sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7562: Tabanca Grande (259): O casal Vinhal, um dos totalistas dos nossos cinco encontros nacionais, anuais (desde a Ameira, em 2006, a Monte Real, em 2010)


Montemor-O-Novo > Ameira > 2006 >  I Encontro Nacional da Tabanca Grande > Algumas das nossas companheiras... A  Dina Vinhal (*) é a segunda a contar da esquerda... Refira-se que ao casal Vinhal é um dos totalistas dos nossos encontros anuais (cinco, desde 2006).

A explicação é simples: a Dina é inseparável do Carlos (e vice-versa)... O Carlos (**), desde que entrou  para a nossa equipa editorial (foi o primeiro, em 2006, depois da Ameira), tem estado na comissão organizadora dos nossos encontros nacionais desde então. Recorde-se que o II foi em Pombal, em 28 de  Abril de 2007, sob a batuta do chefe de orquestra Vitor Junqueira... Desde 2009, o Carlos tem parelha com o Joaquim Mexia Alves na organização dos encontros nacionais da Tabanca Grande em 2008 e 2009, na Quinta do Paul, Ortigosa, Momnte Real; e em 2010, no Palace Hotel, de Monte Real...


Foto: © Luís Graça (2009). Direitos reservados






Matosinhos > Leça do Balio > Tabanca de Matosinhos > Restaurante Bar Vilas > Jantar-convívio de Natal > 27 de Dezembro de 2007 > Da esquerda para a direita: (i) Dina Vinhal, mulher do nosso co-editor Carlos Vinhal; (ii) A esposa e a filha do José Teixeira, respectivamente Maria Armanda e Joana, respectivamente... À esquerda, de costas, está a Eduarda, a esposa do Albano Costa e mãe do Hugo Costa...

Foto: © Albano Costa (2007). Direitos reservados.

  

Leiria > Monte Real > Ortigosa > Quinta do Paul > IV Encontro Nacional da Tabanca Grande > 20 de Junho de 2009 > 2009 >A Dina Vinhal, na oprimeira fila, ao centro (é a quinta  a contar do lado direito)

Foto: © David Guimarães (2009). Direitos reservados





Leiria > Monte Real > Ortigosa > Quinta do Paul > IV Encontro Nacional da Tabanca Grande  > 20 de Junho de 2009 > O nosso camarigo Rui Alexandre Ferreira (que neste último Natal esteve internado com sérios problemas de saúde)  mostrando um documento, de eventual interesse para o blogue, ao Carlos Vinhal, sob o olhar atento da Dina.


Foto: © Luís Graça (2009). Direitos reservados
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 6 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7559: Tabanca Grande (258): Agradecimento à tertúlia (Dina Vinhal)

(...) Chamo-me Maria Leopoldina, Dina para os amigos, e estou casada com o Carlos há quase 39 anos. Há que somar a este tempo mais 4 de namoro, e nestes, uma “comissão de serviço” na Guiné. Coincidências da vida, andámos no Ciclo Preparatório na mesma Escola e nos mesmos anos lectivos, mas daí não veio nenhum conhecimento, porque se bem se lembram, naquele tempo as meninas eram separadas dos meninos. Por outro lado eu morava no extremo sul de Matosinhos e ele no extremo norte de Leça da Palmeira, logo bem afastados um do outro. (...)



(**) Vd. poste de 25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLI: A madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
 
Poste DCLI (em numeração romana, 651...)
 
(...) Amigos e camaradas de tertúlia: Abram aulas para receber mais um camarada da Guiné. Aqui vai o testemunho do Carlos Vinhal, ex-furriel miliciano da CART 2732 (Mansabá, 1970/72):


Caro Luis Graça

Entrei recentemente no seu site e, como antigo combatente da Guiné, queria deixar o meu modesto contributo para aumentar o número daqueles que não têm complexos em assumir-se como antigos combatentes de uma guerra que, a não querendo, dela não fugiram. (...)

Passo a apresentar-me:

(i) chamo-me Carlos Esteves Vinhal, fui Furriel Miliciano Atirador com a especialidade de Minas e Armadilhas;

(ii) fui incorporado como instruendo do CSM em Abril de 1969 nas Caldas da Rainha (RI5);

(iii) a especialidade de Atirador tirei-a em Vendas Novas (EPA);

(iv) em Novembro fui para Tancos (EPE) onde tirei o 33.º Curso de Minas e Armadilhas;

(v) em Dezembro rumei para o Funchal onde ajudei a dar a Especialidade de Atirador a um grupo de militares madeirenses com os quais se formaram as duas primeiras Companhias do Grupo de Artilharia de Guarnição n.º 2 (GAG2) a irem para o Ultramar: a CART 2731 foi para Angola e a minha, a CART 2732, embarcou no Cais do Funchal para a Guiné no dia 13 de Abril de 1970, chegando a 17;

(vi) uns quantos dias em Brá e no dia 21 do mesmo mês seguimos para Mansabá, situada entre Mansoa e Farim, onde permanecemos até finais de Fevereiro de 1972.

Como se tratava de uma Companhia independente ficámos dependentes administrativa e operacionalmente ao BCAÇ 2885, sediado em Mansoa. Os Oficiais, Sargentos, Cabos e Soldados especialistas eram todos continentais. Os madeirenses, homens de comprovada bravura, eram aquilo que poderíamos chamar a carne para canhão. A verdade é que muitos deles foram feridos em combate mais de uma vez e nunca viraram a cara à luta. Verdadeiros heróis anónimos, embora alguns reconhecidos e louvados até pelo General e Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné.

Perdemos três militares madeirenses, dois em combate quase no fim da comissão (o Vieira e o Barbosa) e um por acidente (o Silvestre). O soldado Malcata, oriundo do continente, morreu de doença. Perdemos também o Alferes Couto que, tendo como eu o Curso de Minas e Armadilhas, viu-lhe rebentar nas mãos uma mina antipessoal.

Futuramente escreverei mais umas coisas, porque memórias não faltam.



 Guiné > Região do Oio > Mansabá> CART 2732 (Mansabá, 1970/72)> 1970 > : 3º Pelotão, secção do Fur Mil Vinhal (na primeira fila, à direita, ladeado pelo seu amigo Ornelas).

Foto: © Carlos Vinhal (2006). Todos os direitos reservadios


 
É com muita honra e a título de homenagem aos meus valorosos camaradas madeirenses da CART 2732 e em particular ao meu 3º Pelotão que anexo duas fotografias. Na de cima a minha Secção  (...).

