estva em cima da rapariga puxando-lhe a saia para cima e com a mão já nas cuecas. Atirou-se a ele.
- "Eu dou cabo de ti, grande cabrão!" (...)
(...) (pp. 391/393).
Capa do livro "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo do nosso camarada A. Marques Lopes) (Lisboa, Chiado Editora, 2015, 582 pp. ISBN: 978-989-51-3510-3, Colecção: Bíos, Género: Biografia).
3. Trinta anos depois, em 2008, o A. Marques Lopes (cor inf ref, DFA) voltou lá, a Samba Culo, na margem esquerda do Rio Canjambari, no antigo regulado de Banjara, para fazer contas com os fantasmas do passado. E deixa-nos, em prosa poética, um texto que é revelador dos valores e princípios de um grande ser humano e de um militar português com sentido de honra e consciência moral.
Há muito que elegemos esta história como uma das melhores, já aqui publicadas, no nosso blogue. A maioria dos nossos leitores, mais recentes, não a conhece, nomeadamente nesta versão em prosa poética (***). Não voltamos a reproduzi-la, mas a título de prova de vida do seu autor, vamos recordar as circunstâncias em que decorreu o "duelo de morte" entre o A. Marques Lopes (que comandava um Gr Comb da CART 1690, no decurso da Op Inquietar II, 4-7 de julho de 1967) e a professora de Samba Culo.
(...) Na Op Inquietar II conseguiu-se o objectivo: a base de Samba Culo foi mesmo destruída... Mas há coisas que não vêm relatadas: diz o relator que "junto à base de patrulhas pelas 14h20, um grupo IN que seguia em coluna por um trilho, detectou as NT abrindo fogo e tendo ferido um soldado, pondo-se em fuga pela reacção das NT. Pelas 14h45 saiu um grupo de combate em patrulhamento ao longo do Rio Canjambari e regressou sem contacto".
Não foi assim. O que sucedeu foi o seguinte: o IN encostou-nos ao Rio Camjambari, não podendo nós cambá-lo, porque era muito fundo, nem podendo dali sair porque estávamos cercados. O comandante da operação disse-me:
- Ó Lopes, a minha companhia já está aqui instalada, por isso, você, que tem um grupo autónomo, vá ver se consegue furar o cerco.
E lá fui, não só uma mas duas vezes, sem sucesso. Na segunda vez, fiquei sob fogo cruzado do PAIGC e da companhia do comandante, tendo um soldado meu levado um tiro nas costas, dado pelos dos nossos.
Quando o comandante me disse, pela terceira vez, para tentar furar o cerco, disse-lhe que não ia. Que chamasse os T6, o que ele acabou por fazer, e foi assim que dali saímos. Mas o que mais me impressionou nesta operação foi o seguinte: Samba Culo tinha uma escola; quando lá chegámos, vi escrito no quadro preto, em perfeito português: "Um vaso de flores". Tinha desenhado, a giz, por baixo, um vaso de flores.
E o que nunca mais esquecerei na minha vida: quando atacámos a base, uma jovem dos seus 18 anos ficou com a barriga aberta por uma rajada de G3. E mais (coisas terríveis desta guerra!): o "Bigodes", o Armindo Correia Paulino (que foi, depois, feito prisioneiro pelo PAIGC e que acabou por morrer em Conacri), quis saltar para cima dela. Tive que lhe bater.
Quando o comandante me disse, pela terceira vez, para tentar furar o cerco, disse-lhe que não ia. Que chamasse os T6, o que ele acabou por fazer, e foi assim que dali saímos. Mas o que mais me impressionou nesta operação foi o seguinte: Samba Culo tinha uma escola; quando lá chegámos, vi escrito no quadro preto, em perfeito português: "Um vaso de flores". Tinha desenhado, a giz, por baixo, um vaso de flores.
E o que nunca mais esquecerei na minha vida: quando atacámos a base, uma jovem dos seus 18 anos ficou com a barriga aberta por uma rajada de G3. E mais (coisas terríveis desta guerra!): o "Bigodes", o Armindo Correia Paulino (que foi, depois, feito prisioneiro pelo PAIGC e que acabou por morrer em Conacri), quis saltar para cima dela. Tive que lhe bater.
