sábado, 6 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25721: Os nossos seres, saberes e lazeres (635): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (160): Díspares modos de ver, mimoseio para um coração feliz – Reguengo Grande, Praia da Adraga, Ofélia Marques (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Fui ao baú buscar alguns instantâneos, explicavelmente associados a acasos felizes, um céu noturno, a quietude de uma praia caracterizada por mar revolto e assombrosos rochedos, uma exposição bem original do desenho de uma das nossas maiores artistas modernistas, Ofélia Marques. O que me deixa particularmente feliz, agora que caminho para a quarta idade, é recordar a estupefação que sempre senti pelas ilustrações de Ofélia, a graciosidade daquelas ternas juventudes, os apaziguamentos domésticos, a criança e os jogos; e depois os retratos dos adultos, da Ofélia omnipresente, e até daquela Ofélia que metia medo aos bons costumes, basta pensar que depois de Eduardo Viana ninguém se atrevia a exibir o corpo de uma mulher nua, mais a mais uma artista. Vale a pena ir conhecer esta Ofélia versátil e ensimesmada, uma menina grande, genial e provocadora.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (160):
Díspares modos de ver, mimoseio para um coração feliz – Reguengo Grande, Praia da Adraga, Ofélia Marques


Mário Beja Santos

Por excelência, a fotografia é uma arte do acaso, incluindo estados de alma, do tempo, e daquela multiplicidade de circunstâncias que nos faz sair da contemplação e querer intervir, congelar/fixar imagens de agrado ou de embevecimento. É uma leitura estrita, confesso, durante anos interroguei-me o que levara a minha mãe a chamar um fotógrafo profissional ao velório da minha avó materna para gravar cena tão lúgubre, nunca me passara pela cabeça ter uma fotografia da minha avó morta. A explicação materna parecia incluir uma reprimenda: “Estas fotografias são para África, a minha mãe tem lá os seus parentes, quer acredites quer não eles ficarão mais satisfeitos em vê-la tal como faleceu do que eu lhes mandar uma fotografia embonecada com uma citação bíblica, quando cresceres verás o que eu estou a dizer.” Tenho para mim que não me chegou ainda a hora desse entendimento, dou-me melhor com as alegrias de certas contemplações, ainda por cima hoje tudo é facilitado pela rapidez com que utilizamos a câmara – é o que se chama o feliz acaso.

É o anoitecer no lugar do Reguengo Grande, concelho da Lourinhã, onde me sinto tão prazenteiro a olhar a terra lavrada onde crescem abóboras, favas e batatas, com fruteiras de toda a parte (ah, a maçã reguengueira, a pera rocha…). Estamos no inverno, ainda há para ali um vestígio do fim do dia, será esmagado pela nuvem gigante portadora do negrume, dentro de minutos os contornos da colina em frente de minha casa apagar-se-ão, restam aquelas lâmpadas do casario, vigilantes pela noite fora. Como gosto de escutar, noite de inverno!
A praia da Adraga fica perto de Almoçageme, esta liga com Colares, descendo, e com o Pé da Serra e Atalaia, quem sobe, abre cainho para o Cabo da Roca, Malveira da Serra, Cascais e Estoril. À hora que cheguei nada daquele mar bravio que açoita esta costa atlântica e que faz tremer os banhistas até à Foz do Arelho. Muitos pintores se sentiram atraídos por este penhasco fendido, permite a imaginação que nos leve a supor que é um elefante a viajar nas águas ou casca de oliveira milenar; não, é uma erosão que vem de tempo antiquíssimos, é, acima de tudo, uma atração da praia, daí estas duas imagens, uma mais próxima a outra mais longe.
É dia de semana, ainda é inverno, andam por aqui alguns residentes e forasteiros; se aqueles rochedos esmagam ou assombram, não menos importante é a falésia com aquela florestação rasteira, tais e tantos são os açoites do vento; há muito por onde passear e no verão, nas certezas da vazante saltita-se entre pedregulhos e rochedos e a pequenada em férias faz castelos de areia. Como são diferentes estas praias tão próximas umas das outras, mesmo acobertadas por falésias e terrenos penhascosos, não há afinidades absolutas entre a praia das Maçãs, a Praia Grande ou a Adraga. Despeço-me chamando a atenção para o pormenor de que esta senhora de cabelo ruivo dá a impressão que vai caminhar para aquela imensa montanha mágica, com a neblina turva à sua volta.
A Fundação Arpad Szenes Vieira da Silva tem patente uma exposição até 2 de junho dedicada a uma escolha de retratos do vasto acervo desta importante artista modernista deposito na instituição, é curadora do evento uma especialista em Ofélia Marques, Emília Ferreira, hoje diretora do Museu de Arte Nacional Contemporânea.
Ofélia Marques é uma das grandes artistas modernistas que se impôs nas décadas de 1930 e 1940. Acolhida com muito agrado no desenho gráfico, em livros e revistas, tendo tido um papel dinâmico e inovador na revista Panorama, ao lado do marido, Bernardo Marques, não há nenhum exagero em dizer que ela faz parte daquele elenco onde se notabilizaram Sarah Afonso, Estrela Faria, Maria Adelaide Lima Cruz, Mily Possoz, Maria Keil, que no campo das artes plásticas do modernismo foram tratadas como figuras subalternas, como ilustradoras. Ofélia impôs-se em inúmeras exposições, que permitem o confronto da sua arte caleidoscópica onde há muito mais que gatos, criançada, flores, fitas, agulhas. Foi uma retratista exímia, o que esta exposição deixa ver, no seu geral, são desenhos muito à volta de ela mesmo, uma personalidade vincada que transcende a linha expressionista, o cuidado com a coisa mundana, pouco interessada em retratos de representação social e muito menos em arranjos decorativos. Retratando-se e retratando outrem, é como se o nosso olhar oscilasse entre um espelho e uma câmara fotográfica a interrogar a geografia interior destes seus retratos, na sua generalidade não saíram de um circuito privado.
O que verdadeiramente me apaixona no desenho de Ofélia é a ambivalência entre o dado formal e a sua pujança lírica; o formal prende-se com o arquétipo da criança ou do gato em ambiente doméstico; a pulsão lírica é nos dadas pelas tensões de uma certa irregularidade do traço, olharmos para muitos destes desenhos e intuir que há algo inacabado. E temos na exposição esta formidável galeria de autorretratos, mas cuidado com o que se vê nem sempre são retratos de Ofélia, são mais encontros dramáticos entre uma certa volúpia que ela pretende desenhar e a forma estilizada, onde não falta por vezes a provocação e um certo gosto pelo escândalo. Até então, só Eduardo Viana pintara a mulher nua, Ofélia pinta três.