Refira-se que nesta altura - e só tínhamos 6 meses de comissão - já a Companhia se encontrava desfalcada. Já havia morrido o Alferes Couto e estava hospitalizado o Alferes Bento comandante do meu Pelotão, vítimas do mesmo incidente. Por que estou presente nas fotografias, na Secção estou em baixo à direita, ladeado pelo meu grande amigo Ornelas  (...)

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7561: Blogpoesia (101): Considerações (Manuel Maia)

1. Mensagem de Manuel Maia* (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), com data de  5 de Janeiro de 2011:

Carlos,
Aqui seguem dois grupos de sextilhas, num total de onze.
As primeiras sete fazem parte do título Considerações, as outras quatro agradeço que as subordines ao outro título.
São as primeiras do ano e vêm cheias de força...

Um grande abraço
manuelmaia



CONSIDERAÇÕES

Quisera receber a directriz,
de transformar o mundo de raíz,
travar desigualdades tão gritantes...
Ser como Salomão, qual rei dos reis,
usar de Talião as duras leis,
punir vilões, ladrões, vis governantes...

Pedido a um mago para adivinhar,
o rumo que o futuro quis traçar
p`rós seis antigos espaços lusitanos...
Angola, Cabo Verde e S.Tomé,
Timor ou Moçambique, `inda Guiné,
chafurdarão na lama muitos anos...

Tal como os portugueses cá da Ibéria,
mergulharão os ditos na miséria
sem vislumbrar saída, solução...
Petróleo ou diamantes não melhoram
vivência d`angolanos e pioram
a já tão miserável situação...

Poder nesses países está assente
na corrupção que a tudo diz presente,
herdadas foram formas de viver...
Quem sai aos seus não degenera, é certo,
exacta a conexão ou dela perto,
com Portugal haviam de aprender...

Abúlica e já orfã de valores,
esquece ou desconhece os seus maiores,
por vírus de traições inoculados...
A Pátria, outrora berço de gigantes,
gerida hoje por biltres e tratantes,
a um passo está do toque de finados...

Sextilhas vão p`ra além já das quinhentas,
contidas umas, outras violentas,
verdades tal qual punhos, sem roupagens...
Se falho, é por defeito, podem crer
na carência de jeito p`ra escrever,
as ditas, tendo a rima por linguagem...

Pintando neste quadro de seis versos
os casos de memória, algo dispersos,
chorrilhos de carências de tal vida...
Regressa a adrenalina fulminante,
conforme os revisito a cada instante,
p`lo sofrimento, dor, raiva incontida...
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7537: Blogpoesia (100): Futebois... (Manuel Maia)

Guiné 63/74 - P7560: Notas de leitura (184): O Fim do Império Português, de António Costa Pinto (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Dezembro de 2010:

Queridos amigos,
É a última recensão deste ano.
Ainda aqui tenho um saco de livros, mas aproveito a oportunidade de relembrar aos confrades que me mantenho aberto a todas as sugestões que partam ou estejam em convergência com a centralidade do nosso blogue, as coisas da Guiné ou as que as ilustram, nas duas margens. Ficarei gratíssimo a tais propostas e a essas cedências temporárias de títulos para recensão.

Um abraço,
Mário


O fim do Império Português

Beja Santos

É incontestável que a guerra colonial determinou, mais do que qualquer outro fenómeno, novos comportamentos políticos e atitudes sócias e culturais, a sociedade portuguesa, dos anos 60 para os anos 70, isto para já não falar nas sequelas da descolonização. Daí a atracção que ela provoca nos historiadores e o seu resultado salta à vista em estudos, monografias, biografias, análises de grandes eventos bélicos, etc. António Costa Pinto, professor no ISCTE, nome associado a várias universidades de renome internacional, escritor com créditos firmados na historiografia do Portugal contemporâneo, é autor de uma interessante síntese intitulada “O Fim do Império Português, A Cena Internacional, a Guerra Colonial, e a Descolonização, 1961-1975”, Livros Horizonte, 2001. Adverte o autor: “Tive a preocupação de incluir e integrar um já vasto conjunto de obras habitualmente não citadas pela historiografia portuguesa sobre o tema. Os estudos sobre o colonialismo português contaram desde os anos 60 com um núcleo progressivamente significativo de contribuições de estudioso ingleses, norte-americanos e franceses.

Não sei se por preguiça intelectual, ignorância, ou paroquialismo, muitas destas obras foram raramente citadas ou discutidas pela historiografia portuguesa”.
O que há de verdadeiramente estimulante neste trabalho ensaístico é ditado pelo olhar sobre a cena internacional, a compreensão do regime a partir do despertar do antigo colonialismo e as cambiantes decorrentes da evolução da guerra nas três frentes de combate e, por último o modo como se descolonizou, como a descolonização influiu na vida política portuguesa, desde o processo revolucionário até à adesão europeia. São esses dados que se pretendem abreviadamente enumerar.

Ao contrário do que muitas vezes é propalado, o Portugal apresentado como uma nação isolada (“orgulhosamente sós”) a defender a civilização ocidental em África, foi uma figura de retórica com que o salazarismo procurou impressionar para consumo interno de que uma realidade. Esse isolamento foi muito menor do que foi apregoado por Salazar e Caetano. É facto que o aliado mais importante, os EUA, ensaiaram, na administração Kennedy, uma pressão activa para a descolonização de Angola, mas foi sol de pouca dura. Kissinger negou inicialmente armamento que permitisse equilíbrio na guerra da Guiné mas, já no ocaso do regime português, mandou ceder armamento por portas e travessas. Isto para enfatizar que Washington exerceu como estratégia uma “neutralidade colaborante" e votou muitas vezes ao lado de Portugal. Num outro ângulo, a guerra colonial pesou muito pouco na guerra fria, foi abafada por acontecimentos determinantes como o Congo, a guerra de secessão na Nigéria e pela escalda do Vietnam. As grandes potências europeias e os principais aliados de Portugal investiram nas colónias e venderam armamento, seja às claras ou às escondidas. Salazar teceu a sua muralha ideológica à volta do “aguentar”, à espera de melhores dias, chegou a visionar a importância das colónias numa terceira guerra mundial. Por outro lado, fruto dos imperativos do desenvolvimento da década de 60, Portugal abriu-se à Europa, não podia ser de outra maneira para receber as multinacionais, o turismo de massas e as remessas dos emigrantes. Salazar aguentou as pressões dos aliados, usou o trunfo das Lages, desvalorizou ao limite o campo de batalha da ONU, mas não ignorava os sucessivos apoios dos seus velhos aliados aos movimentos de libertação. O historiador passa em revista os entendimentos e desentendimentos, o aproveitamento de conflitos africanos, o uso da NATO a favor da causa portuguesa. Quando o teatro da guerra da Guiné manifestamente deu sinais de esfarelamento, Caetano aceitou a sugestão do Governo britânico para estabelecer contactos secretos com o PAIGC.