Esta é uma situação que nunca me sai do pensamento... e da minha consciência. Tinham muitos livros em português, que era o que estavam a ensinar aos alunos (miúdos ou graúdos?). Trouxemos também (imaginem!) uns paramentos completos de um padre católico! Lembranças que se me pegaram para toda a vida. (...) (****)
[Seleção / Revisão e fixação de texto / Itálicos / Negritos: LG]
Guiné > Região do Oio > Carta de Farim (1954) (Escala 1/50 mil) > Detalhe > Posição relativa de Samba Culo, na margem esquerda do Rio Canjambari, a sudoeste de Canjambari, afluente do rio Farim, e aonde havia, em 1967, uma "barraca" do PAIGC, com uma escola.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 8 de março de 2023 > Guiné 61/74 - P24127: Parabéns a você (2150): Cor Art DFA Ref António Marques Lopes, ex-Alf Mil Art da CART 1690/BART 1914 (Geba, Banjara e Cantacunda, 1967/69)
(**) Último poste a série > 15 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23785: Prova de vida (6): Nem todos os balantas eram... "turras" (Manuel Joaquim, ex-fur mil arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67)
(***) Vd,. postes de:
8 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11215: Blogpoesia (327): In Memoriam: A professora de Samba Culo, morta em 7/7/1967, de Kalash na mão (A. Marques Lopes)
29 de novembro de 2005 > Guiné 63/74 - P301: A professora de Samba Culo (A. Marques Lopes)
(****) Vd. poste de 7 de junho de 2005 > Guiné 63/74 - P49: Samba Culo II (Marques Lopes)
quarta-feira, 8 de março de 2023
Guiné 61/74 - P24129: Historiografia da presença portuguesa em África (358): "Notas Sobre o Tráfico Português de Escravos", por António Carreira, 2.ª edição revista; Universidade Nova de Lisboa, 1983 (1) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Junho de 2022:
Queridos amigos,
É inegável que a historiografia sobre a Guiné portuguesa tem uma enorme dívida com o António Carreira. Aqui se faz jus a um trabalho pioneiro sobre o comércio negreiro na costa ocidental africana, Carreira era homem de arquivos, deplora frontalmente a negligência dos investigadores no estudo do tráfico português de escravos. Felizmente que todo este acervo documental passou a ser muito mais escrutinado nas últimas décadas, todo este fenómeno socioeconómico cultural começa a esclarecer-se. A narrativa de Carreira é profundamente didática, tem o mérito de poder ser acompanhada por iniciados e leigos, verifica-se que é um trabalho altamente fundamentado e cumpre o desejo do autor: abre imensas portas a quem queira investigar o papel dos portugueses no tráfico de escravos.
Um abraço do
Mário
Notas sobre a escravização, a pensar sobretudo na Senegâmbia (1)
Mário Beja Santos
O livro "Notas Sobre o Tráfico Português de Escravos", por António Carreira, 2.ª edição revista, Universidade Nova de Lisboa, 1983, é obra pioneira. Estava esgotada a edição de 1977, havia muitas solicitações, as investigações sobre o comércio negreiro estavam em alta. Carreira adianta explicações: “Concordámos com a ideia da reedição até porque durante os últimos meses voltámos a frequentar com assiduidade os Arquivos Históricos do Ministério das Finanças e Ultramarino, fazendo pesquisas nos livros de contabilidade das Companhias monopolistas do século XVIII com vista a detetar novos elementos sobre o tráfico negreiro e o comércio em geral nas áreas de Cabo Verde, Cacheu, Bissau, Angola, Pernambuco, Maranhão e Pará (…) Por duas razões insistimos na análise do tráfico português: chamada de atenção dos estudiosos deste País para a necessidade de se ocuparem em trabalhos de investigação arquivística, para o que fornecemos pistas; tentativa de anular a alergia que eles têm manifestado a respeito do tema”.