E, por último, há esta ritualidades do desenhar imaginário, é como se a Ofélia mulher vive no eterno retorno da sua própria imagem de mulher dá-nos a frescura da criança, por vezes em posturas lânguidas, ela que era acusada por alguns mestres de pintura de ser preguiçosa. O poeta José Gomes Ferreira, que ela retratou, dirá dela que ninguém, entre os artistas do seu tempo pintou melhores retratos de crianças. Talvez tenha faltado neste comentário do grande poeta o aditamento daquelas crianças eram uma pura reminiscência da criança que ela gostaria de ter sido para sempre.
Beatriz Costa
José Gomes Ferreira
Ofélia dentro de Ofélia
A Ofélia adulta virada para uma criança
Um retrato em que Ofélia não está ausente, atenda-se àquele laçarote icónico
Ofélia tinha uma predileção de registar ambientes domésticos, intimidades da leitura, aqui é um jovem já bem crescida, nada de laçarotes e veja-se a provocação das saias curtas.

Gostei imenso da exposição, dê por onde der hei de voltar, estes desenhos que vêm agora à luz do dia a criteriosa escolha de Emília Ferreira fazem-me considerar Ofélia Marques a detentora da varinha mágica que transmudou o modernismo em Portugal.

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Nota do editor

Último post da série de 29 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25701: Os nossos seres, saberes e lazeres (634): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (159): Na vila realenga de Belas, no termo de Sintra, já houve Paço Real, estamos perto da Venda Seca - 2 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25720: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (1): O meu cruzeiro no N/M "Ana Mafalda": ficámos contentes por saber que era só até à Guiné, e não até Timor...


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor de Geba > CART 1690 (1967/68) > Cantacunda >  Abrigo... ou "bu...rako"



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Geba > CART 1690 (1967/69) > O A. Marques Lopes em 1967, com duas beldades locais. Em 21 de agosto de 1967, seria ferido com gravidade na estrada de Geba para Banjara na sequência da explosão de uma mina A/C e, uma semana depois, evacuado para o HMP, em Lisboa. Voltou ao CTIG, em Maio de 1968, para acabar a sua comissão, tendo sido colocado então na CCAÇ 3, em Barro.



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Geba > CART 1690 > 1967 > O Cap Art Manuel Carlos da Conceição Guimarães, então com 29 anos. Foi um dos 24 capitães mortos no TO da Guiné




Guiné > Região do Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 > Grupo Os Jagudis >  O ex-al mil  Marques  Lopes,   com o seu guarda-costa, balanta... "O meu guarda-costas chamava-se Bletche-Intete. Grande amigo. Um dia deu-me um grande empurrão durante um tiroteio... é que eu tinha-me virado de costas para o local de onde o IN estava a disparar (fiquei mal dos ouvidos desde que fui ferido em Geba)".


Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2005). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Viagem Porto-Bissau > Abril de 2006 > Percalços no deserto... e a solidarieade dos tuaregues... O Xico Allen, junto à traseira do jipe e o Hugo Costa, filho do Albano Costa, fazendo a cobertura fotográfica...

Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2006). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Bissau > Restaurante Colete Encarnado > 21 de Abril de 2006 > O nossso camarada e amigo,  coronel de infantaria DFA,  ref, A. Marques Lopes  (à direita), jantando com o "inimigo de ontem", comandante Lúcio Soares e o comandante Braima Dakar. 

Sobre este último acrescentou: "O Braima Dakar, nome de guerra de Braima Cama,  é outro comandante que esteve ligado à morte dos três majores no chão manjaco. Disse-me que se disseram muitas coisas sobre isso que não são verdade, que não queria falar, e não me contou nada" (...) (*) 

Foto (e legenda): © Xico Allen (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Lisboa > Jantar de Natal 2007 > Os quatro magníficos da CART 1690, todos eles alferes milicianos... 


(ii) em primeiro plano, está o António Moreira, à esquerda, e o António Marques Lopes, à direita

Os quatro fazem o pleno na Tabanca Grande em matéria de alferes milicianos de uma companhia: crieio que a CART 1690  é a única nessas condições... (Não temos notícias de nenhum deles há muito.)

Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2007). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. No dia em que o nosso camarada e amigo A. Marques Lopes (foto à esquerda) chega ao fim da picada da vida, ao km 80 (*), temos a obrigação de mostrar aos mais novos do blogue, os recém-chegados,  os "periquitos, alguns dos melhores postes por ele publicados, e pôr em evidência o seu exemplo de vida e de coragem.

Ele esteve particularmente presente, sempre ativo e proativo,  no arranque do blogue: um 1/5 dos postes de um total de 385 publicados em 2005,  foram da sua autoria ou têm o seu nome (A. Marques) como "descritor". 

Foi particularmente participativo, no nosso blogue, até ao ano de 2008. Em 2006, em abril, fez a sua *romagem de saudade" à Guiné-Bissau, de jipe  com mais meia dúzia de camaradas (entre eles, Albano Costa, o filho Hugo, o Xico Allen, e a filha, Inês), e assinou algumas das melhores crónicas da série "Do Porto a Bissau", com abundante documentação fotográfica, revisitando as estações do seu calvário...

O A. Marques Lopes que em 1975 , beneficiando do seu estatuto de DFA, aproveitou a legislação que lhe  iria permitir voltar á vida ativa militar, e fez a carreira chegando ao posto de coronel, foi dos nossos primeiros "tertulianos" a relatar e a documentar, com recurso  a um numeroso e valioso espólio fotográfico, as aventuras e desventuras dos milicianos na Guiné: no seu caso, primeiro como alf mil na CART 1690, no subsector de Geba, região de Bafatá, zona leste, onde foi gravemente ferido (com direito a evacuação para a metrópole), e depois (ainda mal recuperado ) no Cacheu, em Barro, junto à fronteira com o Senegal, na CCAÇ 3, onde foi obrigado a completar o resto da comissão (1967/68).

O A. Marques Lopes era um profundo conhecedor da Guiné e do PAIGC, mantendo com os seus antigos guerrilheiros e comandantes uma relação próxima, não hesitando por exemplo em sentar-se à mesa com eles e partilhar "confidências" do tempo da guerra (vd. foto acima com o comandante Gazela, nome de guerra do Lúcio Soares)...  