As elites independentistas formaram-se em Portugal e em oposição ao regime de Salazar e Caetano. Actuaram ao lado do MUD Juvenil, conheceram o cárcere, conspiraram na Casa dos Estudantes do Império, fizeram amizades com os comunistas e os socialistas, daqui partiram directamente para o exílio e para a luta armada. Mas foram verdadeiramente movimentos de libertação distintos uns dos outros, se bem que o PAIGC tenha estado sempre muito próximo do MPLA. Enquanto os africanos buscavam a independência também se operava uma radicalização política dos opositores a Salazar, desde grupos gravitando à volta de revistas ou cooperativas até certas formas de ataques violentos a objectivo político-militares, com o aparecimento da LUAR e das Brigada Revolucionárias. O historiador refere em pormenor o envolvimento militar e a progressiva africanização da Guerra, os serviços de segurança e espionagem e a evolução nos diferentes teatros dos combates. No caso da Guiné, chamo a atenção para ecologia do território, para os progressivos êxitos do PAIGC e para um estado de espírito que ele denomina como “a caminho do Vietname”.

Com o derrube do regime, introduziu-se uma dinâmica de ruptura em que a transição para a democracia se realizou a par da descolonização e ao rápido fim do império português. Não houve um cenário de descolonização mas diferentes processos de transição em que historicamente teve expressão determinante a independência da Guiné-Bissau, foi ela que marcou a cadência das descolonizações ulteriores. Todo o processo revolucionário acabou por apontar para cedências e abdicações de responsabilidades e influiu na opção europeísta. Foram tão rápidos os desenlaces da descolonização, e os seus dissabores, foram tão influentes as feridas entre os contendores do processo revolucionário que se gerou uma maioria favorável à adesão à CEE. Não é novidade para ninguém que o regime implodiu quando não encontrou saída para uma negociação política com os diferentes movimentos de libertação. Acresce que um súbito imprevisto veio acelerar os acontecimentos: depois da Guerra dos 6 Dias veio a primeira crise petrolífera, a inflação caiu como uma bomba, os grandes detentores da economia e das finanças escudaram-se na proposta federalista de Spínola. Tudo em vão, a História foi mais longe e não se compadeceu de paliativos.

E não vale a pena especular se as elites africanas estavam preparadas para governar ou tinham verdadeiramente atrás de si nações consolidadas. É interessante especular mas a História prefere passar à margem desses condicionalismos.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7557: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (10): O dia no Enxalé, em Madina e Belel

Vd. último poste da série de 3 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7548: Notas de leitura (183): Vasco Lourenço, do interior da Revolução, entrevista de Maria Manuela Cruzeiro (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7559: Tabanca Grande (258): Agradecimento à tertúlia (Dina Vinhal)

Caros amigos tertulianos

Como manda a boa educação, venho agradecer as manifestações de amizade que recebi por causa da minha admissão na tertúlia, por iniciativa de Luís Graça, honra que não merecia, nem queria.

Tenho o prazer de conhecer e manter as melhores relações de amizade com alguns tertulianos do blogue, assim como com as respectivas esposas que formam já um numeroso grupo nos Encontros da tertúlia. Reconheço que há uma empatia especial entre toda a gente que em cada ano renova uma saudável amizade.

Posto isto, é minha obrigação escrever algumas letras para que me fiquem a conhecer minimamente, por intermédio do meu secretário particular, já que o teclado tem as letras bastante apagadas e eu perderia demasiado tempo a tentar escrever algo.

Chamo-me Maria Leopoldina, Dina para os amigos, e estou casada com o Carlos há quase 39 anos. Há que somar a este tempo mais 4 de namoro, e nestes, uma “comissão de serviço” na Guiné. Coincidências da vida, andámos no Ciclo Preparatório na mesma Escola e nos mesmos anos lectivos, mas daí não veio nenhum conhecimento, porque se bem se lembram, naquele tempo as meninas eram separadas dos meninos. Por outro lado eu morava no extremo sul de Matosinhos e ele no extremo norte de Leça da Palmeira, logo bem afastados um do outro.

O que interessa aqui é o tempo que vós, ex-combatentes, passastes naquela violência gratuita da guerra, que nós, mulheres,  não compreendíamos. Só sabíamos que os nossos filhos, irmãos, maridos, namorados, primos, vizinhos, tudo o que era homens na força da vida ia bater com os costados em África. Anos tenebrosos que espero nunca mais voltem.

Lembro-me dos momentos de angústia, na hora da passagem do carteiro, abeirar-me da janela e receber aquelas palavras que não queria ouvir:
- Menina, hoje não trago nada do seu namorado.

No dia seguinte repetia-se a cena. Os pais do Carlos telefonavam-me a saber se eu tinha recebido correspondência, e eu mentia dizendo que sim e que estava tudo bem com ele.

Tragicamente aquele primeiro ano de comissão do Carlos, coincidiu com o aparecimento de uma doença cancerosa na minha mãe. Ela adoeceu em Janeiro de 1970, o Carlos veio da Madeira passar os 10 dias de férias de mobilização em Março, visitando já a minha mãe no hospital. Foi para a Guiné em Abril, e quando veio de férias em Fevereiro de 1971, já eu não tinha mãe. Faleceu no dia 24 de Dezembro de 1970.

A minha vida não foi fácil nesse ano de 1970, tendo a minha mãe internada e o meu noivo na Guiné, as minhas preocupações dividiam-se entre o Hospital de S. João, a Guiné e a minha casa onde havia um menino, o meu irmão de 12 anos, que não entendia porque não tinha direito a ter a mãe junto de si como os outros meninos.

Outra mágoa que guardo dessa maldita guerra é a transformação que operou naquele jovem que eu conheci, que partiu um e regressou outro totalmente diferente. Posso até afirmar com a convicção de quem ama, que aquele que eu conheci nunca mais voltou. Este mesmo sentimento foi corroborado pelos meus sogros.

Desculpai, mas isto tinha que ser dito.

Se, futuramente, em conversa convosco, não vos conseguir tratar por tu, como mandam as normas do Blogue, a mais não se deve do que ao imenso respeito e admiração que tenho por vós e pelo que passastes naquela guerra.