O investigador abre as suas considerações enfatizando a dívida com que o continente americano ficou com o escravo africano, sem este imigrante forçado teria sido inviável a cultura da cana sacarina, o cultivo do fumo, o apanho das drogas do sertão, a criação extensiva de gado, a extração de ouro e pedras preciosas. A situação do comércio negreiro só conhecerá profunda alteração com a Imigração branca iniciada no século XIX. E adianta também: ”Não foi apenas na América e em África que se sentiram os efeitos da grande imigração forçada de povos africanos e que ficou mais conhecida como tráfico de escravos. Este tipo de migrações transformou a economia de muitas nações europeias, em especial a da Inglaterra, a da França, a da Holanda, a da Espanha, a de Portugal, e outras. No final do século XVIII, só na Inglaterra existiam mais de 14 mil escravos negros. A América cultivava o algodão, utilizando para o efeito o escravo africano, e a Inglaterra industrializava-o, produzindo os tecidos de exportação. Tudo irá mudar com a independência dos EUA, houve que procurar noutras áreas as matérias-primas, e Inglaterra decidiu coartar o fornecimento de mão de obra escrava à América do Norte e a outros países que se lhe opunham como concorrentes ao comércio africano”. Iniciava-se a campanha abolicionista, mas a ilegalização do sistema da escravização, em termos que não foram absolutamente práticos só foi alcançada no final do século XIX.
Carreira dá conta da vastidão do seu trabalho: “Dobrado o Cabo Bojador, a área conhecida por Guiné passou a ter enorme extensão: abrangia a faixa de território que, a partir da foz do rio Senegal, se estendia até ao rio Orange! Depois, quando se conheceu melhor a costa, foi encurtada, limitando-se ao setor do rio Senegal até à Serra Leoa, espaço da capitania de Cabo Verde.” Para baixo temos a Costa da Mina, indo até à Costa de Angola, abrangendo os chamados reinos de Loango, Sonho, Cabinda, Congo, Angola e Benguela.
Debruça-se Carreira sobre as motivações do Infante D. Henrique, a literatura de viagens, a captura de negros, mas o tráfico autêntico ainda não se organizara, a Coroa não possuía organização adequada, confiou a exploração do negócio a particulares, logo Fernão Gomes, em 1468, ele podia resgatar escravos com exceção da terra firme defronte das ilhas de Cabo Verde e do castelo de Arguim. É um período em que surgirão muitas desinteligências com os moradores Santiago, com transgressões ao estipulado pela Coroa. Aumentarão os conflitos entre os negociantes de escravos e as populações africanas, a Coroa tomou decisões: proibiu expressamente as operações de razia e captura de negros, impondo a prática da compra, por permuta por vestuário, manilhas de latão, missangas, contaria, etc., assim como por animais domésticos, isto dentro de uma lógica das preferências dos mercados africanos. E sintetiza Carreira:
“Podemos, em resumo, e baseados em textos portugueses dos séculos XVI e XVII, determinar os principais processos usados na obtenção de escravos:
1. Os prisioneiros de guerra e os capturados nas frequentes operações de razia.
2. Os aprisionados nas lutas travadas entre classes sociais ou profissionais (corporações de ofícios nos Mandingas), de uma mesma etnia e também os resultantes da imposição de credos religiosos.
3. Os condenados por decisões de régulos à pena de morte, e a seguir comutada pela de escravização.
4. Os condenados por decisões proferidas através de ordálios a serem vendidos e a suas famílias como escravos.
5. Os vendidos pelas famílias e os que se vendiam a si mesmos e aos seus familiares nas épocas de fome ou calamidade, etc., etc.”