Depois pediu-nos uma "licença sabática," porque estava a escrever um livro e tinha outros afazeres, incluindo a sua intervenção cívica nas escolas, associações e autarquias, mostrando e explicando o dossiê guerra colonial, no âmbito da A25A - Delegação Norte, a que pertencia.

 Pelo meio, meteu-se o projecto da Tabanca de Matosinhos & Camaradas da Guiné, bem como da Associação Tabanca Pequena - Grupo de Amigos da Guiné Apoio e Cooperação ao Desenvolvimento Africano, de que foi o vice-presidente do Conselho de Administração.

Nado e criado em Lisboa, com costela alentejana (logo "mouro", sulista), vivia, há muito, disfarçado de "morcão", em Matosinhos...  Do seu segundo casamento, com uma nortenha, a Gena, teve um filho, o Francisco, que já terá os seus 30 anos. Tem ainda o Vasco, do primeiro casamento. Não falava muito da sua vida privada e familiar. Deixa-nos, entre outra produção literária, um grande livro de memórias, "Cabra Cega" (Lisboa, Chiado Books, 2015).

Dele guardo a grata memória de um grande homem, de fibra, de coragem, um bom amigo e camarada, que, mesmo na fase mais dramática da sua doença, era um otimista, um apaixonado pela vida. Costumava telefonar- lhe  no aniversário natalício.  O José Teixeira, seu vizinho, e que com ele conviveu e partilhou os projetos da Tabanca de Matosinhos, escreveu: 

"A sua grande vontade de viver fez com que travasse por longo tempo uma luta de vida. A sua esperança de recuperar era enorme. Dava gosto ouvir as suas palavras de esperança. Estava sempre bem e sobretudo bem-disposto. 'Estou aqui para a luta', dizia-me ele há dias. Desta vez a doença foi mais forte" (*)...

Pedi ao Zé Teixeira que nos representasse, a todos nós, Tabanca Grande, na hora da despedida. Para a esposa, Gena, e os filhos,  Vasco e Francisco, vai a nossa solidariedade na dor por esta perda enorme, para eles e para todos nós, seus amigos e camaradas. (LG)


T/T Ana Mafalda



O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024):

O meu cruzeiro no "Ana Mafalda":  ficámos contentes por saber
 que era só até à Guiné, e não até Timor...


Tinha 103 metros de comprimento e 14 metros de largura, em linguagem de pescador de canoa em água doce, e tinha uma velocidade máxima de 13,5 nós, isto é, em linguagem de velho motorista de fim-de-semana, dava no máximo 25 km por hora.

Tinha 16 alojamentos em primeira classe, 24 em segunda e 12 em terceira. Tinha 47 tripulantes (estou muito agradecido a um deles, um que me vendeu a máquina fotográfica com a qual tirei as fotografias que vocês conhecem). Alguns dos modernos "cacilheiros" que atravessam o rio Tejo não serão tão "grandes", mas aproximam-se.

Pois é verdade, meus amigos, foi neste transatlântico que a CART 1690 [Geba, 1967/69] largou do cais de Alcântara até à Guiné. Era a única unidade que lá ia, porque não cabia mesmo mais ninguém, penso eu.

Como alguns meses antes de embarcarmos nos tinham dito que íamos para Timor, ficámos satisfeitos por decidirem mandar-nos para a Guiné, pois pensámos que seria terrível ir num barco daqueles até à Oceânia...

Os alferes, sargentos e furriéis foram distribuídos pelos beliches dos "camarotes" de segunda e terceira classe. Em primeira classe ficou o capitão da companhia, o comandante do navio, o imediato, o oficial das máquinas, certamente, e uns mangas que se penduraram em nós à boleia, que eu não sei quem eram nem procurei saber.

O Zé Soldado, sempre o mais fodido nestas situações, foi para o porão onde estavam montados uns beliches de ferro com umas enxergas em cima, e onde casa de banho não havia.

Largámos às 12h00 do dia 8 de abril de 1967. Foi uma bela viagem, como devem calcular, com os baldes dos dejetos do porão a serem despejados borda fora de manhã e ao fim da tarde (ao menos haja regras). Mas os "despejos" começaram logo à saída da barra do Tejo. Eu, pessoalmente, nunca tinha chamado tantas vezes pelo Gregório.

Mas deixem-me contar o que aconteceu antes do embarque. No dia 3 de Abril houve a cerimónia de despedida, assim lhe chamaram, no RAC (Regimento de Artilharia de Costa) de Oeiras, que era onde estávamos à espera de embarque. Houve missa na parada celebrada pelo padre Nazário, perdão, o senhor major-capelão Nazário, que, ainda por cima tinha sido meu "superior" quando eu fiz a instrução primária nas Oficinas de S. José, em Lisboa!

Não fui à missa nem ouvi o sermão que ele fez, e que me 
disseram que foi uma bela dissertação sobre o amor à pátria e a defesa do património nacional. Mas tive que o gramar mais tarde, porque ele, um dia, apareceu em Geba para ver como estava a guerra.

− Nós por cá todos bem, é claro − disse-lhe eu.

 Foto à direita: Nazário Domingues de Carvalho (salesiano) (capelão, CTIG, 1964/68)

Depois, no dia 8 de Abril, então, seguimos de comboio especial para a gare marítima. Fizemos um belíssimo e aprumadíssimo desfile, com a nossa mascote Morena à frente (...) ( coitada, não vem na lista, mas estava em Sare Banda, aquando do ataque, e foi morta durante ele; morreu em combate também; era uma cadela muito porreira) perante um representante de Sua Ex.ª o Ministro do Exército.

As senhoras do Movimento Nacional Feminino deram muitos santinhos, calendários e bolachas a todos. O representante de Sua Ex.ª o Ministro do Exército ainda fez uma preleção aos sargentos e oficiais dentro do navio. Aos soldados não deu trela. E lá embarcámos com as lágrimas dos familiares presentes.

Às 16h00 do dia 15 de abril de 1967 o Ana Mafalda chegou ao porto de Bissau. A 16 de abril a companhia passou diretamente do navio para LDG e seguiu pelo Geba acima até Bambadinca.

Foi engraçado e giro, como devem calcular, para o pessoal que ia enfiado, ouvir os fuzileiros que nos levaram ir dizendo, em cada curva ou ponto mais apertado do rio:

−  Olhem que aqui costuma haver ataques!...
 