Mais teria para dizer, mas a ladaínha já vai longa.

Recebei um abraço da vossa amiga
Dina Vinhal
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7540: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (32): Carlos e Dina Vinhal

Vd. último poste da série de 3 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7549: Tabanca Grande (257): Ernesto Pacheco Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857 (Mansabá, 1965/67)

Guiné 63/74 - P7558: Parabéns a você (197): Paulo Santiago, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53 (Tertúlia / Editores)



PARABÉNS A VOCÊ

06 DE JANEIRO DE 2011

O SEMPRE JOVEM PAULO SANTIAGO


Caro Paulo, a Tabanca Grande solidariza-se contigo nesta data festiva. Assim, vêm os Editores em nome de todos os teus camaradas, amigos e camarigos desejar-te um feliz dia de aniversário junto dos teus familiares.

Que esta data se festeje e prolongue por muitos anos, repletos de saúde, tendo sempre junto de ti quem mais amas.

Na hora do brinde não esqueças os camaradas e amigos deste Blogue, que irão erguer também uma taça em tua honra.
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Notas de CV:

- Postal de aniversário de autoria de Miguel Pessoa

- Paulo Santiago* foi Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 53, no Saltinho, nos anos de 1970 a 1972

(*) Vd. poste de 6 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5598: Parabéns a você (63): Paulo Santiago, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53 (Mário Migueis / Editores)

Vd. último poste da série de 6 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7554: Parabéns a você (196): Valentim Oliveira, Soldado Condutor da CCAV 489/BCAV 490 (Tertúlia / Editores)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7557: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (10): O dia no Enxalé, em Madina e Belel

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Dezembro de 2010:

Malta,

É um tempo de dias excepcionais, boa colheita para o coração disponível.
Deixo aqui muito trabalho para a malta que viveu no Enxalé, segui depois para Madina e Belel, confirmei que tudo é áspero, penoso e até pobre. Mas o povo recebeu o Tangomau com calor, quis perceber o sentido da viagem, manda cumprimentos para quem ali combateu.

Um abraço do
Mário



Operação Tangomau (10)

Beja Santos

O dia no Enxalé, em Madina e Belel

1. Tudo quanto se vai ver, até a própria comunicação bem-sucedida com o recurso ao crioulo, deve-se ao infatigável desempenho do prestador de serviços Lânsana Sori. Sem ele, o Tangomau ficaria apeado, impossibilitado de visitar pontos ermos, inacessíveis a viaturas. Lânsana aparece na vida do Tangomau graças a Calilo Dahaba, condutor de ligeiros, que detectou a expectativa e encontrou uma resposta. Durante três dias, até ao termo da digressão em terras de Bambadinca e arredores, Lânsana será omnipresente, prestável, sorridente e compreensivo. 

Nesse dia 26, começou-se por ir ao mercado, depositaram-se as vitualhas no Bairro Joli, passou-se pela Bantajã Mandinga, inflectiu-se à esquerda, em direcção a Finete. Manga de cumprimentos na encruzilhada entre Finete e Canturé. O Sr. Biloche mostra casa, sabe-se lá até para dar um sinal da sua competência como construtor civil, ele andou com o Tangomau por Finete e discutiram com o chefe de tabanca a cedência de terreno para o anarca Jorge Cabral se transferir de Miami para ali. Há orçamentos, agora o anarca que tome decisões. 

O Tangomau não esquece a luminosidade do dia, o ar cheio de odores da floresta e os sons de Novembro. Não se vêem macacos mas há borboletas, os pássaros multicolores atravessam o Geba nos dois sentidos. O ronrom da máquina trepidante embala os viajantes. É uma sensação única ir falando para o ouvido do condutor e depois apontar com o nosso próprio ouvido para os lábios de quem fala. E assim se seguiu por Mato de Cão, Saliquinhé, São Belchior, sempre a avistar Samba Silate, na outra margem do Geba. Depois a curva para o Enxalé, é um dos trajectos mais gostosos para quem vê sem precisar de estar atento às rugosidades do estradão traiçoeiro. Feitas as apresentações, o Tangomau é conduzido por Suleimane Sanhá, chefe de tabanca, e dois antigos combatentes, Malã Tchamo e Sadjo Tchamo.


2. Em primeiro lugar, o Tangomau pediu esclarecimentos sobre o Enxalé de ontem e o de hoje. No passado, o Enxalé da guerra era abastecido por dois caminhos: o chamado porto novo, mais curto, na margem do Geba, em frente a Samba Silate; e o porto do Xime, um caminho de alguns quilómetros entre o Enxalé e o Geba. Hoje, estes dois portos estão desactivados. O que se está a mostrar era o início da estrada para o Porto Novo. 

O Tangomau não esconde a sua atracção pelos vestígios, pensa sempre nos sacrifícios, nas escoltas, nos cuidados, em aprovisionar em condições tão difíceis. A natureza ainda não mudou tudo. Certamente que quem viveu e combateu no Enxalé terá recordações deste caminho, um ponto de partida ou um ponto de chegada, consoante a situação, quem desembarcava não era só a comida nem as munições, eram também os homens que faziam a guerra.


3. Um plinto com história, alguém ali gravou nomes, talvez mortos em combate, sabe-se lá. O importante é que temos uma memória, os habitantes do Enxalé e cultores deste blogue terão histórias para contar. Tivesse havido tempo e tomava-se nota de tudo, até se teria fotografado em melhores condições. Agora, quem esteve no Enxalé conte a sua versão da história. Um esclarecimento: o Enxalé expandiu-se mas as edificações, disseram os acompanhantes do Tangomau, estão ali praticamente todas, à excepção dos abrigos e das vedações. 

Depois do Xitole, o Enxalé é um verdadeiro alfobre de vestígios. Oxalá que alguém os queira preservar.


4. Alto lá, aqui temos um sinal de uma companhia, a 556 (**), parece, está lá dentro um crocodilo e a legenda diz "Os Sem Pavor". Eles que se apresentem e que se orgulhem de que o tempo inclemente poupou a lembrança da sua passagem. O Tangomau ia cogitando: quem viveu e combateu no Enxalé tem razões de sobra para aqui vir em romagem de saudade.


5. Aqui está a prova provada da presença da Companhia dos madeirenses [, a CCAÇ 1439,]  os mesmos que habitaram em Missirá, que percorreram as mesmas estradas, que viram o sangue derramado no Cuor. O Tangomau foi convidado para o último convívio, que se realizou em Coruche e gostou muito. Agora pede-se a todos que escrevam sobre este monumento, certamente que lembranças não faltam.