Dá-nos seguidamente o role dos sistemas de exploração entre o século XV e o século XVII, refere alguns dos principais contratos de arrendamento e nomes dos contratadores, num arco geográfico entre os rios da Guiné e Angola. O comércio da Guiné no século XVI foi o primeiro, destinava-se sobretudo a terras brasileiras. O autor dá-nos a relação do tráfico africano para a Baía em vários ciclos, a concorrência estrangeira, como a dominação espanhola afetou profundamente o comércio português, e dá-nos conta das suas investigações: “Através de números compilados dos livros de registos alfandegários, de relatórios e de correspondência oficial endereçada a Lisboa, e ainda das estatísticas organizadas em algumas áreas do Brasil, podemos ter uma ideia, embora incompleta, da evolução do tráfico de escravos na costa ocidental africana. Há falta de dados durantes longos períodos e temos de ter em linha de conta o contrabando de escravos em todos os setores, parece situar-se numa ordem de grandeza aproximada entre 40-50% do total de saídas registadas na documentação oficial.” Interessa-nos aqui referir a região da Senegâmbia, área compreendida entre a foz do rio Senegal e o limite sul da Serra Leoa, englobando as ilhas de Cabo Verde, das quais a de Santiago teve durante mais de um século a função de depósito ou entreposto de escravos destinados à exportação. Na segunda metade do século XV faz-se referência a uma média anual de 700 a 800 escravos destinados à Península Ibérica e a mercados árabes. Nas primeiras décadas de 1500, o tráfico passou a processar-se mais a sul, entre o rio Senegal e a Serra Leoa, são analisados os contratos de arrendamento. E em meados dos século XVIII surgem as companhias majestáticas do comércio em geral e a do tráfico de escravos.
(continua)
O comércio negreiro feito pelos árabes, os antecessores dos europeus
Livro importante para o estudo do tráfico negreiro árabe-muçulmano
Pintura do francês Jean-Baptiste Debret, 1826, retrata escravos no Brasil
____________Nota do editor
Último poste da série de 1 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24111: Historiografia da presença portuguesa em África (357): História das Ilhas de Cabo Verde e “Rios de Guiné” (séculos XVII e XVIII), por António Carreira; Edição do Autor, 1983 (Mário Beja Santos)
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Guiné 61/74 - P24128: S(C)em Comentários (6): Penso que Salazar sabia que não era com homens e armas que ganhávamos aquela guerra (António Rosinha)
Angola > 1961 > Desfile de tropas > O Rosinha, furriel miliciano aparece aqui em primeiro plano, assinalado com um X. Repare-se no tipo de armamento, obsoleto, das NT: pistola-metralhadora FBP, para os graduados; espingarda Mauser, para as praças, capacete de aço para todos; farda: caqui amarelo e polainas, como na Flandres...
1. Comentário do António Rosinha ao poste P24119 (*):
Antº Rosinha foi fur mil em Angola, 1961/62; e depois topógrafo da TECNIL, na Guiné-Bissau, em 1979/93... Aqui, em Pombal, em 2007, no II Encontro Nacional da Tabanca Grande. Foto: LG (2007) |
Se começou tudo numa desordem total (1961), e sabemos que o fim foi um-deus-dará, como é que não devia ser um eterno improviso durante toda a guerra?
Nunca ninguém viu uma secção abandonada, sem Companhia, quer militarmente quer administrativamente?
Num posto isolado durante alguns meses, onde havia apenas dois pequenos comerciantes daqueles do mato, nem chefe de posto havia?!... Era e será hoje, esse lugar um autêntico cu de judas.
Após alguns meses abandonados, ou esquecidos, será este o melhor termo, esses oito ou nove rapazes, uns brancos outros mulatos, outros assim assim, em finais de 1961 em Angola no Quanza Norte, já não tinham farda nem botas ou sapatos militares em condições, remediavam-se com alguma roupa civil, sem qualquer transporte nem rádio, incomunicáveis portanto.
Tinham mausers, uma metralhadora e um morteiro e respectivas munições, estas com relativa fartura.
A alimentação, o furriel e um dos cabos (havia mais que um cabo) assinavam uns vales aos dois comerciantes que ali havia, e lá se resolveria um dia, esses vales era uma tradição angolana antes da guerra, não era muito estranho.