Dormimos em Bambadinca, em tendas, ao pé do rio, porque não havia instalações. Foi o primeiro combate com a mosquitada.

A 17 de Abril seguimos de Bambadinca para Geba em coluna auto. E fomos render a CCAÇ 1426, do Belmiro Vaqueiro.

A brincar, a brincar, é o começo da nossa estória. (**)

(Seleção, revisão / fixação de fotps, edição e legendagem de fotos, título: LG)
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Notas do editor:

(*) 5 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25718: In Memoriam (505): A. Marques Lopes, cor inf ref, DFA (1944-2024), um histórico do nosso blogue: despedida amanhã, às 11h45, no Tanatório de Matosinhos; e Elisabete Vicente Silva (1945 - 2024), viúva do nosso camarada, dr. Francisco Silva (1948 - 2023): o funeral é hoje, na igreja de Porto Salvo, Oeiras, às 16h00

(**) Vd. poste de 28 de junho de  2005 > Guiné 63/74 - P87: A caminho da Guiné, no "Ana Mafalda" (1967) (Marques Lopes)

sexta-feira, 5 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25719: Notas de leitura (1706): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1865 e 1868) (10) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Começo a encontrar uma certa animação nos conteúdos do Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde e da Costa de Guiné, apesar da escandalosa desproporção informativa entre o arquipélago cabo-verdiano e os Estabelecimentos de Cacheu e Bissau. Um dado curioso é aparecerem agora pontos de situação mensais que o Governador da Guiné envia para a cidade da Praia. Vamos ficar a saber que há reparações na Fortaleza de S. José da Amura, que estava em construção um forte em S. Belchior, a Guiné contribuiu com alguns espécimes para o Museu de História Natural, que se velavam pelos direitos dos escravos e libertos. E pela primeira vez, quanto ao século XIX, temos informação de uma solene procissão que percorreu as ruas da vila de Bissau e onde viviam os Grumetes; e as doenças mais abundantes eram as úlceras e a sífilis.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, de 1865 a 1868) (10)


Mário Beja Santos

O silenciamento do que se passa na Costa da Guiné é raramente interrompido por notícias que podem ter a ver com reparações na Fortaleza de S. José de Bissau, a construção de um quartel no Forte de S. Belchior, assistimos ao aparecimento de informações sobre o estado sanitário em Bissau e Cacheu, há informações da vida missionária e quando chegarmos a 1867 ganha uma certa regularidade o envio de informações do Concelho da Guiné Portuguesa para a cidade da Praia. São anos de calamidade sanitária, há problemas com os escravos libertos, etc. Vejamos alguns pontos do que se encontrou no Boletim Official no período em apreço.

No n.º 28 de 15 de julho de 1865 temos duas Portarias, a 195 e 196 em que o Governador Geral, pelo facto de ter sido enviado pelo Governador da Guiné do orçamento provável que tem de fazer-se do concerto de 21 plataformas e 6 eixos, reparos alusivos à Fortaleza de S. José de Bissau, isto na importância de 39$600, aprova o orçamento e manda executar o dito concerto; na outra Portaria, é-lhe enviado o orçamento de despesa provável que tem de fazer-se com a construção de um quartel para alojamento do destacamento estacionado no Forte de S. Belchior, a importância estimada era de 788$072 réis, o Governador Geral aprovou. Mais adiante, no Boletim n.º 38, de 23 de setembro, o mesmo Governador Geral aprovou o orçamento para a construção do portão na Fortaleza da Praça de S. José de Bissau, na importância de 36 mil e 740 réis.

Um ponto curioso é a alvorada de informações sobre questões de saúde, como se pode ver no Boletim n.º 10, de 10 de março de 1866:
“O Dr. Agostinho José Ramos de Carvalho, Físico-Mor, Director do Serviço de Saúde da Província enviou para a cidade da Praia de Santiago a seguinte informação.
Tenho uma honra de enviar a V. S.ª para serem presentes a Sua Excelência o Sr. Conselheiro Governador Geral os inclusos mapas do movimento e mortalidade dos hospitais militar e civil desta cidade, no mês de fevereiro findo. Informando do estado sanitário da província, tenho a dizer que tem ele melhorado; havendo diminuído os casos de infeções de vias respiratórias, nevralgias e reumatismos; e que a epidemia de tosse convulsa vai em sucessivo declínio. O movimento e mortalidade dos doentes nos hospitais desta cidade foi também menor, como se pode conferir nos respetivos mapas. Pelas notícias ultimamente recebidas da Guiné, sabe-se que o estado sanitário de Bissau é o normal do atual quadro; e não me consta, outro sim, que ele se tenha alterado nas diferentes ilhas do arquipélago.”

Na sequência, no Boletim n.º 17 de 28 de abril, vamos ficar a saber da transferência de um farmacêutico para a Guiné: constando a Sua Majestade El-Rei que o Farmacêutico da Província de Cabo Verde, Manuel Joaquim Leyguarda Pimenta, se prontifica a ir à Guiné fazer coleções de História Natural, manda o mesmo Augusto Senhor autorizar o Governador Geral da dita província a levar o referido farmacêutico em sua companhia, quando realizar a sua visita à Guiné, se ele não fizer falta ao serviço; devendo a despesa com a preparação das coleções ser abonada pela verba de 270 mil réis, e ordena Sua Majestade que os objetos coligidos sejam remetidos nos paquetes da carreira de África para o Museu de Lisboa. Este caso da ida do farmacêutico à Guiné tinha a ver com os preparativos da participação portuguesa na Exposição Anual de Paris a decorrer entre abril de 1867.