6. Aqui temos um armazém, ou oficina, ou até caserna, a caminho da destruição total. Houve várias versões sobre a função do edifício, nem tem sentido andarmos a especular. Isto porque alguém avançou que se tratava de instalação comercial, anterior à guerra, mostrou os restos do telhado, dizendo que pertencia às instalações usadas por um comerciante. Compete à malta do blogue ler e identificar. Até teria mesmo sentido, caso seja possível, mostrar todas as fotografias de décadas atrás, de múltiplas presenças, e juntar agora estas imagens, para clarificar a memória.


7. Este edifício cheira a instalação do comando, seja para tratar do expediente ou local de convívio. Aqui também se ouviram opiniões díspares, houve quem argumentasse que era a casa de um antigo comerciante, nada da Casa Gouveia ou Ultramarina, um comerciante que ali viveu. Seja como for, tem função e está preservada. Agora, os antigos habitantes do Enxalé que se pronunciem.


8. Os guias foram peremptórios: aqui era refeitório, talvez dos oficiais ou dos sargentos, ou de ambos. Mais material para descodificar. Felizmente, que lhe puseram cobertura: será escola? Terá funções de mesquita? Era tal o afã do Tangomau em tudo registar que nem se pôs com conversa fiada, e bem gostaria. 

Não é preciso ser antropólogo para se saber que isto de conversar não é atar e pôr ao fumeiro, é preciso estar, criar atmosfera, deixar as mentes confiarem nas suas memórias; é preciso tempo para ganhar confiança. Talvez mais um motivo para voltar, assim pensa o Tangomau, este Enxalé está cheio de preciosidades, apetece andar por estes caminhos até ao rio, beleza natural não falta.


9. Quem terá vivido aqui? Mais discordância: para uns, aqui trabalhava o capitão e aqui vivia; para outros, era sala de convívio; houve reticentes, disseram que a construção era anterior à guerra. O Tangomau mantinha-se indiferente a tantas razões inconclusivas, o que ele queria era captar todos os vestígios, todas as marcas, ninguém o incumbiu da missão, foi ele que inventou esta obra asseada. Vamos a ver o que dizem os bloguers que lá viveram.


10. Armazém? Caserna? Escola? Edificação da tropa ou de comerciante? Que é de estrutura impressionante, não restam dúvidas. Quando se percorre o Enxalé fica-se com a noção de que a povoação já tinha história e um certo passado de residência e estadão comercial. Na reunião de Coruche compareceu uma senhora que ali viveu na infância, salvo erro filha de um comerciante. (**) O que se espera é que alguém lhe faça chegar estas imagens e a convoque para rememorar, mais não seja com base no seu acervo fotográfico.


11. Do Enxalé partiu-se à procura de Madina. Saiu-se de um território amplo, com vistas largas e com história. Entra-se num espaço hermético, árido e até inóspito. Não é difícil perceber como o PAIGC aqui estava aninhado e bem protegido. Este caminho fala de secura, de pouca fertilidade, de distâncias longínquas. Como se irá comprovar, deu que fazer os primeiros quatro quilómetros até Cabuca, passou-se ao largo, mas deu para ver que ali havia tabanca, e não pequena. 

É tudo aspereza à volta de Madina. O chefe de tabanca não estava, andava na faina. Foi o Sr. Sebastião Mendes quem nos acolheu, já Lânsana Sori dava sinais de esgotamento, graças àquele maldito pneu furado, que vê na primeira imagem. O que o Tangomau quis captar foi o futuro, as crianças à sombra, pois cá fora temos a ameaçadora fornalha do sol. E pensarmos nós que aqui houve combates terríveis, que morreram homens, mulheres e crianças, aqui se sinistraram Quebá Soncó e Fodé Dahaba. A cabeça do Tangomau não pára de girar. Sente-se apaziguado mas reserva para si este dever de memória.


12. Seguiu-se para Belel. Esta é uma enternecedora memória, a escola de Belel. Curiosamente, o professor, vemo-lo na primeira fila de pé, também se chama Sori, recebeu-nos efusivamente, propôs fotografia. O Tangoamu gosta a valer desta imagem, mais do que futuro temos aqui a hospitalidade guineense. Aqui se interrompe a viagem, a motocicleta está cada vez pior e o narrador quer ter mais história para contar, amanhã. Vamos continuar, está prometido.


(Continua)

Fotos: © Mário Beja Santos (2010). Todos os direitos reservados.
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Notas de CV/LG:

Vd. último poste da série de 30 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7528: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (9): O dia no Xitole e o regresso a Finete

(*)  CCAÇ 556 foi mobilizada pelo RI 6, partiu para a Guiné em 4/11/1963 e regressou a 28/10/1965. Esteve em Bissau, Enxalé e Bambadinca. Comandantes: Cap Inf José Abílio Lomba M;artins, Cap Inf Carlos Alberto Gonçalves, Ten Inf Fernando Gonçalves Foitinho.

(**) Vd. poste de 6 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6116: O Nosso Livro de Visitas (85): Maria Helena Carvalho, filha do Pereira do Enxalé, localidade onde nasceu há 60 anos, hoje residente nas Caldas da Rainha (Luís Graça)

(...) Na sequência do encontro da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67) , em Coruche, contactou-me, por telefone,  a Maria Helena Carvalho, nascida no Enxalé, e actualmente casada, residente nas Caldas da Rainha (...) (Telef. 262 842 990). 

Seu pai, Amadeu Abrantes Pereira, natural de Seia, era um conhecido comerciante, o Pereira do Enxalé. Era dono um importante destilaria de aguardente cana, bem como de outras instalações e casas, que ainda hoje estão de pé. A família era muito estimada pela população local. 

A Maria Helena nasceu no Enxalé em 1950, se não erro. Saiu cedo de lá, creio que com sete ou oito anos, por volta de 1958, para ir estudar em Bissau e depois na Metrópole. Mas regressava nas férias grandes. As suas memórias de infância (e os seus amigos de infância) estão indelevelmente ligados a esse tempo e a esse lugar. Os pais acabaram por sair do Enxalé, fixando-se em Bissau, em 1962. Já havia nuvens negras que prenunciavam a chegada da borrasca da guerra. A matéria-prima (a cana de açúcar) que abastecia a destilaria começou a escassear. Os caminhos tornavam-se perigosos. O PAIGC fazia o seu trabalho de sapa. Entretanto, a mãe morreu e a Maria Helena ficou definitivamente entregue aos cuidados dos padrinhos, das Caldas da Rainha.