O ambiente psicológico é que já era explosivo, ao ponto de o furriel apanhar uma boleia de um camionista e foi bater à porta da companhia que os abandonou, mais de 40 Km, e requerer um médico.
Conheço esta história porque fui eu substituir esse furriel que, de facto, esse rapaz estava mesmo a "bater válvulas" como se dizia a quem precisava de psiquiatra.
Tive sorte de não ter de pegar em armas, ao contrário do que aqueles rapazes tinham sofrido nos meses anteriores, antes de serem esquecidos naquele lugar, e passados uns 3 meses por meios que seria um excesso relatar aqui, fomos passar o Natal a Luanda com tudo resolvido e mais ou menos prontos para esquecer.
Um daqueles cabos ainda antes do Covid reuníamos em almoço anual do Regimento de Luanda e nos lembramos do barril de 100 litros que deixámos em duas asnas, já meio vazio no hall de entrada da casa abandonada de comerciante, que nos servia de quartel.
Tive sorte nesta guerra, sem tiros, só na caça e só por obrigação, que detesto caçar.
Por mim ainda havia dinossauros e não se tinha colonizado ninguém, nem os romanos nos tinham colonizado.
Penso que Salazar sabia que não era com homens e armas que ganhávamos aquela guerra.(**)
5 de março de 2023 às 23:57
___________
Notas do editor:
Guiné 61/74 - P24127: Parabéns a você (2150): Cor Art DFA Ref António Marques Lopes, ex-Alf Mil Art da CART 1690/BART 1914 (Geba, Banjara e Cantacunda, 1967/69)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 5 de Março de 2023 > Guiné 61/74 - P24118: Parabéns a você (2149): Gil Moutinho, ex-Fur Mil Piloto DO e T6 da BA 12/FAP (Bissau, 1972/73)
Nota do editor
Último poste da série de 5 de Março de 2023 > Guiné 61/74 - P24118: Parabéns a você (2149): Gil Moutinho, ex-Fur Mil Piloto DO e T6 da BA 12/FAP (Bissau, 1972/73)
terça-feira, 7 de março de 2023
Guiné 61/74 - P24126: Tabanca Grande (546): António Figueiredo, ex-sold cond auto, CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67); natural de Sátão, Viseu, vive em São Domingos de Rana, Cascais; senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 873
O António Figueiredo, hoje e ontem... Senta-se, a partir de hoje,
no lugar nº 873, à sombra do poilão da Tabanca Grande.
Fotos (e legenda): © António Figueiredo (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Data - 06/03/2023, 16:02
Assunto - Pedido de Adesão ao Blogue Combatentes da Guiné
Conforme indicação do Amigo Crisóstomo, junto envio os seguintes elementos:
Duas fotografias, uma antiga (Guiné); a outra é a atual.
Chamo-me António de Almeida Figueiredo, sou natural de Satão, Viseu e resido em S. Domingos de Rana, Cascais.
Fui combatente na Guiné, incorporado no BII 19, CCAÇ 1439 , Funchal, desde 17 de Agosto de 1965 até 18 de Abril de 1967.
Tenho falado várias vezes sobre este tema com o Crisóstomo, que muito estimo e, apesar de só agora solicitar adesão ao blogue, reconheço a sua grande importância.
Na Guiné estive colocado, por mais ou menos tempo, em Bambadinca, Xime, Missirá, Enxalé e também com deslocações a Porto Gole, como condutor auto. Foi numa destas deslocações, em 21-8-1966 que tive a experiência real do risco constante, com a explosão de uma mina anticarro (**) que eu conduzia e em simultâneo sofremos uma grande emboscada que só terminou com o auxílio da Força Aérea. Felizmente não houve mortos mas houve vários feridos graves, incluindo o nosso médico. Na viatura destruída seguia ao meu lado o Alferes Crisóstomo.
Um abraço, António Figueiredo
Conforme indicação do Amigo Crisóstomo, junto envio os seguintes elementos:
Duas fotografias, uma antiga (Guiné); a outra é a atual.
Chamo-me António de Almeida Figueiredo, sou natural de Satão, Viseu e resido em S. Domingos de Rana, Cascais.