No Boletim n.º 48, de 1 de dezembro, o Governador Geral nomeou José Caetano Nozolini Patrão-Mor da vila de S. José de Bissau. No Boletim n.º 50, de 15 de dezembro desse ano de 1866, depara-se-nos uma preocupação com os escravos libertos. É o constante da Portaria 249 em que se nomeia como secretário da Junta Protetora dos Escravos e Libertos Eduardo José Rodrigues. Atendamos a uma determinação do Governador Geral constante da Portaria 251 da mesma data:
“Sendo certo que muitos senhores de escravos do arquipélago pretendem gozar de direitos dominicais, sem cumprir as obrigações correspondentes a esses direitos, como é além de alimentar, vestir e ensinar os seus escravos; constando oficialmente que na ilha do Fogo existem indivíduos sujeitos à escravidão, considerados em parte livres e em parte escravos; tendo sido ordenado pelo governo de Sua Majestade que o Governador Geral da Província empregue todos os esforços possíveis para impedir quaisquer atos de crime de tráfico de escravos, podendo considerar-se tais todos os que tendem a estabelecer ilegalmente direitos dominicais tolerados…” e tomam-se providências para a proteção e amparo aos escravos e libertos, e atenda-se ao que determina o Governador Geral:
“Quanto aos escravos que tendo pertencido ao mesmo tempo a mais de um senhor, for, ou tiver sido, por qualquer deles libertado de qualquer forma que seja, entender-se-á que são de condições livre para todos os efeitos legais, por isso não se pode admitir escravidão parcial em um indivíduo; e o agente do Ministério Público procederá contra o detentor de tais indivíduos como criminoso de sujeitar a cativeiro pessoas livres.” E chegámos ao ano de 1967, temos aqui a primeira referência à atividade religiosa no Boletim n.º 23, de 8 de junho, quem assina é o Visconde da Praia Grande:
“Atendendo ao que me representou o presbítero Joaquim Vicente Moniz, e às qualidades que nele concorrem: hei por bem nomeá-lo professor da cadeira de instrução primária de 2.ª Classe estabelecida em Bissau.” E pela Portaria n.º 144 do Governador Geral apresentara-se o referido presbítero como professor da freguesia de Nossa Senhora da Candelária em Bissau e em simultâneo é exonerado o presbítero Marcelino Marques Barros (como é sabido, um dos grandes vultos culturais guineenses, provavelmente o mais importante do século XIX).

No Boletim n.º 38, de 21 de setembro, surge uma novidade, informação sobre o estado do Concelho da Guiné Portuguesa, refere-se ao mês de junho de 1877 e vem assinada por Manuel Fortunato Meira, Capitão Governador Interino. Diz ele que o estado sanitário é bom, que o estado alimentício era bom em Bissau e sofrível em Cacheu; o comércio mostrava-se animado, tinham entrado em Bissau três navios com mercadorias e em Cacheu quatro, tendo saído com produções, de Bissau cinco e de Cacheu um; o rendimento da alfândega fora de 1.481$871 réis em Bissau e de 681$348 réis em Cacheu; os vencimentos dos funcionários públicos achavam-se pagos até ao fim de junho; havia plantações de batata, purga e outros artigos, continuavam as sementeiras de mancarra, arroz, milho e outros grãos. Não era tempo próprio para as colheitas, pouco havia a dizer sobre as indústrias, fazia-se algum tijolo em Cacheu e teceram-se alguns panos próprios do país para uso dos seus habitantes. Falando das obras públicas e municipais, dá notícia de que se fizeram reparações na tabanca do Pidjiquiti, fora efetuada a limpeza geral em todo o arruamento e lugares públicos de Bissau. E havia um dado quanto a ocorrências extraordinárias: fizera-se a paz em Cacheu com o gentio de Churo. E também os Balantas de Banra tinham entregado o falucho (pequena embarcação) que haviam tomado. No mês seguinte, e na sua informação, o mesmo Manuel Fortunato Meira põe acento nas ocorrências extraordinárias, dizendo que no dia 30 fora apreendido pelo tenente Meireles, comandante do Forte de S. Belchior, uma escuna com o contrabando de 10 pipas de aguardente e algumas arrobas de açúcar, tinha-se instaurado um competente processo. O pároco de Bissau, o reverendo Cónego Joaquim Vicente Moniz fez uma solene procissão com os santos vindos ultimamente de Lisboa para a igreja paroquial, à qual concorreu grande número de pessoas de todas as classes, tendo percorrido as ruas da vila e dos Grumetes (extramuros); e mais informava que em todos os pontos do distrito reinava o mais completo sossego.

E, para concluir, também se informa o Governador Geral na cidade da Praia que as moléstias que mais abundam nos hospitais da Guiné (civil e militar) são as úlceras e a sífilis, esta devido à pouca morigeração e aquelas às consequências das faltas cometidas porque este povo passou nos anos de 1864 e 1865.
Os Suplementos do Boletim Official também serviam para informar sobre casamentos, passamentos e nascimentos. Em 31 de julho de 1865, Sua Majestade a rainha D. Maria Pia deu à luz com feliz sucesso um infante, haja alegria, fica decretado a suspensão de serviço nos tribunais e repartições públicas pelo espaço de quatro dias, na igreja matriz da Praia haverá Te Deum, luminárias, repiques de sinos, salvas de artilharia, música do batalhão a percorrer as diferentes ruas da Praia.
O rei D. Fernando II demonstrara-se ativíssimo no mecenato cultural, impulsionara as obras do Palácio da Pena, a proteção do Castelo dos Mouros de Sintra e deve-se-lhe um grande apoio ao Museu de Belas Artes onde hoje está implantado o Museu Nacional de Arte Antiga. O seu filho, D. Luís I era melómano, tocava violoncelo, dedicou-se à marinhagem e apoiou inúmeros projetos de História Natural, incluindo aqueles que representavam a participação portuguesa em exposições universais. Bissau enviou o manguço e vieram conchas do Corubal
Uma rua de Bissau, cerca de 1912, por Philippe Garès, Paris, ainda se vê do lado esquerdo um resto da muralha que será em breve completamente destruída
Carta da Guiné Portuguesa, século XIX, Arquivo Histórico-Ultramarino
Igreja de Geba, 1967

(continua)

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Notas do editor:

Post anterior de 28 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25696: Notas de leitura (1704): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1864 e 1865) (9) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 1 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25705: Notas de leitura (1705): Recordações da guerra civil de Bissau, pelo então Vigário-Geral da Diocese, Padre João Dias Vicente (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25718: In Memoriam (505): A. Marques Lopes, cor inf ref, DFA (1944-2024), um histórico do nosso blogue: despedida amanhã, às 11h45, no Tanatório de Matosinhos; e Elisabete Vicente Silva (1945 - 2024), viúva do nosso camarada, dr. Francisco Silva (1948 - 2023): o funeral é hoje, na igreja de Porto Salvo, Oeiras, às 16h00


Magnífica Tabanca da Linha > Algés > Restaurante Caravela de Ouro > 48.º Convívio > 19 de maio de 2022 >  A Elisabete Silva (1945-2024)... De seu nome completo, Maria Elisabete Trindade Vicente Figueira da Silva, Berta ou Bertinha para os familiares e amigos.