O património da família ainda lá está, no Enxalé, arruinado. Também tinham prédios em Bissau. Em 1989, a Maria Helena voltou aos lugares da sua infância. Ainda encontrou, no Enxalé, gente que trabalhava para o seu pai e amigos de infância.

Ela ainda fala do Enxalé e da Guiné com emoção. (...)

Guiné 63/74 - P7556: Agenda Cultural (98): Digressão da Companhia Maior com a peça Bela Adormecida, de Tiago Rodrigues (Carlos Nery)

1. A propósito do Poste 7546* do nosso camarada Vasco da Gama, que comparava a "Companhia Maior", com o nosso Blogue, a "Maior Companhia", pedimos ao outro nosso camarada Carlos Nery, que faz parte dos "elencos" das duas "Companhias", que nos enviasse material relacionado com a peça "Bela Adormecida", que a "Companhia Maior" tem levado e vai continuar a levar à cena em todo o país.

Assim nos propomos enriquecer a nossa Agenda Cultural, com o anúncio deste espetáculo, levado a todo o lado por sexagenários ativos e bem vivos intelectualmente.

Caros tertulianos, velhos são os trapos...

CV



Em Outubro de 2010, a "Bela Adormecida" esteve em cena no Centro Cultural de Belém


CALENDÁRIO DAS ACTUAÇÕES DA "COMPANHIA MAIOR" LEVANDO À CENA A PEÇA "BELA ADORMECIDA", COM TEXTO E ENCENAÇÃO DE TIAGO RODRIGUES:




15 de Janeiro de 2011 - Tempo - Teatro Municipal de Portimão
 

21 de Janeiro de 2011 - Guimarães
 

28 e 29 de Janeiro de 2011 - Teatro Viriato de Viseu
 

18; 19 e 20 de Fevereiro de 2011 - Teatro Carlos Alberto - Porto
 

26 de Fevereiro de 2011 - Teatro Micaelense - Ponta Delgada
 

26 de Março de 2011 - Teatro Virgínia - Torres Novas





Vamos conhecer os artistas:


Clicar nas imagens para ampliar

A "Companhia Maior" em Bragança. O elenco, de que faz parte Carlos Nery, à esquerda da foto, quando em digressão.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 – P7546: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XIII): A Companhia Maior e a Maior Companhia, partos do mesmo querer?

Vd. último poste da série de 3 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7547: Agenda Cultural (97): Para não esquecer a apresentação do livro Lugares de Passagem, de José Brás, dia 6 de Janeiro de 2010, pelas 18 horas na Biblioteca José Saramago, em Loures

Guiné 63/74 - P7555: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (9): Piteira - O Rânger do Alentejo

1. Mensagem José Ferreira da Silva* (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 5 de Janeiro de 2011, com mais uma das suas boas memórias da guerra.


Memórias boas da minha guerra (9)

Piteira – o Ranger do Alentejo

O António Piteira, natural de Bencatel, próximo de Borba, era uma força da natureza. Conheci-o em Vendas Novas, durante o Curso de Artilharia. Irrequieto e provocador, vivia sempre em competição, parecendo querer afirmar-se em tudo.
Dizia-se que nas Caldas da Rainha, estando doente, não aceitou o resultado da prova de potência. Foi repeti-la, para baixar mais de 30 segundos.
Como era bom jogador de futebol, foi aproveitado para jogar como ponta de lança no Estrelas de Vendas Novas. Ainda como jogador do Lusitano de Évora, foi treinar ao Sporting e, segundo ele, como não lhe passavam a bola, abandonou o treino chamando-lhes Filhos da…

Exercício do Rapel (era com as roldanas dos trolhas içarem a massa)

Foi com ele que comecei a gostar do Alentejo e da sua gente. Enquanto no norte dificilmente nos manifestávamos politicamente, com medo de represálias, ali, com ele e alguns amigos, participei em algumas sessões, marcadamente revolucionárias.

Piteira já rema em seco (primeiros exercícios para a canoagem)

Mais de meio ano depois, em Setembro de 1966, encontrámo-nos em Lamego para prestar provas para o curso de Ranger. Curioso que nem ele nem eu desejávamos lá ficar. Por isso, durante as provas de selecção, tudo fizemos para ficarmos em último lugar. Porém, de nada nos valeu essa artimanha e obrigaram-nos a ficar lá. Foi logo decidido que seríamos “parelhas”. A organização por parelhas significava que todos os instruendos estavam obrigatoriamente ligados em grupos de dois e que teriam que fazer tudo em conjunto, numa missão de entreajuda total. E, além disso, que qualquer falta cometida por um deles teria que ser “paga” pelos dois, presumindo-se que a “culpa” era de ambos.

Inicialmente, o nosso relacionamento foi muito bom, Todavia, devido às suas aventuras e provocações, passávamos muito do tempo a discutir.
Uma das coisas que ele gostava era de exibir as calças da farda de trabalho nº 3, abertas/descosidas entre as pernas.

Num dia muito frio de finais de Novembro, estava anunciada a descida nocturna em Rapel, desde a torre da Sé para a parada. Pois o amigo Piteira descobriu logo ali mais uma forma de se exibir. Disse-me que deveria ser engraçado, descer com o cigarro aceso, que, com o movimento da descida, pareceria um cometa. E decidiu que ia fazer isso. Claro que, mais uma vez, discutimos, mas ele não me ligou. E, já a subir as escadas para a torre pelo interior da igreja, comecei a afastar-me dele, como forma de protesto.
Procurei logo ser dos primeiros a descer, ficando ele a fazer os preparativos da apresentação do tal cometa.

Antes de irmos para o Douro sem barragens, já vencíamos no Varosa.

Entretanto, o Comandante chegou, acompanhado, como habitualmente, da sua mulher, ambos garbosamente vestidos de camuflados, cuidadosamente passados a ferro. Ela vinha já preparada, como sempre, para exemplificar como se devia fazer a descida em “rapel” a qualquer maricas que acusasse falta de coragem. E o Comandante, sempre de mangas arregaçadas, mostrava a sua valentia, ainda que exibindo pêlos encrespados na evidente “pele de galinha” provocada pelo frio e, por vezes, através da voz entrecortada, devido ao “congelamento” dos maxilares.