Fui combatente na Guiné, incorporado no BII 19, CCAÇ 1439 , Funchal, desde 17 de Agosto de 1965 até 18 de Abril de 1967.
Tenho falado várias vezes sobre este tema com o Crisóstomo, que muito estimo e, apesar de só agora solicitar adesão ao blogue, reconheço a sua grande importância.
Na Guiné estive colocado, por mais ou menos tempo, em Bambadinca, Xime, Missirá, Enxalé e também com deslocações a Porto Gole, como condutor auto. Foi numa destas deslocações, em 21-8-1966 que tive a experiência real do risco constante, com a explosão de uma mina anticarro (**) que eu conduzia e em simultâneo sofremos uma grande emboscada que só terminou com o auxílio da Força Aérea. Felizmente não houve mortos mas houve vários feridos graves, incluindo o nosso médico. Na viatura destruída seguia ao meu lado o Alferes Crisóstomo.
Um abraço, António Figueiredo
CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): tem 107 referências no nosso blogue. E além do João Crisóstomo e do Júlio Martins Pereira (1944-2022), passa a ter mais um representante na Tabanca Grande, o António Teixeira...
2. Mensagem do João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67):
Data - 06/03/2023, 21:53
Meus caros,
Quando pensava que já não valia a pena qualquer esforço meu para trazer mais alguém da CCaç 1439 para a nossa Tabanca, sucedeu o milagre: como o Figueiredo alegava não ser perito em coisas digitais eu pedi à esposa dele, a senhora Emília, que tinha apanhado o telefone quando chamei, que o ajudasse, uma vez que ele afirmava ter gosto em fazer parte do blogue.
Por ocasiões e experiências anteriores, eu sabia da simpatia e amabilidade da senhora Emília. Este feliz desenvolvimento deve-se a ela. Bem haja. Fico aguardando com antecipação o podermo-nos encontrar pessoalmente de novo para, em nome dos muitos que se regozijam pela entrada do Figueiredo na nossa Tabanca, lhe dar um beijinho de apreço e gratidão. É que este feliz desenlaço vai-me ainda dar a possibilidade de "explorar mais um pouco”: vou telefonar de novo ao Teixeira e outros, que também manifestaram boas intenções de um possível ingresso na Tabanca, na esperança de que o exemplo do Figueiredo sirva de inspiração e motivação...
Como ele menciona na sua apresentação, eu e o Figueiredo estamos de alguma maneira especialmente ligados na nossa experiência da Guiné (Vd. poste P22478, de 23 de Agosto de 2021) (**) por termos sido projectados pelos ares por uma mina em que houve muitos feridos, possivelmente mortos. E digo possivelmente mortos pois que dos vários que na altura foram evacuados de helicóptero para Bissau (incluindo o médico Francisco Pinho da Costa que tinha partido as pernas), de alguns deles nunca soubemos mais nada. A nós os dois, salvo o grande susto, não nos aconteceu nada.
Além das fotos agora recebidas, encontrei duas fotos feitas num encontro/convívio em 26 de maio de 2012, no restaurante Solar Verde Gaio, em Viseu, da CCaç 1439, Pel Caç Nat 52 e 54 e dois pelotões de morteiros 81 que foi organizado pelo Figueiredo.
Tenho uma pena enorme, muito grande mesmo, de já não os poder identificar todos. Com sinceras desculpas àqueles que cujos nomes não me lembro mais (é a tal “…” da idade!) não quero deixar de identificar os que ainda lembro bem (Foto nº 1)
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Foto nº 1 > Viseu > Restaurante Verde Gaio > 26 de maio de 2012 > Convívio do pessoal da CCAÇ 1439, organizado pelo António Figueiredo.