Foto: © Manuel Resende (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

 

1. A morte é veloz a chegar e a fazer-se anunciar ... Ontem à tarde, às 14:18, o Zé Teixeira, "régulo" da Tabanca de Matosinhos,  mandou-me a telegráfica, dolorosa,  mensagem: "A Elisabete Silva faleceu ontem à tarde. Paz à sua alma".

Só li, estupefacto, a notícia quando me ia deitar, por volta das 22 e tal. E hoje levantei-me cedo, às quatro e tal, para redigir mais este doloroso "In Memoriam"  (*)

A última vez que estive (eu e a Alice) com a Elisabete fora no funeral do marido, há quase ano e meio (**). Tinha sid ela, quem pessoalmente,  nos  telefonou, serena, a comunicar o  desenlace fatal da luta do nosso Francisco contra a doença que o vitimou. 

E no velório, em Porto Salvo, onde o casal vivia, a Elisabete confidenciou-nos que iria refugiar-se na sua casa, no Alentejo.O casal tinha dois filhos (o Francisco e a Cláudia Silva, esta, médica, a viver e a trabalhar em Santiago do Cacém) e três netos.

Nunca mais voltámos a estar com a Elisabete (e com os filhos). Há algumas semanas, pelo nosso amigo comum Zé Teixeira, tinha sabido que estava de novo doente, desta vez com problemas do foro cardíaco. 

Depois da pandemia, o casal tinha aparecido na Tabanca da Linha, em 19 de maio de 2022. E eu escrevi, sobre a foto que acima reproduzo: 

(...) "Caras lindas que não se viam por aqui há mais de 2 anos: primeiro veio a pandemia, depois vieram as mazelas do corpo e da alma... A nossa Eisabete Silva, por exemplo, quem diz que em 2013 andava pelos matos e bolanhas da Guiné-Bissau, toda fresca, com o marido, o nosso dr. Francisco Silva, cirurgião ortopedista, e que depois passou por um grave problema de saúde, felizmente já superado ?!... Está de volta aos convívios da Tabanca da Linha e com ótima cara... Que bom, ver-te, Elisabete!" (**)

E depois acrescentava que sabia que ela tinha trabalhado  na Petrogal desde os seus 20 aninhos, tendo tido como colegas  o António Levezinho (o nosso querido "Tony", da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), a Isabel Levezinho (1953-2020), o João Rebelo, o Fernando Calado... (E por certo o Joaquim Pinto Carvalho de que ela não se lembrava bem.)

À hora a que estamos a elaborar esta triste notícia para o blogue, ainda não pudemos contactar a dra. Cláudia Silva sobre as cerimónias fúnebres, mas sabemos, pelo Zé Teixeira, grande amigo do casal (ele e o Francisco e as esposas fizeram uma memorável viagem de saudade à Guiné Bissau em 2013) (***), que o corpo, em câmara ardente na igreja de Porto Salvo, Oeiras, deverá seguir, às 16h00, para o tanatório mais próximo, o de Barcarena, presumimos.

Aos filhos, Francisco e Cláudia, aos netos e demais família, e aos amigos mais íntimas, a Tabanca Grande expressa a sua solidariedade na dor.  Espero, eu e Alice, poder transmitir-lhes pessoalmente, mais logo, as nossas condolências e irmos dizer-lhe o último adeus. 

O Francisco Silva, além de meu amigo e camarada, foi meu médico. E a Elisabete foi ao longo  destes anos todos uma presença luminosa nos nossos convívios, razão adicional por que ela merece "honras de Tabanca Grande": não só  frequentava os convívios da Magnífica Tabanca da Linha (tal como, algumas vezes, os da Tabanca de Matosinhos) como esteve 7 (sete!) vezes no Encontro Nacional da Tabanca Grande, em Monte Real (o Francisco esteve em 10).  

Até sempre, querida Elisabete e querido Francisco! (LG)


PS - Funeral hoje, sexta feira, dia 5 de julho,  às 16 horas, na igreja de Porto Salvo, Oeiras. 


2. Mensagem deixada hoje,às 00:02, na página do Facebook da Tabanca de Matosinhos:


A TABANCA DE MATOSINHOS ESTÁ DE LUTO

No dia 29 de Janeiro de 2023 faleceu o camarada da Guiné e nosso amigo Francisco Justino Silva. (médico)

Agora foi a vez da esposa, Elizabeth Vicente Silva.

Moravam em Lisboa, mas vieram muitas vezes à nossa Tabanca de Matosinhos  para conviverem. Eram daquelas pessoas que toda a gente gostava de ter como amigos, pela sua simplicidade, pela alegria, e pelo carinho que nos dedicavam

A Elisabeth faleceu ontem, 3-07-2024 e o funeral será amanhã dia 5 de Julho na Igreja de Porto Salvo (Oeiras) às 16 horas.

Sentidas condolências a toda a família, dois amigos que partiram.

Aos filhos, Francisco e Claudia os nossos mais profundos sentimentos de pesar.

Até sempre, amiga Elizabeth


A. Marques Lopes (1944-2024).
Foto de LG (2015):
(i) foi alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967/68)
e CCAÇ 3 (Barro, 1968/69): (ii) cor inf ref DAF;
(iii) natural de Lisboa, vivia em Matosinhos;
 (iv) autor de um dos mais notáveis livros autobiográficos
sobre a nossa geração, "Cabra Cega" (Lisboa, 2015),
editado também no Brasil.





3. À mesma hora da noite, ou com um intervalo de minutos,  soube, também pelo Zé Teixeira,  outra terrível notícia, a morte do nosso camarada A. Marques Lopes, cor inf ref, DAF... 

Estava há uns dias nos cuidados intensivos... Lutou galhardamente contra uma doença de evolução prolongada... Tinha comletado os 80 anos, no passado dia 10 de março. Vamos dedicar-lhe a seguir um especial "In Memoriam": era um histórico da nossa Tabanca Grande  
(um dos primeiros a entrar, em 10/5/2005) e da Tabanca de Matosinhos, de que cofundador 
e um dos "régulos".

Tem mais de 270 referências
no nosso blogue. Para esposa, Gena,
e aos filhos e netos, e para os nossos
camaradas da Tabanca de Matosinhos,ficam aqui publicamente  expressas as condolências da Tabanca Grande.


A TABANCA DE MATOSINHOS ESTÁ DE LUTO.

O António Marques Lopes, querido amigo 
e camarada da primeira hora da nossa 
Tabanca, partiu hoje para o eterno aquartelamento,  depois de um longo sofrimento.