Mal vi o Piteira pendurado no cabo do “rapel”, de pernas abertas, calças rotas denunciando o “aparelho recreativo” e o cigarro aceso na boca, larguei a fugir para a mata, escondendo-me na escuridão e jurando que desta vez, não iria aparecer para “pagar” juntamente com ele a pena que lhe iria ser aplicada. Ele descia pelo cabo devagar, possivelmente para prolongar o espectáculo. Porém, o Comandante, de megafone na mão, logo exclamou: “- Quem é aquele melro?” E mandou apontar o holofote para cima.

Piteira com as calças abertas - no campo do Lamego, preparados para o futebol

- Ohhhh!!! – soaram, em espanto, as vozes da assistência, seguidas de algumas gargalhas. O Comandante perguntou logo de seguida: “- Onde está a parelha, quem é a parelha?” E foi acrescentando: “- Desce meu melrinho, que já te vamos tratar da saúde.”

A sessão do “rapel” acabou, e eu silenciosamente, fui-me introduzindo no quartel e meti-me na cama de baixo do beliche (a de cima era dele, porque fumava). Não sei onde ele esteve. O que sei é que, quando todos já dormiam, ele surgiu, apoiando-se aos armários, até chegar junto da cama. Não se aguentava de pé. Aninhou-se e caiu sobre a cama, ao meu lado, sem dizer uma palavra. Fui para a cama de cima.

Sempre que vejo o filme “Voando sobre um ninho de cucos” http://www.dvdpt.com/v/voando_sobre_um_ninho_de_cucos.php (um dos meus preferidos) identifico com o Piteira a personagem irreverente interpretada pelo Jack Nicholson. E quando ele vem para o dormitório, a regressar da sua última dose de tratamento de choque, eu penso: - Lá vem o Piteira, “recosido” pela tareia que levou em Lamego, depois da descida nocturna em “rapel”.

Silva da Cart 1689
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7376: Agenda Cultural (93): A Sociedade Filarmónica de Crestuma (José Ferreira da Silva, ex-Fur Mil Op Esp, CART 1689, 1967/69)

Vd. último poste da série de 21 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7315: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (8): Canquelifá e o desporto - Provas de Periquitos

Guiné 63/74 - P7554: Parabéns a você (196): Valentim Oliveira, Soldado Condutor da CCAV 489/BCAV 490 (Tertúlia / Editores)




PARABÉNS A VOCÊ

05 DE JANEIRO DE 2011

Valentim Oliveira

Caro Valentim, a Tabanca Grande solidariza-se contigo nesta data festiva. Assim, vêm os Editores em nome de todos os teus camaradas, amigos e camarigos desejar-te um feliz dia de aniversário junto dos teus familiares.
 

Que esta data se festeje e prolongue por muitos anos, repletos de saúde, tendo sempre junto de ti quem mais amas.

Na hora do brinde não esqueças os camaradas e amigos deste Blogue, que irão erguer também uma taça em tua honra.
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Notas de CV:

Valentim Oliveira foi Soldado Condutor da CCav 489/BCav 490 que esteve na Região de Farim entre 1963 e 1965:

Vd. poste de 5 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5590: Parabéns a você (62): Valentim Oliveira, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 489/BCAV 490 (Editores)

Vd. último poste da série de 2 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7543: Parabéns a você (195): Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil da CART 2339 (Editores / Tertúlia)

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7553: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (35): Boas Festas e Feliz Ano de 2011 (Patrício Ribeiro)

1. Em mensagem de 30 de Dezembro de 2010, o nosso amigo tertuliano Patrício Ribeiro, enviou-nos os seus votos de Boas-Festas e um Feliz Ano de 2011 para toda a Tabanca.

Como anexo, trazia estas duas fotos, que interpretei como símbolos de uma Nação com passado e futuro. Deve preservar o seu passado e apostar na juventude que fará dela uma Nação próspera. Graças aos seus meninos, a Guiné-Bissau é uma das nações mais jovens do mundo.

Dezembro de 2010 > Meninos Felupes da Tabanca de Iale-Varela. O futuro da Guiné-Bissau passa também por eles.

Dezembro de 2010 > Forte de Cacheu. Um passado a preservar.

Ao nosso tertuliano Patrício Ribeiro desejamos a continuação de uma boa estadia na Guiné-Bissau com muita saúde neste ano de 2011.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7544: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (34): Quem tem cu… tem continuação… (José Eduardo Oliveira - JERO)

Guiné 63/74 - P7552: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (8): Dia 26 de Novembro de 2010

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Dezembro de 2010:

Malta,
Foi um dia em cheio. Agora, já conheço praticamente todo o Cuor. Mas ainda volto ao Cuor, ali há vida depois da guerra, surgiram tabancas em Sansão, Maná, Canturé e Madina de Gambiel.
Amanhã volto para completar o dia de hoje.
É em Gambiel que alguém me vai reconhecer 41 anos depois. Não sei como é que se explica e se comenta esta comoção. Prefiro dizer que chorei e lavei os olhos, enternecido.

Um abraço do
Mário


OPERAÇÃO TANGOMAU - ÁLBUM FOTOGRÁFICO (8)

DIA 26 DE NOVEMBRO DE 2010

Foi um dia com um amanhecer ameno, troca de cumprimentos na estrada entre Finete e Canturé. Encontro imprevisto com o Sr. Biloche, presumível empreiteiro da casa do anarca Jorge Cabral em Finete. O Sr. Biloche mostra o seu palacete, é uma construção recomendável e muito provavelmente invejável para o que o Jorge Cabral pretende (mas em dimensão mais reduzida, o Sr. Biloche tem várias mulheres e muitos filhos e ainda não passou os 35 anos…). Segue-se por Mato de Cão, Saliquinhé, São Belchior e entra-se à esquerda na mais apetecível e frondosa avenida de poilões que deve haver em todo o mundo. Depois de cerca de 20 minutos a fugir das covas, capim das bermas e charcos, entra-se no Enxalé, mudou de fisionomia mas guarda preciosos vestígios de construções militares. Cabe aos interessados ajudarem a interpretar o que se vê. Por exemplo, este edifício. Segundo o chefe de tabanca, Suleimane Sanhá, seria uma oficina ou depósito, edificado com a primeira companhia que chegou ao Enxalé. A ver quem nos explica a função desta ruína.