"Na linha da frente, na Foto nº 1, meio ajoelhados, da esquerda para a direita (entre parênteses o número de ordem atribuído pelos editores): furriel Farinha (já falecido) (1); alferes Freitas (Funchal) (2); o nosso novo tabanqueiro António Figueiredo (3): Pimentel (4), e outros dois cujos nomes me escapam (5 e 6)
Na segunda fila de pé, também da esquerda para a esquerda: furriel Neiva (7); furriel Teixeira (Faro) (8); alferes Sousa (V. N. Famalicão) (9); a seguir não lembro os nomes daqueles com os números 10, 12 e 14; eu sou o número 11 e o falecido furriel Octávio (dos autos) ocupa o penúltimo lugar (13)".
Foto nº 2 > Viseu > Restaurante Verde Gaio > 26 de maio de 2012 > Convívio do pessoal da CCAÇ 1439 (mais Pel Caç Nat 52 e 54) e dois pelotões de morteiros 81, um deles o Pel Mort 1028), organizado pelo António Figueiredo.
"Nesta segunda foto aparecem todos os participantes (penso eu), neste convívio. O reduzido número de participantes deve-se ao facto de as praças (soldados) da CCaç 1439 serem todos da Madeira".
Nota do editor LG: do restante pessoal (não pertencente à CCAÇ 1439), reconhecemos na primeira fila, na ponta esquerda, o nosso saudoso Jorge Rosales (1939-2019), o Manuel Calhandra Leitão, o "Mafra" (do Pel Mort 1028) (o nº 6 da segunda fila, a contar da direita para a esquerda), o Mário Beja Santos (do Pel Caç Nat 52, o penúltimo desta fila, ao lado do João Crisóstomo). O mais alto da terceira, fila, ao centro, é o Henrique Matos, que foi o primeiro comandante, em 1966/68, do Pel Caç Nat 52.
Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
3. Comentário do editor LG:
Antes de mais um grande abraço de boas vindas ao António Figueiredo, que se passa a sentar no lugar nº 873, e fica sob a protecção do nosso mágico, simbólico, fraterno poilão da Tabanca Grande, a mãe de todas as tabancas, a única em que todos nós, os antigos combatentes da Guiné, cabemos com tudo o que os une e até com aquilo que os pode separar (política, religião, futebol, etnia, armas, postos...).
De acordo com as nossas regras, como antigos camaradas de armas que fomos, tratamo-nos por tu. Já lá vai o tempo do antigo regime de "apartheid" que vigorava na tropa (e depois na Guiné), com as "três ordens (nobreza, clero e... povo)" devidamente segregadas, socioespacialmente falando...
Depois do João Crisóstomo e do saudoso Júlio Martins Pereira, tu és o terceiro elemento da CCAÇ 1439 a integrar a nossa Tabanca Grande. O que também é uma honra para todos nós, sabendo-se que a maior parte do pessoal era de origem madeirense e está muito provavelmente espalhado pelos quatro cantos do mundo, na diáspora lusófona.
O "Mafra", o Manuel Calhandra Leitão, que era do Pel Mort 1028, e esteve convosco, ao longo da comissão, também nos dá a honra da sua presença na Tabanca Grande. Somos uma comunidade virtual de antigos combatentes, que desde há 18 anos procura preservar e divulgar as suas memórias da Guiné. De 2006 até 2019, também realizámos encontros anuais (catorze ao todo). Foram interrompidos com a pandemia, vamos lá ver se conseguimos juntar forças para reeditar esta iniciativa. O último, o XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande realizou-se em Monte Real, Leiria, em 25 de Maio de 2019.
O teu nome, António Figueiredo, passa a figura na lista alfabética da Tabanca Grande, de A a Z, constante na "badana" (ou coluna estática) do blogue, do lado esquerdo. Dos nosso 873 (contigo) membros, já faleceram, infelizmente, cerca de 15% (132).
Podemos dizer que entras pela mão de um "padrinho", o João, a quem eu trato por mano e com quem falo com frequência, à distância. Ele nasceu perto de mim, em A-dos-Cunhados, Torres Vedras, eu sou do concelho vizinho, Lourinhã. Há muito, desde 1977, como sabes, que ele vive em Nova Iorque. Mas de vez em quando dá-nos o prazer da sua visita, dele e da sua querida Vilma. Pode ser que a gente, um dia destes, se encontre, aqui para os lados do Oeste, já que tu também não estás longe, vives em São Domingos de Rana, Cascais.