A sua grande vontade de viver fez com que  
travasse por longo tempo uma luta de vida.
A sua esperança de recuperar era enorme. Dava gosto ouvir as suas palavras de esperança. Estava sempre bem e sobretudo bem-disposto. "Estou aqui para a luta", dizia-me ele há dias.

Desta vez a doença foi mais forte...

Descansa em paz, António.

À esposa, Geninha,  e aos filhos, em nome de todos os camaradas da Tabanca de Matosinhos, quero expressar os mais profundos sentimentos de pesar.

PS - Por vontade expressa do nosso camarada, não haverá velório. O último adeus será amanhã, dia 6, sábado, às 11h45, no Tanatório de Matosinhos.



Capa do livro "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo do nosso camarada A. Marques Lopes) (Lisboa, Chiado Editora, 2015, 582 pp. ISBN: 978-989-51-3510-3, Colecção: Bíos, Género: Biografia).

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Notas do editor LG:


(***) Vd. poste de 30 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24024: In Memoriam (468): Recordar Francisco Silva (1948-2023) - Viagem de saudade à Guiné-Bissau em 2008 (José Teixeira)

Guiné 61/74 - P25717: Casos: a verdade sobre... (44): fogo IN ou "fogo amigo" a causa das 7 mortes civis em 1/12/1973, no Xime ? A hipótese de ter sido a artilharia de Gampará, ao tempo da CCAÇ 4142/72, tem de ser descartada


Guiné > Região de Quínara > Península de Gampará > CCAÇ 4142/72 (Ganjauará, 1972/74 > O soldado cozinheiro Joviano Teixeira junto  ao obus 10.5 cm (29º Peçl Art)

Foto (e legenda): © Joviano Teixeira (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Quínara > Península de Gampará > CCAÇ 4142/72 (Ganjauará, 1972/74 > O fur mil at inf Joaquim Martins junto ao obus 10.5 cm (29º Pel Art)

Foto (e legenda): © Joaquim Martins (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Excerto da História da Unidade: BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (*)


1. Estas duas fotos, reproduzidas  acima,  são  fundamentais (embora não saibamos a data precisa em que foram tiradas...) para deitar por terra a suspeita que chegou a recair sobre Gampará (ou, melhor, Ganjauará, na pensínsula de Gampará) e o seu pelotão de artilharia, o  29º Pel Art, ao tempo da CCAÇ 4142/72... Suspeita de terem provocado vítimas, no Xime, num hipotético caso de "fogo amigo" (**) ...

Em 1 de dezembro de 1973, uma família inteira,  mandinga, de 7 pessoas, vizinha do nosso "menino do Xime", o agora eng silv José Carlos Mussá Biai (há muito a viver e a trabalhar em Portugal),  morreu na explosão de uma granada de arma pesada, na tabanca do Xime (***)... (Nâo se sabe se foi de foguetão 122 mm, morteiro, canhão s/r, do IN ou de obus, das NT).

A pergunta continua a ser legítima: ataque ou flagelação IN  com foguetões de 122 mm e outras outras pesadas ? Ou "fogo amigo" da nossa artilharia, na resposta ao IN ? ... 

Infelizmente já não está entre nós o Sucena Rodrigues (1951-2018), ex-fur mil da CCAÇ 12, que estava no Xime nessa noite de 1 de dezembro de 1973. Num poste que ele aqui publicou (**), parece deduzir-se que estaria mais inclinado para  a hipótese de  ter sido "fogo amigo", neste caso provoado pelo  obus de Gampará, do outro lado do rio Corubal... 

Em vida, nunca chegámos a esclarecer as suas suspeitas, nem mesmo em conversa "off record".

Em princípio as duas fotos que publicamos acima vêm descartar a essa possibilidade, a  de ter sido "fogo amigo", uma  granada de um obus 14, disparada do outro lado do rio Corubal,  ...A unidade de quadrícula do Xime era então a CCAÇ 12. (Em março de 1973, a CART 3494, que estva no Xime,  fora transferida para Mansambo.)

Só o obus 14 tinha alcance para atingir o Xime, a partir de Gampará (c. 15 quilómetros de distância em linha reta, no máxino)... Ora em 1972/74, ao tempo da CCAÇ 4142/72 (Os "Herdeiros  de Gampará"),  que havia em Ganjauará na era o obus 10.5 e não o obus 14, como se comprova por estas fotos e outras fontes. 

A distância, entre Ganjauará e o Xime era 15 km,  em linha reta,  medida na carta da província da Guiné (1961, escla 1/500 mil) ou seja, dentro do alcance do obus 14, mas não do obus 10.5 .


Guiné > Carta da província portuguesa (1961) > Escala 1/500 mil > Posição relativa de Ganjauará, Xime e Mansambo. 

Infografia;: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


O Xime só tinha o obus 10,5 cm (que não chegava à Foz do Corubal e à Ponta do Inglês, no tempo em que fui operacional da CCAÇ 12, 1969/71)...O Xime sempre foi guarnedido até ao fim da guerra pelo 20º Pel Art (10,5cm). E Ganjauará, ao tempo da CCAÇ 4142/72, era guarnecida pelo 29º Pel Art (10,5cm).

Descobrimos agora que obus 14 que deu apoio ao Xime no ataque ou a flagelação de 1/12/1973 foi  o de Mansambo, onde tinha sido colocado o 27º Pel Art (14 cm)...A distância entre Mansambo e Xime era também de 15 km em linha reta (portanto, ainda dentro do alcance do obus 14).(No meu tempo, 1969/71, Mansambo tinha obus 10,5, mas depois deixou de ter.)

Na história do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74), há referência explícita a dois Pel Art, o 20º (10,5cm) que estava no Xime, e o 27º (14 cm) que sabemos, pelo Sousa de Castro, que estava nessa altura, em 1/12/1973,  em Mansambo.

No livro da CECA, sobre a atividade operacional no CTIG, de 1971 a 1974  (CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro III (1.ª edição, Lisboa, 2015), não há referência ao 27º Pel Art em Mansambo... Certamente, por insuficiência de dados.

Sabe-se que no ano de 1973 houve uma grande mobilidade dos Pel Art, do GA 7. Em 1/7/1972, o 27º Pel Art (14) estava em Farim, e Ganjauará, ao tempo da CART 3417, tinha um Pel Art, s/nº (10,5 cm, a três bocas de fogo) / GA 7...