Foto de Henrique Matos (Guiné, 1966/68) em que se vê a Oficina e uma casota semelhante à da foto acima

Na altura em que se tirou esta fotografia, o Tangomau estava acompanhado do chefe de tabanca, de Malã Tchamo, do pelotão de milícia 310 e de Sadjo Tchamo, igualmente milícia em Missirá e Finete. A explicação que deram é que se tratava de um posto de vigia fortificado, naquele tempo temia-se flagelações a partir da mata entre o caminho que leva ao Xime e o caminho que leva ao Porto Novo. Fica-se a aguardar os comentários de quem viveu no Enxalé

Segundo os acompanhantes do Tangomau, aqui começava o caminho que atravessava a bolanha, bem extensa por sinal que levava ao pequeno ancoradouro, mesmo em frente do Xime. Não há quaisquer razões para duvidar desta afirmação dos autóctones. O Tangomau já teve esta nostalgia em Finete, irá senti-la na Ponta do Inglês, amanhã. A Natureza toma conta do que o homem abandonou, a um prenúncio de civilização cresce um bulício da paisagem, sempre redentora.

Aqui a descodificação entra na fase mais empolgante. Aqui andou a companhia dos madeirenses, muito provavelmente os alferes Henrique Matos Francisco, João Crisóstomo e Luís Zagalo Matos cirandaram por aqui. Aguardam-se comentários: quando surgiu o memorial, quem foram os seus artífices, o que se escreveu para uma posteridade que não aconteceu em pleno

Henrique Matos (Guiné, 1966/68) junto aos memoriais da CCaç 1439 (madeirenses) e da CCaç 556 que a antecedeu

Fica-se com sérias dúvidas se os militares do Enxalé são capazes de decifrar de que instalação se trata. Os acompanhantes do Tangomau foram peremptórios: era armazém, depósito, talvez caserna, hoje é um antro de sabedoria, aqui se alinham as letras e se expande a capacidade matemática de meninos guineenses, até aqui provavelmente se revelarão pintores ou génios da informática. O fundamental é que da guerra se passou à paz, isto é um espaço para as crianças sonharem e para os mestres acreditarem no seu papel de ajudantes do sonho.

Longo, muito longo e atribulado é o caminho que nos leva da estrada do Enxalé até Cabuca, Madina e Belel. Estamos em Novembro, não esqueçam: o capim é elevado e amarelece, a época das chuvas deixou vestígios, esta região continua árida e um pouco inóspita, parece que ainda é uma praga da guerra. Não foi por acaso que o PAIGC aqui se instalou, de pedra e cal. Quem foi a Belel ou a Madina não esqueceu a aspereza do terreno, talvez a zanguizarra dos grilos, a majestade do baga-baga. Madina não é propriamente um oásis, já se passou ao largo de Cabuca (várias opiniões confirmam que aqui era a Madina do PAIGC, mais junto à água, mais inacessível e onde era mais fácil referenciar o atacante. O fundamental é que se chegou a Madina, fez-se a apresentação dos intentos da viagem, Lânsana Sori olha para a câmara, sentado, sabe-se lá se a esta hora já não estava arrependido da empreitada em que se metera. Este senhor em jovem foi combatente do PAIGC, recebeu risonho o Tangomau e pediu à mulher para ficar na fotografia. Ali trabalha-se arduamente, sim, a terra é madrasta, dói que se farta arrancar-lhe o sustento. O que o Tangomau mais gosta é da disponibilidade do casal em se fotografar, já se conversou sobre a pretérita guerra, a comunicação foi muito pacifica, o Tangomau e o seu condutor prometeram receber um pouco de mancarra e beber água quando vierem de Belel. São assim os ínvios caminhos da paz e da convivência dos homens.

Se há foto que neste dia encheu as medidas do Tangomau foi esta. Para quem esteve na operação Tigre Vadio até a pele se arrepanha quando se pensa que se andou por aqui em chacina, tal como aconteceu nos finais de Março de 1970. Se até Madina tudo é áspero, daqui até à tabanca de Belel é a aridez mais desolada, mais agreste, como se uma paisagem lunar atravessasse a luxúria tropical. Olhe-se para as lianas e para o capim. É tudo um convite para fugir. Para o Tangomau, vir a Belel era um ponto alto para a sua reconciliação. E assim aconteceu. Não esqueçam: quando aqui vierem, qualquer coisa como 5 km depois de Madina viram à esquerda, a pé, de bicicleta ou motocicleta. Se forem em frente, desatentos, entram no corredor do Oio, por portas e travessas chegam a Mansabá.

Já estamos no regresso, com a alegria da missão cumprida. Por hoje ficamos por aqui, mas ainda há muitas coisas a contar na Operação Tangomau. Despedimo-nos com esta imagem de gente apaziguada que recebeu calorosamente Lânsana e o Tangomau. Era a hora da sesta, eles preparavam-se para dormitar, a motocicleta trazia um pneu em baixo, o Tangomau mostrou-lhes os livros, houve risada e boa disposição. “Tira fotografia para lembrares o povo de Madina!”. Agradece-se à representação do povo de Madina esta visita há tanto aguardada. Agora já não há território inimigo. Apertam-se as mãos, diz-se até à próxima, entre nuvens de poeira regressa-se, sabe Deus como, até à estrada do Enxalé

O Tangomau vem publicamente agradecer as provas de perícia, competência e profissionalismo do motociclista Lânsana Sori, ao longo de três dias. Feito o contrato de prestação de serviços, que abrangia atestar o depósito e pagar os encargos diários de transporte, Lânsana tudo fez para tornar a viagem mais cómoda para o seu inesperado cliente. Mal ouvia uma exclamação, logo propunha uma paragem para captar um registo fotográfico, de nenúfares ou vestígios da presença militar se tratasse. Chegou ao cúmulo de propor regressos a Chicri, Mato de Cão e Canturé, serviços extra, ele ia acumulando cansaço, não deve ter graça nenhuma o elevado grau de concentração entre charcos de água e desníveis brutais do piso. Sem ele, o Tangomau não teria tido as compensações espirituais que teve. Recorda o martírio de um pneu furado, ainda não se tinha chegado a Madina, e que obrigou a uma alteração, chegados à estrada do Enxalé, houve que regressar num camião até à Bantajã Mandinga para substituição do pneu. Revelou estoicismo, o cliente passou a admirá-lo para o resto da vida. E se houver regresso à Guiné, como se prevê, é impensável chegar ao Buronton, ao Fiofioli, ao Baio, a Moricanhe, sem o talento e a dedicação de Lânsana Sori.

Fotos: © Mário Beja Santos (2010). Direitos reservados.
Fotos (PB): © Henrique Matos (2010). Direitos reservados.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7541: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (7): Dia 25 de Novembro de 2010