António, também nos podemos encontrar, em Algés, na Magnífica Tabanca da Linha, de que um dos cofundadores e grande animador foi o nosso Jorge Rosales, já falecido o ano passado (vd. foto nº 2). Costumamos anunciar, no nosso blogue, a realização dos convívios da Tabanca da Linha: vê aqui a págjna do Facebook. Há malta de São Domingos de Rana, que costuma aparecer. Os almoços-convívio realizam-se, em geral, de seis em seis semanas, às quintas-feiras, no restaurante A Caravela, D'Ouro, em Algés.
Parabéns à tua esposa Emília, que te ajudou a chegar até nós. Também estamos no Facebook, vê aqui a nossa página, Tabanca Grande Luís Graça. E, claro, parabéns ao teu "padrinho", João Crisóstomo, cuja dedicação ao nosso blogue eu tenho que aqui destacar e agradecer em público. Tomo a liberdade de citar aqui um excerto do mail que ele te mandou a ti e mais camaradas da CCAÇ 1439, convidando-vos, mais uma vez, a juntarem-se à nossa Tabanca Grande:
Além disso eu gostaria de não me sentir tão sozinho, mas antes ter o gosto de ver a nossa querida CCaç 1439 mais e melhor representada neste blogue que é sem dúvida o melhor meio de nos lembrarmos uns dos outros, de lembrarmos tudo o que passámos e vivemos na Guiné. " (...)
(*) Último poste da série > 26 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24098: Tabanca Grande (545): Corrigindo um lamentável lapso nosso, o José António Paradela (1937-2023) fica connosco, no lugar nº 872... pelo seu contributo para a memória da "Faina Maior"... Parafraseando o capitão Valdemar Aveiro, podemos perguntar: "daqui a uma geração, quem se vai lembrar disto, a guerra do ultramar / guerra colonial e a outra guerra, a da pesca do bacalhau"?!
(**) Vd. poste de 23 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22478: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte XII: Mina A/C em 21/8/1966, e violento ataque ao Enxalé em 9 de setembro
(...) Do rebentamento do engenho explosivo resultaram danos materiais e físicos:
(i) Destruição de uma viatura GMC;
(ii) Feridos das NT:
PS 1 - Já agora, António, sendo tu natural de Sátão, distrito de Viseu, sabes quantos conterrâneos teus morreram na guerra do ultramar / guerra colonial? Foram, dezassete, sendo quatro no TO da Guiné. Podes ver aqui os seus nomes.
PS 2 - Se quiseres que a gente te faça, no dia do teu aniversário, um "cartanito de parabéns", tens que nos indicar a tua data de nascimento (sabemos, pelo João, que vais fazer 80 aninhos no próximo daí 11 de novembro)... Comunica connosco, e manda mais fotos e algumas pequenas histórias.
PS 3 - Esqueci-me de te dizer que também andei, em 1969/71, pelos mesmos sítios onde tu e os teus camaradas da CCAÇ 1439 penaram: Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, entre outros...
___________
Notas do editor:
(i) Destruição de uma viatura GMC;
(ii) Feridos das NT:
- Alf Mil Médico Francisco Pinho da Costa, do BCAÇ 1888, evacuado
- 1º cabo 682 1364 José Manuel Afonso Ferreira, evacuado
- 1º cabo aux. enfer. 647 4664, Alexandrino Pestana F. Leitão
- 1º cabo 182 6865 Carlos Tibúrcio Nunes
- 1º cabo 7351565, José Luís Fernandes Martins
- Soldado condutor 8563364, António de Almeida Figueiredo
- Sold 22665 António Francisco Caneca de Oliveira
- Sold 651 7665 Álvaro de Sousa
- Sold 0483065 José Dionísio Vieira de Castro
- Sold 09/63 Nagna Chete, da 1ª CCaç
- Sold da Polícia Administrativa 241/64 , Buli Mané. (...)
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