Um ano depois, estava lá, em Ganjauará, o 29º Pel Art (10,5cm) , e o 27º Pel Art tinha sido sido saído de Farim, passando a ser substituído pelo 7º Pel Art (10,5cm). Mas o subsetor de Mansambo, Setor L1 (Bambadinca),  ainda não tinha nenhum Pel Art. Deve ter vindo nesse 2º semestre.

Pela Directiva nº 17/73 de 16 de abril de 1973, fora remodelado o "dispositivo artilheiro". Entre outras medidas, foi atribuído um Pelotão de Artilharia 14 cm (a 3 bocas de fogo), a cada uma das seguintes guarnições: "Bigene, Mansoa (a transferir, logo que possível, para o aquartelamento a instalar na estrada Jugudul-Bambadinca), Piche, Mansambo, Tite, Fulacunda, Ganjauará, Buba, Aldeia Formosa, Catió (provisoriamente em Cufar), Chugué, Guileje e Cacine.".

Mansambo recebeu o 27º Pel Art (14cm), mas Ganjauará manteve o 29º Pel Art (10,5cm),

É verdade, e como reconhece a história do BART 3873, o setor L1 parecia estar calmo no finalo de 1973.  Por outro lado, antigos guerrilheiros do PAIGC com quem falei em março de 2008, no Cantanhez e em Bissau, e que tinham estado, por volta de 1972, na região compreendida pelo triângulo Bambadinca - Xime - Xitole (frente Xitole, segundo o dispostivo do PAIGC), disseram-me que terá havido, possivelmente no 1º trimestre de 1973, após o assassinato de Amílcar Cabral, deslocação de forças para reforçar a frente sul ou a frente norte, por ocasião da batalha dos 3G (Guidaje., Guileje e Gadamael)...

O que também explicaria a relativa fraca resistência com que as NT, em finais de 1973, encontravam em áreas de difícil acesso como Mina/Fiofioli, na margem direita do rio Corubal... (onde no meu tempo, a CCAÇ 12 e os batalhões a que estava adida, o BCAÇ 2852 e o BART 2917, nunca foram).

Vamos aceitar, como mais plausível (e para nossa tranquilidade...) (***) que os mortos do Xime nessa noite de 1/12/1973 tenham sido provocados por  fogo do IN. (LG)

_________

Notas do editor:



A. M. Sucena Rodrigues (1951-2018)
(i) ex-fur mil inf, CCAÇ 12 
(Bambadinca e Xime, 1972-1974); (ii) licenciado
 em engenharia eletrotécnica pela Universidade de Coimbra; 
(iii) foi professor do ensino secundário até ao ano 
da reforma,  em 2016; (iv) vivia em Oliveira do Bairro.


(**) Vd. poste de 8 de maio de  2015 > Guiné 63/74 - P14585: Os nossos camaradas guineenses (42): em 1/12/1973, na tabanca do Xime, vítima de fogo amigo ou inimigo, morreu na sua morança um militar da CCAÇ 12 e toda a sua família, duas mulheres, duas crianças em idade escolar e um recém nascido (António Manuel Sucena Rodrigues, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972-74)

(...) Estive na CCaç 12, de 1972 a 1974 em Bambadinca e no Xime.

Sobre o ataque ao Xime [em 1/12/1973],   com fogo inimigo ou amigo (??), cada um terá a sua opinião. Tenho a minha, mas não vou aqui divulgar, por achar que não virá resolver coisa nenhuma. Poderá, isso sim, eventualmente trazer outros problemas.

Só quero dar algum esclarecimento: (i) as vítimas não foram 7 mas sim 6, e não foram todas civis; (ii) morreram: 1 militar da companhia [a CCAÇ 12,] (era o pai da família), 2 mulheres (ambas mães da família, como sabes praticava-se a poligamia), 2 crianças em idade escolar e 1 criança recém nascida ( com 8 dias de vida).

Este esclarecimento não terá grande importância perante o resto, serve apenas para acrescentar mais algum rigor. (...)

(...) Comentário do editor:

Segundo a página oficial da Liga dos Combatentes, em 1/12/1973, no TO da Guiné, e por motivo de combate, morreu apenas um elemento das NT, o soldado Sumbate Man. Consultanda a preciosíssima Lista dos Mortos do Utramar, nascidos na Guiné, do portal Ultramar Terraweb (de novembro de 2006, e atualizada em janeiro de 2015), constata-se que o Sumbate Man era soldado milícia, natural de Nova Uaque,  concelho de Mansoa, nº 268/73, pertencente ao Pel Mil 365, adiddo à  2ª C/ BCAÇ 4612, subunidade que estava em Jugudul (1972/74)...

Não pode, em princípio,  ser o militar da CCAÇ 12, referido pelo Sucena Rodrigues.(..:)
 
António, está feito o esclarecimento, obrigado. Infelizmente, a CÇAÇ 12 não tem história de unidade, relativamente ao período que vai de março de 1971 até à sua extinção, em agosto de 1974... A única que conheço foi a que eu pessoalmente escrevi e que vai de maio de 1969 a março de 1971...

Relativamente à "tua versão" sobre o fogo amigo / fogo inimigo que matou um camarada nosso e a sua família inteira (!), eu gostava de conhecê-la um dia, mesmo que seja em "off record"... Não farei uso dela, em público, fica entre nós... Entendo que o assunto é delicado. De resto, e de acordo com a política do blogue, também não estamos aqui para julgar e muito menos incriminar ninguém.(...)

PS - Talvez alguém saiba dizer o nome do militar da CCAÇ 12 que morreu, cruelmente, com toda a sua família, na tabanca do Xime, no  dia 1/12/1973. (...)


(**) Vd. poste de 8 de maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6348: Actividade da CART 3494 do BART 3873 (7): Parte 7 (Sousa de Castro)

(...) 20 FASCÍCULO

DEZEMBRO 1973 (...) 

(...) Sub-Sector do Xime (CCAÇ 12)

Em 01 pelas 22,15 horas, grupo não estimado flagelou o Xime E durante 25 minutos. Caracterizou-se por uma das suas maiores flagelações sofridas, tendo possivelmente os atacantes empregado todas as armas pesadas da zona, incluindo foguetões 122 mm. Dois desses foguetões atingiram uma morança da tabanca, morança que ficou totalmente destruída e com os seus 07 residentes (civis) mortos.

A reacção das NT foi imediata: 20º Pel Art (10,5cm), Pel Mort  4575/72 e apoio do 27º Pel Art  (14 cm) aquartelado em Mansambo. NF sem consequências.